○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ iBIZ 2008 Perspectivas globais em negócios, internet e ética Frederick Bird Universidade de Waterloo, Canadá RESUMO Este ensaio considera as responsabilidades éticas das empresas que atuam em um mundo que se tornou globalizado, mas continua desequilibrado e enfrenta vários riscos profundos. Em tal mundo de recursos limitados, as empresas devem operar de modo sustentável. Devem respeitar a diversidade cultural e moral, proteger e nutrir a comunidade e promover o desenvolvimento econômico, especialmente em relação aos dois bilhões de seres humanos que vivem na pobreza. Em sua estratégia, as empresas devem optar pelo desenvolvimento de recursos ao invés da minimização de custos ou maximização de lucros. Este ensaio considera os vários modos práticos de se operar com o fim de cumprir com tais objetivos, com relação a áreas tão diversas quanto a definição de condições de trabalho, questões de segurança, transferência de custos, relações com clientes, infraestrutura necessária e relações com o governo. Palavras-chave: Responsabilidades éticas – Mundo globalizado – Diversidade cultural e moral. RESUMEN Este ensayo considera las responsabilidades éticas de las empresas que actúan en un mundo que se ha tornado globalizado, pero continúa desequilibrado y enfrenta varios riesgos profundos. En tal mundo de recursos limitados, las empresas tienen que operar de un modo sostenible. Ellas tienen que respectar la diversidad cultural y moral, proteger y nutrir la comunidad y promover el desarrollo económico, especialmente en relación a los dos mil millones de seres humanos que viven en la pobreza. En su estrategia, las empresas deben optar por el desarrollo de activos en vez de la minimización de costos o maximización de lucros. Este ensayo considera los diversos modos prácticos de operarse con el fin de cumplir con tales objetivos, con relación a áreas tan diversas como la definición de condiciones de trabajo, cuestiones de seguranza, transferencia de costos, relaciones con clientes, infraestructura necesaria y relaciones con el gobierno. Palabras clave: Responsabilidades éticas – Mundo globalizado – Diversidad cultural y moral. ○ Introdução ○ ○ Várias questões éticas têm sido levantadas com respeito aos usos e abusos das crescentes possibilidades de se aproveitar o desenvolvimento global da internet. Tais questões incluem tópicos relacionados a direitos de propriedade intelectual, invasão de privacidade, censura, danos morais e a simples falta de acesso. Outros tópicos a serem considerados incluem assuntos relacionados à credibilidade da informação na internet, roubo de identidade, segurança da internet, hábitos no seu uso, plágio e fraudes financeiras. Abordarei estes e outros assuntos na parte final deste ensaio. Nesse meio-tempo, a fim de ganhar uma melhor compreensão sobre como pensar – e atuar responsavelmente – em relação a tais questões, começarei por adotar uma perspectiva global e então considerarei como um modelo de agregação de valor na ética das empresas internacionais poderia trazer mais clareza a esses tópicos.1 Vivendo em um mundo globalizado, desequilibrado e arriscado Nós vivemos em um mundo globalizado, desequilibrado e arriscado Nós vivemos em um mundo globalizado, desequilibrado e arriscado. À medida que tentamos considerar as questões éticas relacionadas à internet, é importante que reflitamos sobre o contexto global mais amplo dentro do qual nos encontramos. Ao percebermos esse quadro maior, também obteremos uma ideia melhor sobre como definir e dar prioridade aos vários temas éticos associados aos usos e possibilidades da internet. Quando dizemos que nosso mundo é hoje globalizado, pretendemos comunicar várias ideias diferentes, mas relacionadas. Falamos de globalização a fim de indicar, em primeiro lugar, o quanto os seres humanos tornaram-se mais interconectados. Essa conexão é um subproduto de vários desenvolvimentos diferentes. Algumas dessas forças de globalização, como o desenvolvimento do comércio intercontinental e a expansão missionária do islã, cristianismo e budismo, aumentaram consideravelmente durante o último milênio. Outras, como a expansão e melhoria dos transportes de longa distância e a migração moderna dos povos, têm se desenvolvido continuamente nos últimos séculos. Houve um aumento no ritmo e no alcance da globalização em virtude dos níveis crescentes de comércio internacional. Embora houvesse uma explosão do comércio mundial durante os cinquenta anos anteriores à 1 96 Em 29 de fevereiro de 2008, apresentei uma conferência na Universidade de St. Jerome em Waterloo, Ontário, Canadá, com o título “Rethinking the bottom line: international business and poverty” [Repensando os resultados: negócios internacionais e pobreza]. Utilizei parte do material apresentado nessa conferência ao escrever a segunda seção deste artigo e partes da seção final. Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 Primeira Guerra Mundial, o comércio global expandiu-se especialmente na segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra Mundial. Quando se pensa em forças globalizantes, é importante não negligenciar o papel das forças imperiais mais agressivas. Uma grande diversidade de povos foi colocada em inter-relação mais íntima como resultado da expansão política e econômica das esferas de influência dos impérios turco, russo/soviético, espanhol, francês, britânico, e americano.2 Essas forças estiveram em jogo durante vários séculos. Durante os últimos 150 anos, as interconexões entre povos distantes foram facilitadas por vários desenvolvimentos recentes em tecnologias de comunicação, como o telégrafo, os sistemas postais internacionais, o telefone, as ligações a cabo, a televisão, as comunicações via satélite e, agora, a internet. Várias dessas forças de globalização – o aumento do alcance e da interconexão do comércio moderno, dos sistemas de transporte, da mídia e da comunicação – estão intimamente entrelaçadas com outro fenômeno relacionado integralmente a elas: o desenvolvimento da indústria e dos negócios na modernidade. O comércio moderno, o transporte, a mídia e a comunicação são, em parte, subprodutos da indústria moderna. Eles também contribuem para a extensão das possibilidades e a influência da indústria moderna. Assim, embora a indústria e os negócios modernos não sejam uma força globalizante por si sós, eles moldaram e afetaram o caráter dessas forças globalizantes. A indústria e os negócios modernos encontraram