1
UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE
BRASÍLIA
GRADUAÇÃO EM DIREITO
O DIREITO SUCESSÓRIO NAS RELAÇÕES
HOMOAFETIVAS
Aluna: Maria Cristina de Moura
Orientadora: Karla Neves Faiad Moura
BRASÍLIA
2007
2
MARIA CRISTINA DE MOURA
O DIREITO SUCESSÓRIO NAS RELAÇÕES
HOMOAFETIVAS
Monografia apresentada à Banca examinadora
da Universidade Católica de Brasília, como
exigência parcial para obtenção do grau de
bacharelado em Direito sob a orientação da
Prof.ª Karla Neves Faiad Moura.
Brasília
2007
3
MARIA CRISTINA DE MOURA
O DIREITO SUCESSÓRIO NAS RELAÇÕES HOMOAFETIVAS
Monografia apresentada à Universidade
Católica de Brasília como exigência parcial
para obtenção do grau de bacharel em Direito,
sob a orientação da Professora Karla Neves
Faiad Moura.
Aprovada pelos membros da banca examinadora em ___/___/___, com menção ___________
(_________________________________________________).
Banca Examinadora:
____________________________
Presidente: Profª. Karla Neves Faiad Moura
Universidade Católica de Brasília
____________________________
Integrante: Prof. Ângelo aurélio g. Paris
Universidade Católica de Brasília
____________________________
Integrante: Profª. Carolina Petrarca
Universidade Católica de Brasília
4
Dedico este trabalho a minha família,
especialmente a meus queridos pais, que são
meu alicerce, meu norte.
5
Agradeço à minha querida professora Karla
pelo apoio e paciência, à minha irmã, Cynthia,
pela preciosa companhia nas noites de
trabalho, ao meu irmão Rodrigo e minha
cunhada Nairla por todos os momentos de
apoio e por último, mas não menos
importante, a Deus, por me proporcionar
pessoas tão especiais ao meu convívio.
6
“ÉPOCA TRISTE É A NOSSA QUE É MAIS
DIFÍCIL QUEBRAR UM PRECONCEITO DO
QUE UM ÁTOMO”. – Albert Eistein.
7
RESUMO
MOURA, Maria Cristina de. O Direito Sucessório nas Relações Homoafetivas. Trabalho de
conclusão de curso de graduação. Faculdade de Direito. Universidade Católica de Brasília.
Local da defesa: Campos de Taguatinga, ano 2007.
A presente pesquisa visa estudar a possibilidade de equiparação das uniões homoafetivas às
uniões estáveis, no tocante ao Direito Sucessório. Busca-se uma solução para o impasse
travado na jurisprudência, sobre quais direitos deverão ser assegurados, em virtude da
omissão legal.Trata-se de um tema polêmico, pois vivemos em uma sociedade ainda bastante
preconceituosa, que acredita que concordar com a união homoafetiva é incentivar e fazer com
que elas se multipliquem.A doutrina posiciona-se no sentido de não reconhecer o instituto,
embora uma parte minoritária seja totalmente a favor do reconhecimento. Este trabalho busca
fazer uma correlação entre a evolução do concubinato até o reconhecimento da relação como
União Estável, hoje amparada pela legislação, e a Relação Homoafativa, que vem percorrendo
o mesmo caminho na busca pelo reconhecimento e amparo legais. A homossexualidade é tão
antiga quanto o concubinato e impertinente o preconceito nesse momento de nossa história. O
Estado não pode invadir a vida privada, ou melhor dizendo, a vida íntima das pessoas para
dizer que tipo de afeto é legal, permitido. A Carta Magna acolhe a pessoa na plenitude de sua
dignidade em consonância com a proteção aos direitos fundamentais da personalidade,
invocados no artigo 5º e no Capítulo VII, que regulamenta a família, apesar de não explícita
em relação aos homossexuais. Este trabalho visa, tão somente, trazer mais uma vez a
discussão sobre o direito à diferença. Sobre Princípios Constitucionais, que são a base do
nosso ordenamento jurídico que muitas vezes deixam de ser observados pelas pessoas que
mantêm relações homoafativas e que merecem respeito como todo e qualquer cidadão.
Palavras-chave: União Homoafetiva – Direito Sucessório – União estável – Família.
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Abreviaturas
Art. – Artigo
Arts – Artigos
C/C – Combinado Com
N.° - Número
Siglas
CF – Constituição Federal
CC – Código Civil
LICC – Lei de Introdução ao Código Civil
Resp – Recurso Especial
STJ – Superior Tribunal de Justiça
STF – Supremo Tribunal Federal
TSE – Tribunal superior Eleitoral
9
LISTA DE SÍMBOLOS
% - sinal de percentual matemático
§ - parágrafo
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ________________________________________________13
Capítulo 1- ESTADOS DE FAMÍLIA _______________________________16
1.1Princípios Constitucionais e Relações Familiares ___________________________
1.2. A Repersonalização das Relações Familiares _____________________________
1.3 O Atrigo 226 da Constituição Federal de 1988 ____________________________
1.4. O Casamento ______________________________________________________
17
21
23
28
1.4.1 Características, Finalidade e Pressupostos __________________________________ 29
1.5 União Estável ______________________________________________________ 31
1.5.1 Natureza Jurídica da União Estável. Elementos Constitutivos ___________________ 32
Capítulo 2- UNIÃO HOMOAFETIVA – POSSIBILIDADE DE
RECONHECIMENTO___________________________________________ 37
2.1 O Não Reconhecimento ______________________________________________
2.2 O Reconhecimento __________________________________________________
2.3. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana _______________________________
2.4 Princípio da Igualdade _______________________________________________
37
39
47
49
Capítulo 3- O DIREITO DAS SUCESSÕES __________________________51
3.1 Disposições Gerais __________________________________________________ 51
3.2. A Sucessão dos Companheiros no Código Civil Brasileiro de 2002 ___________ 56
Capítulo 4- O DIREITO SUCESSÓRIO NAS RELAÇÕES
HOMOAFETIVAS______________________________________________ 61
4.1 O Direito Sucessório Homoafetivo _____________________________________
4.2 União Estável e sua Comparação com a União Homoafetiva _________________
4.3 Competência para Julgamento _________________________________________
4.4 Projetos de Lei em Tramitação _________________________________________
61
63
65
69
CONCLUSÃO__________________________________________________70
REFERÊNCIAS ________________________________________________73
13
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa visa estudar a possibilidade de equiparação das uniões
homoafetivas às uniões estáveis, no tocante ao Direito Sucessório. Busca-se uma solução para
o impasse travado na jurisprudência, sobre quais direitos deverão ser assegurados, em virtude
da omissão legal.
Será, portanto, analisada a união homoafetiva como um todo, desde sua origem
histórica até a atualidade, demonstrando a evolução e o crescimento do instituto.
Trata-se de um tema polêmico, pois vivemos em uma sociedade ainda bastante
preconceituosa, que acredita que concordar com a união homoafetiva é incentivar e fazer com
que elas se multipliquem.
A doutrina posiciona-se no sentido de não reconhecer o instituto, embora uma parte
minoritária seja totalmente a favor do reconhecimento.
Muito importante será a pesquisa na jurisprudência, que ainda não foi consolidada,
pois em virtude da falta de amparo legal, os Tribunais tiveram que se posicionar, tendo em
vista que a sociedade não poderia ficar desamparada. Afinal, “estar à margem da lei não
significa ser desprovido de proteção nem impede a busca da tutela jurídica” 1.
O presente trabalho tem por objetivo fazer uma analogia entre relações homoafetivas
e União Estável Heterossexual, demonstrando ter os homossexuais os mesmos direitos que os
heteros.
______________
1
BORGES, Camila Oliveira. Os direitos da parceria civil homossexual. In Temas polêmicos de direito
de família, Coordenadores Cleyson de Moraes Mello e Thelma Araújo Esteves Fraga. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 2003, p. 113
14
A Carta Magna acolhe a pessoa na plenitude de sua dignidade em consonância com a
proteção aos direitos fundamentais da personalidade, invocados no artigo 5º e no Capítulo
VII, que regulamenta a família, apesar de não explícita em relação aos homossexuais.
O novo Código Civil não tratou especificamente sobre o tema, e, na falta de
regulamentação legal, o julgador lança mão dos princípios constitucionais para julgar as ações
referentes aos direitos das relações homoafetivas.
O trabalho foi estruturado em 4 (quatro) capítulos, distribuídos de forma a alcançar o
tema abordado. Não se tem aqui a pretensão de esgotar o tema, em absoluto. O objetivo é
abordar o tema relações homoafetivas e demonstrar a necessidade do reconhecimento destas
uniões.
No primeiro capítulo, será dado um enfoque sobre a família, analisando a sua origem
e os conceitos. A evolução da noção de entidade familiar, bem como as novas famílias que
surgiram nos tempos atuais, analisando o enfoque a ela dado ao artigo 226 e parágrafos, bem
como a possibilidade de uma interpretação extensiva do mesmo. Neste capítulo, também será
abordado o casamento e a união estável, com interesse maior a este último instituto por estar
intrinsecamente ligado ao tema central. Essas observações, por sua vez, possibilitarão uma
melhor compreensão de que nem sempre o relacionamento entre pessoas não unidas pelo
vínculo do matrimônio foi aceito e enquadrado como uma forma de família legítima e que a
necessidade de mudança é eminente.
O segundo capítulo aborda o tema homoafetividade. Nesse capítulo, apresenta-se o
entendimento sobre as uniões homoafetivas no Código Civil e na Constituição Federal de
1988 e a necessidade de seu reconhecimento e os princípios que deixam de ser observados
com a falta de legislação para disciplinar o tema. Comenta os direitos que são suprimidos com
a omissão legal e as controvérsias acerca da natureza jurídica da união homoafetiva, que esses
possam ser reconhecidos juridicamente como entidade familiar.
15
O terceiro capítulo traz noções gerais acerca de Sucessões. Na presente exposição,
analisaremos os direitos sucessórios dos companheiros, ou seja, das pessoas que vivem em
união estável, à luz do atual Código Civil.
Por fim, no quarto e último capítulo, o Direito Sucessório nas relações homoafetivas,
com os progressos obtidos no âmbito do Judiciário no que concerne a capacidade sucessória
de parceiros homoafetivos, bem como os projetos em tramitação acerca do assunto em
comento.
Este trabalho visa, tão somente, trazer mais uma vez a discussão sobre o direito à
diferença. Sobre Princípios Constitucionais, que são a base do nosso ordenamento jurídico
que muitas vezes deixam de ser observados pelas pessoas que mantêm relações homoafativas
e que merecem respeito como todo e qualquer cidadão.
16
Capítulo 1
ESTADO DE FAMÍLIA
Sílvio de Salvo Venosa trata de conceituar estado de família e os vínculos jurídicos
familiares.
Estado de família é a posição e a qualidade que a pessoa ocupa na entidade familiar.
No direito civil, portanto, o Estado considera a pessoa em si mesma e com relação à família.
Disso decorre a definição do maior capaz, menor incapaz, casado, solteiro, etc 2.
O estado de família é um dos atributos da personalidade das pessoas naturais. É
atributo personalíssimo. É conferido pelo vínculo que une uma pessoa às outras: casado,
solteiro. Também pode ser considerado sob o aspecto negativo: ausência de vínculo conjugal,
familiar, filho de pais desconhecidos 3.
Esses vínculos jurídicos familiares podem ser o vínculo conjugal, o da união estável e
de vínculo de parentesco. O vínculo conjugal une as pessoas que contraem matrimônio, já o
“vínculo de parentesco une a pessoa com as pessoas de quem descendem (parentesco em linha
reta), como os que descendem de um ancestral comum (parentes colaterais), com os parentes
do outro cônjuge (parentes por afinidade), além dos parentes do adotivo” 4.
Direitos e deveres decorrem do estado de família.
Ainda, Venosa apresenta características distintas do estado de família, quais sejam5
______________
2
VENOSA, Silvio de Salvo.Direito de família. 2007. pág. 37
Idem, p. 35.
4
Ibidem.
5
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito de família. 2007. pág. 36
3
17
Intransmissibilidade: esse status não se transfere por ato jurídico, nem entre
vivos nem por causa da morte. É personalíssimo, porque depende da situação
subjetiva da pessoa com relação à outra. Irrenunciabilidade: ninguém pode
despojar-se por vontade própria de seu estado. O estado de filho ou de pai
depende exclusivamente da posição familiar.; imprescritibilidade: o estado
de família, por sua natureza, é imprescritível, como decorrência de seu
caráter personalíssimo. Universalidade: é universal porque compreende todas
as relações jurídico-familiares; indivisibilidade: o estado de família é
indivisível, de modo que será sempre o mesmo perante a família e a
sociedade. Não se admite, portanto, que uma pessoa seja considerada casada
para determinadas relações e solteira para outras; correlatividade: o estado de
família é recíproco, porque se integra por vínculos entre pessoas que se
relacionam.
Definir estado de família é importante principalmente para estabelecer capacidade e
vícios do casamento. Prova-se o estado de família com o título do registro público. Pode ser
provado também por outros meios, na falta do título, prova-se também por ação judicial. A
união estável é uma situação de fato e admite provas por todos os meios em direito
permitidos6.
1.1Princípios Constitucionais e Relações Familiares
Diante da nova forma de se conceber a família entidade familiar dissociada do
pensamento jurídico antigo que só considerava família originada no casamento, muitos são os
propagadores do apocalipse familiar7.
