Inquérito n. 2012.028070-8, da Capital Relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho INQUÉRITO – CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO - PREFEITO - COMPRAS SUPOSTAMENTE FRACIONADAS À REVELIA DO DISPOSTO NO ART. 24, II, DA LEI N. 8.666/93 - REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP ATENDIDOS ELEMENTOS SUFICIENTES DA MATERIALIDADE E AUTORIA PARA FINS DE AUTORIZAR O INÍCIO DA PERSECUÇÃO CRIMINAL - ILEGITIMIDADE PASSIVA NÃO CONSTATADA DE PLANO - AVENTADA A EXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO INQUÉRITO CIVIL IRRELEVÂNCIA - DISCUSSÃO APROFUNDADA ACERCA DO MÉRITO E DA CAPITULAÇÃO ATRIBUÍDA À CONDUTA IMPUTADA - MOMENTO INADEQUADO - INEXIGÊNCIA DE PROVA PLENA - INOCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES DO ART. 395 DO CPP E INEXISTÊNCIA DE FATOS QUE CONDUZAM À IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO - DENÚNCIA RECEBIDA. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Inquérito n. 2012.028070-8, da comarca da Capital (Tribunal de Justiça), em que é autor Ministério Público de Santa Catarina, e indiciado Luiz Carlos Brunel Alves: A Terceira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, receber a denúncia. Custas legais. O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Torres Marques, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Leopoldo Augusto Brüggemann. Florianópolis, 9 de outubro de 2012. Moacyr de Moraes Lima Filho RELATOR RELATÓRIO Perante esta Corte, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia contra Luiz Carlos Brunel Alves, atual Prefeito Municipal de Capivari de Baixo, dando-o como incurso nas sanções do art. 89, caput, da Lei n. 8.666/93, em virtude dos seguintes fatos descritos na exordial acusatória: O denunciado Luiz Carlos Brunel Alves, atual Prefeito Municipal de Capivari de Baixo, cumpre o segundo mandato na chefia do Poder Executivo Municipal, eleito que foi para a gestão 2001/2004 e, posteriormente, para o quadriênio 2009/2012. Num dos últimos dias do primeiro mandato, ou seja, em 30 de dezembro de 2004, o denunciado, na qualidade de Prefeito Municipal, levou o município a adquirir, diretamente, 2 (duas) máquinas copiadoras, sem prévio e necessário procedimento licitatório; utilizando-se do expediente do fracionamento indevido na compra de bens. Para isso, Luiz Carlos Brunel Alves realizou, em nome do município, a compra direta e irregular de uma máquina copiadora marca Sharp Digital e de uma máquina copiadora marca Samsung, nos valores de R$ 5.900,00 (cinco mil e novecentos reais) e R$ 5.995,00 (cinco mil, novecentos e noventa e cinco reais), respectivamente, da empresa Tecnocópia Comércio e Serviço Ltda.-ME, resultando a aquisição no montante de R$ 11.895,00 (onze mil, oitocentos e noventa e cinco reais). Embora tenha sido emitida uma nota de empenho para cada máquina, o objeto e o elemento das despesas são os mesmos. Ademais, todo o processo foi realizado em um único dia, qual seja, o dia 30 de dezembro de 2004, data das requisições, das notas de empenho (fls. 115 e 119), da autorização de fornecimento (fls. 116 e 120), da nota fiscal (fls. 118 e 122) e do pagamento realizado na antevéspera do encerramento do mandato eletivo, este procedido através de um só cheque (fl. 195), nele incluído o valor de R$ 3.198,00, referente à aquisição de materiais de expediente, também realizada na mesma data, totalizando a quantia de R$ 15.093,00, tudo adquirido sem a menos preocupação em obter a melhor oferta para ente público, eis que, tendo sido todo o processo da compra realizado no mesmo dia, sequer pesquisa de preços foi realizada. As aludidas aquisições foram deliberadas pelo denunciado Luiz Carlos, eis que firmou as notas de empenho (fls. 115 e 119), na qualidade de ordenador de despesas do Município de Capivari de Baixo, dispensando indevidamente o processo de licitação (fls. 335 e 338), obrigatório, no caso, nos termos do disposto no art. 2º, da Lei n. 8.666/93 e somente dispensável nas hipóteses previstas no art. 24, II, da referida lei - às quais não se subsomem a situação em apreço, eis que a aquisição das