UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PPGD MARÍLIA GABRIELA DE ARAÚJO MELO PEREIRA O PODER NORMATIVO COM ÊNFASE NA ANP RECIFE 2013 2 MARÍLIA GABRIELA DE ARAÚJO MELO PEREIRA O PODER NORMATIVO COM ÊNFASE NA ANP Dissertação apresentada para o cumprimento parcial das exigências para obtenção do título de Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco Área de concentração: Estado, Regulação e Tributação Indutora Linha de Pesquisa: Legalidade e Regulação Orientador: Marcos Antônio Rios da Nóbrega RECIFE 2013 3 Catalogação na fonte Bibliotecária Eliane Ferreira Ribas CRB/4-832 P436p Pereira, Marília Gabriela de Araújo Melo O poder normativo com ênfase na ANP / Marília Gabriela de Araújo Melo Pereira. – Recife: O Autor, 2013. 225 folhas : tabelas. Orientador: Marcos Antônio Rios da Nóbrega. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Direito, 2013. Inclui bibliografia e anexos. 1. Agência Nacional do Petróleo - Brasil. 2. Agências reguladoras de atividades privadas. 3. Concessões administrativas - Brasil. 4. Legalidade (Direito) - Brasil. 5. Brasil. [Projeto de Lei n. 3337, de 13 de abril de 2004]. 6. Privatização Brasil. 7. Política econômica. 8. Equilíbrio econômico. 9. Reforma administrativa Brasil. 10. Direito fundamental. 11. Petróleo - Política governamental - Brasil. 12. Petróleo - Prospecção - Brasil. 13. Petróleo - Comércio - Aspectos econômicos Brasil. I. Nóbrega, Marcos Antônio Rios da (Orientador). II. Título. 343.0772CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2013-024) 4 Marília Gabriela de Araújo Melo Pereira “O Poder Normativo Com Ênfase Na ANP” Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife / Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco PPGD/UFPE, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Teoria e Dogmática do Direito Orientador: Prof. Dr. Marcos Antônio Rios da Nóbrega A banca examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do primeiro, submeteu a candidata à defesa, em nível de Mestrado, e a julgou nos seguintes termos: Menção Geral: _____________________________________ Professor Dr.Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti (Presidente/UFPE) Julgamento:_____________ Assinatura: ___________________ Professor Dr. João Hélio de Farias Moraes Coutinho (1º Examinador externo/UNICAP) Julgamento:_____________ Assinatura: ___________________ Professor Dr.Edilson Pereira Nobre Júnior (2º examinador interno/UFPE) Julgamento:_____________ Assinatura: ___________________ Recife, 14 de junho de 2013. Vice-coordenadora: Profa. Dra. Eugênia Cristina Nilsen Ribeiro Barza. 5 Aos meus pais, Graça e Erivaldo; Ao meu esposo, Raphael; Ao meu irmão, Felipe; Aos meus sogros, Luís e Zilma, Por todo o apoio, compreensão e cooperação para a propositura deste trabalho. 6 AGRADECIMENTOS À Deus, pelas forças concedidas; A minha mãe por todo amor e compreensão; Ao meu esposo, por todo o amor e incentivo; Ao cunhado Henrique, pelos auxílios prestados; Aos professores Francisco, João Hélio, Edílson, Marcos, Luciana e Aurélio, pela credibilidade, pelo aprendizado, pelos auxílios, conselhos, carinho, atenção e humildade nos momentos em que precisei; À Gilka e à Carminha, por todo o carinho e atenção na disponibilidade dos serviços internos; A todos os funcionários da pós graduação, que quotidianamente prestam os serviços com presteza e atenção; E a todos os colegas que de alguma forma contribuíram para o trabalho. 7 EPÍGRAFE “Quase todos os homens são capazes de suportar adversidades, mas se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder.” (Abraham Lincoln) 8 RESUMO1 O Poder Normativo das Agências Reguladoras trata-se de um tema relevante quando em confronto com o Princípio da Legalidade, uma vez que o primeiro deve pautar-se sob os estritos limites da Lei Maior, a qual conforme a pirâmide kelseniana fundamenta a norma de menor hierarquia proveniente daquela, devendo, portanto a norma regulamentadora apenas esmiuçar as disposições mais gerais do comando normativo superior. Em virtude da prática reiterada da Agência Nacional do Petróleo em transpor os limites legais no seu âmbito de atuação, vem a presente pesquisa através do método bibliográfico, analisar doutrinariamente as formas de se encontrar uma solução ao problema em foco, será utilizado ainda uma comparação dos sistemas jurídicos norte-americano, e europeu, a fim de importar soluções possíveis de implementação em nosso sistema, por meio do método de abordagem dedutivista, métodos procedimentais histórico e funcionalista em uma linha de pesquisa teórica e metodológica. Sendo assim, vislumbra-se encontrar a proposta de inibir a atuação desregrada da ANP criada para agir autonomamente e não ilegal e arbitrariamente. 1 PEREIRA, Marília Gabriela de Araújo Melo. O poder normativo no âmbito da ANP. 2013. 214 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas / FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013 Palavras chave: Poder Normativo ; ANP ; Ilegalidade 9 ABSTRACT2 The Regulatory Agencies's normative power is an important issue when affront to the principle of legality, since the former must be guided under the higher rules strict determinations, which according to the kelsenian pyramid, bases the lower hierarchy norm from that, therefore, the regulatory norm should only scrutinize the general characteristics of the higher normative command. Because of this rampant and commonplace attitude of the National Petroleum Agency on activities related in the area of operation, comes this search by the bibliographic method, doctrinally analyze the ways to find a solution to the problem in focus, and will be also used a comparison between North American and European legal systems, in order to import possible solutions for implementation in our system, by the deduction approach method, historical and functionalist procedural methods, in a theoretical and methodological research line. Thus, intends to find the proposal to inhibit the ANP's off rule’s actions, created to act autonomously but not illegal and arbitrary. 2 PEREIRA, Marília Gabriela de Araújo Melo. The normative power in the framework of ANP. 2013. 214 p. Dissertation (Master´s Degree of Law) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas / FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013. Keywords: Normative Power; ANP; Illegality 10 SUMÁRIO RESUMO …………………………………………………………………………………....07 ABSTRACT………………………………………………………………………………….08 METODOLOGIA...................................................................................................................14 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................17 1 ORIGEM DAS AGÊNCIAS REGULADORAS ..............................................................20 1.1 Estados Unidos....................................................................................................................20 1.1.1Breve Histórico Constitucional dos Estados Unidos........................................................20 1.1.2Surgimento das Regulatory Agencies...............................................................................21 1.2 Inglaterra............................................................................................................................25 1.2.1 Breve Histórico Constitucional da Inglaterra.................................................................25 1.2.2 Surgimento dos Quangos..............................................................................................28 1.3 França...............................................................................................................................29 1.3.1Breve Histórico Constitucional da França......................................................................29 1.3.2Surgimento das Autoridades Administrativas Independientes.......................................30 1.4 Brasil ................................................................................................................................32 1.4.1 Importação do modelo norte-americano.........................................................................32 1.4.2 Desestatização................................................................................................................36 1.4.3 Reforma do Estado.........................................................................................................38 1.4.4 Processo de Agencificação.............................................................................................39 CONCLUSÕES PARCIAIS..................................................................................................41 2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE BRASILEIRA.............................................................43 2.1 As dificuldades referentes ao Princípio da Legalidade no Brasil.......................................43 2.2 Autonomia das agências reguladoras.................................................................................61 2.3 Controle sobre as agências reguladoras..............................................................................63 2.4 Processo de Deslegalização................................................................................................64 2.5 Respaldo Constitucional.....................................................................................................67 2.6 Regulação e Regulamentação: distinções e âmbitos normativos.......................................69 2.7 Teorias sobre a Regulação..................................................................................................72 2.7.1 Teorias Econômicas.........................................................................................................72 2.7.1.1 Teoria Econômica da Regulação..................................................................................72 2.7.1.2 Teoria Keynesiana........................................................................................................72 11 2.7.2 Teorias Administrativas...................................................................................................75 2.7.2.1 Teoria da Essencialidade............................................................................................75 2.7.2.2 Reserva de Densificação Normativa...........................................................................76 CONCLUSÕES PARCIAIS................................................................................................79 3 DA APLICAÇÃO DA TEORIA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL E OS PROBLEMAS ENCONTRADOS..................................................................................80 3.1 A indicação técnica e as interferências políticas................................................................80 3.2 A captura econômica nas agências reguladoras..................................................................87 3.2.1 Teorias Econômicas.........................................................................................................88 3.2.1.1 Teoria do Interesse público...........................................................................................88 3.2.1.2 Teoria da Falha Regulatória..........................................................................................89 3.2.1.3 Teoria da Captura.........................................................................................................90 3.2.1.4 Teoria Econômica da Regulação..................................................................................91 3.2.1.5 Teoria da Organização Administrativa........................................................................93 3.2.2 Casos relacionados à captura econômica.........................................................................93 3.2.2.1 Caso ANATEL..............................................................................................................94 3.2.2.2 Caso grupo empresarial Andrade Magno......................................................................95 3.3 As limitações decorrentes da subordinação ao orçamento geral ........................................97 3.3.1 A falsa independência financeira e orçamentária das agências reguladoras brasileiras...............................................................................................................................101 3.3.2 O orçamento e o Projeto de Lei 3337/04.......................................................................101 