A esse respeito, Caio Mário da Silva Pereira afirma que8
______________
6 idem
7 GIRARDI, Viviane. Famílias contemporâneas, filiação e afeto. A possibilidade Jurídica de adoção
por homossexuais. p. 31
8
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
19. v. 5.
18
Entretanto, olhando para a família contemporânea e buscando apoio nos
elementos que formam nossa realidade cultural, histórica e sociológica, não
excluindo a econômica, pode-se constatar que na verdade o núcleo familiar
se modificou sensivelmente e, em sentido amplo, deslocou se centro de
constituição do princípio da autoridade para o princípio da compreensão e do
amor, que, nos moldes da Constituição brasileira, reflete e preenche o
princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro que é o atendimento à
promoção da dignidade da pessoa humana.
Depois da Constituição de 1988 não é mais possível pensar na organização familiar,
como apenas aquela originada no casamento civil e religioso.
Novas estruturas familiares se formaram e a constituição acolheu vários desses novos
modelos.
Na família codificada de feitio impessoal, a identificação se referia mais à entidade
familiar do que ao contexto próprio de cada indivíduo. O sexo tinha a finalidade da
procriação, e o reconhecimento da prole estava restrito ao espaço conjugal, pois ligava
descendência à transmissão do patrimônio. O comportamento social do homem se modificou.
A busca da realização e da felicidade pessoal passou a ser a tônica das relações de
convivência familiar e social, e essas se tornaram não só mais complexas, como também,
pluriais 9.
A Constituição de 1988 deu acolhimento legal aos fatos sociais há muito
demonstravam: que existem outras formas de família.
A partir do artigo 226 e parágrafos, e do artigo 227, a Constituição Federal inundou o
cenário jurídico das relações familiares de um sentido amplo de democracia e de respeito às
diferenças. Permitindo o reconhecimento legal da união estável e das famílias monoparentais,
______________
9
GIRARDI, Viviane. Famílias contemporâneas, filiação e afeto. A possibilidade Jurídica de adoção
por homossexuais. p. 32
19
culminou por elastecer o leque das relações familiares legitimadas, as quais passaram a ser
reconhecidas e tuteladas pelo Estado10.
As mudanças de comportamento social, como a emancipação feminina, o
reconhecimento de que os filhos também são sujeitos no seio familiar, tudo isso aliado aos
avanços da genética, extinguiram a idéia patriarcal de família, “pois se o casamento já não é
perpétuo, e a família não é um fim em si mesma, o sexo não se destina mais unicamente à
procriação, sendo esta possível em aquele” 11.
Entretanto, a família está longe de deixar de ser a celular mater da sociedade, na
medida em que é e, acredita-se, sempre será o ponto de partida para o estabelecimento do
sujeito e do desenvolvimento de múltiplas outras relações sociais que vão se estabelecendo ao
longo de suas trajetórias existenciais 12.
Esse também foi o sentido do texto constitucional ao estabelecer no artigo 226 da
Constituição Federal que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Assim dito por Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “A Constituição ainda vê na família a base
da sociedade. No direito anterior, esta família era constituída pelo casamento, e, até a Emenda
n° 9/77, de vínculo indissolúvel”. No direito vigente, não só se apegou à indissolubilidade do
vínculo como se equiparou a ela a “união estável entre o homem e a mulher” e “a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes”13.
Poder-se-ia afirmar que a Constituição adotou um “sistema aberto”, pois, ainda que
tenha abarcado novas formas de famílias, não o fez de forma a incluir todas as uniões afetivas
possíveis e já constadas no cenário social. Especificamente no capítulo destinado à família,
______________
10
GIRARDI, Viviane. Famílias contemporâneas, filiação e afeto. A possibilidade Jurídica de adoção
por homossexuais. p. 32.
11
Idem.
12
Ibidem
13
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Saraiva,
1989. p. 314.
20
deixou de considerar expressamente as uniões formadas por pares homossexuais14, como
também não declarou uma tutela típica para outros arranjos familiares, tais como os
constituídos por avós e netos, irmãos entre si, tios e sobrinhos, demonstrando que persistem
situações não envolvidas pelo direito positivado15, deixando para a jurisprudência e legislação
infraconstitucional a incumbência de obstruí-lo pela concretização dos princípios
constitucionais e da aplicação dos fundamentais.
A Constituição reconhece a pluralidade de famílias dando a elas proteção do Estado,
mas, para a doutrina e a jurisprudência há possibilidade hermenêutica de se expandir esse
conceito de família, como grupos de parentes próximos, afilhado e filhos de criação.
E ainda, considerada a perspectiva sociológica dos fatos e a comunidade comum de
vidas na solidariedade pessoal e material, como exemplos, as famílias somente de irmãos,
avós e netos e dos pares homossexuais. Quanto a este aspecto, é relevante destacar a
importância da lição de Luiz Edson Fachin ao referir-se à transformação da família. Segundo
ele: “(...) ancorados nos princípios constitucionais, o Direito de Família, ‘constitucionalizado’
não deve ter como horizonte final o texto constitucional expresso. Os princípios desbordam
das regras e neles a hermenêutica familiar do século XXI poderá encontrar abrigo e luz”16.
Esse movimento reflete a ambiência de um conteúdo marcado pela personalização das
relações familiares no sentido de a família servir de espaço para formação e ampla realização
do ser 17.
______________
14
FACHIN, Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 155.
GIRARDI, Viviane. Famílias contemporâneas, filiação e afeto. A possibilidade Jurídica de adoção
por homossexuais. p. 32.
16
FACHIN, Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 297.
17
GIRARDI, Viviane. Famílias contemporâneas, filiação e afeto. A possibilidade Jurídica de adoção
por homossexuais. p. 32.
15
21
1.2. A Repersonalização das Relações Familiares
A busca pela atualização do direito no sentido de aprender a realidade social já
motivava os juristas atentos a lentidão e ao atraso do direito diante dos demais fenômenos
sociais entre eles Orlando Gomes18
O atraso do Direito em relação aos fatos nos quais encontra a matéria-prima
que espiritualiza não é, contudo, um acontecimento atual. Não é hoje, com
efeito, que se vem acentuando. Parece que o ritmo acelerado como que se
desenvolvem os fatos na base material da sociedade tem concorrido, há um
século, para aprofundar a dissonância entre os fenômenos sociais. A ação e
reação recíproca desses fatos quase nunca se produzem ao compasso de um
metrômeto. O processo histórico não flui num só ritmo. Na sua trajetória,
repontam coexistência incongruentes, já que os fenômenos sociais
rarissimamente marcham com a mesma cadência.
Buscando alcançar a dinâmica dos fatos, o direito civil, como um todo, vem sendo
obrigado a renovar-se, abandonando valores de cunho estritamente patrimonialista erigidos
pela codificação burguesa, próprios da ótica individualista dos seus primórdios que buscavam
liberdade e igualdade para fazer circular bens e riquezas, preocupação fundamental da
sociedade da época que não se conforma com a realidade contemporânea, que avança no
sentido de assegurar proteção à família tendo como horizonte, além das questões e efeitos
patrimoniais a tais inerentes, a consecução dos valores pessoais, assegurando a toda e
qualquer pessoa o direito de buscar em sentido pessoal para sua existência19.
Percebe-se, portanto, a falência dos conteúdos eminentemente patrimonialistas da
normativa civil, que irradiada por valores e princípios constitucionais processa um movimento
______________
18
GOMES, Orlando. A revisão do direito civil. A crise do direito. São Paulo: Max Limonad, 1955. p.
18.
19
GIRARDI, Viviane. Famílias contemporâneas, filiação e afeto. A possibilidade Jurídica de adoção
por homossexuais. p. 42.
22
de personalização do direito, buscando conferir ao homem autonomia para determinar-se
como sujeito da própria história, movimento fortemente sentido e percebido na órbita das
organizações familiares20.
Quanto a esse aspecto no direito de família, Ana Carla Harmatiuk Mattos assim se
refere21:
A repersonalização das relações familiares significaria sair daquela idéia de
patrimônio como orientador da família, onde essa se forma pela atividade e
não mais exclusivamente pelo vínculo jurídico –formal que une as pessoas.
Deve o Direito Civil, cumpri seu verdadeiro papel: regular as relações
relevantes da pessoa humana – colocar o homem no centro das relações
civilísticas. [...] Uma das conseqüências práticas da repersonalização vem a
ser a nova concepção de família, espelhando a idéia básica da família,
espelhando a idéia básica da família eudemonista, ou seja, da família,
direcionando à realização dos indivíduos que a compõem.
Segundo Luiz Neto Lobo Paulo, “o desafio que se coloca ao jurista e ao direito é a
capacidade de ver a pessoa humana em toda sua dimensão ontológica e não como simples e
abstrato sujeito de relações jurídicas, valorando-se o ser e não o ter, isto é, sendo medida da
propriedade, que passa a ter função complementar”22.
Orlando de Carvalho julga oportuna a repersonalização de todo o direito civil – seja
qual for o invólucro em que esse direito se contenha – isto é, a acentuação de sua raiz
antropocêntrica, de sua ligação visceral com a pessoa e seus direitos. É essa valorização do
poder jurisgênico do homem comum, é essa centralização em torno do homem e dos
interesses imediatos que faz o direito civil o foysr da pessoa, do cidadão mediano, do cidadão
puro e simples 23.
______________
20
Idem.
Ibidem.
22
LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família.
23
Apud COIMBRA, Centelha. A teoria geral da relação jurídica, 1981. p.90.
21
23
A restauração da primazia da pessoa, nas relações de família, na garantia da realização
da efetividade e de sua dignidade, é a condição primeira de adequação do direito à realidade.
Essa mudança de rumos é inevitável.
Nenhum princípio da Constituição provocou tão profunda transformação do direito de
família quanto o da igualdade entre homem e mulher e entre filhos. Todos os fundamentos
jurídicos da família tradicional restaram destroçados, principalmente os da legitimidade,
verdadeira summa divisio entre sujeitos e sub-sujeitos de direito, segundo os interesses
patrimoniais subjacentes que protegiam, ainda que razões éticas e religiosas fossem as
justificativas ostensivas. O princípio da igualdade de gêneros foi igualmente elevado ao status
de direito fundamental oponível aos poderes políticos e privados (art. 5º, I, da Constituição)24.
A repersonalização das relações jurídicas de família traz novo valor a dignidade
humana, tendo a pessoa como centro da tutela jurídica. É a afirmação da finalidade mais
relevante da família: “(...) a realização da dignidade de seus membros como pessoas humanas
concretas, em suma, do humanismo que só se constrói na solidariedade, com o outro” 25.
1.3 O Atrigo 226 da Constituição Federal de 1988
A Constituição é a norma fundamental que dá unidade e coerência à ordem jurídica,
necessitando ela ter as mesmas características, superando contradições e protegendo os
______________
24
LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações familiares. Texto extraído do
jusnavigandi [Online]. Disponível em <http//www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2823>. Acesso em 03
de março de 2007.
25
Idem.
24
cidadãos de todo tipo de discriminação. “Daí que a interpretação constitucional deve garantir
uma visão unitária e coerente do Estatuto Supremo e de toda a ordem jurídica” 26.
Isso significa que a constituição deve ser interpretada evitando contradições entre suas
normas, cabendo ao intérprete procurar entre preceitos e princípios até se chegar a uma
coerência entre as idéias.
Afirma Celso Ribeiro Bastos que27
Como conseqüência deste princípio, as normas constitucionais devem
sempre ser consideradas como coesas e mutuamente imbricadas, não se
podendo jamais tomar determinada regra isoladamente, pois a Constituição é
o documento supremo de uma nação, estando as normas em igualdade de
condições, nenhuma podendo se sobrepor à outra, para afastar seu
cumprimento, onde cada norma subsume-se e complementa-se com
princípios constitucionais, neles procurando encontrar seu perfil último.
No mesmo sentido, Gilmar Mendes aponta que, “o princípio da unidade da ordem
jurídica considera a Constituição como o contexto superior das demais normas, devendo as
leis e normas secundárias ser interpretadas em consonância com ela, configurando a
perspectiva uma subdivisão da chamada interpretação sistemática” 28.
Para o estudo do artigo 226 essas perspectivas de interpelação devem ser consideradas.
O jurista Paulo Luiz Netto Lobo em análise do citado artigo, diz que, o pluralismo das
entidades familiares, uma das mais importantes inovações da Constituição brasileira,
relativamente ao direito de família, encontra-se, ainda, cercada de perplexidades quanto a dois
pontos centrais: se há hierarquização axiológica entre elas e, se constituem elas numerus
clausus.
______________
26
MAGALHÃES FIHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. Belo
Horizonte: Mandamentos editora, 2001. p.79.
27
BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos
editor, 1999. p.104.
28
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. p.223.
25
Proponho-me a enfrentar preferencialmente a segunda questão, gizando-a ao plano da
Constituição Brasileira, ou seja, extraindo sentido das normas nela positivadas, utilizando
critérios reconhecidos de interpretação constitucional. Várias áreas do conhecimento, que têm
a família ou as relações familiares como objeto de estudo e investigação, identificam uma
linha tendencial de expansão do que se considera entidade ou unidade familiar. Na
perspectiva da sociologia, da psicologia, da psicanálise, da antropologia, dentre outros
saberes, a família não se resumia à constituída pelo casamento, ainda antes da Constituição,
porque, não estavam delimitados pelo modelo legal, entendido como um entre outros 29.