duas máquinas copiadoras ultrapassou o limite de R$ 8.000,00. (fls. II/IV) Devidamente notificado para o oferecimento de defesa preliminar (fls. 363/368), nos termos do art. 4º da Lei n. 8.038/90, assim o fez o indiciado Luiz Carlos Brunel Alves: Argui, inicialmente, a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda, porquanto a requisição e compra das máquinas copiadoras foi efetivada pelos Secretários da Educação, Cultura e Esporte e da Administração e Finanças, tendo se limitado a assinar as notas de empenho. Sustenta, ainda em sede preliminar, a nulidade do inquérito, ante as distorções da sua realidade fática e jurídica Gabinete Des. Moacyr de Moraes Lima Filho decorrentes da ausência dos referidos Secretários Municipais. No mais, pugna a improcedência da acusação, sob o argumento de que não concorreu para o cometimento da infração penal e não agiu com o dolo geral ou específico de causar dano ao Erário. Acrescenta, ainda, que a conduta não ocasionou tal prejuízo, até porque não foi adimplido preço muito acima do praticado pelo mercado. Aduz que não fez uso do artifício de fracionar as compras de modo a enquadrá-las na hipótese legal que permite a dispensa da licitação. Ressalta, também, que as contas da Prefeitura Municipal foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Por derradeiro, em atenção ao princípio da especialidade, pretende a desclassificação para o delito previsto no art. 1º, XI, do Decreto-Lei n. 201/67 (fls. 376/414). Intimado (fls. 431/437), o órgão do Ministério Público se manifestou acerca dos documentos acostados pelo indiciado, nos termos do art. 5º da Lei n. 8.038/90 (fls. 438/442). VOTO Cuida-se de inquérito que visa a apurar a responsabilidade penal de Luiz Carlos Brunel Alves pelo suposto cometimento do crime previsto no art. 89, caput, da Lei n. 8.666/93. Isso porque o indiciado, na qualidade de prefeito do município de Capivari de Baixo, teria promovido a dispensa do procedimento licitatório, para a aquisição de duas máquinas copiadoras, fora das hipóteses legais. De plano, constata-se que a denúncia está formalmente perfeita e, portanto, apta a produzir os efeitos a que se propõe. A peça acusatória atende aos requisitos exigidos em lei (art. 41 do Código de Processo Penal) e está acompanhada de elementos indiciários suficientes a propiciar o seu recebimento, mormente porque a narrativa descreve os fatos com todas as suas circunstâncias, como: apontou o seu autor; os meios que empregou e o mal que produziu; os motivos; o lugar; e o tempo em que ocorreram as ações. Assim, uma vez que a narrativa descreve os fatos com todas as suas circunstâncias, permitirá a mais ampla defesa. Quanto à existência de justa causa ao exercício da ação penal, entendida como o lastro probatório mínimo indispensável ao início do processo, verifica-se que a materialidade e a autoria do delito encontram alicerces, em uma análise ainda perfunctória, na documentação que instrui o Inquérito Civil (fls. 8/355). É forçoso reconhecer, também, que não estão presentes as demais causas que conduzem à rejeição da denúncia (art. 395 do Código de Processo Penal). A maior parte das teses defensivas expendida na resposta preliminar, com o objetivo de que seja reconhecida de plano a improcedência da acusação - a) negativa de que teria concorrido para a infração penal; b) ausência de dolo geral ou específico; c) não ocorrência de dano ao Erário; e d) legalidade do procedimento adotado - contempla questões meritórias, logo, só poderá ser apreciada com Gabinete Des. Moacyr de Moraes Lima Filho profundidade no momento procedimental adequado, com a realização da necessária instrução criminal contraditória. Embora esta fase do procedimento especial para o julgamento do processos originários comporte singularidades, "a rejeição prematura da peça inicial só pode ser feita se restar evidente a improcedência da denúncia, nos termos dos arts. 43 do CPP e 6º da Lei 8.038/90. Do contrário, deve a exordial acusatória ser recebida, com base no princípio do in dubio pro societate" (STJ, REsp n. 742.794/PB, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 4/2/2010). Colhe-se da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: HABEAS CORPUS. CRIMES DE ABUSO DE AUTORIDADE, PECULATO, REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO, FUGA DE PESSOA PRESA OU SUBMETIDA A MEDIDA DE SEGURANÇA, EXTRAVIO, SONEGAÇÃO OU INUTILIZAÇÃO DE LIVRO OU DOCUMENTO, E TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ACÓRDÃO DO STJ QUE, EM RECURSO ESPECIAL, DETERMINOU O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INOCORRÊNCIA. ATIPICIDADE DOS FATOS DECLARADA PELO TRIBUNAL LOCAL. