JORNAL DA associação médica Agosto/Setembro 2008 • Página 13 ESPECIALIDADE Nova lei de trânsito divide opiniões José Carlos Paiva/Secom-MG Desde o dia 20 de junho, está em vigor a chamada “Lei Seca”, que prevê limites mais rigorosos, multa de R$ 955 e outras penalidades para quem cometer o delito de embriaguez ao volante. A nova lei, que prega a “tolerância zero”, tem causado discussões e controvérsias no meio médico e em outras áreas, como direito e segurança pública. O ato de beber e dirigir já era considerado crime, com pena de detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão da habilitação para conduzir veículo automotor. A Lei Seca, de nº 11.705/2008, é mais severa. Além do previsto na lei anterior, penaliza o condutor que estiver com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas – o equivalente a 0,3 miligramas de álcool por litro de ar expelido no bafômetro. Para a psiquiatra Karla Miranda, integrante da Comissão de Controle do Tabagismo, Alcoolismo e Uso de Outras Drogas da Associação Médica de Minas Gerais (Contad-AMMG), a política de tolerância zero é acertada. Embora a concentração de álcool estipulada pela nova lei provoque alterações mínimas na coordenação motora e na visão de profundidade, explica a médica, as pessoas nem sempre têm controle sobre seu comportamento quando começam a beber. “As pessoas que dirigem alcoolizadas e provocam acidentes, em sua maioria, são aquelas que acreditam poder parar de beber antes de ficarem bêbadas. Para desespero de amigos e familiares, perdem o controle sobre a quantidade de consumo, apresentam amnésias e repetem o mesmo comportamento inúmeras vezes. Então, tem que ser zero de álcool mesmo!”, defende a psiquiatra. Karla Miranda acrescenta ainda que pessoas muito responsáveis em vários setores da vida estão sujeitas a grandes irresponsabilidades após a ingestão de um primeiro copo de cerveja ou dose de qualquer bebida alcoólica. Para a especialista, não se deve tratar a venda de bebidas alcoólicas como um comércio qualquer. “O álcool é uma droga com potencial de abuso e dependência, capaz de promover alterações no cérebro de uma parte da população que a consome, adoecendo-a”, explica. O advogado e vice-presidente do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, Luiz Ricardo Gomes Aranha, tem outra opinião. Para ele, limitar a quantidade ingestão de álcool não muda o hábito dos motoristas. Em artigo publicado no jornal “Estado de Minas”, em 28 de julho deste ano, Aranha afirma que “não é a proibição que faz a conduta. Ao menos não faz sozinha. É a educação que muda os hábitos”. Ele explica que combater o delito de embriaguez ao volante com penas severas de nada adianta, já que as pessoas recebem educação diferente dependendo do meio em que vivem. “Cada um escolhe ou não seguir a lei. Por exemplo, ‘um filhinho de papai’, acostumado a fazer Desde junho, policiais passaram a exigir teste com bafômetro durante blitze o que quer, pode escolher desafiar a lei, optando pela combinação ‘beber e dirigir’”, diz. Aranha considera a Lei Seca um exagero e um desrespeito aos direitos dos cidadãos e ironiza dizendo que se um padre beber vinho durante a missa, dirigir em seguida e for parado por uma blitz, o bafômetro irá apontar o excesso de álcool, mesmo se a quantidade ingerida for um cálice. O advogado salienta que educação e fiscalização, juntas, poderiam dar certo. “Se o texto da lei anterior fosse associado às campanhas educativas e à fiscalização que vigora atualmente, teríamos tudo para diminuir as infrações provocadas por embriaguez”, conclui. O que dizem as autoridades Para o comandante operacional do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, coronel Cláudio Teixeira, a Lei Seca veio tarde. “Devia ter vindo antes e ser mais austera ainda. Ao socorrer acidentados, deparo-me com uma cena de guerra: pessoas com lacerações e mutilações”, conta. Segundo o comandante, são 50 mil vítimas fatais de acidentes de trânsito no Brasil, por ano – o mesmo número de mortos durante toda a Guerra do Vietnã, que durou cinco anos. O número de feridos em acidentes de trânsito no País chega a 350 mil anualmente. As estatísticas do Corpo de Bombeiros Militar revelam ainda queda de 7% no número de acidentes envolvendo automóveis entre 15 de junho e 15 de julho de 2008, em relação ao mesmo período do ano passado, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. No ano passado, foram 720 acidentes com automóveis, enquanto neste ano o número de acidentes no período foi 668. O vice-diretor do Instituto Médico-Legal (IML), Rui Lopes Filho, também acredita na mudança de comportamento dos motoristas com a Lei Seca. De acordo com ele, que também é chefe da Divisão de Perícias Médico-Legais, houve um crescimento de 5% no número de perícias em condutores de veículos para verificação de ingestão alcoólica. De 20 de junho a 21 de julho de 2007, o IML, que faz parte da estrutura da Polícia Civil de Minas Gerais, realizou 116 perícias. No mesmo período de 2008, foram 136 procedimentos, entre exames clínicos e de sangue. HPS comemora Lei Seca As estatísticas de atendimento às vítimas de acidentes de trânsito no Hospital de Pronto Socorro João XXIII (HPS), localizado em Belo Horizonte, mostram que a Lei Seca já está causando impacto. A média diária de atendimentos – que era 50, no período de 1º a 10 de junho – caiu para 39, no período de 1º a 10 de agosto. “Nos finais de semana, a média de atendimentos a vítimas de acidentes com automóveis, que girava em torno de 50 a 55, atualmente está entre 40 e 44, o que representa uma queda de 20%”, afirma o ge- rente de Estratégia e Informação do HPS, Roberto Marini. Segundo Marini, a estatística é bem significativa. “Na questão álcool e trânsito, é importante ressaltar que o HPS não registra o número de vítimas fatais ou não fatais que não são levadas ao hospital”. Ele conta que na primeira semana após a Lei Seca, os números ainda eram muito semelhantes aos do período anterior e que só a partir do dia 1º de julho é que foi percebida uma mudança maior.