Estabelece a Constituição três preceitos, de cuja interpretação chega-se à inclusão das
entidades familiares não referidas explicitamente. São eles, chamando-se atenção para os
termos em destaque:
Art. 226 da CF/88, prevê em seu caput que a família, base da sociedade, tem
especial proteção do Estado.
Art. 226, § 4º, da CF/88, ao entender, também, como entidade familiar a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Art. 226, § 8º, da Cf/88, pois, prevê que o Estado assegurará a assistência à
família na pessoa de cada um que a integram, criando mecanismos para coibir
a violência no âmbito de suas relações.
No caput do art. 226 operou-se a mais radical transformação, no tocante ao âmbito de
vigência da tutela constitucional à família. Não há qualquer referência a determinado tipo de
família, como ocorreu com as constituições brasileiras anteriores. Ao suprimir a locução
“constituída pelo casamento” (art. 175 da Constituição de 1967-69), sem substituí-la por
______________
29
LÔBO, Luiz Paulo Neto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além dos numerus cluasus.
Texto extraído do jusnavigandi [Online]. Disponível em:
< http//www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2823>. Acesso em 06 de abril de 2007.
26
qualquer outra, pôs sob a tutela constitucional “a família”, ou seja, qualquer família. A
cláusula de exclusão desapareceu. O fato de, em seus parágrafos, referir a tipos determinados,
para atribuir-lhes certas conseqüências jurídicas, não significa que reinstituiu a cláusula de
exclusão, como se ali estivesse a locução “a família, constituída pelo casamento, pela união
estável ou pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”. A interpretação de
uma norma ampla não pode suprimir de seus efeitos situações e tipos comuns, restringindo
direitos subjetivos30.
O objeto da norma não é a família, como valor autônomo, em detrimento das pessoas
humanas que a integram. Antes foi assim, pois a finalidade era reprimir ou inibir as famílias
“ilícitas”, desse modo, consideradas todas aquelas que não estivessem compreendidas no
modelo único (casamento), em torno do qual o direito de família se organizou. “A
regulamentação legal da família voltava-se, anteriormente, para a máxima proteção da paz
doméstica, considerando-se a família fundada no casamento como um bem em si mesmo,
enaltecida como instituição essencial”
31
. O caput do art. 226 é, conseqüentemente, cláusula
geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos
de afetividade, estabilidade e ostensibilidade.
A regra do § 4º do art. 226 integra-se à cláusula geral de inclusão, sendo esse o sentido
do termo “também” nela contido. “Também” tem o significado de igualmente, da mesma
forma, outrossim, de inclusão de fato sem exclusão de outros. Se dois forem o sentidos
possíveis (inclusão ou exclusão), deve ser prestigiado o que melhor responda à realização da
______________
30
LÔBO, Luiz Paulo Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além dos numerus cluasus.
Texto extraído do jusnavigandi [Online]. Disponível em:
< http//www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2823>. Acesso em 06 de abril de 2007.
31
Op. Cit.
27
dignidade da pessoa humana, sem desconsideração das entidades familiares reais não
explicitadas no texto32 .
Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da
Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por
isso mesmo merecendo referência expressa. As demais entidades familiares são tipos
implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família,
indicado no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na
experiência da vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade33.
Ainda na visão de Luiz Paulo Lôbo34:
A afetividade é construção cultural, que se dá na convivência, sem interesses
materiais, que apenas secundariamente emergem quando ela se extingue.
Revela-se em ambiente de solidariedade e responsabilidade. Como todo
princípio, ostenta fraca densidade semântica, que se determina pela mediação
concretizadora do intérprete, ante cada situação real. Pode ser assim
traduzido: onde houver uma relação ou comunidade unidas por laços de
afetividade, sendo estes suas causas originária e final, haverá família.
Cada entidade familiar submete-se a estatuto jurídico próprio, em virtude dos
requisitos de constituição e efeitos específicos, não estando uma equiparada ou condicionada
aos requisitos da outra. Quando a legislação infraconstitucional não cuida de determinada
entidade familiar, ela é regida pelos princípios e regras constitucionais, pelas regras e
______________
32
LÔBO, Luiz Paulo Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além dos numerus cluasus.
Texto extraído do jusnavigandi [Online]. Disponível em:
< http//www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2823>. Acesso em 06 de abril de 2007.
33
Op.cit
34
LÔBO, Luiz Paulo Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além dos numerus cluasus.
Texto extraído do jusnavigandi [Online]. Disponível em:
< http//www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2823>. Acesso em 06 de abril de 2007.
28
princípios gerais do direito de família aplicáveis e pela contemplação de suas
especificidades35 .
1.4. O Casamento
Silvio Venosa faz menção a diversas definições de casamento. Como, Guilermo
Borba (1993, p.45) definiu casamento de forma lapidar: “é a união do homem e da mulher
para o estabelecimento de uma plena comunidade de vida”. Outros preferem definição mais
descritiva. Washington de Barros Monteiro (1996, p.12) conceitua o matrimônio como sendo
“a união permanente entre o homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se
reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos”. Silvio Rodrigues
(1999, p.18), declarando já sua preferência pela natureza jurídica do fenômeno jurídica do
fenômeno, com base na lei e na palavra de Modestino, define: “Casamento é o contrato de
direito de família que tem por finalidade a união do homem e da mulher, de conformidade
com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem
mútua assistência” 36.
O Casamento é o centro do direito de família. Dele irradiam suas normas
fundamentais. Sua importância, como negócio jurídico formal, vai desde as formalidades que
antecedem sua celebração, passando pelo ato material de conclusão até os efeitos do negócio
que deságuam nas relações entre os cônjuges, os deveres recíprocos, a criação e a assistência
material e espiritual recíproca e da prole, etc 37 .
______________
35
Idem.
VENOSA, Silvio Salvo. Direito de família. 2007. p. 35
37
VENOSA, Silvio Salvo. Direito de família. 2007. p. 35
36
29
A natureza jurídica, como sua definição também traz diferentes opiniões doutrinárias.
Trata-se, pois, de negócio complexo, com características de negócio jurídico e de instituição.
Simples conceituação como contrato reduz por demais sua compreensão. Eduardo dos Santos,
citando Cimbali, anota que o matrimônio é um “contrato sui generis de caráter pessoal e
social: sendo embora um contrato, o casamento é uma instituição ético-social, que realiza a
reprodução e a educação da espécie humana”38 (in Venosa, 2007).
O que confere a um ato a natureza contratual não é a determinação de seu conteúdo
pelas partes, mas sua formação por manifestação de vontade livre e espontânea. Orlando
Gomes conclui que o casamento é, porém, um contrato com feição especial, “a que não se
aplicam as disposições legais dos negócios de direito patrimonial que dizem respeito: a) à
capacidade dos contraentes; (b) aos vícios de consentimento; (c) aos efeitos”39 .
Assim, pode-se afirmar que o casamento-ato é um negócio jurídico; o casamentoestado é uma instituição.
1.4.1 Características, Finalidade e Pressupostos
O casamento, negócio jurídico que dá margem à família legítima, é ato pessoal e
solene. É pessoal, pois cabe unicamente aos nubentes manifestar sua vontade, embora se
admita casamento por procuração. Tratando-se igualmente de negócio puro e simples, não
admite termo ou condição40 .
______________
38
SANTOS, Eduardo. In VENOSA, Direito de família, 2007.
GOMES, Orlando, in VENOSA. Direito de família, 2007.
40
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito de família. 2007.p.52.
39
30
A lei o reveste de uma série de formalidades perante autoridade do Estado que são de
sua própria essência para garantir a publicidade, outorgando com isso garantia de validade ao
ato.
Sob o prisma do direito, o casamento estabelece um vínculo jurídico entre o homem e
a mulher, objetivando uma convivência de auxílio e de integração físico-psíquica, além da
criação e amparo da prole. Há um sentido ético e moral no casamento, quando não metafísico,
que extrapola posições que vêem nele, de forma piegas, mera regularização de ralações
sexuais. Outra sua característica fundamental é a diversidade de sexos. Não há casamento
senão na união de duas pessoas de sexo oposto. Cuida-se de elemento natural do
matrimônio41.
Durante muito tempo, o vínculo do casamento foi indissolúvel por princípio
constitucional em nosso sistema, até que a legislação admitisse o divórcio. A Emenda
Constitucional nº 9, de 28-06-1977, aboliu o princípio da indissolubilidade do matrimônio
ensejando a promulgação da Lei nº 6.515, de 26-12-1977, que regulamentou o divórcio. Na
atualidade, no mundo ocidental, poucos países são antidivorcistas 42 .
Quanto às múltiplas finalidades do matrimônio, situam-se mais no plano sociológico
do que no jurídico.
Conforme estabelecido tradicionalmente pelo Direito Canônico, o casamento tem por
finalidade a procriação e educação da prole, bem como a mutua assistência e satisfação
sexual, tudo se resumindo na comunhão de vida e de interesses43 .
Para que exista casamento válido e eficaz é necessário que se reúnam pressupostos de
fundo e de forma.
______________
41
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito de família. 2007.p.52
Idem, p.55.
43
Ibidem.
42
31
Para Venosa as relações homoafetivas nunca adentrarão o direito de família44:
(...) não se faltam tentativas para regulamentar a união entre pessoas do
mesmo sexo. Há projeto nesse sentido, que se refere à parceria civil
registrada entre pessoas do mesmo sexo. Há também exemplos na legislação
internacional. Existe jurisprudência inovadora entre nós a esse respeito,
outorgando amplos efeitos às uniões duradouras entre pessoas do mesmo
sexo. Não cabe aqui adentrarmos em divagações sociológicas ou biológicas
sobre o tema. De qualquer modo, encarado como fato social, qualquer que
seja o sentido dessas relações de lege ferenda, ou seja, seu valor axiológico,
seu nível jurídico nunca poderá ser o de matrimônio, ainda que alguns de
seus efeitos secundários sejam conferidos, como, por exemplo, o direito à
herança, a benefícios previdenciários, a planos de saúde, devendo a relação
ficar acentuadamente no plano do direito das obrigações, fora do sublime e
histórico conceito de família e casamento.
1.5 União Estável
A família é um fenômeno social anterior ao casamento. Em um determinado momento
na história instituiu o casamento como regra de conduta. E como conseqüência, a
problemática da união conjugal forma do casamento.
Assim como para o casamento, o conceito de união livre ou concubinato também, por
sua própria terminologia, não se confunde com a mera união de fato, relação fugaz e
passageira. Na união estável existe a convivência do homem e da mulher sob o mesmo teto ou
não, mas more uxório, isto é, convívio como se marido e esposa fossem. Há, portanto, um
sentido amplo de união de fato, desde aparência ou posse de estado de casado, a notoriedade
social. Nesse sentido, a união estável é um fato jurídico, qual seja um fato social que gera
efeitos jurídicos. Para fugir à conotação depreciativa que o concubinato teve no passado, com
______________
44
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito de família., 2007. p.55.
32
freqüência, a lei, a doutrina e a jurisprudência já não se referiam a concubinos, mas a
companheiros45. Como vimos, essa opção é a vencedora na lei e na doutrina e assim
deveremos tratar da problemática doravante.
1.5.1 Natureza Jurídica da União Estável. Elementos Constitutivos
A união estável é fato social e jurídico. “O casamento é um fato social e um negócio
jurídico” 46. A união estável é um fato do homem que, gerando efeitos jurídicos torna-se um
fato jurídico.
O artigo 226, § 3º, da Constituição Federal, confere proteção do Estado à união estável
entre homem e mulher como entidade familiar.
O preconceito contra as uniões de fato, formadas sem o alicerce dos laços
matrimoniais, foi celebremente rompido pela Constituição de 1988 que, em seu artigo 226,
mais precisamente no § 3º, amparou as uniões de fato havidas entre um homem e uma mulher,
dando-lhes o status de “entidade familiar”.
Para entender como se chegou a tal reconhecimento, mister se faz compreender o que
seria um “primeiro estágio”, ou um “primeiro momento” das uniões de fato reconhecidas
como entidade familiar. Não que o concubinato possa ser visto como uma forma não evoluída
da união estável, ou como seu precursor ou antecessor, mas inegável é o fato de que, ao
voltar-se o foco para ele (o concubinato), a sociedade e a comunidade jurídica abriram seus
olhos para o tema, haja vista que, nos dizeres de Sílvio Rodrigues, “a despeito da indiferença
______________
45
46
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito de família. 2007.p.60.
Idem.
33
do legislador no passado, a família constituída fora do casamento de há muito constituía uma
realidade inescondível”.
A união estável representa uma das grandes inovações da Constituição de 1988 e leis
que a regulam, mas é, ainda, um instituto carente de sedimentação legal:
Artigo 226, § 3º. “A família, base da sociedade, tem especial proteção do
estado.
(...)
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Na esteira do dispositivo transcrito vem o artigo 1.723 do Código Civil de 2002:
Art. 1.723. “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o
homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art.
1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada
se achar separada de fato ou juridicamente.
§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da
união estável”.
Desta maneira, pode-se conceituar a união estável como “aquela união entre o homem
e a mulher que pode converter-se em casamento”. Tanto é assim que a sua conversão em
casamento é aceita e até incentivada na forma dos artigos 226, § 3º da Constituição e 1.726 do
Código Civil.
Todavia, há quem discorde deste conceito, separando-o da idéia de casamento. Claudia
Grieco Tabosa Pessoa prefere conceituar união estável como sendo a “convivência duradoura,
34
pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição
família” 47 .