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL. COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. MANIFESTA TIPICIDADE DAS CONDUTAS NARRADAS NA DENÚNCIA. JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO. DEPENDÊNCIA DE OUTRAS PROVAS. ORDEM DENEGADA. A simples leitura do acórdão impugnado demonstra que a autoridade apontada como coatora fundamentou suficientemente o julgado. A declaração de atipicidade das condutas imputadas à paciente, pelo acórdão do Tribunal de Justiça local, foi objeto de recurso especial da acusação, obstando, assim, a formação da coisa julgada sobre o tema. As condutas narradas na peça acusatória se revestem de manifesta tipicidade, inexistindo constrangimento ilegal no acórdão que a reconheceu. O julgamento de improcedência da acusação previsto na parte final do art. 6º da Lei 8.038/1990 só tem cabimento quando seu pronunciamento não dependa de quaisquer outras provas. Ademais, está claro no acórdão do Tribunal de Justiça que o que houve foi rejeição da denúncia, e não julgamento de mérito. Ordem denegada. (HC n. 84.860/MS, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. em 27/9/2005 - grifou-se) A análise da ilegitimidade passiva ad causam, que é atribuída pelo indiciado aos Secretários Municipais, não pode ser dissociada da autoria delitiva, cuja presença deve ser investigada com a produção das provas. Nesse momento inicial, basta a constatação de que ela se assenta em indícios suficientes, representados pelo lançamento, efetivado pelo denunciado como ordenador das despesas municipais, da sua assinatura nas notas de empenho (fls. 115 e 119). A propósito: INQUÉRITO. DENÚNCIA OFERECIDA CONTRA PREFEITO E EMPRESÁRIO. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES PREVISTOS NOS ARTS. 171, CAPUT, DO CP E 50, I, PARÁGRAFO ÚNICO, I E II, DA LEI 6.766/79. ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS EM DESACORDO COM A LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO. [...] SUSCITADA A ILEGITIMIDADE PASSIVA DOS INDICIADOS. MATÉRIA QUE SE CONFUNDE COM O MÉRITO. ANÁLISE NO MOMENTO OPORTUNO. [...] DENÚNCIA PARCIALMENTE RECEBIDA. (TJSC, Inquérito n. 2009.043270-9, Gabinete Des. Moacyr de Moraes Lima Filho de Rio do Campo, rel. Des. Torres Marques, j. em 23/11/2010 - grifou-se) A suscitada "nulidade" do inquérito civil, derivada da ausência dos Secretários Municipais, deve igualmente ser rechaçada, até porque, conforme remansoso entendimento jurisprudencial, "eventuais vícios presentes no inquérito não se transferem para a ação penal, tendo em vista que a referida peça é informativa e não possui cunho probatório" (TJSC, Apelação Criminal n. 2011.099592-3, da Capital, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. em 24/5/2012). De mais a mais, durante a fase acusatória, o indiciado poderá produzir a prova reclamada, inclusive com a inclusão dos mencionados servidores no rol de testemunhas. No que tange à presença do elemento subjetivo, frisa-se que o entendimento deste Relator, bem como desta Terceira Câmara Criminal, é de que, para a configuração do crime descrito no art. 89 da Lei de Contratos e Licitações, basta o dolo genérico (Apelação Criminal n. 2007.040467-0, de Laguna, deste Relator, j. em 2/7/2008). Do mesmo modo, a alegação de que não existem provas de que o indiciado detinha conhecimento acerca da legalidade ou ilegalidade do procedimento de compra efetuado, pois "não é bacharel em Direito nem advogado" (fl. 395), não tem o condão, a princípio, de tornar atípicos os atos e conduzir à rejeição da denúncia. De acordo com o