3.3.3 Políticas públicas e Justiça Fiscal..................................................................................105 3.4 Repercussões econômicas sobre a regulação e o meio ambiente.................................................................................................................................112 3.4.1 O Direito fundamental ao meio ambiente sadio e equilibrado e a análise econômica na atuação da ANP sobre as atividades petrolíferas...................................................................113 3.5 Considerações a respeito das reformas no Direito do Petróleo........................................127 CONCLUSÕES PARCIAIS................................................................................................133 4 LEGALIZAÇÃO DO PETRÓLEO................................................................................137 4.1 Comercialização do Petróleo...................................................................................................137 4.2 Constitucionalização do Direito do Petróleo...........................................................................139 4.3 Natureza Jurídica da Atividade de Exploração do Petróleo....................................................146 4.5 Novo Marco Legal..................................................................................................................150 4.5.1 O Modelo de Contrato de Produção de Partilha de Produção........................................151 12 4.5.2 A criação da Pré-sal Petróleo S.A e do Fundo Social.......................................................152 4.5.3 A Cessão onerosa dos Direitos de Exploração e a Capitalização da Petrobrás ...............................................................................................................................................155 CONCLUSÕES PARCIAIS..............................................................................................158 5 AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO...................................................................160 5.1ANP e CNPE.....................................................................................................................160 5.2 ANP e PPSA.....................................................................................................................164 5.3Ilegalidades no Âmbito da ANP.......................................................................................167 5.3.1 Carência na Fiscalização da ANP................................................................................170 5.3.2 Licitações em número inferior ao exigível por Lei........................................................172 5.3.3. Distribuição e revenda de combustíveis........................................................................178 5.3.4 Fraude de combustíveis ante a deficiente fiscalização...................................................178 5.3.5 Restrição ao funcionamento de estabelecimentos revendedores de combustíveis por motivo de dívidas...................................................................................................................179 5.4 Competência da ANP......................................................................................................180 CONCLUSÕES PARCIAIS...............................................................................................181 6 CONTROLE SOBRE A ANP........................................................................................182 6.1Controle Externo..............................................................................................................182 6.1.1 Controle Legislativo ou Parlamentar............................................................................182 6.1.2 Controle Judicial...........................................................................................................185 6.2Controle Interno ou Administrativo..................................................................................187 CONCLUSÕES PARCIAIS...............................................................................................193 CONCLUSÃO......................................................................................................................195 REFERÊNCIAS .................................................................................................................200 ANEXOS..............................................................................................................................208 13 LISTA DE SIGLAS ADCT – Atos de Disposições Constitucionais Transitórias ADIN – Atos de Disposições Inconstitucionais ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações ANP – Agência Nacional do Petróleo APL – Apelação ARLA – Agente Redutor Líquido Automotivo ASPAR – Assessoria Parlamentar BACEN – Banco Central BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento BNDS – Banco Nacional do Desenvolvimento CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica CDC – Código de Defesa do Consumidor CF – Constituição Federal CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CMN – Conselho Monetário Nacional CNP – Conselho Nacional do Petróleo CNPE – Conselho Nacional de Política Energética CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente CVM – Comissão de Valores Mobiliários DNC – Departamento Nacional de Combustíveis DRU- Desvinculação de Receitas da União E&P – Exploração e Produção EUA – Estados Unidos da América FHC – Fernando Henrique Cardoso FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação FUNPAR – Fundação da Universidade Federal do Paraná IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ICC - Interstate Commerce Comission JOA - Join Operation Agreement LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias LGT- Lei Geral de Telecomunicações LOA – Lei Orçamentária Anual LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal MF – Ministério da Fazenda MME – Ministério de Minas e Energia MPOG – Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão MPU – Ministério Público da União MS – Mandado de Segurança NO – Óxido de Nitrogênio NOC - National Oil Company OED – Olje og Energidepartament OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo PAD- Processo Administrativo Disciplinar 14 PE – Participações Especiais P&D – Produção e Desenvolvimento PL – Projeto de Lei PND – Plano Nacional de Desestatização PPPs - Parcerias Público Privadas PR - Paraná PROREG - Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional RDA – Revista de Direito Administrativo RE – Recurso Extraordinário RESP – Recurso Especial RJ – Rio de Janeiro SDFI – State Direct Financial Interest SGMB - Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TC – Tribunal de Contas TCU – Tribunal de Contas da União TRF – Tribunal Regional Federal UFPR – Universidade Federal do Paraná 15 METODOLOGIA O trabalho foi desenvolvido em seis etapas bem, as quais apresentaram uma sequência, que proporciona a interconexão entre elas, quais sejam: 1. origem das agências reguladoras abordando o modelo comparado norteamericano importado, inglês e francês e apresentando as assimetrias correlatas, bem como a explanação da Desestatização, Reforma do Estado e a Agencificação; 2. princípio da legalidade nas agências brasileiras, a questão autonômica, a deslegalização, aspectos constitucionais, diferença entre regulação e regulamentação, as teorias econômicas e administrativas; 3. apresentação da Teoria das Agências Reguladoras, com todas as dificuldades encontradas em seu âmbito, tais como captura política e econômica, as teorias econômicas, as questões atinentes ao orçamento, o Projeto de Lei 3337/04 de 13/04/2004, as repercussões econômicas sobre o meio ambiente, e observações sobre a reforma do petróleo; 4. marco legal do petróleo, aspectos constitucionais e legais; 5. Agência Nacional do Petróleo, relaciona a competência entre Agência Nacional do Petróleo e Pré-sal Petróleo S.A, Conselho Nacional do Petróleo e casos de ilegalidade cometidos pela agência; 6. controle sobre as agências, formas de controle externo e interno. Foram abordados os tipos agências nos países mencionados, com um estudo demonstrando a forma como as agências foram implantadas na administração brasileira, as razões históricas norte americana, inglesa e francesa e o engendramento na inserção do modelo diante do histórico brasileiro, apontando todas as assimetrias dele resultantes. Além disso, foi elencada a natureza jurídica da ANP, sua inserção no estado descentralizado como autarquia especial, marcos diferenciadores para com as autarquias comuns e características que a qualificam como interventora. Houve uma distinção entre a regulação e regulamentação, abrangendo seu significado e consonância na utilização em atividade de normatização agenciária. Afora isto, apresentou a relação de dependência entre a legalidade, sua origem e importância na Democracia, elencando os riscos provenientes do desatendimento da legalidade administrativa, enfatizando a praxe na ANP. E foram apontadas possíveis soluções com o fito de suavizar a problemática em tela, incorporando argumentos doutrinários administrativos e econômicos respectivos ao tema. 16 Utilizou diversos comentários históricos para demonstrar a importância do petróleo na seara dos bens de utilidade pública, monopolizados pelo Estado, sujeitos à efetivação de contratos de concessão para realizar sua exploração. Para isto elencou as legislações pertinentes ao tema do petróleo, gás e biocombustíveis, inclusive o seu tratamento específico por parte da ANP, como agência responsável e balizadora de sua exploração. Ainda elencou comentários atinentes às inovações legais em virtude da descoberta do pré-sal, e a opinião acerca da criação da estatal Pré-Sal Petróleo S.A., da capitalização da Petrobrás, da criação do Fundo Social do Petróleo e da mudança do modelo de concessão para o modelo de regime de partilha de produção a respeito da eficiência, riscos políticos e democraticidade. Buscou comentários jurisprudenciais em relação à ilegalidade das agências, cujas ementas seguem ao final, colacionadas e em anexo, para possíveis verificações e como critério referencial. Ao final tratou do emblemático controle sobre a entidade e deixou à reflexão conteúdos de reestruturação do papel da ANP em meio ao Estado de Direito, introduzindo ideias próprias e importadas mediante a participação de um novo órgão criado para melhor controlar as atividades das agências reguladoras. Para implementar tal trabalho, foram utilizadas técnicas de abordagem hipotéticodedutiva, partindo de uma perspectiva teórica, com análise de dados bibliográficos em busca da solução ao problema vergastado, submetendo críticas e testes de falseabilidade qualitativos com o intuito de eliminar erros para alcançar a melhor solução possível. A adoção deste método é justificável devido à abrangência e poder de análise, corroborando com a elaboração de hipóteses, as quais poderão ou não ser confirmadas, dando um grau de cientificidade à pesquisa. Afora isto, adotou os métodos histórico e comparativo, posto ser imprescindível à compreensão dos sistemas jurídicos os fatores históricos, sociológicos e econômicos cambiantes na própria estrutura da administração, apontando as semelhanças e dessemelhanças entre os grupos em estudo, o método dissertativo através do estudo destas instituições em profundidade com o fito de obter generalizações referentes à atuação destes órgãos em nosso sistema jurídico, justificável em virtude do poder de análise da situação concreta, ao que possibilita a elaboração de teorias que preencham possíveis lacunas no decorrer da pesquisa. Estruturalista, em virtude de uma investigação dos fenômenos concretos com a finalidade de elevá-los a um nível abstrato, criando-se um modelo que represente adequadamente o objeto de estudo para retomá-lo como realidade concreta com possíveis soluções a problemática. 