O que se observa no conceito proposto por Venosa é que não se poderia concluir, de
forma absoluta, que apenas existirá união estável entre pessoas desimpedidas de casar. Isso
porque, até a Lei nº 8.971/94, tratando da questão dos alimentos e da sucessão dos
companheiros, trata como tais aqueles que constituem união estando separados judicialmente,
hipótese em que não poderia contrair matrimônio. A Lei nº 9.278/96, que regula o artigo 226,
§ 3º da Constituição, não condiciona o desimpedimento para o casa mento ao definir o que é
entidade familiar na forma do citado dispositivo constitucional. O novo código expressamente
afirma, no §1º de seu artigo 1.723, ser possível a constituição de união estável até mesmo se a
uma pessoa estiver apenas separada de fato. Não estaria, portanto, apta a contrair novas
núpcias, mas pode perfeitamente estabelecer uma união estável.
Quando a Constituição estatui que deverá a lei facilitar a conversão da união estável
em casamento, apenas está abrindo uma faculdade aos companheiros, que poderá ou não ser
efetivada, o que não quer dizer que aqueles devem estar necessariamente aptos a contrair
matrimônio. Ademais, por ser bastante usual que as uniões estáveis sejam constituídas por
pessoas separadas de fato ou judicialmente, não se poderia admitir que fossem excluídas da
tutela legal, por representarem importante segmento da sociedade atual48.
Para que se configure uma união estável, devem se fazer presentes certos elementos
caracterizadores. Tomando-se por base as disposições constitucionais, bem como as
disposições legais que regem o tema, inclusive os ditames do Novo Estatuto Civilista. Tais
elementos são a estabilidade, publicidade, o conteúdo mínimo da relação e a dualidade de
sexos. Estes elementos são tidos como essenciais pela doutrina. (Várias são as características
______________
47
PESSOA, Cláudia Grieco Tobosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. São Paulo: Saraiva, 1977, p.
25.
48
CZAJKOWSKI, Rainer. União livre à luz da Leit 8.971/94 e da Lei nº 9.278/96. Curitiba: Juruá,
2001. p. 65.
35
atribuídas pelos doutrinadores que seriam necessárias à configuração da união estável. Se os
chamados elementos essenciais estão previstos na legislação reguladora do tem, os
secundários se apresentam como elementos capazes de ressaltar a condição dos
companheiros, cuja validade caberá ao magistrado analisar, in casu).
O primeiro elemento a ser tratado é a dualidade de sexos. Os doutrinadores são claros
quando mencionam que reconhecida é a união, dentro das condições específicas, entre o
homem e a mulher. Analisando os elementos legais, se há a determinação de facilitação de
conversão em casamento, sendo a única espécie de matrimônio aceita no Brasil a que une um
homem a uma mulher; com a união estável não poderia ser diferente. O relacionamento
homossexual, ainda que estável, duradouro, contínuo, e até mesmo com animus de
constituição de “família” (embora o seja impossível, nos termos legais atualmente vigentes)
não goza de amparo legal, nem tampouco constitucional. Muito embora jurisprudencialmente
tenha-se reconhecido certos direitos de cunho patrimonial e até mesmo previdenciário aos que
se acham em relacionamento homossexuais estáveis, o legislador pátrio não os admite como
família ou entidade familiar. (Venosa afirma que qualquer que seja o sentido dessas relações
seu nível jurídico nunca chagará ao nível do matrimônio).
Outro requisito, que inclusive é um dos fatores de distinção entre a união estável e o
concubinato, é a publicidade, que apenas é trazida no artigo 1.723, CC. Os companheiros
devem ser vistos, pela sociedade ou pela comunidade na qual se encontram inseridos, como se
casados fossem, devem tratar-se como marido e mulher, sob todas as circunstâncias. Caso não
haja tal publicidade, e o relacionamento não seja de conhecimento do meio social, é
considerado concubinato (as distinções entre os dois institutos serão conhecidos mais
adiante)49.
______________
49
AMORIM, Sebastião; OLIVEIRA, Euclides de. Inventários e partilhas – Direito das sucessões. São
Paulo: Leud, 2003, p. 125.
36
Outro elemento é o conteúdo mínimo da relação. Trata-se daquilo que deverá estar
presente na vinculação entre um homem e uma mulher de modo a caracterizar a união estável,
posto que não é toda e qualquer união que pode ser tomada por união estável.
Este é um elemento cuja determinação nem sempre é simples, porque engloba alguns
fatores – inclusive subjetivos – que dificultam sua percepção. Subjetivamente, estariam
presentes neste elemento a consideração e o respeito mútuos, a assistência moral e material e
a convivência. Seria, em síntese, e em linguagem simplista, o fato de os dois poderem contar
um com o outro, no que concerne a apoio psicológico, moral, de forma presencial e material50.
Outro ponto que deve estar inserido no contexto do elemento ora tratado é o objetivo
de constituir família ainda dentro deste contexto mínimo da relação, está a assistência
material, que se constitui um direito e dever recíproco entre os companheiros como retrata o
Código Civil.
______________
50
AMORIM, Sebastião; OLIVEIRA, Euclides de. Inventário e partilhas – Direito das sucessões. São
Paulo: Leud, 2003, p. 122.
37
Capítulo 2
UNIÃO HOMOAFETIVA – POSSIBILIDADE DE
RECONHECIMENTO
2.1 O Não Reconhecimento
A lei é o principal argumento daqueles que advogam em favor da impossibilidade do
reconhecimento da união estável homossexual, isto porque a Constituição Federal, em seu
artigo 226, §3º, consagra como característica basilar da união estável a dualidade de sexos,
deixando de lado as uniões homoafetivas.
O principal fato é que, no Congresso Nacional Brasileiro, órgão competente para fazer
esta alteração, ainda há muito preconceito. Os legisladores se mantêm bastante conservadores,
defendendo que não há possibilidade de o direito de família tratar de união estável
homossexual, por essa não ser considerada entidade familiar no conceito disposto no novo
Código Civil51, portanto, mesmo que a relação seja estável, tal união não pode ser considerada
como família52.
Rainer Czajkowski defende que por mais estável que seja a união sexual entre pessoas
do mesmo sexo, que morem juntas ou não, jamais se caracterizará como entidade familiar53.
______________
51
BRASIL, Lei n.° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Organizado por Juarez de
Oliveira. São Paulo: Saraiva, 2005. Seu art. 1.723, estabelece que: È reconhecida como entidade familiar a união
estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com
o objetivo de constituição de família.
52
CAZJKOWSKI, Rainer. União Livre à luz da lei 9.971/94 e da lei 9.278/96. 2 ed. Curitiba: Juruá,
2001, p. 217
53
Apud BRITO, Fernanda de Almeida. União Afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos.
São Paulo: LTR, 2000. p. 27.
38
Para Orlando Gomes, esse casamento é inconcebível, devido á falta de diversidade de
sexo, uma condição natural para essa união. Guilherme Calmom Nogueira também conjuga
com este entendimento, defendendo que não há efeitos jurídicos distintos para união
homossexual uma vez que não se preenchem os requisitos para que se configure a união54.
A Constituição Federal se calou sobre a união homossexual, e o mesmo ocorreu com
as Leis 8.971/94 e 9.278/96, posteriores a esta, que tratam da união estável e seus direitos,
sendo que nenhuma abordou o tema.
Houve ainda o projeto de Lei nº 1.151/95, com o objetivo de aprovar a troca do nome
de união civil para parceria registrada, em que não seria possível se confundir com casamento,
já que seu propósito não é dar aos parceiros homossexuais o status igual ao do casamento, e
sim conceder amparo às pessoas que firmam, priorizando a garantia dos direitos de
cidadania55.
O posicionamento tem se mantido, uma vez que ainda não foi aprovado o projeto da
ex-Deputada Marta Suplicy, e nem deve ser, mesmo porque se encontra desatualizado, bem
como outros projetos que também não saíram do papel.
Este preconceito ficou com a edição do Código Civil, que depois de tramitar por vinte
e sete anos, foi aprovado e entrou em vigor em 2003, sem ao menos comentar sobre a união
homossexual. Ato que foi muito criticado, por estar desatualizado no sentido de aceitação e
inclusão dos homossexuais56.
Miguel Reale, relator do projeto do Código Civil rebateu as críticas da omissão,
justificando que a matéria não é de direito civil, e sim de direito constitucional, pois foi esta
______________
54
BRITO, Fernanda de Almeida. União Afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. São
Paulo: LTR, 2000. p. 35.
55
DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre Homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004. p. 107.
56
Idem. p. 118.
39
quem criou a união estável entre um homem e uma mulher, sustentando, portanto, que é
necessário mudar primeiro a Constituição para depois se mexer no Código Civil57.
2.2 O Reconhecimento
Para
o
reconhecimento
da
união
homoafetiva
como
união
estável
e,
conseqüentemente, garantir os direitos já adquiridos por esta, esbarra-se no preconceito da
sociedade que é imenso e insistente em não enxergar a realidade58 .
Einstein ressalta que nossa época é triste, pois é mais difícil quebrar um preconceito
do que um átomo. Talavera acrescenta que Einsten tinha razão, pois os átomos são facilmente
quebráveis, já os preconceitos, muitos deles permanecem inquebrantáveis para sempre59.
Nos dias atuais, o preconceito faz com que a sociedade não tenha coragem de admitir
entre a união de duas pessoas do mesmo sexo, com convivência pública e duradoura, com o
objetivo de constituição de família, não seja contrária às normas públicas e aos bons
costumes.
Não há como se falar em reconhecimento da união homossexual sem se esbarrar em
inúmeras barreiras colocadas pela sociedade e, primeiro pelas religiões.60
______________
57
Ibidem.
DIAS, Maria Bernice. Fazendo valer os direitos. Disponível em < www.mariabernicedias>. Acesso
em 10/02/2007.
59
TALAVERA, Glauber Moreno. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Rio de Janeiro: Forense,
2004. p. 45.
60
DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre Homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004. p. 68.
58
40
E não seria possível dar ao legislador ou ao juiz o direito de indicar um único caminho
na busca pela felicidade, como é feito hoje em dia, e uma vez que, por não aceitarem os
homossexuais, em suas leis e costumes 61.
Porém, a maior dificuldade encontra-se com o legislador, o único que pode
regulamentar essa situação e não faz por não ser de aceitação plena e para não desagradar o
eleitorado, preferindo manter-se omisso. O que é cruel, pois a sociedade conservadora não
quer ver, ou melhor, insiste em não ver e, rejeita a opção de ser diferente, tentando manter
ignorada uma minoria, que é diverso, do que a sociedade prevê ser normal 62 .
O silêncio da lei e o receio de enfrentar uma lide no Judiciário os tornam
marginalizados, oprimidos e desvalido, pela simples escolha por viver relações não aceitas
como certas e legítimas 63.
Se a lei não acompanhar a evolução da sociedade, será muito complicado mudar a
mentalidade e o conceito de moralidade. Nem mesmo os magistrados aplicadores do Direito
poderão combater esta postura preconceituosa e discriminatória de haver grandes injustiças. É
importante salientar que as questões morais e religiosas não devem ser confundidas com as
questões jurídicas 64.
Ressalte-se que vivemos em uma sociedade que estigmatiza e ridiculariza as pessoas
que têm uma opção sexual diferente, acreditando que, ignorando o problema vamos resolvê-lo
e que, negando direitos à união homossexual, desaparecerá o homossexualismo65.
______________
61
Idem.
DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre Homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004. p. 68.
63
Idem.
64
IBIAS, Delma Silveira. Aspectos jurídicos da homossexualidade. In Homossexualidade – discussões
jurídicas e psicológicas, Coordenação Instituto interdisciplinar de direito de família – IDEF. Curitiba: Juará,
2002. p. 102.
65
Idem.
62
41
Os fundamentos dessas uniões são semelhantes aos do casamento ou da união estável.
O vínculo que os une, bem como demais casais, é o afeto, e isso gera efeitos jurídicos 66.
É importante comentar que a família não se define apenas em razão de seu vínculo
entre homem e mulher, da convivência de ascendente com descendente. Até pessoas do
mesmo sexo, ou de sexos diferentes ligadas por laços afetivos, merecem o reconhecimento de
entidade familiar. Ou seja, a capacidade de procriação não é fato relevante, nem essencial,
para a convivência de duas pessoas que tenham a proteção legal, descabendo deixar a união
homoafetiva fora do conceito de família, desde que presentes os requisitos de vida comum,
quais sejam, coabitação, assistência mútua etc, concedendo os mesmos direitos e impondo
obrigações a todos que tenham essas características67.
A jurisprudência começa, timidamente, a reconhecer os direitos da união homossexual,
iniciando a superação do conservadorismo.
O primeiro grande exemplo divulgado ocorreu em 10 de fevereiro de 1998, quando o
Superior Tribunal de Justiça – STJ – reconheceu o direito de partilha de bens de um
homossexual de Minas Gerais sobre um apartamento que foi adquirido com seu parceiro em
1989, morto em conseqüência de AIDS. Os dois viviam essa relação durante sete anos. Foi a
primeira vez que o STJ julgou um caso de partilha de bens na constância de convivência entre
homossexuais, e, mesmo sem admitir a validade jurídica dessa união, o STJ decidiu que o
autor teria direito à metade do apartamento em questão, e a família do falecido ficaria com a
outra metade. Os quatro Ministros que julgaram o caso, na Quarta Turma, reconheceram o
direito unânime, sem examinar a validade jurídica da relação, levando-se em consideração o
fato de os dois terem conta conjunta na Caixa Econômica Federal e serem sócios em outras
três empresas. O autor obteve vitória na primeira instância, mas foi derrotado no Tribunal de
______________
66
Ibidem.