art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece" e, conforme o art. 21, caput, primeira parte, do Código Penal, "o desconhecimento da lei é inescusável". Esse princípio é necessário para proibir que uma pessoa apresente a própria ignorância como razão para não cumprir a norma jurídica, o que retiraria a força de eficácia da lei e comprometeria o ordenamento jurídico. Para a improcedência da acusação ou rejeição de denúncia, não prospera também, ao menos nesse momento, a tese de que não houve prejuízo ao Erário, visto que os valores adimplidos seriam compatíveis com os de mercado e as máquinas adquiridas estariam sendo utilizadas pela administração municipal. Reprisa-se, porque necessário, que a peça acusatória importa um juízo de dúvida, que se resolve em favor da sociedade, razão pela qual não se exige dela, antecipadamente, prova suficiente para a condenação, mas apenas justa causa para acusar. Nada obstante, o bem jurídico tutelado pelo art. 89, caput, da Lei n. 8.666/93, além do Erário, é composto por vários vetores: moralidade, impessoalidade, tratamento igualitário, otimização dos recursos públicos, etc. Nesse viés, trata-se de infração penal de mera conduta e perigo abstrato, que prescinde da comprovação de qualquer prejuízo, porquanto é presumido. Nessa esteira, decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CRIME DE DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA DE DOLO. SÚMULA N.º 07 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. TIPO PREVISTO NO ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93. DELITO DE MERA CONDUTA. Gabinete Des. Moacyr de Moraes Lima Filho INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR N.º 83 DESTA CORTE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A arguida ofensa ao art. 24, inciso I, da Lei n.º 8.666/93, não foi apreciada pelo Tribunal a quo, carecendo a matéria do indispensável prequestionamento viabilizador do recurso especial. Incidência das Súmulas n.ºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2. Quanto à tese defensiva relativa à inexistência de dolo, verifica-se que o Tribunal de origem, soberano na análise fático-probatória, concluiu, de forma clara, que a conduta do agente foi dolosa, tendo o Réu plena consciência e vontade de perpetrar o delito do art. 89 da Lei n.º 8.666/93. Nesse contexto, a revisão do julgado implicaria, necessariamente, o reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos do Enunciado n.º 07 da Súmula desta Corte. 3. No tocante à alínea c do permissivo constitucional, a decisão recorrida encontra-se de acordo com a jurisprudência deste Tribunal Superior, que firmou entendimento de que o crime previsto no art. 89 da Lei n.º 8.666/93 é crime de mera conduta, no qual não se exige dolo específico de fraudar o erário ou causar efetivo prejuízo à Administração Pública, bastando, para sua configuração, que o agente dispense licitação fora das hipóteses previstas em lei ou deixe de observar as formalidades pertinentes à dispensa. Aplicação da Súmula n.º 83 desta Corte. 4. Não tendo o Agravante trazido tese jurídica capaz de modificar o posicionamento anteriormente firmado, mantenho, na íntegra, a decisão recorrida por seus próprios fundamentos. 5. Agravo regimental desprovido. (Ag Rg no Ag n. 1.367.169/PR, rela. Mina. Laurita Vaz, j. em 27/3/2012 - grifou-se) Ademais, é preciso ter em mente que obstar a participação de concorrentes, que poderiam ofertar preço bem inferior ao exigido pelo fornecedor preferido, já é causa de prejuízo aos cofres públicos, ainda que não quantificada na denúncia – até mesmo porque, na maioria das vezes, o dano não é mensurável de plano e somente pode ser aferido durante a instrução criminal. Os argumentos de não teria havido fracionamento indevido das compras, a fim de enquadrá-las na hipótese legal que permite a dispensa da licitação, e de que as contas da Prefeitura Municipal foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, também não impedem o recebimento da denúncia. A constatação acerca do fato de ter sido adotado ou não, pelo indiciado na transação descrita na inicial, do artifício do