USOS E COSTUMES Urso-formigueiro foge do mundo cruel texto Carlos Domingos ilustração Ricardo Neto “Aardvark” é um termo afrikaans, que significa “porco da terra”. É a primeira palavra que encontramos em vários dicionários para designar um animal semelhante ao porco, frequente em diversas zonas da África Austral. Prefere viver nas florestas, em terrenos arenosos e com boa erva. Por motivos que veremos a seguir evita zonas alagadiças. Tem uma aparência única: focinho de porco, orelhas de burro, patas de urso e uma cauda larga na sua base e pesada. O corpo arqueado e coberto de poucos pêlos é de cor amarelada, às vezes tingida pela terra avermelhada. Chega a ter de comprimento quase um metro e meio e habitualmente anda sozinho. É um urso-formigueiro, não directamente relacionado com os papa-formigas. Os dentes têm uma peculiaridade: uma espécie de tubos internos e não são revestidos de esmalte. Porque se desgastam, crescem continuamente. As patas de trás têm cinco dedos e as da frente perderam o polegar, mas os outros possuem uma unha grande e poderosa que funciona como uma pá, num misto de garras e patas. O urso-formigueiro raramente an da de dia. Pode vaguear de noite vários quilómetros à procura de formigueiros. Correndo sobre o terreno, consegue cheirar ou ouvir os movimentos das formigas e térmites no sub-solo. Quando identifica o local apropriado, rapidamente escava túneis, com as patas ou garras da frente, bastante fortes e adaptadas ao trabalho, para as apanhar. Se o terreno for mole, consegue escavar cerca de quatro metros num minuto. Mantém as narinas do focinho fechadas para melhor penetrar a terra. Usa a seguir a língua comprida e pegajosa para apanhar montes de formigas nos túneis delas. Há quem lhe chame “engenheiro” do ecossistema, já que escava enormes túneis, proporcionando alterações que favorecem a fertilidade do solo. Depois de abandonados, os túneis servem de abrigo e de local de reprodução para vários outros animais como a hiena, o javali, o coelho, o porco-espinho e outros. Várias tribos africanas referem-se à vida deste curioso animal nas suas tradições. Uma lenda Shona narra que, no início do mundo, o urso-formigueiro vivia como todos os outros animais sobre o solo, à superfície. Era amigo de todos e a todos ajudava, bem conhecido e louvado pela sua bondade e sensibilidade. Um dia, passeando pelo seu território, o urso-formigueiro encontrou um pequeno pássaro que tinha caído do ninho e morrido. Mais à frente deparou-se com borboletas mortas de sede ao lado de um lago seco. Como gostava de se deleitar, olhando para estas criaturas coloridas, a voar de flor em flor pela paisagem verdejante, sentiu um aperto no coração. Mais à frente, encontrou um macaco que tinha morto alguns pássaros pa ra comer em casa, sem grandes ce rimónias. Como o urso-formigueiro gostava de apreciar as coisas bonitas da natureza e ouvir o chilrear destes pássaros, sentiu o seu coração partir-se de dor. Não conteve o desespero e desatou a chorar, cheio de tristeza pela crueldade que existia num mundo que podia ser um paraíso para todos. Quanto mais viajava, mais histórias horrorosas ele ouvia contar. Sendo um animal pacífico e dócil, o urso-for migueiro não podia mais aguentar tamanhas barbaridades e decidiu ir viver para debaixo do chão. Não queria ver tantas crueldades ou encontrar quem lhe falasse de coisas tão tristes. E, até hoje, o urso-formigueiro tem vivido nos seus túneis, de onde sai so mente à noite, quando os outros ani mais estão a dormir. Tem uma aparência única: focinho de porco, orelhas de burro, patas de urso e uma cauda larga na sua base e pesada FÁTIMA MISSIONÁRIA 22 ABRIL 2010