meios para promover um uso mais produtivo dos recursos humanos e naturais. Nesse processo, ajudaram a elevar o padrão de vida de bilhões de seres humanos. O mundo moderno é claramente um mundo de estados-nação porque as jurisdições políticas dominantes e prevalecentes são as nações, e não aldeias, cidades, tribos, terras arrendadas ou impérios (como frequentemente se viu no passado). No entanto, cinquenta das maiores economias do mundo pertencem a empresas, enquanto outras cinquenta pertencem a estados-nação. Como resultado da influência dessas várias forças globalizantes – as religiões missionárias, a migração dos povos, a expansão dos impérios coloniais europeus, o desenvolvimento do comércio, transporte e comunicação modernos – o mundo globalizado contemporâneo exibe várias características particulares. Mencionarei algumas que me parecem importantes quando começarmos a refletir sobre a ética na internet. Por exemplo, em primeiro lugar, surgiram vários idiomas globais usados em muitos países e ambientes diferentes daqueles onde foram originalmente usados. Tais idiomas incluem o árabe, o francês, o espanhol, o português, o han (chinês), o russo e o inglês. Segundo, houve um gran2 Poderíamos acrescentar também as esferas de influência dos dinamarqueses, portugueses, italianos, alemães, holandeses, japoneses e iranianos. ○ ○ ○ Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 97 Uma grande diversidade de povos foi colocada em interrelação mais íntima como resultado da expansão política e econômica das esferas de influência dos impérios O comércio moderno, o transporte, a mídia e a comunicação são, em parte, subprodutos da indústria moderna O reconhecimento da diversidade cultural e, por extensão, da ética permanece um desafio que ainda precisa ser apreciado e tratado de modo mais completo de aumento na quantidade de informação que tem sido criada, reunida e que pode ser facilmente acessada. Assim, a informação – inclusive os modos como ela é armazenada, organizada, comunicada e utilizada – tem um papel cada vez mais influente e decisivo em diversas áreas da vida moderna, inclusive na política, na indústria, no desenvolvimento de energia e nas práticas da medicina. Terceiro, as forças da globalização tornaram os seres humanos cada vez mais conscientes da diversidade das culturas humanas. Quando as pessoas nos países do Atlântico Norte se conscientizaram dessa diversidade cultural nos séculos XIX e XX, tentaram dar um sentido a essa diversidade, às vezes de modo bastante problemático, como o fez Hegel ao considerar outras culturas menos avançadas. O reconhecimento da diversidade cultural e, por extensão, da ética permanece um desafio que ainda precisa ser apreciado e tratado de modo mais completo. Quarto, neste último século, a globalização também assumiu uma expressão civil e semipolítica, a qual emerge com a criação de várias associações e organizações do governo e conexões mundiais. Tenho em mente, aqui, o estabelecimento e o papel de organizações como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (relativo aos prisioneiros de guerra e à Convenção de Genebra), a Organização Mundial de Saúde, a Associação Internacional de Energia Atômica, a Associação Mundial de Vida Selvagem, o Tribunal Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial de Comércio. Essa variedade de associações estabelece normas globais e ativas, mobilizando pessoas dos mais diversos países a agir em nome de objetivos comuns. Todas essas organizações estabelecem políticas e normas com as quais se espera que os governos nacionais venham a concordar. Isso vale tanto para as organizações internacionais citadas como também para grupos como as Nações Unidas, a Alta Comissão de Refugiados, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Trabalho. Pessoas dos mais diversos países também estão bem interconectadas por meio de associações religiosas e de sociedades civis – grupos como o Unicef, a Anistia Internacional, o Fórum Econômico Mundial, a Igreja Católica Romana, o Conselho Mundial de Igrejas –, bem como de comércio internacional e associações industriais – como o Acordo de Kimberly entre empresas envolvidas com a exploração e venda de diamantes, o Global Compact entre empresas e o Comitê Olímpico Internacional. Poderíamos continuar a citar muitas outras associações, ajuntamentos e conselhos que exercem alguma forma de autoridade pública global. Tais associações compartilham as seguintes características em comum: são formadas por pessoas de muitos países diferentes; buscam nutrir a cooperação entre as pessoas ao redor do mundo; e estabelecem e buscam garantir a aplicação de normas por meio de políticas internacionais particulares. O número dessas organizações aumentou muito nas últimas gerações. 98 Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 Utilizamos as palavras “global” e “globalização” para recorrer a uma variedade de forças e organizações que funcionam com o fim de aumentar o número e a intensidade das conexões sociais que unem as pessoas de culturas e nações diferentes. Além disso, utilizamos essas palavras para descrever certo modo de ser e de pensar o mundo. Adotar uma forma de ser global significa olhar o mundo como um todo, ver assuntos e preocupações particulares em termos de sua relação com o todo. Pensar globalmente é pensar de modo abrangente e procurar reconhecer esses tipos mais amplos de inter-relação. O oposto de pensar globalmente é pensar em condições exclusivas e paroquiais. Pensar e agir globalmente também requer que se vejam as questões particulares em termos de sua inter-relação e impactos no planeta como um todo, incluindo os sistemas orgânicos e inorgânicos que são parte da terra. Alguns observadores definiram essa perspectiva maior como biosfera ou comunidade de vida. Porém, a terra abarca mais do que esses termos parecem referir, pois inclui as bases minerais e as dimensões atmosféricas. Em todo caso, adotar uma perspectiva global envolve assumir a responsabilidade de cuidar ou ajudar a cuidar deste todo planetário. Significa reconhecer que, na condição de humanos, somos parte e interagimos com uma realidade terrestre maior, da qual somos dependentes e que afeta o modo como vivemos. Da mesma maneira, usamos o termo “globalização” para nos referirmos ao grau a que vários grupos e comunidades passaram, com o tempo, a adotar esse modo de ser e, assim, alterar e ampliar seus horizontes e pontos de referência a fim de abraçar uma perspectiva verdadeiramente global, fundada nas necessidades