FREITAS, Tiago Batista. União homoafetiva
<www.jusnavigandi.com.br>. Acesso em 14/12/2006.
67
e
regimes
de
bens.
Disponível
em
42
Alçada, que alegou que a convivência sob o mesmo teto de pessoas do mesmo sexo só
caracteriza amizade. Mas o relator no STJ do Recurso Especial nº 148.897 MG, contra a
sentença do Tribunal de Alçada, o Ministro Ruy Rosado Aguiar baseou seu voto na súmula
38068 do Supremo Tribunal Federal, onde se reconhece a partilha de bens adquiridos em
conjunto quando comprovada a existência da sociedade de fato69 .
Outro caso na jurisprudência que teve grande divulgação foi a decisão da Quinta
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em Acórdão Unânime nº 47.965, que
teve como relator o Desembargador Narciso Pinto que, apesar de não reconhecer
expressamente a união homossexual, decidiu pela partilha de bens do pintor Jorge Guinle,
dando a seu companheiro 25% da parte que lhe cabia pela administração dos bens, não sendo
dado, qualquer tipo de importância ou apreciação na natureza da relação que os unia, não
cabendo assim qualquer tipo de discussão se existia ou não algum tipo de relacionamento,
nem qualquer tipo de consideração amorosa ou sexual feitas pelo réu, ora apelante70.
Atualmente, há uma grande tendência em vislumbrar as uniões homossexuais nos
moldes da união estável (Lei 9.278/96), já que a semelhança é evidente, uma vez que as duas
relações se baseiam em afeto e não em formalidades71. Em face do silêncio do Código Civil,
os tribunais têm se mostrado à frente do Legislativo, pois, na prática, estão adotando e criando
jurisprudência sobre o assunto72.
A Constituição se condiz que o vinculo entre dois homens ou duas mulheres não
seja entidade familiar. Só deixa mais difícil a conversão dessas uniões em casamento.
______________
68
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Súmula nº 380: Comprovada a existência de sociedade de fato
entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço
comum).
69
TALAVERA, Glauber Moreno. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Rio de Janeiro: Forense,
2004.p.42.
70
Idem.
71
DROPA, Romualdo Flávio. Direito fundamental, homossexualidade e uniões homoafetivas.
Disponível em <www.jusnavigandi.com.br> . Acesso em 31/12/2006.
72
Idem.
43
Infelizmente, este fato só demonstra mais uma vez o preconceito e a omissão que, para ser
corrigida, será necessário um projeto de lei retificativo.73
A Constituição se contradiz, pois ao passo em que defende a existência de um Estado
Democrático de Direito, quando não reconhece a existência dos direitos dos homossexuais,
fere os princípios da liberdade e da igualdade que estão dispostos em seu artigo 5º, caput74. E,
ainda, traz em seu artigo 3º, inciso IV, a proibição de qualquer forma de discriminação, seja
de origem, raça, sexo, cor, idade. Sendo assim, deveria reprimir qualquer discriminação,
principalmente, discrimina em relação à orientação sexual, até porque é obrigação do Estado a
promoção do bem de todos. Sem contar que essa discriminação fere o artigo 5º da Carta
Magna, quais sejam: os direitos a liberdade e igualdade75 .
E por não estar explicitado na lei maior e nos princípios, não há respeito à livre
orientação sexual. Por isso, seria necessária uma nova luta, para que fosse inserida na letra da
lei a expressão orientação sexual.
Mesmo não havendo previsão legal de um fato específico, não significa dizer que não
ocorre a ausência de direito. Nem a omissão da lei quer dizer inexistência dos direitos. Esta
omissão também não impede que se extraiam efeitos jurídicos de determinada situação.
A falta de previsão não pode ser justificativa para negação de prestação jurisdicional
ou motivo de se reconhecer a existência do merecedor do direito de tutela. Há autores como
Romualdo Dropa76 que entendem que esse silêncio do legislador deve ser suprido pelo juiz,
como está devidamente previsto no artigo 4º da LICC – Lei de Introdução ao código Civil –
______________
73
DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre Homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004. p. 118.
74
DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre Homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004. p. 106.
75
DROPA, Romualdo Flávio. Direito fundamental, homossexualidade e uniões homoafetivas.
Disponível em< www.jusnavigandi.com.br> . Acesso em 31/12/2006.
76
Idem.
44
onde mostras que na omissão da lei o juiz decidirá de acordo com os costumes e os
princípios77 .
Como bem coloca Maria Berenice “a justiça não é cega nem surda, só precisa ter os
olhos abertos para ver a realidade social e ouvir o clamor dos que esperam por ela” 78.
Um grande exemplo de que essa aceitação não está distante foi o julgado do Tribunal
Superior Eleitoral que aplicou, por unanimidade, à união estável homossexual a
inelegibilidade consagrada no artigo 14, §7º, da Constituição Federal, na qual se proíbe os
cônjuges de pleitear cargos de Presidente da República, Governadores e Prefeitos, conforme
ementa citada abaixo:
REGISTRO DE CANDIDATO. CANDIDATA AO CARGO DE
PREFEITO. RELAÇÃO ESTÁVEL HOMOSSEXUAL COM APREFEITA
REELEITA DO MUNICÍPIO. INELEGIBILIDADE.ART. 14, § 7º, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Os sujeitos de uma relação estável
homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de
concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista
no art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Recurso a que se dá provimento.
(TSE, REsp. Eleitoral 24.564- Rel. Min. Gilmar Mendes – j. 1º/10/2004).
Esta decisão mostra-se convergente com o entendimento de que a união homossexual
deve ser equiparada à união estável. Se o Judiciário aceita tais relações estáveis para efeito de
lhes impor ônus, também lhes devem ser assegurados os bônus a que fazem jus, sendo,
portanto, uma questão de justiça (de igualdade, no caso)79.
Assim, por mais que o entendimento predominante hoje seja o de que os
relacionamentos homoafetivos devem ser tratados como sociedade de fato, já se trata de um
______________
77
Ibidem.
DROPA, Romualdo Flávio. Direito fundamental, homossexualidade e uniões homoafetivas.
Disponível em < www.jusnavigandi.com.br> . Acesso em 31/12/2006.
79
DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre Homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004. p. 106.
78
45
grande avanço uma vez que, em tempos atrás, não eram conferidos aos homossexuais, que
viviam juntos, nenhum tipo de direito. Já se posicionam em favor da união estável entre
homossexuais alguns poucos juízes e desembargadores, visto que consideram uma injustiça
negar direitos aos companheiros que se ajudaram a adquirir bens e depois ficaram sem nada,
por não haver uma lei que os protegesse80 .
Uma grande conquista para o reconhecimento foi a aprovação da Lei n.° 11.340 em
07/08/2006, “Lei Maria da Penha” que trata da violência doméstica e familiar contra as
mulheres. Seu artigo 5º é tratado como uma idéia inovadora, pois permite uma interpretação
em favor do reconhecimento da união homossexual como entidade familiar81.
Essa é a primeira Lei federal que permite em sua interpretação a admissão da união
homoafetiva como união estável, bem como entidade familiar. Ela só veio evidenciar uma
situação presente em nossa sociedade, até mesmo já retratada em novelas e discutida de uma
forma geral pela sociedade82.
Em seu artigo 2º, bem como no artigo 5º, parágrafo único, encontra-se bem definido o
reconhecimento legal da família constituída por vontade expressa, a interpretação no sentido
da aceitação da união homossexual, no caso, especificadamente entre mulheres83. Senão,
vejamos:
Art. 2º “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação
sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as
oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde
física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.
______________
80
AMARAL, Sylvia Mendonça. Manual prático dos direitos de homossexuais e transexuais. São
Paulo: Inteligentes, 2003. p. 35.
81
RABELO, Iglesias Fernanda de Azevedo; SARAIVA, Rodrigo Viana. A Lei Maria da Penha e o
reconhecimento
legal
da
evolução
do
conceito
de
família.
Disponível
em:
<www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=8911>. Acesso em 18/01/2007.
82
Idem.
83
Ibidem.
46
Art. 5º “Para efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o
espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar,
inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família,
compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se
consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por
vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o
agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de
coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem
de orientação sexual”.
Em relação ao reconhecimento da legalização de uniões homoafetivas femininas, a Lei
institucionaliza uma situação inegável, e acaba por romper com preconceitos existentes em
nossa sociedade. A família homoafetiva é um fato inegável, embora negada pelo
conservadorismo de nossos legisladores com relação à evolução do conceito de entidade
familiar, pelo o pessimismo de muitos em aceitar e, até mesmo questionar se essa aceitação
não seria um incentivo ao fim dos padrões familiares permitidos pela sociedade. Novos
modelos familiares não significam a destruição da família e conceber como único o modelo
heterossexual é incompatível com a essência do conceito de família, o afeto.84 .
A Lei Maria da Penha não nos deixa mais dúvidas de que é possível reconhecer a
união homoafetiva como entidade familiar. Além disso, afasta definitivamente a Súmula nº
380 do STF, visto que a união homoafetiva não se trata de uma sociedade de fato e sim
entidade familiar, devendo ser apreciada pela Vara de Família e não pela Vara Cível85 .
Por força deste conceito legal e ainda com base no que dispõe o parágrafo único do art.
5° da Lei Maria da Penha, está definitivamente reconhecida a união homoafetiva (entre
______________
84
RABELO, Iglesias Fernanda de Azevedo; SARAIVA, Rodrigo Viana. A Lei Maria da Penha e o
reconhecimento legal da evolução do conceito de família. Disponível em:
www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=8911. Acesso em 18/01/2007.
85
ALVES, Leonardo Barreto Moreira. O reconhecimento legal do conceito moderno de família: o art.
5°, II e Parágrafo único da Lei n°11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Disponível em:
<www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=9138.>. Acesso em 18/01/2007.
47
mulheres e, pelo princípio constitucional da igualdade, também entre homens) como entidade
familiar, o que implica na perda de interesse na aprovação de qualquer projeto de lei que
venha a disciplinar esta matéria, bem como, afasta-se por completo a incidência da
famigerada Súmula n° 380 do STF, pois tal união não é sociedade de fato (e sim entidade
familiar), daí porque sua apreciação deve se dar sempre de Família, nunca em Vara Cível86 .
2.3. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Uma sociedade, que tem como palavra chave cidadania e inclusão dos excluídos, não
pode conviver com a discriminação por orientação sexual. A Constituição Federal, em seu
artigo 1º, III, prevê o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como em seu artigo 5º,
inciso X, prevê a liberdade e a igualdade da vida íntima.
Ressalte-se que o direito à orientação sexual é direito personalíssimo, sendo encarado
também como fundamental, imprescindível para a construção de uma sociedade livre e
justa87.
A relação entre a proteção da dignidade da pessoa humana e a orientação sexual deve
ser direta, pois o respeito aos traços constitutivos de cada um, sem a sua discriminação da
orientação sexual, está previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal.
O princípio da dignidade humana é um princípio não só de ordem jurídica, mas
também, de ordem econômica, política, cultural, com grande densidade constitucional. O seu
valor é supremo e acompanha o homem até sua morte, já que sua essência é de natureza
humana. A dignidade não admite qualquer tipo de discriminação, mas não basta a liberdade
______________
86
Idem.
BORGES, Camilo Oliveira. Os direitos da parceria homossexual. In temas polêmicos de direitos de
família. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003. p.88.
87
48
formal ser reconhecida, pois essa dignidade reclama condições mínimas de existência digna
conforme os ditames da justiça social88.
Cumpre salientar que, independente da aceitação ou não da sociedade, esta deve
preservar e não discriminar uma pessoa, em virtude de ter uma opção sexual diferente dos
padrões.
Como nos diz Roger Raupp Rios89:
(...) na construção da individualidade de uma pessoa, a sexualidade
consubstancia uma demissão fundamental da construção da subjetividade,
alicerce indispensável para a possibilidade do livre desenvolvimento da
personalidade. Fica claro, portanto, que as questões relativas à orientação
sexual relacionam-se de modo íntimo com a proteção de dignidade da pessoa
humana. Essa problemática se revela notadamente em face da
homossexualidade, dado o caráter heterossexista e mesmo homofônico que
caracteriza a quase totalidade das complexas sociedades contemporâneas..
Esse princípio ressalta a necessidade do respeito ao ser humano, independentemente
de suas opções.
Negar direitos a alguns e gerar enriquecimento injustificado de outros é uma grande
afronta ao princípio da dignidade, já que a palavra de ordem é cidadania e inclusão do
excluídos em uma sociedade que deseja ser aberta, justa, solidária e democrática não pode
conviver com tal discriminação90.
______________
88
GIOIRGIS, Carlos Teixeira. A natureza jurídicas da relação homoerótica. Disponível em:
<www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=9145>. Acesso em 18/01/2007
89
Apud PINHEIRO, Fabíola Cristina de Souza. Uniões homoafetivas do preconceito ao
reconhecimento como núcleo de família. Disponível em: <www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=9188>
90
Apud PINHEIRO, Fabíola Cristina de Souza. Uniões homoafetivas do preconceito ao
reconhecimento como núcleo de família. Disponível em: www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=9188. Acesso
dia 23/03/2007
49
2.4 Princípio da Igualdade
O princípio da igualdade significa “verdades primeiras”. Já no sentido jurídico, é regra
fundamental, na qual se encontra a verdade universal sobre questões de direito. Ele, assim
como os demais princípios constitucionais, serve para limitar o Estado e o poder jurídico dos
governantes, para dar competência aos poderes constituídos e aos seus titulares e estabelece
os direitos do governados91 .