17 A linha de pesquisa foi teórica, com a busca de uma explicação dos quadros teóricos de referência, por meio de leituras e interpretações. Quanto à técnica empregada na produção dissertativa, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, em meio à análise de livros, artigos, revistas, periódicos, legislações e jurisprudências correlatas. Enfim, através da pesquisa foi avaliado o problema pautando uma contribuição social rumo a um regramento a atitude regulatória díspare das anomalias que a impedem de solidificar sua razão de ser. As conclusões retiradas da pesquisa são que as agências reguladoras brasileiras, possuem os mesmo problemas encontrados em outros países, pois o teor de autonomia que lhes é dado, compromete a sua atuação em virtude das influências políticas e econômicas constantes sobre o ente regulador, o que obviamente atrapalha a atividade de regulação imparcial, restando para a contenção destas exorbitâncias o uso dos instrumentos de controle sobre suas atividades, que é o ponto fulcral de distinção entre os países desenvolvidos e o Brasil, que muito pouco reivindica a moralidade administrativa, enquanto nos outros países existe uma firme atuação da sociedade civil sobre as decisões da Administração Pública. 18 INTRODUÇÃO As Agências Reguladoras brasileiras surgiram como um dos resultados da Reforma Administrativa, ocorrida na década de noventa, em virtude da necessidade de reorganização do papel do Estado, o qual atuava anteriormente como fiscalizador e empresário de maneira concomitante. O Estado por se encontrar repleto de atribuições, sem condições de efetivá-las de maneira eficaz devido à carência de recursos, resolveu arrecadar fundos com as privatizações, passando algumas de suas tarefas para a iniciativa privada, e fazendo necessário que um terceiro independente atuasse na fiscalização e regulação das atividades prestadas pelos empresários aos cidadãos. Com a privatização, houve então a necessidade de que um órgão neutro efetivasse as fiscalizações sobre os serviços realizados pelas empresas licitadas, eis que a figura do estado empresário se faz presente, por meio das empresas públicas e sociedades de economia mista, o que desencadeou a aparição das agências reguladoras. Em síntese, o Estado passa a intervir sobre o domínio econômico. Tudo isto teve como pano de fundo a imprescindível neutralidade política e econômica das agências. Além disso, uma atuação com maior parcela de autonomia e eficácia do setor fiscalizador, estabelecendo uma relação de vinculação em relação aos Ministérios referentes às matérias reguladas, não cabendo a submissão de suas decisões ao crivo dos Poderes constituídos constitucionalmente, exceto a intervenção judicial, cabível quando se tratarem de decisões eivadas de ilegalidade. É certo que o modelo agenciário brasileiro teve seu papel importado do modelo norte americano das independent agencies, as quais foram criadas para normatizar as companhias ferroviárias em virtude do desconhecimento da matéria pelo legislativo, e porque o setor exercia prática abusiva ao cobrar taxas muito altas aos consumidores.3 Nos Estados Unidos, recebeu a denominação de Comissions, com autonomia reforçada, especialização e uso de procedimentos mais flexíveis e céleres, sendo competentes para exercer funções normativas, executivas e quase-judiciais, sendo configuradas como verdadeiro quarto poder de Estado.4 3 4 MARTINEZ, Maria Salvador. Autoridades independientes. Barcelona: Ariel, 2002, p. 87-135 Idem 19 No Brasil, é valido mencionar que em virtude da Constituição ter trazido os entes da Administração Indireta, consubstanciados em meio à Magna Carta em momento anterior ao surgimento das agencias reguladoras, restou para a configuração destas a denominação de autarquias especiais, visualizada como autarquias sui generis, em virtude, de seu amplo leque autonômico. Neste condão, se percebe que a atividade de regulação, a qual abrange tanto a fiscalização, quanto a normatização, passou a ser realizada por estes entes. Ocorre que, no que tange ao uso do poder normativo, não obstante ser condizente com as atividades administrativas, vem causando exorbitâncias e abusos pelos gestores e diretores das entidades. Isto é perceptível quando se analisa a quantidade de processos no sentido de investigar a conduta ilegal das agências. Neste sentido são os diversos processos em âmbito administrativo, inseridos no ementário do Tribunal de Contas da União, bem como em âmbito judicial, tais como os processos intentados nos Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Em razão dos argumentos supra elencados, vem o presente trabalho realizar uma análise das condutas ilegais praticadas pelas agências em geral, com certa ênfase na Agência Nacional do Petróleo - ANP, alvo de grandes debates, em virtude da repartição dos recursos provenientes da exploração do petróleo, gás natural e biocombustíveis, intensificadas nos campos offshore, após as descobertas do pré-sal. Esta percepção nos leva a crer que em razão destes montantes de renda gerados aos estados, os interesses econômicos e políticos têm levado a decisões incompatíveis com o interesse público, e com os princípios constitucionais insculpidos nas cláusulas pétreas, provocando uma grave violação legal e axiológica, motivo de preocupação e natural insurgência por parte da sociedade civil, que preza pelo respeito da Grundnorm aventada por Kelsen. Nesta perspectiva, é traçada a origem das agências reguladoras brasileiras, enfatizando a Reforma do Estado, o fenômeno da desestatização, a importação do modelo de agência norte americano, dos influentes modelos inglês e francês, o processo de agencificação, a autonomia das agencias reguladoras bem como sua submissão a um específico controle, o processo de deslegalização, distinguindo as atividades de regulação e de regulamentação. Para fundamentar a necessária intervenção estatal sobre o domínio econômico serão elencadas as Teoria Econômicas, a ideologia de Jonh Maynard Keynes, além da Teoria 20 Administrativa da Essencialidade e da Reserva de Densificação Normativa enfatizando o respeito aos ditames axiológicos constitucionais. Em sequência foram analisados todos os problemas atrelados à Teoria das Agências Reguladoras, com aspectos doutrinários e jurisprudenciais. Procedeu-se a uma recapitulação da legalização do petróleo, o início de sua comercialização, e sua constitucionalização, e em complementação foram comentadas as mais importantes legislações infra legais referentes à natureza jurídica do petróleo, criação da ANP e as legislações pertinentes ao novo marco legal do pré-sal. Ainda foi comentada a respeito da competência específica da ANP, distinguindoa da competência do Conselho Nacional de Petróleo, da Pré-sal Petróleo S.A, tão aventada atualmente, bem como a respeito de diversos processos do Tribunal de Contas da União, do Tribunal Regional Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, bem como de um caso publicado na biblioteca do Senado Federal. Por fim, abordará o controle específico cabível sobre as atividades da ANP, com o objetivo de melhorar o atingimento da legalidade e da eficiência e da minoração da corrupção por parte das agências reguladoras. Isto será efetivado através do método de abordagem dedutivista, dos métodos procedimentais históricos e funcionalistas em uma linha de pesquisa teórica e metodológica. 21 1 ORIGEM DAS AGÊNCIAS REGULADORAS 1.1 Estados Unidos 1.1.1 Breve Histórico Constitucional dos Estados Unidos Diferentemente do Brasil, apesar de também adotar a forma federativa de Estado, os EUA foram formados pela necessidade de junção dos Estados independentes em função de um governo central, argumento que destoa a forma de distribuição de competências, o grau de autonomia e a organização jurídico-administrativa em cada um destes países. A Constituição dos EUA foi elaborada em 1787, que entrou em vigor em 1790, é composta, apenas, de sete artigos, embora alguns muito extensos, tendo como uma de suas maiores características o caráter da antiguidade em relação às demais constituições escritas do mundo em vigor e, apesar de ser uma das menos extensos, tem sua elaboração como uma das melhores. Seu conteúdo foi proveniente dos costumes ingleses, eis ter sido colônia inglesa antes de sua independência, e até o momento só foram efetivadas 25 emendas. Representa objeto de verdadeiro culto popular como símbolo do espírito de independência e liberdade nacional, mais do que um diploma jurídico.5 Interessante é o modo de votação de leis, que passam pelas duas casas do Congresso, Senado e Câmara de Representantes, e em seguida são ratificadas por três quartos dos estados. O professor Johnson 6 sublinha o exercício legal baseado em princípios da consciência popular, na interpretação judicial de preceitos constitucionais, na maneira de proceder dos Presidentes e os usos e costumes. Vemos o exercício da democracia direta insculpida no seio da sociedade norte americana, o que se justifica pelo contexto histórico mais uma vez. Foi a rebelião dos colonos que levou à República dos Estados Unidos, eles reivindicavam sua representação na assembleia para resolver seus problemas, utilizando os 5 CAETANO, Marcelo. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional. 6.ed., Coimbra: Almedina, 2010, p. 68 6 CHARLES, Johnson. Government in the United States apud CAETANO, Marcelo. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional. 6.ed., Coimbra: Almedina, 2010, p. 67 22 princípios políticos aplicados no Reino Unido, com vieses nacionalistas e democráticos como expressão da vontade popular.7 Percebe-se que na metade do século XVIII a costa oriental era ocupada pelas treze colônias britânicas, formada por gente de várias concepções, crenças e interesses, variedade de governo, porém todas com considerável liberdade, sendo oito delas governadas pelo rei da Inglaterra, três por famílias recebidas por concessão ou encargo régio e duas administradas pelos próprios colonos.8 Travou-se um conflito entre as treze colônias e a Mãe Pátria, em 1765, o que levou a negociação da reconciliação, que gerou a declaração dos direitos dos habitantes das colônias, porém a Inglaterra ao intervir militarmente provocou a guerra, gerando colônias populares revoltadas e enfim a quebra dos laços entre os colonos e a metrópole. Assim, foi inevitável a declaração de independência das treze colônias pelo Congresso9, lançando suas Constituições. Na própria repartição de competências o que se percebe é que os estados tem seus direitos de forma mais abrangente em relação à federação que fica com o que resta da competência estatal, diferentemente do Brasil, que tem a centralização nas mãos da União, delegando competências aos estados de maneira residual, com o mesmo pensamento colonialista do reinado que detinha todas as competências de forma concentrada num poder moderador. 1.1.1 Surgimento das Regulatory Agencies Nos Estados Unidos, as agências se desenvolveram na história de forma espontânea, uma vez que desde a independência das colônias a atividade administrativa foi se desenvolvendo por organizações assim denominadas, em virtude da tradição anglo-saxônica que sempre utilizou a intervenção regulatória estatal. O processo de imigração elevou significativamente a população dos EUA, com a colonização do oeste e a ampliação do território, houve a produção de novas riquezas e assim o fortalecimento do mercado para as indústrias do leste. 7 CHATÊLET, François. História das ideias políticas. Rio de Janeiro:Zahar, 1985, p. 82-83 Idem 9 Este foi o primeiro Congresso Continental, formado pelos representantes das treze colônias, reunido em 1774, na Filadélfia, com o objetivo de discutir sobre a reconciliação com a Grã-Bretanha, o que gerou a publicação de uma declaração dos direitos dos habitantes das colônias, porém como o governo britânico decidiu invadí-los militarmente, a guerra foi inevitável. 8 23 Esta ampliação da atividade econômica privada gerou em contrapartida inúmeras controvérsias e litígios sem precedentes anteriores. As falhas naturais de mercado, tais como os monopólios nas ferrovias, geraram efeitos similares aos privilégios monárquicos anteriores à independência, abominados pela população, proporcionando demandas dos agentes econômicos mais fracos, consolidando a ideia de organização econômica estatal. 