do planeta. Como resultado, muitos grupos e comunidades passaram a se preocupar mais com as questões ambientais e as práticas sustentáveis nos negócios e em seus modos de vida pessoais. Conclui-se, então, que as forças de globalização não somente recorrem a desenvolvimentos que levam à conexão de pessoas diversas e de múltiplas formas, mas também a desenvolvimentos que motivam as pessoas a pensar mais globalmente em suas próprias vidas e programas de trabalho. No transcorrer da geração passada, o mundo no qual moramos tornou-se mais globalizado e mais desequilibrado. Apesar dos recentes desenvolvimentos em comunicação eletrônica, comércio mundial e colaborações intergovernamentais, o mundo está longe de ser equilibrado e de ser plano Hoje, aproximadamente 2,3 bilhões de seres humanos têm rendas inferiores a 2 dólares por dia. Isso significa que uma em cada três pessoas vive em situação de pobreza. De modo geral, essas pessoas têm vidas mais curtas: mais de dezessete anos a menos, em média, do que as pessoas com rendas médias. Elas têm maior probabilidade de ter uma saúde mais frágil, sofrer taxas mais altas de mortalidade infantil, viver em meio à violência e receber menos educação. Têm probabilidade menor de reduzir riscos por meios de seguros ou de ter acesso a crédito. ○ ○ ○ Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 99 Adotar uma forma de ser global significa olhar o mundo como um todo, ver assuntos e preocupações particulares em termos de sua relação com o todo Muitos grupos e comunidades passaram a se preocupar mais com as questões ambientais e as práticas sustentáveis nos negócios e em seus modos de vida pessoais Porque o número de seres humanos tem crescido continuamente, a quantidade de pessoas afetadas pela pobreza não mudou Têm maior probabilidade de sentirem-se impotentes. Mais da metade dessas pessoas mora nos 60 países menos desenvolvidos. Estes países, a maioria deles situada na África e na Ásia Central, mas também incluindo o Haiti, não estão funcionando bem. Parecem ser vítimas de ciclos de violência, péssimos governos e de sua própria pobreza.3 A outra metade dessas pessoas empobrecidas vive em áreas rurais de países como China, Índia, México e Brasil, nas favelas que crescem ao redor e dentro das grandes cidades dos países em desenvolvimento ou em industrialização, e em comunidades indígenas empobrecidas. Na realidade, como resultado do desenvolvimento econômico e da industrialização, as taxas de pobreza recuaram durante o último século. Vale notar que esse declínio significa que milhões de pessoas estão vivendo muito mais tempo, obtendo mais educação, desfrutando de melhores dietas e residindo em circunstâncias saudáveis. Mas, porque o número de seres humanos tem crescido continuamente, a quantidade de pessoas afetadas pela pobreza não mudou muito. É verdade que hoje há 400 milhões de pessoas a menos sofrendo de pobreza absoluta, com rendas inferiores a 1 dólar por dia, do que duas décadas atrás. Grande parte desse ganho aconteceu em consequência do crescimento econômico na China e na Índia. Porém, durante essas décadas, em várias partes da América Latina, Europa Oriental, Pacífico e África subsaariana a situação tornou-se pior ou permaneceu idêntica. Ao mesmo tempo, a condição relativa do pobre foi agravada pela crescente desigualdade, tanto dentro dos países como entre eles. Na medida em que os possuidores de riqueza ficaram mais ricos, os níveis de renda dos mais pobres foram caindo.4 Em um mundo com tanta riqueza quanto há hoje, por que tantas pessoas estão vivendo na pobreza? Embora sejam vários os fatores, as pessoas estão cada vez mais pobres porque vivem em economias empobrecidas. Elas moram em favelas, distritos rurais, nações e regiões cujas economias não produzem oportunidades suficientes de trabalho ou empregos com salários suficientes. Como resultado, as famílias que vivem nessas áreas não podem satisfazer adequadamente suas necessidades básicas de alimentação, abrigo, educação e moradia decente. Essas economias estão geograficamente situadas em ambientes difíceis, com acesso inadequado a recursos naturais básicos. Em muitos casos, essas economias sofreram desastres naturais ou crises econômicas temporárias. Em praticamente todos os casos, ao serem comparadas com 3 4 COLLIER, Paul. The bottom billion: why the poorest countries are failing and what can be done about it. Oxford University Press, 2007. Além da situação econômica recentemente melhorada em países como China, Índia e Malásia, o crescimento econômico nos países em desenvolvimento no período entre 1950 e 1975 foi maior do que nos últimos 25 anos. Ver MILANOVIC, Branko. Worlds apart: measuring international and global inequality. Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2005. 100 Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 economias que se expandiram em consequência do crescimento do comércio e da indústria, essas economias empobrecidas permanecem em um baixo nível de produtividade. Na realidade, durante muitos séculos, vários seres humanos viveram em economias como essas: tiveram vidas mais curtas e existências mais escassas. É importante sublinhar esse ponto: a maioria das pessoas é pobre porque vive em economias empobrecidas. Há uma tendência a se fazer um discurso moral sobre a pobreza – culpar o pobre ou seus líderes, negligenciando-se frequentemente esse fator econômico básico. Assim, se quisermos reduzir a pobreza, teremos que encontrar meios de fazer com que essas economias empobrecidas possam funcionar melhor.5 Nosso mundo contemporâneo enfrenta vários perigos que não podem ser ignorados. Porque os seres humanos estão cada vez mais conectados, hoje estamos mais vulneráveis à expansão de doenças infecciosas. Globalmente, os seres humanos enfrentam maiores riscos relacionados à mudança climática e à degradação ambiental. Embora algumas populações enfrentem maior risco que outras, a insegurança da população global como um todo é afetada pelo desmatamento e desertificação de grandes áreas, a redução na extensão de terras cultiváveis e a diminuição dos lençóis de água e a redução de fontes aquíferas. Com o aquecimento global da terra, enfrentamos o risco tanto de aumentar os níveis do mar como de haver mudanças dramáticas em correntes do oceano, sendo que ambas as alterações afetariam de modo adverso as chances de vida de milhões de seres humanos. Além desses riscos ambientais, enfrentamos uma gama de riscos políticos, especialmente associados ao aumento do recurso à