A lei não deve ser a fonte maior de privilégios ou até mesmo das perseguições, e sim o
instrumento que regula a vida social, em que se possa tratar a todos de igual forma, sendo este
o conteúdo político que foi absorvido pelo princípio da isonomia e incluído nos textos
constitucionais em geral 92.
Celso Antonio Bandeira de Mello nos diz que, quando se viola um princípio, se
comete uma falta muito grave, pois é um fato muito pior do que violar uma norma. Sendo esta
a forma de inconstitucionalidade maior no escalão das violações dos princípios, porque
representa a insurgência contra um sistema, a subversão dos valores fundamentais 93.
O artigo 5º, caput, da Constituição Federal, diz que todas as pessoas são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza. É o fundamento da igualdade e da democracia,
tendo como finalidade o tratamento uniforme a todas as pessoas enquanto seres sociais.
______________
91
IBIAS, Delma Silveira. Aspectos jurídicos da homossexualidade. In Homossexualidade – discussões
jurídicas e psicológicas. Juruá, 2007.p.77.
92
GIOIRGIS, Carlos Teixeira. A natureza jurídicas da relação homoerótica. Disponível em:
www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=9145. Acesso em 18/01/2007.
93
IBIAS, Delma Silveira. Aspectos jurídicos da homossexualidade. In Homossexualidade – discussões
jurídicas e psicológicas. Juruá, 2007.p.77.
50
Bobbio definiu bem isso ao afirmar que a democracia é uma forma de uma sociedade
ser regulada de tal modo que os indivíduos que a compõem sejam mais livres e iguais do que
em qualquer outra forma de convivência 94 .
É importante grifar que o princípio da igualdade está ligado particularmente ao direito,
e conseqüentemente à justiça, que é regra das razões de uma sociedade, em que se dá o
sentido ético de respeito a todas as outras regras. É como Roger Raupp defende95
A igualdade perante a lei (igualdade formal) diz respeito à igual aplicação do
direito vigente sem a distinção com base no destinatário da norma jurídica,
sujeito aos efeitos jurídicos decorrentes da normatividade existente; por sua
vez, a igualdade na lei, (igualdade material) exige a igualdade de tratamento
dos casos iguais pelo direito vigente, bem como a diferenciação no regime
normativo em face de hipótese distintas.
______________
94
Idem
Apud PINHEIRO, Fabíola Cristina de Souza. Uniões homoafetivas do preconceito aoreconhecimento
como núcleo de família. Disponível em: www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=9188. Acesso dia: 25/04/2007.
95
51
Capítulo 3
DO DIREITO DAS SUCESSÕES
3.1 Disposições Gerais
Interessante mostra–se, inicialmente, apresentar o significado da palavra que é o
elemento central do Direito das Sucessões, a palavra suceder.
Para tanto, têm–se as palavras de Caio Mário da Silva Pereira sobre o assunto: “a
palavra ‘suceder’ tem o sentido genérico de virem os fatos e fenômenos jurídicos ‘uns depois
dos outros’ (sub + cedere). Sucessão é a respectiva seqüência” 96.
Acrescenta, ainda, que “no vocabulário jurídico, toma–se a palavra na acepção própria
de uma pessoa inserir-se na titularidade de uma relação jurídica que lhe advém de outra
pessoa, e, por metonímia, a própria transferência de direitos, de uma a outra pessoa” 97.
Ultrapassado o aspecto etimológico, parte–se para a conceituação do Direito das
Sucessões.
Genericamente, a transmissão de bens é a idéia sugerida pela própria idéia de
sucessão, pois há um sujeito adquirente de valores que substitui o antigo titular desses
mesmos valores. As palavras de Caio Mário da Silva Pereira supracitadas corroboram esta
explicação, pois tem–se a inserção de um sujeito na titularidade de relação jurídica
______________
96
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Direito das sucessões. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p.1.
97
Idem.
52
proveniente daquele que é sucedido havendo, conseqüentemente, a transferência de direitos
deste àquele 98.
Assim sendo, diz–se que o Direito das Sucessões consiste no conjunto de princípios
jurídicos disciplinadores da transmissão do patrimônio daquele que faleceu, de cujus, aos seus
sucessores99 .
Quanto à origem e fundamento do Direito Sucessório, tem–se que, originariamente,
cogitada não foi a sucessão decorrente da morte, pois entendia–se que os bens objetos da
sucessão pertenciam ao grupo, não eram do indivíduo exclusivamente. Portanto, a morte desse
mesmo indivíduo não modificava o seu estado jurídico100 .
Posteriormente, diante do caráter familiar da propriedade, a idéia de sucessão evoluiu,
pois necessário fez–se dar continuidade à administração dos bens que se achavam sob a
direção do chefe pré–morto101.
Acredita–se que o progresso pode ser movido por meio dos interesses pessoais. A
partir do momento em que o indivíduo atua com a finalidade de obter mais riqueza individual,
uma riqueza exclusiva, contribui, indiretamente, para o aumento da riqueza da sociedade, uma
riqueza coletiva.102 Daí, tem–se fundamento do Direito Sucessório relacionado ao direito de
propriedade, sua função social e a importância de sua transmissão.
Perpetuidade é uma das características do direito de propriedade. Importante, portanto,
é a possibilidade de sua transmissão decorrente da morte, consistindo esta em um incentivo
àquele que deixará o seu patrimônio aos seus sucessores103 .
______________
98
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2002. p.3.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2002. p.3
100
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Direito das sucessões. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p.1.
101
Idem. p. 5
102
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2002. p.5.
103
Idem. p. 5 e 6.
99
53
Silvio Rodrigues, fundamentando o Direito Sucessório, relaciona este com o direito de
propriedade, são estas as suas palavras104
Parece fora de dúvida ser de interesse da sociedade conservar o direito
hereditário como um corolário do direito de propriedade. Partindo do ponto
de vista de que o interesse individual constitui a melhor espécie de mola para
o progresso, deve o Poder Público assegurar ao indivíduo a possibilidade de
transmitir seus bens a seus sucessores, pois, assim fazendo, estimula–o a
produzir cada vez mais, o que coincide com o interesse da sociedade (CF.
Constituição de 5–10–1988, art. 5º, XXII e XXX).
Diante dessa evolução, chegou–se ao Direito das Sucessões que, atualmente, rege as
relações jurídicas pertinentes à transmissão do patrimônio deixado por um indivíduo devido à
sua morte.
A sucessão pode ser a título universal e a título singular. A sucessão a título universal
ocorre quando há a transmissão ao sucessor da totalidade ou de fração ideal do patrimônio do
de cujus. Há a sub–rogação do sucessor na posição do falecido, aquele é o novo titular da
totalidade ou de parte ideal do patrimônio deste. Cabe ressaltar que a titularidade é relativa ao
ativo e ao passivo, o sucessor torna–se responsável por tudo o que é abrangido pelo
patrimônio do falecido105 .
Sobre esse aspecto, são estas as palavras de Silvio Rodrigues: “O herdeiro sucede a
título universal porque a herança é uma universalidade. Pode–se mesmo imaginar que o
herdeiro substitui a pessoa do defunto, tomando seu lugar na relação jurídica universal” 106.
A sucessão a título singular ocorre quando estiver ligada a uma coisa ou a um direito
determinado107. O sucessor, neste caso, chama–se legatário. Este tem incorporado ao seu
______________
104
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2002. p.6.
Idem. p.6.
106
Ibidem. p. 17.
107
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Direito das sucessões. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p.1.
105
54
patrimônio um bem destacado da herança, uma coisa certa e individuada, o chamado
legado108. Não há a aquisição da totalidade ou de parte ideal do patrimônio do de cujus.
Sobre a sucessão a título universal e a título singular, diz Caio Mário da Silva Pereira:
“a primeira induz a sub–rogação abstrata na totalidade dos direitos ou uma fração ideal deles,
ao passo que a segunda tem em vista a sub–rogação concreta do novo sujeito em determinada
relação de direito” 109 .
Também, a sucessão pode ser legítima ou testamentária.
Observe-se o disposto nos artigos 1.786 e 1.788 do novo Código Civil que regulam
essa matéria específica:
Artigo 1.786. “A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última
vontade”.
Artigo 1.788. “Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos
herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem
compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento
caducar, ou for julgado nulo”.
A sucessão legítima é aquela decorrente da lei. Não haverá, neste caso, manifestação
de última vontade do falecido quando estava vivo ainda. Essa modalidade de sucessão ocorre
quando alguém se conforma que seu patrimônio será transmitido aos sucessores chamados
pela lei, os herdeiros legítimos; que será obedecida à ordem de vocação hereditária prevista
pela lei. Houve a exclusão, portanto, da opção de se deixar um testamento. Pode–se dizer que
a sucessão legítima é o testamento presumido do de cujus 110.
Silvio Rodrigues esclarece que, “(...) assim, legítima é a sucessão procedida de acordo
com a lei e deferida às pessoas nela definidas que, por serem ligadas ao de cujus por laços de
______________
108
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das Sucessões. São Paulo:Saraiva, 2002. p.18.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Direito das sucessões. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p.1 - 2.
110
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2002. p.18.
109
55
parentesco, ou matrimônio, presumivelmente seriam por ele beneficiadas, se houvesse
manifestado sua última vontade” 111.
A sucessão testamentária consiste naquela que deriva de disposição de última vontade
do de cujus112. Em vida, este elabora um testamento, instrumento pelo qual dispõe sobre o
destino de seus bens. Assim, não serão observadas as disposições legais, a vontade do falecido
regerá a transmissão de seu patrimônio àqueles que instituiu, quais sejam, os herdeiros
testamentários e legatários.
Simultaneamente, a sucessão pode ser legítima e testamentária. Tal hipótese ocorrerá
se o testamento deixado pelo falecido não abranger a totalidade de sua meação. Sendo assim,
transmitem–se aos herdeiros testamentários e legatários os bens mencionados no testamento.
Quanto aos demais bens, segue–se a ordem de vocação hereditária prevista pela lei para
transmiti–los aos herdeiros legítimos113.
Caio Mário da Silva Pereira114 relaciona as sucessões a título universal e a título
singular com as sucessões legítima e testamentária, observem–se as suas palavras:
A sucessão legítima sempre será a título universal (per universitatem),
transmitindo-se aos herdeiros a totalidade do patrimônio do de cuius, e a
cada um deles uma quota ideal desse patrimônio. Hereditas nihil aliud est,
quam successio in universum ius quod defunctus habuerit. A sucessão
testamentária pode ser universal, quando o testador institui herdeiro, que lhe
sucede em inteira analogia com o herdeiro legítimo; ou pode ser a título
singular, quando o testador deixa para alguém uma coisa ou quantia certa
(legado), e, neste caso, ao legatário se transmite aquele bem ou aquele direito
individuadamente (singulatim).
______________
111
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2002. p.18.
Idem. p. 16 - 17.
113
Ibidem.p. 17.
114
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Direito das sucessões. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p.1 - 2.
112
56
Diante da apresentação das noções básicas do direito das sucessões, tem-se, a partir
deste momento, base para se iniciar o estudo efetivo do tema deste trabalho, a legitimidade do
cônjuge sobrevivente para suceder segundo o novo Código Civil.
3.2. A Sucessão dos Companheiros no Código Civil Brasileiro de 2002
A Lei n. 8.971/94 regulamentou os direitos sucessórios das pessoas que viviam em
união estável, passando, nesses termos, os companheiros sobreviventes a ocuparem o terceiro
lugar na ordem de vocação hereditária, ocupando, nessa ótica, na sucessão de seu parceiro
falecido a classe sucessível em seguida a dos descendentes e ascendentes deste.
É oportuno expor que o dispositivo que trata da ordem de vocação hereditária no atual
Código Civil é o artigo 1.829, a saber:
Art. 1.829. “A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem: I – aos
descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado
este com o falecido no regime da comunhão universal, ou na separação
obrigatória de bens [...] ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da
herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em
concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos
colaterais”.
Observa-se que o conteúdo retro transcrito manteve, em parte, a ordem de vocação
hereditária do Código Civil de 1916115, ou seja, os descendentes continuaram a ocupar o
primeiro lugar na sucessão legítima e em seqüência, respectivamente, mantiveram-se em suas
posições os ascendentes, o cônjuge sobrevivente e os colaterais. Há duas inovações,
______________
115
O dispositivo que tratava da sucessão legítima do Código Civil de 1916, art. 1.603, preceituava que:
“A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes; II – aos ascendentes; III – ao cônjuge
sobrevivente; IV – aos colaterais; V- aos municípios, ao Distrito Federal e a União”.
57
entretanto, que devem ser destacadas, quais sejam: a exclusão do Estado da ordem de vocação
hereditária, bem como a criação da figura da concorrência em benefício ao cônjuge.
Com relação à exclusão do Estado da ordem de vocação hereditária pelo atual Código
Civil, vale relembrar, inicialmente, que à época da vigência do Código Beviláqua, o Estado,
ante a inexistência respectivamente de descendentes, ascendentes, cônjuge sobrevivente e
colaterais do de cujus, herdava automaticamente a herança deste, sendo considerado, portanto,
também herdeiro legítimo.