fracionamento de compras depende da produção de provas. Nessa etapa prematura, são suficientes os elementos informativos apresentados pelo órgão do Ministério Público, os quais levantam suspeitas sobre a aquisição, no mesmo dia e do mesmo fornecedor, de duas máquinas copiadoras, cujo valor total extrapola o limite legal que autoriza a dispensa da licitação (art. 24, II, c/c o art. 23, II, "a", ambos da Lei n. 8.666/93). Quanto ao parecer prévio carreado pelo denunciado (fls. 429/430), pondera-se que "o Tribunal de Contas eventualmente aprovar as contas a ele submetidas, não obsta, em princípio, diante da alegada independência entre as instâncias administrativa e penal, a persecução criminal promovida pelo Ministério Público, bem como a correspondente responsabilização dos agentes envolvidos em delitos de malversação de dinheiros públicos" (STJ, HC n. 156.234/DF, rel. Min. Gabinete Des. Moacyr de Moraes Lima Filho Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 6/4/2010). Consigna-se que para eventual rejeição da peça vestibular seria necessária uma denúncia manifestamente inepta, a ausência dos pressupostos processuais ou condições da ação, ou, ainda, a falta de justa causa para o exercício da ação penal, diversamente do que ocorre na espécie. Por último, importa afirmar que, nesta fase, estando presentes os indicativos da ocorrência em tese do crime definido na denúncia, não é dado perquirir sobre a pretendida (subsidiariamente) desclassificação do injusto para o tipo penal do art. 1º, XI, do Decreto-Lei n. 201/67, o que deverá ser analisado depois da regular instrução do feito. Sobre o tema: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PACIENTE DENUNCIADO PELA SUPOSTA PRÁTICA DOS CRIMES DE HOMICÍDIO, OMISSÃO DE SOCORRO E DE PERIGO PARA A VIDA. TESE DE ERRO NA CAPITULAÇÃO DO CRIME PELA EXORDIAL ACUSATÓRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Cotejando os tipos penais incriminadores indicados na denúncia, com as condutas supostamente praticadas pelo Paciente, vê-se que, conquanto sucinta, a acusação atende aos requisitos legais do art. 41 do Código de Processo Penal, de forma suficiente para a deflagração da ação penal, bem assim para o pleno exercício de sua defesa. 2. A emendatio libelli e a mutatio libelli - previstas, respectivamente, nos arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal - são institutos de que o Juiz pode valer-se quando da prolação da sentença. Não há previsão legal para utilização destes em momento anterior da instrução. Precedentes. 3. Explicite-se: "[n]ão é lícito ao Juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar (STF, HC 87.324/SP, 1.ª Turma, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ de 18/05/2007). 4. A existência de eventual erro na tipificação da conduta pelo Órgão Ministerial não torna inepta a denúncia, e menos ainda é causa de trancamento da ação penal, pois o Acusado defende-se do fato ou dos fatos delituosos narrados na denúncia, e não da capitulação legal dela constante. 5. Eventual desclassificação de delito somente poderá ser discutida na instrução criminal, durante o livre exercício do contraditório. 6. Ordem denegada. (STJ, HC n. 165.278/RS, rela. Mina. Laurita Vaz, j. em 11/10/2011) De mais a mais, há entendimento doutrinário de que o dispositivo pretendido (art. 1º, XI, do Decreto-Lei n. 201/67) foi revogado pela Lei n. 8.666/93, passando o seu conteúdo a ser tratado pelo tipo penal apontado na denúncia (princípio da continuidade normativo-típica). Assim, considerando que o processo se traduz no meio necessário para aferir a eventual responsabilidade do indiciado e que existem elementos suficientes para receber a denúncia, há de ser viabilizada a instrução criminal para que seja Gabinete Des. Moacyr de Moraes Lima Filho apurada a veracidade dos fatos que foram imputados. Diante de todo o exposto, recebe-se a denúncia e delega-se ao Juízo da comarca de Capivari de Baixo, nos termos do art. 9º, § 1º, da Lei n. 8.038/90, a realização dos atos instrutórios, recomendando o prazo de 6 (seis) meses para a sua conclusão. Gabinete Des. Moacyr de Moraes Lima Filho