violência por dissidentes militares, grupos sociais em situação de desvantagem, grupos semiorganizados e estados nacionais que se sentem ameaçados de várias maneiras por grupos rebeldes locais. Observam-se constantes conflitos civis violentos em vários países contemporâneos, algumas vezes sentidos abertamente e outras vezes experimentados sob a forma de ameaças que se concretizam, periodicamente, em ataques. Em muitos casos, os civis tornaram-se alvos desses ataques. Para muitas pessoas, a sensação de ameaça é agravada pelo fato 5 Em vários contextos há, certamente, pessoas empobrecidas. E seus líderes ocasionam ou agravam sua situação de pobreza. Porém, a maioria das pessoas é pobre porque suas economias não funcionam bem. A pobreza é ocasionada principalmente por economias pobres. Tanto no mundo em desenvolvimento como nas nações industrializadas, ela é causada pela distribuição injusta de empregos, renda, oportunidades, educação, acesso aos recursos naturais e acesso a crédito. Visto sob a perspectiva das pessoas na pobreza, a maioria delas sofre por sua impossibilidade ou dificuldade de gerar renda suficiente por meio de seu trabalho, previdência social, crédito ou terra, já que essas fontes lhes são bloqueadas, frustradas ou limitadas, se comparadas a outras pessoas que participam da mesma economia. Quando trato do papel dos negócios internacionais, também menciono como as empresas afetam essas áreas. Veja BIRD, Frederick. Perspectives on global poverty. In: BIRD, Frederick; VELASQUEZ, Manuel. (Eds). Just business practices in a diverse and developing world. Houndsmills, U.K.: Palgrave-Macmillan, 2006, cap. 8. ○ ○ ○ Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 101 Durante muitos séculos, vários seres humanos viveram em economias como essas: tiveram vidas mais curtas e existências mais escassas Porque os seres humanos estão cada vez mais conectados, hoje estamos mais vulneráveis à expansão de doenças infecciosas Os processos de industrialização trazem consigo não só o aumento dos padrões de vida, mas também vários outros riscos econômicos Por causa do aumento da conexão, estamos vivendo em um mundo cada vez mais sem fronteiras de que hoje muitos países possuem ou parecem ser capazes de desenvolver armas extraordinariamente letais, incluindo bombas nucleares, além de substâncias químicas e armas biológicas. Além dessas ameaças ambientais e políticas bastante sérias e consideráveis, os processos de industrialização trazem consigo não só o aumento dos padrões de vida, mas também vários outros riscos econômicos. Estes incluem a ameaça de depressões econômicas periódicas e turnos de inflação, que podem ser administrados de modo a reduzir ou agravar a angústia das famílias adversamente afetadas, e outras ameaças, como perda de renda, desemprego, velhice e acidentes que são administrados por programas de previdência social em muitos países desenvolvidos, enquanto países em desenvolvimento não dispõem dessa estrutura. Sob muitas formas o mundo contemporâneo tornou-se mais globalizado, mas permanece um mundo desequilibrado e arriscado. Também continua a ser um mundo de distintas comunidades, países, culturas, religiões e economias. Embora esses grupos possam interagir de modos diversos, bem como afetar e serem afetados uns pelos outros de várias maneiras, tais agrupamentos permanecem distintos e servem como referência básica para a identidade pessoal, além de serem objetos que motivam considerável lealdade. Por causa do aumento da conexão, especialmente aquela ocasionada pela comunicação moderna e o comércio, alguns observadores têm afirmado que estamos vivendo em um mundo cada vez mais sem fronteiras. Considerando-se a condição em que a maioria das pessoas vive dentro de comunidades distintas (como também nações, culturas, religiões, e economias), e levando-se em conta a extensão a que tais agrupamentos estabeleceram formas autoritárias e autônomas de administrar a vida em grupo, parece impróprio dizer que o mundo não tem fronteiras. Talvez fosse mais preciso descrever nosso mundo como um espaço no qual algumas formas de cruzar as fronteiras podem ser administradas hoje com maior facilidade. Ao tentarmos identificar os problemas e contornos de uma ética empresarial responsável na internet, seria sensato começarmos a pensar globalmente e a considerar o contexto maior no qual surgem novas formas de fazer negócios, e de comunicação, como também os novos problemas éticos que elas ocasionam. O contexto maior é de um mundo globalizado que continua a ser constituído por muitas comunidades diversas, um mundo que permanece desequilibrado de maneiras específicas e enfrenta uma gama variada de riscos identificáveis. Práticas responsáveis de negócios. Como podemos pensar melhor as responsabilidades éticas das empresas? Uma resposta passa pela convicção de que as empresas deveriam ser socialmente responsáveis. As empresas deveriam aumentar suas 102 Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 doações filantrópicas e seus investimentos sociais. Deveriam ajudar a aliviar problemas sociais como a pobreza, a fome e a crise da epidemia de Aids. Deveriam, também, tornar-se mais verdes, além de terem diretrizes mais claras quanto a certas práticas questionáveis no uso da força de trabalho. Em resumo: as empresas deveriam tornar-se organizações moralmente boas. As pessoas que defendem essa visão afirmam, frequentemente, que as empresas deveriam concentrar-se menos em seus lucros e condições mínimas. Ou, em outras palavras, deveriam permitir que preocupações com questões sociais e ambientais modificassem seus interesses estritamente empresariais. Esta posição é muito recomendável.6 Muitos grupos a têm defendido.7 Não obstante, essa visão de responsabilidade empresarial esteve sujeita a várias críticas pesadas. Afinal de contas, as empresas não são agências de previdência social. Além do mais, não têm nenhum conhecimento especial sobre problemas sociais. Em todo caso, as empresas têm uma responsabilidade fiduciária básica com relação a seus clientes, empregados, credores e acionistas. Esses grupos esperam que os negócios das empresas sejam bons para seus próprios interesses, de forma que venham a se beneficiar adequadamente dos investimentos que fizeram nelas. Frequentemente, em seus esforços por serem ou parecerem socialmente responsáveis, muitas empresas empreendem iniciativas que submetem seus acionistas a riscos excessivos.8 Por exemplo, no meio da década de 1990, a Levi Strauss recusou-se a trabalhar com fornecedores na China por causa das violações de direitos humanos naquele país. Depois, ao reconhecer o enorme mercado do qual estava se excluindo, a empresa teve de inverter sua posição. Essa era uma oportunidade boa demais para ser perdida. Em todo caso, sob a perspectiva do mundo em desenvolvimento, o que essas comunidades mais necessitam são iniciativas que venham a ajudar as economias empobrecidas a crescer. Projetos sociais agregam menos valor global do que operações empresariais que estimulam o desenvolvimento econômico. 