10 A primeira disciplina se deu em 1852 nas áreas de segurança e previdência, pois eram muitas as mortes em caldeiras a vapor, só em 1838 foram 496 mortes, e após os incidentes, os casos caíram em 65%. Porém a efetiva consolidação se deu por meio das atividades ferroviárias, tendo em 1887, a primeira agência regulatória federal. A “agency” é usualmente de origem contratual, na qual o sujeito ou “agent” desenvolve atividade de interesse de outra pessoa, o “principal”. O primeiro pode atuar em nome próprio, mas no interesse alheio, logo o servidor público era sempre um “agent”, estando excluídas desta estrutura de agência a Presidência da República, e algumas autoridades das forças armadas.11 Nos EUA, as necessidades políticas foram formando núcleos organizacionais, não sendo norteado por normas gerais sistematizadas como no Brasil. Existe uma variada configuração de entidades com poderes típicos estatais e outras para gerirem os recursos públicos.12 Nos Estados Unidos, em razão de sua perspectiva eminentemente liberal não estatizante, houve uma tardia evolução do Direito Administrativo. Mas diante dos momentos de crise econômica, como a quebra da bolsa de Nova Yorque na década de 30, percebeu-se a necessidade da intervenção estatal sobre o domínio econômico, aparecendo as agências para regular estas atividades econômicas, mudando totalmente a perspectiva do Estado mínimo para dar lugar ao Estado interventor, desenvolvido mediante o processo de desestatização, transferindo diversos serviços públicos para a seara privada, fazendo mister uma forte regulação estatal para fiscalização de tais serviços. Receberam influência inglesa, e a partir de 1887, conforme dito anteriormente, surgem os primeiros entes autônomos nos EUA, portanto a primeira agência reguladora no mundo é atribuída ao governo dos Estados Unidos da América chamada Interstate Commerce 10 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. Dialética: São Paulo, 2002, p. 72- 73 11 Ibidem, p. 58 12 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. Dialética: São Paulo, 2002, p. 58 24 Commission, para regular o comércio ferroviário no transporte de cargas cobradas a taxas abusivas aos consumidores do serviço, o que gerou a necessidade da regulação do setor para o estabelecimento de preços tabelados, fiscalização e punição aos infratores das determinações normativas.13 Na verdade, apesar da ICC (Intestate Comercio Comission), da FTC (Federal Trade Comission) e da FRC (Federal Radio Comission) já terem sido criadas em 1887, 1914 e 1926 respectivamente, somente com o New Deal é que a moderna agência reguladora se tornou elemento relevante na administração pública norte americana.14 Na época do New Deal, na qual Marçal estabelece a “primeira onda” das agências, a situação se alterou em razão da crise de 1929, pois a depressão econômica demonstrou que o mercado não aceitava a omissão estatal, o liberalismo econômico deveria ser substituído pelo ativismo estatal, alterando sensivelmente as concepções do momento, reconhecidas como um divisor de águas, envolvendo uma delegação de competências legislativas muito ampla em favor do Presidente ou das agências para a regulação econômica.15 Assim, as agências reguladoras americanas funcionaram como resposta a crise do Estado Liberal, com a quebra da bolsa de 1929, o que levou a intervenção do estado na economia, através do New Deal, por Franklin Delano Roosevelt, idealizado em John Maynard Keynes como uma tentativa de contenção da crise então instaurada. Após a Segunda Guerra Mundial, Marçal classifica o período como a “segunda onda” de agências, pois passados 15 anos de prosperidade econômica, com a repercussão do poderio americano além dos seus limites geográficos, havia necessidade de uma regulação agora no plano exterior, eis que o controle interno havia se estabilizado.16 Com separação mais rígida de poderes que na Europa Continental, e menos rígida que no Brasil, os EUA tem seu Presidente eleito por uma assembleia, cujos membros são eleitos pelos cidadãos. O gabinete do governo dos EUA é formado pelos chefes dos Ministérios, os quais são presididos pelos secretários. O legislativo possui estrutura bicameral, cuja divisão se dá pela câmara dos representantes e pelo senado, ambas eleitas pelo povo. Seu 13 MARTINEZ, Maria Salvador. Autoridades independientes. Barcelona: Ariel derecho, 2002, p. 87-182 ARAGÃO, Alexandre dos Santos. O poder normativo das agências reguladoras, Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 480 15 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 78-87 16 JUSTEN FILHO, op. Cit, p. 79 14 25 presidente não possui iniciativa legislativa, mas nomeia cargos da administração, veta leis e encaminha recomendações ao Congresso. 17 Assim, nos EUA as agências reguladoras são formadas por membros dos dois partidos políticos existentes, para haver maior neutralidade política, além disso, elas não se encontram no executive branch (braço do executivo), nem se sujeitam às ordens do Presidente da República, submetendo-se às sunset laws18 (avaliações). 19 O Presidente enquanto nomeia os altos cargos da administração, como por exemplo, o cargo dos dirigentes das agências reguladoras, tem sua confirmação após pelo Senado, o qual nomeia os cargos de inferior hierarquia. O aparecimento das agências reguladoras nos EUA se deu em princípio por comissões ad hoc, e posteriormente permanentes, a respeito da melhor organização dos serviços prestados pelas companhias ferroviárias, eis que as práticas abusivas fizeram necessário normatizar esta seara por alguém com conhecimentos específicos, e o legislativo não conhecia da matéria. 20 Os membros das agências são nomeados pelo Presidente da República com aprovação do Senado e só são demissíveis por uma das faltas cometidas no cargo: delito, abandono ou ineficiência. Gozam de poderes normativos, executivos e quase judiciais, e para tentar limitar este poder excessivo nas mãos dos órgãos reguladores, foi criada a primeira Lei de Procedimento Administrativo, a APA –Administrative Procedure Act, sujeitando-as ao controle social, político e judicial.21 Em alguns casos, as agências americanas se utilizam de juízes administrativos, díspares dos seus quadros, para que decidam as questões concretamente, é o chamado devido processo legal adjetivo. Mas há possibilidade do uso das adjucations, que nada mais são que o exercício de sua competência decisória, sem sujeição à revisão pelo Judiciário. E em alguns casos a competência normativa é conferida às agencias sem possibilidade de intervenção externa, sendo variável o regime jurídico das agências americanas.22 17 MARTINEZ, Maria Salvador. Autoridades independientes. Barcelona: Ariel derecho, 2002, p. 87-182 As “sunset laws” ou avaliações são estatutos utilizados para averiguar a análise de desempenho das agências reguladoras americanas, demonstrando se elas estão efetivando ou não seu papel de forma eficaz, pois por meio deste estatuto há a possibilidade de uma rescisão automática de um programa de governo ou de uma agência se ineficaz, mas em sendo reputada eficaz, será autorizada pelo Legislativo sua continuação. 19 MARTINEZ, Maria Salvador. Autoridades independientes. Barcelona: Ariel derecho, 2002, p. 87-182 20 Idem 21 Idem 22 JUSTEN FILHO, op cit, p. 84 18 26 Para Mashaw, elas configuram governos independentes em miniatura, constituídas como um quarto poder, destituídos de comandos, com representantes desprovidos de responsabilidades, violentando a teoria básica da separação de poderes. 23 Porém, a jurisprudência reputa plenamente constitucional a delegação de competência legislativa pelo Congresso a agências, desde que respeitados certos limites, pois caso contrário o Judiciário intervirá sobre as decisões quando abusivas ou excessivas em evidência.24 Na estrutura administrativa norte-americana, agência é toda entidade pública dos EUA, exceto o Congresso, os Tribunais e os chefes dos Estados Federados. Existem as regulatory agencies, as quais afetam direitos, liberdades ou atividades econômicas, e non regulatory agencies, as quais limitam-se à prestação de serviços sociais. Há ainda as executive agencies, cujos quadros estão à livre disposição do Presidente da República e as independente regulatory agencies or comissions, cujos dirigentes possuem mandato e estabilidade. 25 Apesar de o sistema jurídico norte americano adotar o Princípio da Separação de Poderes, não há vedação à delegação de poderes legislativos ao Executivo. Possuem autonomia orgânica, com personalidade jurídica, não são do Executivo, são criadas por lei (Enabling Act) ou norma do Presidente (Executive Order) e prévia habilitação legislativa, autonomia funcional, não recebendo ordens do Presidente da República, autonomia pessoal, seus membros são eleitos pelo Presidente e pelo Senado, exceto o Diretor que é indicado unicamente pelo Presidente, com um mandato com prazo de 5 a 7 anos.26 O reconhecimento da atividade legiferante nas agências reguladoras americanas é reputadamente legal também pelo enabling act, ou seja, ato de habilitação, o qual reconhece seus poderes e o seu âmbito competencial, dentre suas matérias. Reagan modificou o regime incorporando as agências ao Executivo, pois o Tribunal Supremo as reconheceram como 4º poder, já que não faziam parte nem do Executivo, nem do Legislativo e nem do Judiciário, não obstante possuírem as três funções juntamente. MASHAW, Jerry L. ; MERRILL, Richard A.; SHANE, Peter M. Administrative Law – the American Public Law System – Cases and Materials, 3. ed, St. Paul, West Publishing, 1992, p. 24 24 JUSTEN FILHO, op. Cit, p. 94 25 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampio. O poder normativo das agências reguladoras à luz do princípio da eficiência. In ARAGÃO, Alexandre dos Santos.(Coordenador). O poder normativo das agencias reguladoras, Rio de Janeiro: Forense, p. 206 26 Idem 23 27 Apesar da autonomia que detém, o governo influencia nas finanças, pois tem que fazer os repasses orçamentários, e Clinton as diminuiu no intuito de minorar o poder das agências. 1.2 Inglaterra 1.2.1 Breve histórico Constitucional da Inglaterra A Inglaterra possui uma Constituição histórica, não consubstanciada em apenas um texto, mas com várias origens na sua instituição político constitucional, não obstante não significa que não haja leis constitucionais escritas, mas que vão se construindo em uma longa evolução histórica, baseada nos costumes, no exercício tradicional de certas faculdades mantidas pela coletividade, punindo aos que as violarem.27 O primeiro dos textos a formar a Constituição inglesa é a Magna Charta que os barões do reino impuseram ao rei João Sem Terra em 1215, o qual foi vencido na guerra no continente, hostilizado pela Santa Sé e, sem recursos financeiros, teve que assinar um documento através do qual se comprometeria a respeitar os privilégios e liberdades dos três estados do reino, dentre eles havia a liberdade da igreja, as prerrogativas municipais, tributos moderados, a condenação apenas após julgamento por seus pares ou conforme o Direito do país.28 Esta carta foi seguida pelos sucessores do rei, entretanto poucos conheciam seu texto em latim, em virtude disso foi traduzida para o inglês no século XVI pelos homens cultos das classes privilegiadas, que invocavam e extraíam seu conteúdo político. 29 No século XVII, novas leis constitucionais surgem, num embate entre o rei Carlos I e o Parlamento, que queriam dominar um ao outro no comando da nação, tem-se o Petition of Right e o Bill of Rights. Seguem ao Carlos II, Jaime II e Guilherme III até que os Stuarts chegam ao fim. O petition of right protestava contra o lançamento de impostos pelo rei sem a consulta prévia do parlamento, prisões arbitrárias, uso da lei marcial em tempo de paz e o aboletamento de soldados em casas particulares. Enquanto o bill of rights determinava atos 27 CAETANO, Marcello. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional. 6.ed., Coimbra: Almedina, 2010, p.46 28 Idem 29 Idem 28 impedidos pelo rei por serem ilegais, por estar submetido ao direito proveniente dos costumes sancionados pelos tribunais, denominado direito comum ou common law, aplicados a todos indistintamente. Além disso, consagra o direito de petição, liberdade e inviolabilidade do parlamento no exercício de sua função e condena os tribunais de exceção.30 Depreende-se do texto das legislações que apesar de o rei representar a nação, nada poderia fazer sem a autorização do parlamento, o que demonstra o poder dos representantes do povo, reivindicando direitos e exigindo sua execução por quem assumisse o trono, o que representa uma tomada de consciência totalmente oposta à realidade brasileira, que sempre fez as vezes da coroa que nem sequer representava a etnia brasileira, mas impunha a exploração colonial desmesuradamente. A falta de identidade cultural, afeta sobremaneira a civilização brasileira, o vício de copiar instrumentos alheios, por sistemas jurídicos distintos, com histórias políticas totalmente diversas, a efetivação da democracia e o processo de constitucionalização que em nada reflete laços de semelhança. O pior é que diferentemente do que ocorre em diversos países estrangeiros, a ineficiência e o descaso dos membros da administração pública, sofrem mecanismos de punição extremamente leves, quando sofrem, em virtude da morosidade processual ínsita ao sistema punitivo brasileiro como um todo, seja na esfera administrativa ou criminal. Isto retoma o pensamento da ausência de eficácia das leis, do tratamento anti isonômico dado aos diversos representantes do povo em relação ao povo, da captura política e econômica31 em estágio agudo, que macula a justiça brasileira e que não tem o menor empenho em investir na luta pela conscientização popular, para que assim possam perpetuar os dois pólos da sociedade, os dominantes e os dominados. Este entendimento de diferentes consciências entre Brasil e Inglaterra é nitidamente perceptível na composição parlamentar inglesa, formada pela Câmara dos Lordes (titulares de títulos nobiliárquicos, juízes e arcebispos anglicanos), e Câmara dos Comuns (membros do povo eleitos por sufrágio universal e direto) e que fazem a vontade do povo, exigem instrumentos de responsabilização, e realizam a vontade da lei. 30 CAETANO, Marcello. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional. 6.ed., Coimbra: Almedina, 2010, p.46 31 A captura política ocorre quando uma autoridade política exerce influências sobre as ações das agências reguladoras, suas decisões terminam sendo prolatadas sem a necessária imparcialidade, prejudicando assim a qualidade da regulação. Da mesma forma a captura econômica, tende a objetivar a regulação por meio de vieses econômicos, assim a regulação é efetuada de acordo com a conveniência e os benefícios econômicos que o regulado oferece ao ente regulador, prejudicando sensivelmente o interesse dos consumidores cidadãos. 29 Hoje, o rei da Inglaterra não decide nada por si, mas sanciona as leis aprovadas pelo parlamento e seus próprios discursos tem que ter a aprovação do Primeiro Ministro, tendo, o rei, apenas o direito de ser informado de todos os atos e fatos importantes da vida política e o direito de aconselhar o governo. A preponderância atual se situa na Câmara dos Comuns, que tem o direito de aprovar as leis, ainda que contra os Lordes, pois sabe que a Coroa não negará sanção ante a popularidade, mas tecnicamente quem responde pela política geral do governo é o Primeiro Ministro. Seguindo as legislações posteriores no Reino Unido, tem-se o Act of setlement, submetendo a conquista do trono aos seguidores da religião anglicana. Mais adiante surge o Parlament act, restringindo o poder da Câmara do Lordes, o Statute of Westminster, estabelecendo relações entre o Reino Unido e as nações britânicas, o Ministers of Corwn Act, fixando o vencimento dos ministros, o Regency acts, tratando de poderes de regência em menoridade ou impedimento do rei, Life Peerages act, ao permitir títulos vitalícios aos nomeados lordes e o Peerages act permitindo escoceses tomarem assento na Câmara dos Lordes, já que foram pelos ingleses colonizados, fazendo parte da população inglesa.32 Outro aspecto importante na Inglaterra é o método de votação de projetos de lei, eis que o ponto de vista da maioria tem que corresponder ao resultado dos votos, e em não ocorrendo, o costume determina que o Primeiro Ministro reúna a população e questione se o voto parlamentar corresponde ou não à opinião pública, significando um exercício louvável da democracia. 1.2.2 Surgimento dos Quangos A partir de 1834, no Reino Unido, surgem as agências reguladoras emanando normas vinculantes em âmbito comercial, e em setores prestadores de ajuda e colaboração cultural à população. Uma espécie de ouvidoria denominada ombudsman também foi instituída para melhor controlar os atos das agências independentes, por meio de relatório pessoal com a prestação de contas ao legislativo. O ordenamento jurídico inglês é baseado no common law, não separa estado e sociedade, público e privado, ordinário e constitucional, não há tribunal constitucional nem qualquer maneira de reformar a Constituição. 32 CAETANO, op cit. 30 O Executivo é formado pelo governo, Conselho Privado e Coroa. No gabinete encontram-se o Primeiro Ministro e os demais Ministérios. O Reform Act foi fruto da vontade do Parlamento controlar o Executivo, porque os boards escapavam de seu controle, além do que não satisfaziam a todas as necessidades de serviços, a organização ministerial era rígida e ineficaz, então a comissão parlamentar concluiu por melhorar a eficiência dos departamentos ministeriais e as atividades que poderiam ser feitas fora da estrutura ali consolidada. Criaram novos boards, uma vez que os já constituídos lhes escapavam também em virtude do número excessivo, foi quando resolveram transformá-los em quangos. Limitou-se a responsabilidade do ministro aos resultados obtidos pela agência e grande parte da administração se converte em quango. O Informe Nolan objetivou analisar a conduta dos entes públicos e dos quangos. As agências se subdividem em dois organismos distintos, ambos fora da estrutura departamental, o NSA (Next Steps Agencies) e NDPB (Non Departamental Public Bodies) para gestão e execução dos serviços e políticas públicas definidas pelos ministros. 33 São detentoras de eficácia, neutralidade política, participação dos cidadãos e especialização técnica, com funções executivas, de assessoramento (Advisory Bodies), parajudicial (Comissions/Tribunals) resolvendo conflitos entre a administração e os cidadãos ou só os cidadãos, e reguladora, com personalidade jurídica, e capacidade jurídica. Adentram na área de consumo, comercial ou industrial, de saúde, tratam da formação de desempregados, concedem ajuda, distribuem fundos, investem e ordenam os gastos públicos com fins educativos, culturais e científicos, garantem direitos fundamentais. O Banco da Inglaterra serve como aparato para a estabilidade dos preços e para o apoio da política econômica do governo. Existe um registro de pessoas qualificadas a cargos nos quangos, selecionadas para o exercício, há necessidade de apresentação de contas anuais ao Legislativo, submetemse ao controle judicial e político. Apesar de ser insuficiente, o ombudsman investiga as queixas dos cidadãos sobre as deficiências da administração, suas recomendações vão para Comissão Parlamentar, mas nem todos os quangos se submetem ao ombudsman, que decide discricionariamente. As agências podem ser criadas pela Coroa, pelo Governo por meio de ato ou através de outro quango, não obstante seu objetivo é alvo dos mesmos problemas enfrentados 33 MARTINEZ, op. Cit. P. 37-84 31 em outros países, tais como clientelismo, captura e patronado, só que em menor proporção. Percebe-se que as agências começam agressivas, mas depois regulam em menor intensidade em virtude da falta de controle e de responsabilidade política. 1.3 França 1.3.1 Breve histórico Constitucional da França A França adota o modelo da civil law, e tem textos sucessivos em virtude das consequências que o movimento Iluminista resultou, pois com o obscurantismo dos séculos anteriores espalhou-se que a doutrina havia formulado erros grosseiros, e então para conter os erros do passado diversas outras ideias foram sendo postas, de modo que geraram inúmeros textos. A França passa, por várias fases históricas, monarquia limitada (constitucional), república democrática, ditadura e monarquia cesarista (absolutista). Obteve influencia ideológica de Montesquieu com a separação dos poderes e de Rosseau com a soberania popular e da Declaração Universal dos Direitos do homem e do cidadão, fazendo transmudar da monarquia absoluta para a constitucional, na qual o rei deveria confiar a execução das leis aos seus ministros. Diversas Constituições são lançadas, a de 1791, a de 1793, Constituição Jacobina com 377 extensos artigos, caracterizadores da I República, a de 1795. Segue-se ao golpe do 18 Brumário e Bonaparte resolve rever a Constituição, que resultou numa nova, a de 1799. Seguem-se as de 1802, 1804, 1814. Com a reforma de 1830, surge a de 1848 com a II República, a de 1852, a de 1870, a de 1875 com a III República, a de 1946 marcando a IV República, a de 1958 numa V República.34 1.3.2 Surgimento das Autoridades Administrativas Independientes A organização estatal francesa delineou-se com a Revolução de 1789, em virtude das reformas de Napoleão, eis que Bonaparte querendo criar um corpo burocrático e centralizado, e paralelamente órgãos consultivos colegiados, resolveu criar a Comissão de Controle dos bancos, como a primeira Autoridade Administrativa Independente (AAI). Estas 34 CAETANO, op. cit 32 não estão subordinadas hierarquicamente ao Executivo, não formam parte do Legislativo nem do Judiciário, isto se explica como um requisito de independência. Na França o que se observa é um pluricentrismo administrativo, uma ausência de personalidade jurídica das AAI, mas que tem o orçamento ligado aos Ministérios, porém escapam ao poder hierárquico, os únicos limites à autonomia é publicar um relatório de contas, não se limitando à regulação de setores econômicos ou de serviços públicos delegados a particulares, abrangendo a proteção de direitos fundamentais e dos cidadãos frente à administração pública. Há na França a reserva de lei e a reserva do regulamento autônomo, cabendo delegação de competência legislativa em matérias privativas do Parlamento para o Executivo e ainda o regulamento de execução no âmbito da reserva legal. A regulação social consiste em intervir em determinado setor e velar pelo correto funcionamento dele e pelo respeito dos direitos e liberdades que exercem por disfrutar de autonomia qualificada para o exercício de dita função. Estão livres de ordens e instruções governamentais com mecanismos de controle em alguns. A escolha das autoridades das agências é submetida a decisões executivas, e as AAI pertencem à administração do Estado, ainda que à margem da estrutura hierárquica, cujos atos quando contestados serão submetidos à jurisdição contenciosa. Não se submetem aos mecanismos ordinários de controle hierárquico. Gozam de neutralidade, eficácia e especialização técnica. Algumas delas possuem poder regulamentar e sancionador, mas não possuem personalidade jurídica, nem patrimônio próprio, atuando em nome do Estado, entretanto há proibição do Executivo lhe enviar ordens ou instruções. 35 Seus membros podem ser retirados pelo governo se houver algum impedimento para o exercício de suas funções, alguns cargos não podem ser renovados, já outros devido ao fato de não haver proibição, parte da doutrina entende que poderão ser renovados, mas a doutrina majoritária entende que não.36 Além disso, as AAI apresentam informes anuais de suas atividades ao Presidente da República e ao governo para levarem ao Parlamento, não 35 MARTINEZ, op. Cit. P. 221-222 Tendo em vista que a doutrina majoritária entende não haver a possibilidade de renovação de cargos, e em havendo disposição expressa de alguns cargos não renováveis, provavelmente não deve haver um quadro efetivo de funcionários no âmbito funcional das agências francesas. 36 33 havendo independência total como nos Estados Unidos, há controle interno político e jurídico.37 Possuem o Conselho de Estado como órgão jurisdicional38 recursal do contencioso administrativo, havendo 35 tribunais administrativos funcionando como órgãos de primeiro grau para a competência administrativa, exceto se for matéria cabível a um órgão específico. Existem ainda seis cortes administrativas de apelo para algumas matérias com a finalidade de aliviar a pesada carga do Conselho de Estado.39 A Corte de Contas também faz parte do contencioso administrativo, e tem como fim apreciar a disciplina financeira e orçamentária no que diz respeito às infrações no exercício da função pública de gestão.40 1.4 Brasil 1.4.1 Importação do modelo Norte-Americano Marçal Justen Filho atribui a introdução das agências reguladoras brasileiras a um fenômeno denominado Trobirand Cricket, o qual ficou conhecido em virtude de um documentário efetuado no ano de 1974 nas ilhas de Trobriand. Este documentário revelou que o críquete tinha sido objeto de aculturação pelos habitantes da ilha, quando os missionários ingleses amedrontados chegaram em Papua-Nova Guiné, no século XX, e se viram chocados com os hábitos dos nativos em virtude dos sangrentos combates entre os moradores de ilhas diversas e então resolveram canalizar positivamente as divergências introduzindo este esporte britânico de grande formalismo e tradição, destoando a cultura ali estabelecida e implementando costumes totalmente estranhos para se beneficiarem. Em 1974, o documentário revelou a nova realidade das Ilhas Trobriand. O críquete tinha sido objeto de um processo de aculturação marcante. Em primeiro lugar, eliminou-se o numero máximo de jogadores. Todos os habitantes da ilha participavam do jogo. A disputa era precedida e acompanhada de danças e cantos rituais, com os jogadores portando pinturas de guerra. Adotou-se a regra de que a equipe do local em que se realizava o confronto era sempre a vencedora. Os árbitros passavam a ser os feiticeiros da tribo local, os quais lançavam, enquanto a disputa ocorria, encantamentos para destruir os adversários. A expressão Trobriand Cricket passou a ser utilizada, no âmbito da Antropologia, para designar o fenômeno da transformação a que uma cultura menos desenvolvida impõe a instituições altamente sofisticadas, oriundas de um ambiente externo. O 37 MARTINEZ, op. Cit. P.221-222 Há uma jurisdição administrativa. Não há, portanto, um monopólio da jurisdição a cargo do Poder Judiciário. 