No atual Código Civil, o Estado não sucede mais automaticamente ante a inexistência
de descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheiro sobrevivente e colaterais do de cujus.
É mister, nesses termos, expor que para que ocorra o recolhimento da herança pelo Estado é
necessário a existência de uma sentença de vacância116, ou seja, deve-se declarar
judicialmente, seguindo-se os ditames do artigo 1820 do atual Código Civil, que quando
inexistirem herdeiros sucessíveis do falecido ou tiverem estes renunciado a herança, deve esta
passar a ser patrimônio do Estado117 .
No que diz respeito à figura da concorrência dos cônjuges cabe mencionar que embora
os descendentes e os ascendentes continuem a ocupar, respectivamente, o primeiro e o
segundo lugar na ordem de vocação hereditária, não são mais categorias únicas em suas
respectivas classes, haja vista que atualmente tais posições são co-divididas com os cônjuges.
Assim, quando, por exemplo, o falecido deixa descendentes e cônjuge sobrevivente, deve este
receber a mesma quota que couber àqueles, ou seja, herdará parte do patrimônio como se mais
um descendente o fosse 118 .
Em que pese a importância dessa menção de concorrência dos cônjuges, ora com os
descendentes, ora com os ascendentes do falecido, não será tal matéria objeto do presente
______________
116
VENOSA, Silvio de Sávio. Direito Civil – Direito das sucessões. Atlas, 2005. p. 125.
NEVES, Iêdo Batista. Vocabulário prático de tecnologia jurídico e de brocardos latinos. Rio de
Janeiro: FASE, 1990.
118
AZEVEDO, Álvaro Vilassa. Código Civil comentado: direito das sucessões, sucessões em geral,
sucessão legítima: art. 1.784 a 1.856. São Paulo: 2003. p. 299.
117
58
estudo. Limitar-se-á, por ora, a afirmar que, embora o atual Código Civil tenha inovado
positivamente ao incluir na ordem de vocação hereditária a figura da concorrência em prol
dos cônjuges, tornando estes, por conseqüência, herdeiros necessários e não mais herdeiros
facultativos como eram classificados no Código Civil de 1916119, equivocou-se, por outro
lado, ao não tratar dos direitos sucessórios dos companheiros juntamente com os cônjuges e
demais sucessores legítimos.
Nesse olhar, é a sucessão dos companheiros tratada apartadamente no atual Código
Civil, em seu artigo 1.790, a seguir transcrito:
Art. 1.790. “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do
outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união
estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá
direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se
concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á metade do
que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com os parentes
sucessíveis terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes
sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.
Observa-se, que os companheiros, apesar de terem sido tratados em dispositivo
diverso ao dos cônjuges e demais parentes sucessíveis, também podem vir a fazer jus ao
direito de concorrência, assim como foi concedido às pessoas casadas. Ressalve-se, contudo,
que a figura da concorrência para com os companheiros limita-se tão-somente aos bens
adquiridos onerosamente na constância da união estável, que consoante Francisco José Cahali,
são aqueles adquiridos por ambos os companheiros através de um negócio jurídico em que os
dois “auferiram vantagens, às quais, porém, correspondem a uma contraprestação (compra e
venda, permuta, etc.)” 120 .
______________
119
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Comentários ao novo código civil : do direito das sucessões. Rio
de Janeiro: Forense, 2003. p.215.
120
CAHALI, Francisco José. Sucessões no Código Civil de 2002: acórdãos, sentenças, pareceres e
normas administrativas. São Paulo, 2004. p. 353.
59
Quando o companheiro supérstite concorrer, por exemplo, com os filhos em comum
que teve com seu parceiro, receberá, no que diz respeito aos bens adquiridos onerosamente,
porção equivalente a que couber a esses filhos. Divide-se, nesses termos, conforme frisa
Sílvio de Salvo Venosa, “a herança em partes iguais, incluindo o convivente sobrevivente”
121
. Este herda, assim, no tocante à quota de bens adquiridos onerosamente, como se mais um
filho do falecido o fosse.
Feitas essas menções gerais sobre o direito de concorrência dos companheiros,
trataremos agora da situação prevista no artigo 1.790, inciso IV, em que o parceiro
sobrevivente herda à totalidade da herança do de cujus, à luz do atual Código Civil, a saber:
“A companheira ou o companheiro participará onerosamente da sucessão do outro, quanto aos
bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes (...) IV –
não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.
O atual Código Civil em vez de manter os companheiros em terceiro lugar na ordem
de vocação hereditária, por fazer jus à totalidade de todos os bens do de cujus, os colocou,
sem nenhuma justificativa plausível, em uma posição inferior a que haviam conquistado pela
Lei n. 8.971/94, sendo, portanto, nesse aspecto, considerado um retrocesso quando comparado
com a mencionada Lei. Nessa linha de interpretação, Sílvio de Salvo Venosa122 aponta que
A Lei n. 8.971/94 [...] ao mencionar que o companheiro teria direito à
totalidade da herança, na ausência de descendentes e ascendentes, colocava o
convivente em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária [...]. Desse
modo, os colaterais somente seriam chamados à suceder se o convivente não
[...] deixasse companheira de união estável. [...]. Já pelo vigente Código, a
sucessão do companheiro ou da companheira é tratada de forma estranha,
antes da ordem de vocação hereditária, no art. 1790. Por esse dispositivo, o
consorte concorrerá com outras classes de herdeiros, até mesmo com
colaterais no tocante aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união
estável, o que representa evidente regressão e restrição de direitos com
relação à lei anterior.
______________
121
122
VENOSA, Silvio de Sávio. Direito Civil – Direito das sucessões. Atlas: 2005. p. 121.
VENOSA, Silvio de Sávio. Direito Civil – Direito de famíla. Atlas: 2005. p. 477 a 478.
60
No mesmo sentido, é o Projeto de Lei n. 6.960/02, do Deputado Ricardo Fiúza, que
busca modificar alguns dispositivos do atual Código Civil, entre os quais, há uma previsão
expressa de alterar o artigo 1.790, do citado Código, voltando os companheiros, com isso, a
ocuparem o terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, como era na Lei n. 8.971/94. A
propósito, transcreve-se a nova redação sugerida pelo projeto e uma crítica ao atual Diploma
civil: “o companheiro participará da sucessão do outro na forma seguinte: (...) III – em falta
de descendentes ou ascendentes, terá direito à totalidade da herança (...). O artigo 1.790 do
Código Civil (...) significa um retrocesso na sucessão dos companheiros, se comparado com a
legislação até então em vigor – Leis ns. 8.971/94 e 9.278/96 (...)123” .
Em que pese a importância destes posicionamentos de que a colocação do
companheiro em último lugar na ordem de vocação hereditária é um retrocesso quando
comparada com a Lei 8.971/94, cumpre registrar que até o presente momento esse não é o
entendimento adotado pelo legislador do atual Código Civil Brasileiro, visto que nos dias
correntes, o companheiro sobrevivente só tem direito de herdar à totalidade da herança de seu
parceiro falecido, ante a inexistência de descendentes, ascendentes, e parentes colaterais até o
quarto grau.
______________
123
FIUZA,
Ricardo.
Projeto
de
Lei
n°
6.960
2002.
Disponível
<www.juspodivim.com.br/novodireitocivil/legislacau/pl_n_6960pdf >. Acesso dia 02/05/2007.
em:
61
Capítulo 4
O DIREITO SUCESSÓRIO NAS RELAÇÕES
HOMOAFETIVAS
4.1 O Direito Sucessório Homoafetivo
O Poder Judiciário tem entendido que o companheiro homossexual não tem a
característica de herdeiro, sendo somente cabível o direito de compartilhar aquilo que
construíram juntos.
Díspares são as decisões, mas é majoritária a tendência a rejeitar a demanda. Ora se
nega juridicidade ao convívio, ora se deferem alguns escassos direitos, mas sistematicamente
se rejeita a condição de herdeiro ao parceiro, o que o leva a ser excluído da ordem da vocação
hereditária e alija-lo dos direitos decorrentes da abertura da sucessão 124.
A primeira grande mudança no posicionamento do cabimento do direito sucessório se
deu pela Justiça Gaúcha, quando, em 24 de fevereiro de 1999, a Juíza Juddith dos Santos
Monttecy, em uma ação que julgava a declaração da existência de uma sociedade de fato entre
duas pessoas do mesmo sexo, na qual a parte sobrevivente pleiteava a totalidade da herança
do falecido, julgou com fundamento no inciso III do artigo 2° da Lei n° 8.971/94 que se
tratava de união estável, reconhecendo-se assim ao patrimônio do companheiro125 .
______________
124
125
2004. p.42.
DIAS, Maria Berenice. União homossexual, o preconceito e a justiça. Porto Alegre, 2006. p.139.
TALAVERA, Glauber Moreno. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Rio de Janeiro: Forense,
62
De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o
companheiro será meeiro dos bens adquiridos durante a constância da união da união,
conforme explicitado abaixo:
UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. DIREITO SUCESSÓRIO.
ANALOGIA. Incontrovertida a convivência duradoura, pública e contínua
entre parceiros do mesmo sexo, impositivo que seja reconhecida a existência
de uma união estável, assegurando ao companheiro sobrevivente a totalidade
do acervo hereditário, afastada a declaração de vacância da herança. A
omissão do constituinte e do legislador em reconhecer efeitos jurídicos as
uniões homoafetivas impões que a justiça colmote a lacuna fazendo uso da
analogia. O elo afetivo que identifica as entidades familiares impõe seja feita
analogia com a união estável, que se encontra devidamente regulamentada.
Embargos infringentes acolhidos, por maioria. (segredo de justiça).
(Embargos Infringentes N° 70003967676, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcelos Chaves,
Julgado em 09/05/2003.)
Neste caso, o Estado requereu a vacância dos bens, alegando a impossibilidade da
companheira requerer a herança, em virtude da não existência de união estável entre pessoas
do mesmo sexo. A Justiça gaúcha mais uma vez inova e dá este direito.
Ressalte-se também, entendimento congruente:
EMENTA: UNIÃO HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA.
Observância dos princípios da igualdade e dignidade a pessoa humana. Pela
dissolução da união havida, caberá a cada convivente a meação dos bens
onerosamente amealhados durante a convivência. Falecendo a companheira
sem deixar ascendentes ou descendentes caberá a sobrevivente a totalidade
da herança. Aplicação analógica das leis n° 8.8.278/94 e 9.278/96. POR
MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO, VENCIDO O REVISOR.
(Apelação Cível N° 70006844153, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Catarina Rita Krieger Martins, Julgado em 18/12/2003.)
O entendimento que regula estas decisões é o de que a maioria das famílias rejeita os
homossexuais, porém, com seu falecimento, costuma requerer os bens. Não seria justo que
63
quem não auxiliou na aquisição dos bens tenha direito em detrimento daquele que realmente
contribuiu, ou seja, o verdadeiro companheiro126 .
Cumpre ressaltar que a lei veda o enriquecimento sem causa, sendo assim, é incabível
discutir vacância ou em integralidade para a família, se havia de fato um companheiro efetivo.
Importante salientar que em caso de morte, o companheiro possui direito real de
habitação sobre o imóvel sobre o qual residiam antes do falecimento.
4.2 União Estável e sua Comparação com a União Homoafetiva
A Constituição Federal de 1988 reconheceu a união estável, modificando o
entendimento de que tal relacionamento (antigo concubinato puro) era tratado como sociedade
de fato. A partir desse reconhecimento, regulamentado por diversas leis posteriores, os
companheiros passaram a adquirir alguns dos direitos garantidos àqueles casados
formalmente.
Tal reconhecimento foi inscrito no artigo 226, § 3º da Constituição Federal, in verbis
“para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Após o reconhecimento constitucional da união estável, a Lei nº. 8.971, de 1994,
definiu como elementos necessários ao reconhecimento da união estável aqueles previstos em
seu artigo 1º, em que exigia a convivência entre homem e mulher, não impedidos de casar-se
ou separados judicialmente, com no mínimo cinco anos de convivência, ou caso existissem
filhos dessa relação; e enquanto não constituíssem uma nova união.
______________
126
DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade. Porto Alegre, 2006. p.123.
64
Já a Lei nº. 9.278, de 1996, em seu artigo 1º, reconhece como familiar a união estável
ou concubinária pura, de um homem e de uma mulher, desde que com o objetivo de
constituição de família.
A caracterização da união estável prevista na mencionada lei foi confirmada
posteriormente pelo Código Civil de 2002, em seu artigo 1.723, o qual exige como requisitos
para a configuração desse tipo de união a relação pública duradoura, com o objetivo de
constituir família, não havendo prazo mínimo (objetivo) que deva ser cumprido para o
reconhecimento, ficando tal juízo a critério do julgador127.
No diploma legal de 2002, também foram detalhados direitos e deveres que os
companheiros devem cumprir conforme descritos nos artigos 1.724 e 1.725, in verbis
Art. 1.724. “As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos
deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação
dos filhos”.
Art. 1.725. “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros,
aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão
parcial de bem”.
Importante a opinião da Desembargadora Maria Berenice Dias, em julgado da Sétima
Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Porto Alegre:
EMENTA:
APELAÇÃO
CÍVEL.
UNIÃO
HOMOAFETIVA.
RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união
homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo
período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se
perpetuou através dos séculos, não podendo o Judiciário se olvidar de prestar
a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de
família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas
a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização
do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre
pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem
como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE
ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A ausência de
______________
127
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.545.