6 7 8 SMUCKER, Joseph. Pursuing corporate social responsibility in changing institutional fields. In: BIRD, Frederick; VELASQUEZ, Manuel. (Eds). Just business practices in a diverse and developing world. Houndsmills, U.K.: Palgrave-Macmillan, 2006, cap. 3. Embora muitos tenham defendido e argumentado que empresas socialmente responsáveis têm melhores desempenhos financeiros, não há demonstração empírica que comprove a veracidade desta tese. (Ver ZADEK, Simon. The path to corporate responsibility. In: Harvard Business Review. Dez, 2004, Reed. 80412.; MARGOLIS, D.; WALSH, J. Misery loves companies: re-thinking social responsibility by business. In: Administrative Science Quarterly, v. 49 p. 268-305.) Conforme argumentei em outra parte, essa afirmação descaracteriza o que está aqui em questão (BIRD e VELASQUEZ. Introdução à segunda parte). CROOK, C. The good company: a survey of corporate social responsibility. In: The economist. 22 Jan. 2006, p. 1-22. ○ ○ ○ Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 103 As empresas deveriam tornarse organizações moralmente boas Até certo ponto, a abordagem puramente economicista em um mundo em desenvolvimento pode ser bastante arriscada Muitos dos que criticam a visão de que as empresas deveriam ser socialmente responsáveis fundamentam sua conclusão em uma posição exatamente oposta: ou seja, como disse Milton Friedman: “A responsabilidade social da empresa é aumentar seu lucro”. Na prática, em áreas em desenvolvimento, essa abordagem tem levado as empresas internacionais, frequentemente, a procurarem minimizar seus custos – trabalhistas, operacionais, fiscais e materiais. Quer essas empresas estivessem extraindo, colhendo, fabricando ou montando seus produtos, em geral muitas delas buscavam defender seus interesses globais por meio da redução de suas despesas. Essa visão empresarial tem sido muito difundida. Certamente faz sentido manter a dimensão das despesas como uma preocupação importante entre várias outras. Porém, a preocupação com a minimização dos custos, especialmente quando se concentra em resultados no curto prazo, com frequência leva a pegar atalhos. Consequentemente, há muitos relatos no mundo em desenvolvimento sobre trabalhadores mal pagos e com trabalho excessivo, empregados forçados a trabalhar em condições inseguras e insalubres, ambientes degredados e empresas utilizando sistemas inteligentes, mas com práticas duvidosas de contabilidade para evitar o pagamento de impostos locais.9 Todas essas práticas são o resultado de esforços tacanhos de reduzir custos e maximizar os lucros no curto prazo. Na realidade, se essa abordagem dos negócios também for seguida rigorosamente, as empresas ficarão expostas a vários perigos. Estes incluem o risco óbvio de gerar trabalhadores insatisfeitos e que, portanto, produzem menos – com altas taxas de demissões. As estratégias de minimização de custos também elevam o risco de dar origem a consumidores insatisfeitos, que optam por não comprar os produtos feitos por empresas consideradas moralmente corruptas.10 Também há o risco de serem pegas desrespeitando leis ou princípios de contabilidade. As empresas consideradas exploradoras também enfrentam maior risco de segurança, já que é mais provável que se tornem alvos de atos de vandalismo e sabotagem. Em muitos casos, as empresas enfrentam o risco adicional de investidores irritados venderem suas ações quando as empresas são expostas como cúmplices em situações de abuso dos direitos humanos. Portanto, até certo ponto, a abordagem puramente economicista em um mundo em desenvolvimento pode ser bastante arriscada. 9 10 KLEIN, Naomi. No logo. London: Flamingo, 2000; BAKER, Raymond. Capitalism’s Achilles heel: dirty money and how to renew the free market system. Hoboken, N.J.: John Wiley and Sons, 2005. A fim de melhor administrar esse risco, muitas das grandes marcas e distribuidoras hoje trabalham com auditores sociais a fim de garantir que seus fornecedores no Terceiro Mundo operem com base em alguns códigos mínimos. Ver BABARIK, Sylvie. Monitoring labour conditions of textile manufacturing: the work of Coverco in Guatemala. In: BIRD, Frederick; VELASQUEZ, Manuel. (Eds). Just business practices in a diverse and developing world. Houndsmills, U.K.: Palgrave-Macmillan, 2006, cap.7. 104 Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 Proponho aqui um terceiro modo de se pensar a responsabilidade ética nos negócios, uma posição que denomino “abordagem de valor agregado”. Para explicar o que quero dizer por “visão de valor agregado” dos interesses empresariais, é útil começar por se considerar como as empresas são vistas enquanto organizações sociais. Resumidamente, as empresas são organizações que utilizam os recursos humanos e naturais a fim de produzir e comercializar bens e serviços. Além disso, enquanto se mantiverem no negócio, podemos acrescentar que são organizações geradoras de riquezas. Empresas geram valor econômico sob a forma de lucros, salários, juros, investimentos, bem como artigos de uso geral e serviços. Para agregar valor econômico, as empresas põem em movimento uma série de interações contínuas, geradoras de riqueza, com seus acionistas. Quando se fala em acionistas, deve-se incluir empregados, credores, clientes, provedores, sócios e comunidades afetadas. Diz-se frequentemente que as empresas têm acionistas. Mas essa forma de tratá-los não é, na realidade, precisa, porque dá a impressão de que as empresas podem existir sem deles. Mas isso é impossível. As empresas não têm acionistas, em sentido estrito. Ao contrário, elas são constituídas pelas interações com seus acionistas. Elas não podem funcionar sem essas contínuas interações.11 Uma abordagem dos resultados a partir do valor agregado busca proteger e aumentar o valor econômico global das empresas do modo como está embutido nos diversos jogos de interação. Esses recursos podem ter formas diferentes. Para fins de análise, podemos distinguir entre cinco tipos diferentes