39 JUSEN FILHO, op. Cit, p. 167 40 Ibidem, p. 168 38 34 resultado, usualmente, é um processo folclórico e delirante, em que o fenômeno externo é transformado e institucionalizado pela comunidade menos desenvolvida em termos absolutamente incontroláveis e imprevisíveis. 41 Assim, a ideia das agências reguladoras brasileiras proveio da influência do Interstate Commerce Comission – ICC, organismo regulador dos Estados Unidos criado pelo Interstate Commerce Act, com o objetivo de regular as tarifas de transporte ferroviário em meio a um monopólio natural abusivo dos carregadores, que se utilizavam da exclusividade para cobrar valores absurdos, conforme já apresentado anteriormente.42 Mas a sua fundamentação se deu a partir da década de 90, momento em que várias empresas estatais passaram para a titularidade dos particulares, fazendo necessária uma fiscalização sobre serviços de interesse público, embasada na defesa da livre concorrência e na busca da eficiência pela competição, bem como na contenção das falhas de mercado.43 Deixando ao estado o papel de subsidiário ao atuar apenas quando a sociedade não estiver apta à eficiência com as suas próprias forças.44 Ocorre que este instituto pautado no modelo americano nominado deregulation foi implantado com uma anomalia embrionária, posto que o histórico alienígena nada tem a ver com o nacional, a independência buscada pelo Brasil para elaboração de regulamentos de forma autônoma, contraria a nossa Constituição. O contexto da common law engendrado na civil law fez destoar o segmento nas vestes que hoje se inclina. Enquanto um se correlaciona com uma Constituição sintética, o outro é dotado de uma superconstitucionalização, donde praticamente tudo se encontra geral e abstratamente inserido na Carta Magna.45 Grau advoga o embasamento do direito posto no direito pressuposto a fim de legitimá-lo “(...) Cada modo de produção produz a sua cultura e o direito pressuposto nasce como elemento dessa cultura.(...)4647”, critica pois a inserção de um modelo extra cultural. 41 JUSEN FILHO, op. Cit, p. 287 SOUTO, Marcos Juruena Villela. As agências reguladoras e os princípios constitucionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 221 43 As falhas de mercado são aquelas provenientes da conduta abusiva dos agentes econômicos tendentes a burlar as leis da concorrência e do livre mercado, utilizando comportamentos anti concorrenciais, tais como a prática de cartéis(acordos abusivos entre concorrentes), monopólios (detenção de mercado por um única empresa), monopsônios (um comprador e vários vendedores), gerando externalidades negativas (malefícios coletivos), entre outras condutas abusivas ao interesse coletivo. Para conter estas falhas o Estado intervém sobre o domínio econômico penalizando os infratores das legislações econômicas. 44 Ibidem, p. 224 45 MASSONETTO, Luís Fernando. “Desregulação: em busca do senso perdido” In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Regulatório: temas polêmicos, 2. ed., rev e amp., Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 111 46 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, 7.ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2008, p. 64 42 35 Para Grau “A cada sociedade corresponde um direito, integrado por determinados princípios”. Explica o esquema da seguinte forma: a busca de “mais sociedade menos estado” supõe a substituição da regulação estatal (regulamentação) por regulações sociais. Aí, a deregulation dos norte-americanos, que designamos mediante o uso do vocábulo “regulação”. Como os norteamericanos usam o vocábulo regulation para significar o que designamos por “regulamentação”, deregulation, para eles, assume o mesmo significado que indicamos ao usar o vocábulo “regulação”; vale dizer: a deregulation dos norteamericanos está para a regulation assim como, para nós, a “regulação” está para a “regulamentação”.48 Na verdade, quando o Brasil importou tais agências, a Constituição de 1988 já havia sido promulgada, com rico teor material. Como não havia uma menção expressa da instituição das agências reguladoras, o legislador resolveu enquadrá-las como autarquias, e devido às peculiaridades distintivas em relação às demais autarquias, complementou sua nomenclatura como em regime especial, e devido à sua natureza autárquica integram a administração indireta. Odete Medauar expõe que a expressão autarquias de regime especial surgiu com a Lei 5540/68, de 28 de novembro de 1968, para demonstrar uma das formas institucionais das universidades públicas, eis que nem o Decreto 200/67, de 25 de fevereiro de 1967, havia estabelecido a distinção entre as autarquias comuns e as especiais. 49 Este caráter se dá em razão da escolha ou nomeação do dirigente da agência reguladora, diferindo de Celso Antônio Bandeira de Mello, que defende a peculiariedade em razão da investidura e fixidez do mandato, sabendo-se que o contrato de gestão será avaliado de seis em seis meses, cuja duração mínima é de um ano, e revisado sempre que renovar parcialmente a diretoria. 50 E acrescenta: A Constituição brasileira de 1988 determina que todos os entes e órgãos da administração pública obedeçam ao principio da legalidade (art. 37, caput); a compreensão do principio deve abranger não somente a lei formal, mas também os preceitos decorrentes de um estado democrático de direito, que é o modo de ser do estado brasileiro, conforme prevê o art. 1º, caput, da constituição; e ainda, deve incluir os demais fundamentos e princípios de base constitucional. Desse modo vincula-se a atividade administrativa aos valores que informam o ordenamento como 47 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agencias reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 25 48 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: intervenção e crítica. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 84, 90, 93 49 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 80 50 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2004,p. 156 36 um todo, associando-se, de modo mais estreito, o direito administrativo às disposições constitucionais.51 Se nos EUA não há de certa forma seguimento ao princípio da separação dos poderes, não podemos seguir uma incongruência em relação ao nosso sistema normativo, e assim acentua Clémerson Cléve: A missão dos juristas, hoje, é a de adaptar a ideia de Montesquieu à realidade constitucional de nosso tempo. Nesse sentido, cumpre aparelhar o Executivo, sim, para que ele possa, afinal, responder às crescentes exigentes demandas sociais. Mas cumpre, por outro lado, aprimorar os mecanismos de controle de sua ação, para o fim de torná-los (os tais mecanismos) mais seguros e eficazes. 52 Ora, se a modificação da vivência em sociedade gerar uma automática alteração na disciplina jurídica local, isto desencadeará a eliminação da legalidade e por consequência a ausência de segurança jurídica nos institutos pré estabelecidos constitucionalmente. Já basta a brevidade dos mandatos das agências a quebrar as políticas públicas de longo prazo estabelecidas pelo conselheiro da gestão anterior da agência, o que provoca este acervo normativo regulatório complexo e incompreensível. Somam-se ainda as interferências políticas nas decisões regulatórias que interpelam a tecnicidade da regulação sob o pretexto de não atenderem às aspirações populares, tornando diversas decisões inadequadas e tecnicamente indefensáveis. Além da atribuição dos cargos das agências aos formadores de núcleos de poder político gerando a verdadeira feudalização das estruturas burocráticas, eivando a regulação de subjetivismos, parcialidades e contradições com a técnica.53 Nota-se que a extinção das agências de certa forma não resolveria a solução do problema em tela, eis que a solução estaria baseada numa mudança de consciência, na assunção da identidade cultural jurídica brasileira, em meio à mobilidade social e política. Não cabe tratar como letra morta os ditames constitucionais, nem extrapolar o poder normativo conferido às agências, com o fito de burlar e usurpar direitos conferidos à administração pública, mas atuar nos estritos deslindes da lei, conforme determinado pelo egrégio tribunal na prolação da ADIN 1668. 1.4.2 Desestatização 51 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2003, p. 149 CLÉVE, Clémerson C. Atividade legislativa do poder executivo, 2 ed, São Paulo: RT, 2000, p. 44 53 CLÉVE, Clémerson C. Atividade legislativa do poder executivo, 2 ed, São Paulo: RT, 2000, p. 359 52 37 A definição de desestatização nada mais é do que a transferência da titularidade estatal de bens e na execução de serviços para a esfera privada, e que ocorreu em razão da dificuldade estatal em tutelar tantas atribuições simultaneamente, prejudicando a qualidade de sua disponibilização aos cidadãos. Esta definição vem insculpida no PND - Plano Nacional de Desestatização, proveniente da MP 155/90, de 12 de abril de 1990, convertida na Lei 8031/90, de 12 abril de 1990, revogada em 1997 pela Lei 9491/97, 09 de setembro de 1997, citado no Plano Diretor de 1995, cujo teor pode ser vislumbrado no trecho a seguir exarado: Art. 2º [...]§ 1º Considera-se desestatização: a) a alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade; b) a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade. c) a transferência ou outorga de direitos sobre bens móveis e imóveis da União, nos termos desta Lei. O Plano Nacional de Desestatização então nasceu por meio da Lei 8.031/90, em meio à reforma administrativa. Foi criado o Conselho Nacional de Desestatização, subordinado ao Presidente da República, com funções consultivas, indicativas das empresas a serem privatizadas e estabelece a gestão dos recursos brasileiros, deixando apenas ao BNDES como única entidade de financiamento a longo prazo do Brasil. A Lei ainda acrescenta as instituições sujeitas ao fenômeno da desestatização em seu art. 2º , o qual segue colacionado: Art. 2º Poderão ser objeto de desestatização, nos termos desta Lei:I - empresas, inclusive instituições financeiras, controladas direta ou indiretamente pela União, instituídas por lei ou ato do Poder Executivo; II - empresas criadas pelo setor privado e que, por qualquer motivo, passaram ao controle direto ou indireto da União; III - serviços públicos objeto de concessão, permissão ou autorização; IV instituições financeiras públicas estaduais que tenham tido as ações de seu capital social desapropriadas, na forma do Decreto-lei n° 2.321, de 25 de fevereiro de 1987. V - bens móveis e imóveis da União. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.16135, de 2001) Conforme se depreende, com a redefinição do papel do estado deixando de ser produtor para ser regulador e promotor, por meio da transferência de rendas e coleta de impostos, transferiu-se ao setor privado as atividades reguladas pelo setor público, gerando esta ação de desestatização, também conhecida como privatização.54 54 CLÉVE, Clémerson C. Atividade legislativa do poder executivo, 2 ed, São Paulo: RT, 2000, p. 359 38 Com o passar dos anos [...] a intervenção direta do Estado na economia teve um efeito perverso. O Estado foi lentamente acumulando funções e inchando o seu quadro, até tornar-se uma máquina pesada, difícil de administrar. [...] A consequência de tais fatos é o movimento político-econômico que visa: desregulamentar a economia, desestatizar os serviços prestados pelo Estado e reduzir as cargas impositivas, visando ao crescimento econômico. A ideia é fazer com que o Estado mude o papel na intervenção da economia, que ele deixe seu status de prestador e passe a atuar como regulador (alteração da regulação hierarquizada para uma regulação contratual). [...] A busca pelo Estado Regulador possui uma razão de ser, é essa razão, meramente econômica é simples de se explicar: o Estado não possuía mais capital para financiar todos os gastos necessários para prover os serviços essenciais para a sociedade. Como dito anteriormente, o Estado estava cada vez mais pesado (no início da década de 80 existiam mais de 530 empresas controladas pelo Estado brasileiro), sendo incapaz de cumprir suas obrigações.55 O PND ainda traça seus objetivos no art 1º : Art. 1º O Programa Nacional de Desestatização – PND tem como objetivos fundamentais:I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;II - contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida;III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada;IV - contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infra-estrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito;V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais;VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa. 1.4.3 Reforma do Estado A necessidade de mudança na estrutura, na dinâmica da máquina pública teve seus pilares em virtude das crises vividas na década de 20, marcada pela grande depressão que ocasionou a perda de crédito por parte do Estado, e nas décadas de 70 e 80 em meio à crise do petróleo que gerou o descontrole fiscal, proporcionando a redução das taxas de crescimento econômico, o aumento do desemprego, os elevados índices de inflação, a sobrecarga de demandas por parte da sociedade, a centralização e concentração de funções estatais, a rigidez 55 GONÇALVES NETO. As agências reguladoras e seu amparo constitucional . In: SOUTO; FARIAS; BRAVO (Org.) Direito empresarial público III, 1. Ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 19, 23, 24-27 39 dos procedimentos administrativos num estado eminentemente burocrático e ineficiente, com excesso de normas e regulamentos.56 A ineficiência da máquina pública, o inchaço das atribuições estatais já não satisfaziam aos anseios da sociedade cada vez mais complexa, as novas implementações de reforma se faziam necessárias nos três níveis da administração pública. Diante do quadro descrito, a década de 90 trouxe as ideias de reforma e reconstrução do estado, objetivando o resgate de sua autonomia financeira, com a implementação de políticas públicas, o ajustamento fiscal, a concorrência interna com o aumento da participação do capital privado, inclusive estrangeiro por meio da flexibilização dos monopólios e a competição internacional, a reforma da previdência, instrumentos de política social e melhoria na qualidade dos serviços, através de cinco emendas constitucionais57 imbuídas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado em novembro de 1995 no governo de Fernando Henrique Cardoso.58 Se fazia mister maior governança, com uma administração gerencial 59, flexível e eficiente, com redução dos custos, um sistema universal e estruturado de remuneração, carreiras, avaliação constante de desempenho, treinamento, controle de resultados, políticas públicas, descentralização dos serviços públicos, regime jurídico único, processo seletivo público, mas para isso, o Estado precisava se desencarregar das atividades de empresário para agir como regulador e gestor.60 Dentre os objetivos globais do plano havia o aumento da governança, limitação da ação do estado a funções próprias, transferência de ações locais da União para Estados e Municípios, e transferência parcial de ações regionais. Nos objetivos do núcleo estratégico se encontravam a maior efetividade, modernização, profissionalização, supervisão dos contratos de gestão e a criação de agências autônomas. No que concerne aos objetivos para atividades 56 http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf, p. 11, acesso em 14/06/2012 57 A EC 19-98, modificou a administração pública, em relação a política e a previdência. As EC 6-95,7-95 e 895, se referem à atuação do estado na atividade econômica, possibilitando a transferência para particulares prestarem serviços públicos, antes só reservados ao estado. 58 http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf, p. 11, acesso em 14/06/2012 59 Administração gerencial é aquela baseada na flexibilização dos princípios fundamentais, objetivando a definição precisa dos objetivos a serem atingidos pelo administrador, que deverá agir com autonomia, submetido a controle de resultados. Esta administração se contrapõe a administração patrimonial que estabelecia em época anterior que o estado era uma extensão do poder do soberano, no qual os cargos eram considerados prebendas e por conseqüência o nepotismo e a corrupção eram alarmantes, tornando-se com o passar do tempo inaceitável pela sociedade civil. 60 http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf, p. 11, acesso em 14/06/2012, p. 13-16 40 exclusivas do estado havia também a criação de agências autônomas, celebração de contratos de gestão, implementação de uma administração gerencial, com controle de resultados e controle social. E por fim, dentre os objetivos para serviços não exclusivos61 o plano traça a publicização, na qual o estado deixa de ser executor das atividades não exclusivas e passa a ser promotor ou provedor à entidade privada executora, dando-lhe maior autonomia e responsabilidade, com controle social direto, maior eficiência e qualidade62, e objetivos para a produção para o mercado com a privatização ou desestatização.63 A Reforma Administrativa ao implementar as agências reguladoras, juntamente com o processo de desestatização trouxe ampla autonomia para o exercício das atribuições destas entidades. 1.4.4 Processo de Agencificação Conforme vislumbramos em análise anterior, o período neo-liberal, demonstrou a busca de uma reforma estatal frente a dinamismos como a globalização, ineficiência na prestação de serviços, corrupção, restabelecimento da liberdade individual, privatização e desregulação. Todos estes fatores fizeram surgir então o fenômeno da agencificação, que nada mais é do que o aparecimento das ditas agências reguladoras. 64 Em alguns países da Europa, a agencificação foi institucionalizada e cognominada de autoridades administrativas independentes, como a França, Itália e Espanha. O Brasil, por sua vez, preferiu adotar o modelo de regulatory agencies dos Estados Unidos, posto que a autonomia é cabível quando não há inserção na estrutura estatal. Contudo, por ser uma autarquia, entidade criada através da descentralização governamental, ausente a subordinação ao Ministério correspondente, faz parte da Administração Indireta e, assim, inoportuna a independência. 65 61 Serviços não exclusivos são aqueles que o estado pode passar a sua execução para o particular, pois como o próprio nome denomina, não são da exclusividade única do ente público estatal na sua prestação, tal como o serviço de polícia, o qual apenas o estado pode realizar. 62 Na verdade o que se percebe na administração pública atual é que a eficiência e a qualidade, buscadas não passou de uma utopia, uma vez que a massificação no acesso dos bens e serviços prestados a população não caminhou juntamente com a sua qualidade, e isso pode ser observado pela quantidade de demandas reclamantes que o Procon vem recebendo anualmente. 63 http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf, p. 11, acesso em 14/06/2012, p. 45 64 Ibidem, p.30-36 65 Ibidem, p. 36. Na França, o termo “independente” parece inapropriado porque lá as agências estão submetidas ao Poder Executivo, diferente dos EUA, que não existia a princípio essa subordinação entre o governo e as 41 No Brasil, diversas agências reguladoras foram aparecendo, mas dentre elas apenas tem fundamento constitucional a ANATEL e a ANP, art. 21, XI e 177, §2º, III da CF/88, sob a expressão de órgão regulador, nomenclatura inclusive que deveria ser utilizada em nossa doutrina ao invés do uso do vocábulo americano “agência”. A instituição da ANP se deu por meio da Lei 9478/97, de 06 de agosto de 1997, tratando sobre a política energética nacional, e após foram acrescentados o gás natural e o biocombustível, como matérias primas reguladas por esta agência, além do petróleo já previamente existente, por meio da cópia do teor da Lei Nº 11.097/2005, de 13 de janeiro de 2005, tratando sobre a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira, cuja redação copiada no art. 7º hoje dispõe: Art. 7o Fica instituída a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves - ANP, entidade integrante da Administração Federal Indireta, submetida ao regime autárquico especial, como órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, vinculada ao Ministério de Minas e Energia. (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005) Parágrafo único. A ANP terá sede e foro no Distrito Federal e escritórios centrais na cidade do Rio de Janeiro, podendo instalar unidades administrativas regionais. Apesar das demais agências não estarem previstas no texto constitucional, o processo de agencificação vem sendo utilizado desde a década de 90, não obstante as críticas, em meio às mudanças no papel do estado, mediante a regulação conferida às agências reguladoras em vários setores prestadores de serviços públicos e atividades econômicas por empresas privadas. agências, eis que estas eram reputadas como um quarto poder. E o Brasil, por copiar a denominação americana também erra a partir do momento em que se observa que nossas agencias fazem parte da administração indireta e assim estão dentro da administração pública e do Poder Executivo. 42 CONCLUSÕES PARCIAIS No primeiro capítulo, vimos que a origem das agências reguladoras encontra substrato nos direitos norte-americano, inglês e francês. O direito brasileiro, por sua vez, resolveu copiar o modelo norte-americano de agências, em virtude da maior autonomia que suas agências gozam, porém não observou que o sistema jurídico americano, além de não utilizar o Princípio da separação de poderes de forma contundente, permite o uso dos regulamentos autônomos, afora possuir uma constituição bastante sintética e díspare do sistema jurídico brasileiro. Sendo assim, diversas incongruências são demonstradas, eis que os atos normativos das agências brasileiras não tem o poder de inovar juridicamente, cerceando direitos por meio de suas decisões, enquanto deveriam apenas detalhar matérias, que já foram tratadas por leis de superior hierarquia, que se submeteram a processo legislativo, respeitando as regras constitucionais rígidas de nosso Direito. Neste ínterim, o pensamento de Kelsen a respeito da hierarquia das normas é elencado, assim como as idéias de Eros Roberto Grau, quando aborda a relação entre os direitos postos e pressupostos, ao demonstrar a necessária conexão entre estes, contrariando a prática de copiar sistemas jurídicos estrangeiros inadequados à realidade do Brasil. O sistema inglês é comentado, tendo em vista elencar a origem da independência norte americana, por ter sido colonizada pelos britânicos. E o sistema francês é demonstrado em virtude da adoção do mesmo modelo constitucional brasileiro, o da civil law, porém há uma particularidade no sistema francês, que o sobressai em relação aos demais países em estudo, que é a adoção do sistema de jurisdição dual, por meio do contencioso administrativo. O que se denota do estudo das agências reguladoras estrangeiras em relação às brasileiras, é a efetiva representação popular no Parlamento nos países de fora, enquanto isso no Brasil, o que se percebe é uma representação maquiada, em razão da ausência de interesse público na prolação das leis. Além disso, no Brasil, diferentemente dos outros países, não existe uma efetiva participação social na luta pelos direitos civis e políticos, mas apenas uma inércia para que os órgãos incumbidos na defesa dos direitos coletivos efetivem este mister. O processo de desestatização bem demonstra a influência que os estudiosos da época, inseridos nos altos cargos da administração pública brasileira, receberam dos 43 americanos, quando estudavam suas teorias nos cursos de extensão que participavam nos EUA, e que aplicavam posteriormente na política administrativa brasileira, provocando a Reforma Administrativa de 1995. Esta reforma trouxe o surgimento das agências reguladoras brasileiras, para fiscalizarem as atividades públicas não exclusivas transferidas ao setor privado por meio de concessões, e em razão da crise econômica e financeira vivida na época que provocou o processo de privatizações. 