65
lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem
mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com
os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC). Negado provimento ao apelo,
vencido o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. (SEGREDO DE
JUSTIÇA). Apelação Cível Nº 70009550070, Sétima Câmara Cível,
Tribunal deJustiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em
17/11/2004.
Com relação à união homoafetiva, apesar de a Constituição Federal de 1988
reconhecer a união estável, não reconhece a união entre pessoas do mesmo sexo como titular
de direitos subjetivos próprios de entidades familiares, embora existam projetos para sua
regulamentação128. Mencione-se o Projeto de Emenda Constitucional nº. 70/2003, do Senador
Sérgio Cabral, que prevê a ampliação desse artigo para abranger também os casais
homossexuais.
4.3 Competência para Julgamento
Um dos efeitos desse desmembramento foi o de fazer com que a união estável seja
processada e julgada pelo direito de família, já que as sociedades civis, instituto de direito
obrigacional, são julgadas pelo Direito Civil. Estas sociedades regulam sociedades de fato,
com o fim eminentemente comercial.
Contudo, ainda há grande incoerência nos tribunais, pois mesmo havendo alguns
julgados, há juizes de família que ainda mantêm o entendimento de que os relacionamentos
homoafetivos devem ser tratados como sociedade de fato e, não, como entidade familiar.
Seria dessa forma, um tema de competência do direito de obrigações, mas que deve ser
julgado no juízo de família. Mesmo sendo um grande avanço, ainda não é a solução desejável,
______________
128
AZEVEDO, Álvaro Villaça.Etatuto da família de fato. São Paulo, 2002. p.470.
66
uma vez que sociedade de fato é a união de pessoas que visam com esta um fim lucrativo.
Colocando a união homossexual neste mesmo patamar seria então necessário que se fechasse
um contrato empresarial para que fosse garantido aos companheiros, numa possível
dissolução, a divisão dos bens adquiridos durante a vigência dessa união, ou sociedade como
a lei prefere determinar129 .
Essas definições da competência especializada em julgamento das ações que envolvem
uniões homossexuais fizeram com que toda a demanda de remessa de tramitação das varas
cíveis fosse para a vara de família. Foi o primeiro grande marco da Justiça do Rio Grande do
Sul130.
Rui Geraldo Camargo Viana, admitiu que o reconhecimento dessas uniões não é
novidade, uma vez que o Tribunal de Justiça de São Paulo, onde as tradições são
conservadoras, já admite os direitos de herança ao companheiro do falecido, afastando assim
os ascendentes e reconhecendo a existência de sociedade de fato entre dois membros da união
homossexual131.
Mesmo com exemplos que demonstram um grande avanço dos nossos tribunais, a
grande maioria ainda trata a união homossexual como sociedade de fato, alegando que, para
se ter os direitos reconhecidos, têm de estar previstos em contratos firmados entre os
“companheiros”. Mesmo um grande número de juízes e desembargadores defendendo o
reconhecimento de união estável entre homossexuais, por julgarem injusto e fictício tratá-los
como parceiros, ou sócios, e analisar seus direitos no âmbito do direito das obrigações, ainda
é muito difícil ter essa relação reconhecida no direito de família, pois é impossível criar leis
______________
129
AMARAL, Sylvia Mendonça. Manual prático dos direitos homossexuais e transexuais. São Paulo:
Inteligentes, 2003. p.33.
130
DIAS,
Maria
Bernice.
Fazendo
valer
os
direitos.
Disponível
em:
www.mariaberenicedias.com.br/artigos. Acesso em 10/02/2007.
131
TALAVERA, Glauber Moreno. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Rio de Janeiro: Forense,
2004. p.43.
67
que regulamentem esta união sem a aprovação de legisladores que se mantêm tão
conservadores132.
Dessa forma, para se evitar um prejuízo financeiro, ou um enriquecimento ilícito de
uma das partes, equiparam-na a uma sociedade de fato, ressaltando apenas a questão
financeira, como se fosse feito um simples contrato, cujo único direito a ser deferido é a
partilha, não sendo deferidos inúmeros outros direitos próprios de dissolução de entidades
familiares, tais como alimentos, sucessório, habitação, etc. Senão, vejamos algumas decisões
jurisprudenciais:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DISSOLUÇÃO DE
SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. HOMOLOGAÇÃO DE
ACORDO. COMPETÊNCIA. VARA CÍVEL. EXISTÊNCIA DE FILHO
DE UMA DAS PARTES. GUARDA ERESPONSABILIDADE.
IRRELEVÂNCIA.
1. A primeira condição que se impõe à existência da união estável é a
dualidade de sexos. A união entre homossexuais juridicamente não existe
nem pelo casamento, nem pela união estável, mas pode configurar sociedade
de fato, cuja dissolução assume contornos econômicos, resultantes da divisão
do patrimônio comum, com incidência do Direito das Obrigações.
2. A existência de filho de um das integrantes da sociedade amigavelmente
dissolvida, não desloca o eixo do problema para o âmbito do Direito de
Família, uma vez que a guarda e a responsabilidade pelo menor permanece
com a mãe, constante do registro, anotando o termo de acordo apenas que, na
sua falta, à outra caberá aquele múnus, sem questionamento por parte dos
familiares.3. Neste caso, porque não violados os dispositivos invocados arts. 1º e 9º da Lei 9.278 de 1996, a homologação está afeta à vara cível e
não à vara de família.
4. Recurso especial não conhecido. (Resp 502.995, Quarta Turma,
26.04.2005.) COMPETÊNCIA. RELAÇÃO HOMOSSEXUAL. AÇÃO DE
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO, CUMULADA COM
DIVISÃO DE PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA DE DISCUSSÃO
ACERCA DE DIREITOS ORIUNDOS DO DIREITO DE FAMÍLIA.
COMPETÊNCIA DA VARA CÍVEL. – Tratando-se de pedido de cunho
exclusivamente patrimonial e, portanto, relativo ao direito obrigacional tãosomente, a competência para processá-lo e julgá-lo é de uma das Varas
Cíveis.
Recurso especial conhecido e provido. (STJ, Resp 323.370, 4ª Turma, j.
14.12.2004).
______________
132
AMARAL, Sylvia Mendonça. Manual prático dos direitos homossexuais e transexuais. São Paulo:
Inteligentes, 2003. p.35.
68
Brilhante o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que entende se
tratar de uma relação afetiva e, portanto, de competência do Direito de Família:
RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO
DE SEPARAÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO DOS CASAIS
FORMADOS POR PESSOAS DO MESMO SEXO. Em se tratando de
situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o
julgamento da causa uma das varas de família,`a semelhança das separações
ocorridas entre casais heterossexuais.Agravo provido. (Agravo de
Instrumento nº 599075496, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Breno Moreira Mussi, julgado em 17/06/1999).
As mesmas características da união estável são encontradas na união homoafetiva.
Sendo assim, a jurisprudência vem equiparando estas uniões, conforme acórdão da
Quarto Grupo de Câmaras Cíveis de Porto Alegre:
AÇÃO DECLARATÓRIA. RECONHECIMENTO. UNIÃO ESTÁVEL.
CASAL HOMOSSEXUAL. PREENCHIMENTO DOSREQUISITOS.
CABIMENTO. A ação declaratória é o instrumento jurídico adequado para
reconhecimento da existência de união estável entre parceria homoerótica,
desde que afirmados e provados os pressupostos próprios daquela entidade
familiar. A sociedade moderna, mercê da evolução dos costumes e apanágio
das decisões judiciais, sintoniza com a intenção dos casais homoafetivos em
abandonar os nichos da segregação e repúdio, em busca da normalização de
seu estado e igualdade às parelhas matrimoniadas.
EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS, POR MAIORIA.
(SEGREDO DEJUSTIÇA). (Embargos Infringentes Nº 70011120573,
Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José
Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 10/06/2005).
À exceção dos tribunais do Rio Grande do Sul, não se trata ainda de posição
pacificada. A grande maioria ainda acredita que há impossibilidade em pessoas do mesmo
sexo, reunidas com vínculo afetivo seja equiparada a uma união estável.
Assim, observa-se que a questão da aceitação da união homoafetiva como união
estável é puramente legal, assim como era o reconhecimento do concubinato puro como
entidade familiar merecedora de reconhecimento e de direitos próprios.
69
Nesse sentido, nota-se que, atualmente, as soluções dos casos concretos de dissoluções
de uniões homoafetivas têm sido realizadas pelo Judiciário, que, como mencionado, ora
reconhece tais relacionamentos como uniões estáveis ora como sociedade de fato.
4.4 Projetos de Lei em Tramitação
O Projeto de Lei n° 1.151, de 1995 de autoria da ex-Deputada Marta Suplicy, busca
regular à “união civil em pessoas do mesmo sexo”. O relator do projeto, Deputado Roberto
Jefferson, apresentou substitutivo, alterando inclusive o nome para Parceria Civil Registrada.
O parecer favorável da Comissão Especial do Congresso é de 10/12/1996. Desde esta época
encontra-se em plenário, mas, foi retirado várias vezes por acordo de lideranças.
Cinco Projetos de Lei voltados à população homossexual são de autoria da Deputada
Iara Bernardi. O de 5.003, de 2001 propõe sanções às pessoas físicas e jurídicas que
pratiquem crimes de discriminação e preconceito contra homossexuais e transgêneros.
Aprovado o substitutivo do Deputado Luciano Zica pela Comissão de Constituição Justiça e
Cidadania, o Projeto encontra-se em plenário aguardando votação, entre outros nas mesmas
condições.
70
CONCLUSÃO
Com esta pesquisa buscou-se discutir as relações homoafetivas e, consequentemente,
os direitos delas decorrentes.
Tratou-se dos direitos decorrentes do reconhecimento da união estável como entidade
familiar e aprofundou-se especificamente no que diz respeito aos direitos sucessórios dos
companheiros.
A principal barreira a ser transposta é o preconceito da sociedade que ainda não aceita,
muitas vezes discrimina a pessoa em razão da opção sexual. É de grande importância o
reconhecimento destas relações, para que direitos essenciais sejam reconhecidos e garantidos,
em virtude de se tratar de uma entidade tipicamente familiar.
As famílias evoluíram junto com as mudanças sociais e novos modelos surgiram. A
uma nova forma de conceber a família de maneira mais abrangente à abarcar os novos
modelos. Agora são entidades familiares. A busca da realização e da busca pessoal passou a
ser a tônica das relações de convivência familiar e social, e estas tornaram-se não só mais
complexas, como também plurais.
A Constituição de 1988 deu acolhimento legal a estes fatos sociais. A partir do Art.
226 a Constituição inundou o cenário jurídico das relações familiares de um sentido ampliado
de democracia e de respeito as diferenças. Este artigo deu reconhecimento legal a união
estável, as família monoparentais e abriu possibilidades de legitimar novas relações
familiares, relações estas, que passaram a ser tuteladas pelo Estado.
A repersonalização das relações jurídicas de famílias traz uma nova forma de se
conceber a dignidade da pessoa humana sendo o indivíduo o centro da tutela jurídica. É a
afirmação da finalidade mais relevante da família: “A realização da dignidade de seus
71
membros como pessoas concretas, em suma, do humanismo que só se constrói na
solidariedade com o outro.” (Paulo Luiz Netto Lobo).
A cláusula de exclusão desapareceu com a supressão da locução “constituída pelo
casamento” (Art. 175, Constituição 1967-69). A regra do §4° do Art. 226 intregra-se à
cláusula geral de inclusão sendo esse o sentido do termo também nela contido. A Constituição
de 1988 suprimiu a cláusula de exclusão, que apenas admitia a família constituída pelo
casamento mantida nas Constituições anteriores, adotando um conceito aberto, abrangente e
de inclusão.
Violam os princípios da dignidade da pessoa humana as interpretações que excluem as
demais entidades familiares da tutela constitucional ou asseguram tutela dos efeitos jurídicos
no âmbito do Direito das Obrigações, como se os integrantes destas entidades fossem sócios
de sociedade de fato mercantil ou civil.
É nesse sentido que se busca o reconhecimento das relações homoafetivas para que a
omissão legal não mais possa excluir direitos de quaisquer cidadãos.
Em conformidade de pensamento, Maria Berenice Dias afirma que na base de todo
fato social existe um interesse de tutela, interesse, esse, que independe da orientação sexual de
seus titulares. Em um Estado Democrático de Direito, todos têm direito à vida, à liberdade e à
proteção, e o Estado tem o dever de garantir o respeito à dignidade, à integridade física e à
propriedade de todos. Além disso, ensina que, enquanto por injustificável omissão do
legislador, não forem disciplinadas as novas estruturas familiares que florescem
independentemente da identificação do sexo do par, ninguém, muito menos os operadores do
direito, podem fechar os olhos a essas realidades. Em nome de uma postura conservadora,
deixar de atribuir efeitos jurídicos às relações que, muito mais que uma sociedade de fato,
constituem uma sociedade de afetos, revela atitude preconceituosa e discriminatória, indigna
de quem se fez juiz.
72
Destarte, a garantia da cidadania passa pela garantia da expressão da sexualidade e a
liberdade de orientação sexual insere-se como uma afirmação dos direitos humanos em um
Estado que se diz democrático de direito.
Portanto, é de fundamental importância que se respeite o homem por sua essência.
Enquanto perdurar o preconceito, não se alcançará a justiça.
73
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Maria Cristina de Moura - Universidade Católica de Brasília