de recursos. Estes incluem, em primeiro lugar, os recursos financeiros, que são renda e ações; segundo, os recursos produtivos, que são operações físicas e estruturas organizacionais; terceiro, os recursos humanos, que se baseiam nas habilidades e disposições dos trabalhadores; quarto, os recursos sociais, que se referem à confiança social e redes; e, quinto, os recursos naturais.12 Em geral, uma empresa gera riqueza genuinamente se, ao utilizar e modificar esses vários recursos, ela agregar valor ao invés de diminuí-lo. Certamente, as empresas utilizam-se ou acrescentam alguns tipos de recursos mais que outros. Uma empresa pode perder o equilíbrio dependendo da forma como utilizar, gastar, conservar e acrescentar recursos particulares. Uma perspectiva de valor agregado requer que empresas mantenham uma visão do estado global dos recursos com os quais estão tra11 12 ANDERSON, Dan R. Corporate survival: the critical importance of sustainability risk management. New York: iUniverse, Inc., 2005. FREEMAN, R. E. Strategic management: a stakeholder approach. Boston: Pitman, 1984; FREEMAN, R.E. The stakeholder approach revisited. In: Zeitzschrift fur Wirtsschaft- und Unternehmensethik. 2004, v. 5 (3), p. 228-41; BIRD, Frederick. Good governance: a philosophical discussion of the responsibilities and practices of organizational governors. In: Canadian Journal of Administrative Studies. 2001, v. 18(4), p. 298-312. ○ ○ ○ Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 105 Uma empresa gera riqueza genuinamente se, ao utilizar e modificar esses vários recursos, ela agregar valor ao invés de diminuí-lo Quando os empregados sentem que seus interesses não são bem respeitados, eles agem de modo diferente, desvantajoso para seus empregadores balhando. Essa perspectiva exige que as empresas avaliem quão bem estão protegendo, conservando ou perdendo esses recursos. As empresas dos setores extrativistas enfrentam um desafio especial porque, pela própria natureza de sua atividade, elas gastam certos recursos naturais. O caso seguinte poderia ser exemplificado com relação às empresas dos setores extrativistas: estas podem agregar valor econômico mesmo que no geral elas esgotem recursos naturais (como nas reservas subterrâneas de combustível fóssil), se agregarem valor correspondente nos âmbitos financeiro, humano, produtivo e social, ao mesmo tempo em que não esgotam outros recursos naturais. À medida que descrevo essa perspectiva de valor agregado, apresento uma suposição crucial. Estou assumindo que as empresas, ao interagirem com seus vários acionistas, realizam intercâmbios justos. Ou seja, em ambos os lados, estou assumindo que as trocas e intercâmbios atendam aos seguintes critérios mínimos: são voluntárias, baseiamse em informações adequadas e seguras e beneficiam cada participante, de forma aproximadamente proporcional às suas contribuições, esforços e riscos. Estes são os ingredientes mínimos do que se convencionou chamar de “justiça comutativa”. Quando as empresas interagem com seus acionistas com base em trocas justas, à medida que seus recursos crescem, elas correspondentemente acrescentam valor econômico à sociedade maior, já que seus acionistas imediatos se beneficiam dessas transações. Além disso, faz sentido que esses negócios se ocupem de transações justas com acionistas não somente por razões morais, mas até mesmo por seu interesse próprio. Porque as interações justas com acionistas são mutuamente benéficas, é provável que eles ajam de maneira a agregar mais valor.13 Posso ilustrar esse ponto com respeito a empregados. Por exemplo, quando os empregados sentem que seus interesses não são bem respeitados, eles agem de modo diferente, desvantajoso para seus empregadores. Aumentam a rotatividade, as ausências e os atrasos; há maior probabilidade de que os empregados trabalhem mecanicamente e façam um trabalho malfeito e descuidado. A produtividade cai notadamente. Além disso, quando as empresas intro13 Ver BIRD, Frederick. Ethical reflections. In: BIRD, Frederick; HERMAN, Stewart. (Eds). International businesses and the challenges of poverty in the developing world. Houndmills, U.K.: Palgrave-Macmillan, 2004, cap. 1. A seguir ofereço uma melhor apresentação desses vários tipos de recursos: a) recursos financeiros – que incluem investimentos, crédito, apólices de seguro, lucro, renda, salários e o interesse de consumidores em comprar seus produtos. b) recursos produtivos – que incluem tecnologia, arranjos organizacionais, recursos energéticos e infraestrutura física. c) recursos humanos – que incluem habilidades e interesse em trabalhar efetivamente como produtores ou executivos. d) recursos sociais – que incluem redes, confiança e ordem pública (ou segurança), tanto dentro das firmas como nas sociedades nas quais elas operam. e) recursos naturais – que incluem matérias-primas que podem ser processadas, assim como ar e água, que nem sempre são levados em consideração. 106 Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 duzem organização e vigilância para evitar esses problemas, os trabalhadores normalmente reagem de maneiras que intensificam esses padrões e características negativos.14 É importante observar que a empresa pode até produzir lucros ao mesmo tempo em que perde seus recursos produtivos – permitindo que suas máquinas e operações organizacionais se deteriorem. Também pode produzir lucros ao mesmo tempo em que perde seus recursos naturais e humanos por meio de práticas de trabalho abusivas. Não importa quão altas sejam as margens de lucro ou os nichos de mercado, as empresas não vão acrescentar valor econômico se seu valor econômico global diminuir em virtude de declínios apreciáveis no valor dos recursos produtivos, humanos, sociais e naturais com os quais trabalham. Essa perspectiva de valor agregado aplicada a práticas empresariais responsáveis tem relevância especial em regiões e países em desenvolvimento. As empresas nessas regiões não podem nem devem pensar em seus interesses empresariais em termos de minimização de custos, mas em termos de proteção e desenvolvimento de seus recursos, deste modo agregando valor econômico. Além disso, elas deveriam pensar em seus recursos de modo amplo, em termos da interação com acionistas, os quais agregam ou perdem valor de forma variada em termos de recursos financeiros, produtivos, humanos, sociais e naturais. Quando empresas internacionais operam dessa forma, elas agregam um valor econômico correspondente também às áreas em desenvolvimento nas quais estão inseridas. Desse modo, promovem empregos e renda, chances para se aprender novas habilidades, geram impostos e estímulos para outras empresas, além de outros bens e serviços. Na medida em que as economias dessas regiões crescem, as taxas de pobreza diminuem. Essa perspectiva de valor agregado aplicado à ética empresarial oferece um ponto de referência útil para se começar a pensar sobre os temas e preocupações que poderiam caracterizar o campo da ética empresarial na internet. Em termos gerais, espera-se que as empresas eticamente responsáveis venham a somar e agregar, e não diminuir valor econômico, além de se esperar que elas interajam com seus acionistas de forma aberta, recíproca e justa. De modo similar, espera-se que tais empresas obedeçam ao direito nacional e internacional, além de atuar segundo padrões aceitáveis de contabilidade. Questões éticas relacionadas ao uso da internet Antes de listar e discutir uma série de questões éticas surgidas com relação ao uso da internet, eu gostaria de chamar a atenção para três 14 BIRD, Frederick. Just business practices. In: BIRD, Frederick; VELASQUEZ, Manuel. (Eds). Just business practices in a diverse and developing world. Houndsmills, U.K.: Palgrave-Macmillan, 2006, cap.2. ○ ○ ○ Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 107 Espera-se que as empresas eticamente responsáveis venham a somar e agregar, e não diminuir valor econômico O aumento do acesso à internet em áreas empobrecidas poderia facilitar a expansão econômica nessas regiões formas bastante diferentes que as questões éticas geralmente assumem: primeira, como divergência de comportamentos com relação a padrões obrigatórios; segunda, como carência de padrões de aspiração ou de excelência; e, terceira, como dilemas genuínos com relação a alternativas moralmente bem defendidas. Dependendo da forma como essas questões surgem, são necessárias respostas muito diferentes. Embora regras rígidas, proibições e castigos funcionem bastante bem com questões que assumem a forma de desvios de padrões obrigatórios, elas não funcionam bem em situações de carência de padrões ou dilemas. A falta de padrões em geral é mais bem tratada por meio de apoio, encorajamento e oportunidades de aprendizagem e novas tentativas. Por sua vez, os dilemas normalmente são mais bem enfrentados por meio de debates, discussões, mais pesquisas, explorações de alternativas ainda não implantadas, negociações e compromissos. Pelo fato de as pessoas normalmente não apreciarem a forma – ou a combinação de formas – que as questões éticas assumem, suas respostas em geral acabam complicando ainda mais o que está em questão. Uma série de temas éticos diferentes surgiu com relação à internet. Na próxima seção farei uma lista e discutirei vários temas, observando, no processo, as formas que tais questões normalmente assumem. 1. TEMAS Em algumas regiões, o acesso pleno à internet é bloqueado pela censura seletiva ÉTICOS RELATIVOS AO ACESSO À INTERNET Muitas pessoas não têm acesso ou têm muito pouco acesso à internet. Há muitas razões para isso: faltam equipamentos necessários; não há fontes de eletricidade ou estas são irregulares; falta assistência técnica facilitada para o uso ou manutenção de seus equipamentos. Essa falta de acesso é uma questão básica de justiça que reforça as desigualdades em um mundo desequilibrado. Nesse contexto, o acesso justo representa um objeto de valor que se assemelha mais a um objetivo a aspirar e a uma condição social mínima que deve estar disponível para todos. Por muitas razões, não se pode refletir adequada ou apropriadamente sobre esse tema sem que se considerem as questões associadas aos problemas relativos à pobreza que afeta pelo menos um em cada três indivíduos. Comparada a outros temas, que também abordarei, essa questão é especialmente urgente em virtude de marginalizar cada vez mais os pobres. De forma circular, o aumento do acesso à internet em áreas empobrecidas poderia facilitar a expansão econômica nessas regiões, da mesma forma que o desenvolvimento econômico de base, por sua vez, está claramente associado ao aumento do acesso à internet. É melhor considerar essa questão ética particular de forma direta, por meio de projetos especiais direcionados à extensão do acesso e, de forma indireta, por meio de iniciativas que promovam o crescimento econômico geral. Em algumas regiões, o acesso pleno à internet é bloqueado pela censura seletiva. Em particular, muitos têm criticado o modo como os 108 Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 servidores de internet – como Yahoo, Google e Microsoft – aceitaram as políticas do governo chinês, que exigiu a remoção de referências a certos termos como “igualdade”, “Tiananmen” e “direitos humanos” dos sites localizados na China. 2. QUESTÕES ÉTICAS RELACIONADAS AO USO HEDIONDO DA INTERNET Uso o termo “hediondo” para me referir a uma série de práticas que violam as leis nacionais e internacionais básicas e/ou princípios morais fundamentais. Na medida do possível, esses usos devem ser eliminados ou significativamente reduzidos. Algumas práticas abusivas causam mais danos do que outras. Na maioria dos casos, não há como eliminar esses abusos. Em outros, é mais fácil desenvolver respostas de proteção – como software antivírus – do que detectar e eliminar tais práticas. Todos os exemplos a seguir representam usos hediondos: o uso da internet, muitas vezes pelos governos, para obter informações privadas; roubo de identidade pela internet; atos maléficos de sabotagem para interferir ou causar danos a sistemas de informação que pertencem a outros. Embora algumas pessoas considerem essas práticas incorretas, há menos consenso em relação a várias outras práticas, como o problema da evasão de capital. O mundo em desenvolvimento perde bilhões de dólares todos os anos em virtude dos custos abusivos de transferências, esquemas de alteração de preços, ofertas de propinas e apropriação de fundos públicos ou corporativos.15 Muitos desses fundos são eletronicamente transferidos para centros de bancos estrangeiros. Na perspectiva do mundo em desenvolvimento, esses fundos representam um enorme custo para as economias. A prática da transferência eletrônica de fundos representa, de muitas formas, dar uso hediondo a um meio legítimo e bom. Parece importante chamar a atenção para esses problemas, embora a resposta adequada talvez tenha mais a ver com uma mudança nas leis fiscais dos países industrializados do que com alterações nos estatutos ou regras de uso da internet. 3. QUESTÕES ÉTICAS RELACIONADAS AO QUE PODERIA SER DESCRITO COMO PRÁTICAS QUESTIONÁVEIS Esses usos questionáveis da internet não são tão potencialmente danosos como as práticas hediondas. Em muitos casos, essas práticas questionáveis representam atividades muito difundidas antes da internet, mas esta parece ter estendido e multiplicado seu uso. Na maioria dos casos, ações legais diretas não alteram significativamente as práticas. Com respeito a essas práticas questionáveis, em particula15 Ver CHANG, Ha-Joon. Bad samaritans: rich nations, poor policies, and the threat to the developing world. London: Random House Business Books, 2007; BAKER, Raymond. Capitalism’s Achilles heel, 2005. ○ ○ ○ Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 109 A prática da transferência eletrônica de fundos representa, de muitas formas, dar uso hediondo à internet Muitas das práticas questionáveis têm a ver com a maneira como as pessoas enviam mensagens pela internet res, é importante que usemos nossa imaginação e colaboremos com outros para chegar a respostas construtivas para essas questões. Muitas das práticas questionáveis têm a ver com a maneira como as pessoas enviam mensagens pela internet. Em particular, tenho em mente o uso da internet para envergonhar pessoas, passar boatos maliciosos, distribuir pornografia, buscar vítimas em trapaças financeiras (scams), disseminar evidências não bem estabelecidas, mas provocativas, e enviar rumores como sendo fatos. A internet permite que essas mensagens moralmente questionáveis sejam enviadas a mais pessoas em menos tempo do que a comunicação tradicional. Mais importante ainda, a internet permite que as pessoas espalhem informações não confirmadas, refletidas ou revisadas por uma terceira parte mais bem posicionada para refletir sobre a inteligibilidade dessas mensagens e como elas podem ser recebidas. Em um mundo globalizado, com uma abundância de informações, essas terceiras instâncias podem ter um papel importante no sentido de ajudar a distinguir entre o material trivial e o importante, além de ajudar os transmissores dessas mensagens a articulálas de modo claro e compreensível. Por outro lado, essas terceiras instâncias às vezes podem ter uma mão excessivamente pesada, eliminando mensagens aparentemente estranhas que podem ser de grande importância e condescendendo demais no que hoje é considerado apropriado e significativo. A internet serve como um veículo libertador, disponibilizando informações que antes não teriam recebido muita atenção. De qualquer forma, essa liberdade também facilita as práticas questionáveis de envergonhar, espalhar boatos e passar informações irreais como se fossem fatos confirmados. Outras práticas questionáveis têm a ver com a maneira como as pessoas utilizam a internet para obter informações. Algumas delas complementam as práticas associadas ao envio de mensagens. Nesse caso, refiro-me à disseminação de boatos e ao tratamento de rumores como fatos. Outras práticas questionáveis incluem o downloading de músicas, vídeos, fotografias ou informações de formas claramente ilegais ou pelo menos duvidosas. Muitas pessoas utilizam a internet para copiar informações e tratá-las como se lhes pertencessem. Isso às vezes resulta em formas óbvias de plágio. Em outros casos, representam instâncias de descuido na forma de copiar ou identificar as fontes de informação. Esses problemas foram agravados com o aumento do uso da internet. Todas essas práticas questionáveis são moralmente preocupantes. O que é especialmente desafiador com respeito a essas práticas questionáveis é como tomar medidas efetivas para limitá-las. Não foram particularmente eficazes as tentativas de se definir esses problemas e punir severamente os atores, na esperança de assim deter esse tipo de iniciativa. Os indivíduos punidos normalmente representavam apenas uma pequena porcentagem dos envolvidos. Está claro que, para 110 Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 atacar essas práticas com medidas eficazes, é necessário explorar de forma imaginativa uma variada gama de iniciativas. 4. QUESTÕES ÉTICAS RELACIONADAS A POSSIBILIDADES PROMISSORAS, MAS AMBÍGUAS A internet criou e criará muitas possibilidades promissoras, cujo valor moral não pode ser facilmente determinado no início. Por meio da internet, grupos e indivíduos específicos criaram muitos mercados on-line, desenvolveram portos acessíveis de conhecimento enciclopédico, construíram espaços onde pessoas anônimas podem se encontrar e conversar, inventaram fóruns de discussão para interessados, mobilizaram milhares de pessoas a participar de demonstrações públicas. Todas essas ações representam possibilidades promissoras.16 Mas esses usos também fazem emergir uma série de questões éticas que precisam ser respondidas, tais como: Pelo que sabemos e temos visto até agora, quais outras iniciativas devem ser promovidas? Como podemos aplicar ou expandir certas práticas de forma a abordar algumas das desconcertantes questões que estão conectadas ao nosso mundo diverso e globalizado, desequilibrado e em risco? De que maneiras as iniciativas existentes podem ter consequências imprevistas e preocupantes? Perspectivas globais sobre as empresas, a internet e a ética Como a discussão anterior indica claramente, as questões éticas associadas à internet assumem diversas formas. A resposta a essas questões é desafiadora sob vários pontos de vista. Em alguns casos, entendemos apenas parcialmente a dimensão total dos temas em questão. Em geral, à medida que tentamos responder a tais questões, precisamos encontrar meios de determinar quais temas são mais fundamentais e importantes, quais requerem respostas urgentes e em relação a quais temas estamos mais bem posicionados para agir de modo eficaz. As respostas a essas perguntas provavelmente serão diferentes de acordo com o local em que estamos e os recursos de que dispomos para responder. O desafio mais decisivo é desenvolver respostas imaginativas e eficazes. Muitas vezes é mais fácil identificar os problemas éticos do que desenvolver formas de agir que tenham impacto significativo. 16 Para uma visão útil sobre essas possibilidades, ver TAPSCOTT, Don; WILLIAMS, Anthony D. Wikinomics: how mass collaboration changes everything. New York: Penguin Group, 2006. ○ ○ ○ Revista de Educação do Cogeime • Ano 17 – n. 32/33 – junho/dezembro 2008 111 Muitas vezes é mais fácil identificar os problemas éticos do que desenvolver formas de agir que tenham impacto significativo