44 2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE BRASILEIRA 2.1 As dificuldades referentes ao Princípio da Legalidade no Brasil Sabendo-se que o princípio da legalidade é um dos pilares do Estado de Direito, consubstancia uma organização estatal com condutas previamente estabelecidas na lei, impedindo atos não admitidos pelo ordenamento jurídico vigente. Este princípio envolve grandes questões jurídicopolíticas, como o constitucionalismo, o positivismo jurídico, os direitos fundamentais do homem, como a liberdade e a individualidade. Entretanto, o Estado de Direito vem adotando a extensão normativa de suas funções, mediante três vertentes ontológicas: pautado em leis resultantes de um procedimento previsto e aceito pela sociedade civil organizada; fundamento político da luta pela lei como fruto do conflito social de interesses harmonizados mediante a prática da justiça; mas desencadeando uma inflação legislativa desvalorizadora da lei.66 Nota-se que a evolução da preferência da lei como “autovinculação” do poder executivo e da administração a uma forma de ato legislativo desencadeou o ato governamental de produzir leis, enquadrando-nos numa verdadeira crise legal na busca de maior eficiência.67 Observe que este direito normativo em expansão ocorre tanto na ordem interna como na internacional, inclusive alguns autores vem analisando a hipótese de que a lei passa por um período de transformação conceptiva num Estado pós moderno baseado na complexidade da realidade com um rompimento do dogmatismo em favor do pragmatismo, com maior flexibilização do conteúdo normativo, uma hierarquia legal estanque dando lugar aos standards, cada vez mais sistematizadores dos comportamentos sociais em adaptação. 68 Absorve-se a racionalização pela produção normativa, em virtude da tendência de maior codificação do Direito em conjunto com a crescente descentralização do poder normativo em virtude da valorização da técnica legislativa. Neste ínterim, o Princípio da 66 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O principio da legalidade. Revista da Procuradoria Geral do Estado. São Paulo: Revista dos Tribunais, junho, 1997, p.16-19 67 GUERRA, Glauco Martins. O principio da legalidade e poder normativo: dilemas da autonomia regulamentar. In: ARAGÃO, Alexandre dos Santos op. cit. P. 73-74 68 Ibidem, p. 76 45 Legalidade ressurge como um novo elemento de equilíbrio no ordenamento excessivamente normatizado e regulado.69 Esta nova ordem legal possui dois preceitos fundamentais: o Princípio Democrático e o Estado de Direito. Com relação ao primeiro, temos a lei proveniente da decisão resultante do conflito de interesses sociais, enquanto o Estado de Direito tem a lei como instrumento material para o desenvolvimento da atividade administrativa, e como garantia contra o abuso de poder.70 Isto traz legitimidade a lei, na medida em que há participação popular na sua elaboração, impedindo que ela seja abusiva, e distante da realidade, eis que o poder público deve ser baseado estritamente na legalidade administrativa. É importante distinguir lei em sentido material e lei em sentido formal, classificação esta surgida no século XIX, pela doutrina alemã. Lei em sentido formal é todo ato do Legislativo ou de qualquer outro órgão com competência para emitir normas, mas em respeito ao procedimento específico e exteriorizado por determinada forma. Enquanto a lei material é decorrente do Legislativo no exercício de sua função típica. Neste sentido, toda lei em sentido material é também lei em sentido formal. Assim a medida provisória e a lei delegada, por serem produzidas pelo Executivo não são qualificadas como leis formais, mas tão somente como atos equiparados à estas conforme a doutrina nacional.71 Enquanto a legalidade determina o respeito à lei, a reserva de lei estabelece a regulamentação de algumas matérias unicamente por lei formal. Na legalidade há o ordenamento da hierarquia de fontes normativas, ao passo que a reserva legal há o estabelecimento destas.72 Canotilho aborda uma percepção distinta em relação ao Princípio da Legalidade. Tece comentário sobre a diferença entre os seus sentidos positivo e negativo: É positivo porque a administração pública detém a lei como bússola para atuar, restando espaços de manobra devidamente controlados para ações que fujam dos limites da liberdade política. De seu turno, a legalidade se faz negativa sob a ótica de que a administração pública nada pode fazer, senão aquilo que está previsto em lei. 73 69 GUERRA, Glauco Martins. O principio da legalidade e poder normativo: dilemas da autonomia regulamentar. In: ARAGÃO, Alexandre dos Santos op. Cit, p. 76-77 70 Idem 71 CARDOSO, Henrique Ribeiro. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 27-28 72 DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20 ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 421 73 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3 ed., Coimbra: Almedina, 1999, p. 87 46 Lei é sob a ótica de Bulos, “a norma geral e abstrata de comportamento, aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo” e acrescenta que qualquer comando estatal deve nascer de uma lei em sentido formal 74. Percebe-se que ninguém é obrigado a fazer nada senão em virtude de lei, conforme dicção do art. 5º, II da CF/88, que só admite imposição de obrigação através de ato legislativo típico, e que a Administração Pública tem suas condutas balizadas no Princípio da Legalidade, conforme o art. 37 da CF/88, as condutas administrativas ficam adstritas unicamente aos comandos legais. É importante observar que a legalidade deve ser diferenciada da reserva de lei, e conforme José Afonso da Silva, a reserva de lei é bem mais rigorosa que a legalidade, mas se subdivide em absoluta e relativa, assim como a lei. Para a reserva de lei absoluta apenas se admite que as leis sejam provenientes do Poder Legislativo em sua função típica, inadmitindo qualquer outra fonte infralegal ou subordinada, já a relativa, admite outra fonte diversa da lei formal. 75 Em virtude disso, não se pode reconhecer direito atribuído ao setor público que não contenha previsão legal. Isto nos leva a crer que determinadas atribuições praticadas por algumas entidades, são alvo de pesadas críticas pela doutrina, como a elaboração de atos normativos em razão do poder normativo que autoriza o detalhamento maior da lei para fins de melhor administrar as necessidades públicas de forma mais prática e célere. Ocorre que as críticas neste sentido, intervêm na condição de elaboração em demasia de atos normativos que tomam o papel da lei superior, ao trazer conteúdo inovador na área regulada pela agência reguladora, desobedecendo à hierarquia das normas ditadas por Hans Kelsen e utilizadas em nosso sistema jurídico constituído. Na doutrina brasileira, há dissidência de nomenclatura no que tange ao poder da administração pública de emitir atos. Para Alexandre dos Santos Aragão, por exemplo, se denomina poder normativo, enquanto para outros como José dos Santos Carvalho Filho, o referido poder se cognomina regulamentar, que o define sua base como “mecanismo de complementação das leis indispensáveis a sua efetiva aplicação” e o define como “prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais para complementar a 74 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 85, SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 11. Ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 402 75 47 lei” 76. E há autores ainda como Leila Cuéllar, que ora o denomina poder normativo, ora o denomina poder regulamentar: No Brasil o que existe é um poder normativo/regulamentar diverso daqueles que existem em outros países. Trata-se de um poder temperado, adaptado ao sistema jurídico brasileiro, não podendo (i) inovar de forma absoluta, ab ovo, na ordem jurídica, (ii) contrariar a lei e o direito, (iii) desrespeitar o princípio da tipicidade, (iv) impor restrições à liberdade, igualdade e propriedade ou determinar alteração do estado das pessoas; (v) ter efeito retroativo (em princípio). 77 Por meio de uma breve análise, percebemos que de acordo com o art. 84, IV da CF/88 o poder para emitir regulamentos é de competência privativa do chefe do executivo, podendo em casos específicos ditados no parágrafo único do artigo em comento, delegar as funções constantes nos incisos VI, XII e XXV primeira parte aos Ministros de Estado, ao Procurador da República ou ao Advogado Geral da União, o que demonstra a impossibilidade de outros órgãos da administração pública, que não os elencados no artigo editarem regulamentos para fiel execução, isto é, para viabilizar a aplicação de uma lei, esclarecendo pormenores e instituindo procedimentos, o que proporciona comentários no que tange a invasão de competência por parte das agências reguladoras.78 Para Eros Grau, há três tipos de regulamentos: os de execução, consubstanciados no art. 84, IV da CF, que trata da função normativa do Executivo; os autorizativos, que provem de atribuição explícita de função normativa por meio de ato legislativo e os autônomos ou independentes como atribuição implícita do Executivo pela CF. 79 Enquanto isto,80 Leila Cuéllar não defende ser razoável discussão entre a admissibilidade ou a negação do regulamento autônomo, mas sim efetivar controle sobre estes, para coibir os abusos que venham a existir mediante sua utilização. De acordo com a lei explicitamente, é proibida a utilização de regulamentos autônomos no âmbito da administração pública, seja quem for o autor de tal mandamento, eis que isto atingiria frontalmente o Princípio da Legalidade, o qual impede que normas de inferior hierarquia inovem no mundo jurídico, mas tenha tão somente o papel de esmiuçar 76 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25. Ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.55 77 CARDOSO, Henrique Ribeiro. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 142 78 SILVA, Clarissa Sampaio. Legalidade e Regulação. Belo Horizonte:Fórum, 2005, p. 64 79 Ibidem, p. 65 80 SILVA, Clarissa Sampaio. Legalidade e Regulação. Belo Horizonte:Fórum, 2005, p. 65 48 matérias já albergadas por uma lei, que como exigível pela Carta Maior, sofreu um minucioso processo de elaboração, por meio da participação das duas casas legislativas, com posterior sanção presidencial, para por fim torná-la vigente diante de todos os cidadãos. Neste condão Marçal Justen Filho, reconhece a validade da ampla competência normativa para complementar a lei, ou seja, cabível seria a conduta da administração no que pertine a uma melhor explicitação do que a lei definiu anteriormente. Para este autor, a competência normativa abstrata encontra fundamento na discricionariedade: a discricionariedade não se afigura apenas como manifestação de competência para editar algumas normas concretas e individualizadas, destinadas a regular situação determinada entre sujeitos específicos. A discricionariedade também pode exteriorizar-se como fundamento para edição de normas gerais. 81 Seria cabível a administração pública escolher a melhor alternativa na implementação da política pública respaldada na lei, por meio do exercício da competência discricionária atribuída às agências. Leila Cuéllar salienta que não há aqui menção à delegação legislativa, eis que esta atende aos requisitos de excepcionalidade e temporariedade, o que não é característico na atividade de fiscalização e regulação pelas agências, mas ela admite que o poder regulamentar pode ser exercido por outros órgãos da administração que não o Presidente e os Ministros de Estado. Reconhece-se atualmente que o poder regulamentar pode ser exercido não somente pelo Presidente da República, mas também pelos Ministros de Estado e por outros órgãos e entidades da Administração Pública, como as autarquias. Portanto, as agências examinadas, autarquias integrantes da Administração Indireta, podem deter competência regulamentar.82 Observa, porém, que se trata de um poder normativo/regulamentar temperado, adaptado ao nosso sistema jurídico, encontrando óbices no que tange a inovação absoluta, a contrariedade à lei, ao desrespeito ao princípio da tipicidade, a imposição de restrições à liberdade, igualdade e propriedade, a alteração do estado das pessoas.83 Conforme se vislumbra na CF/88, o Brasil não adotou a figura do regulamento autônomo, mas tão somente os regulamentos de mera execução constantes no art. 84 IV da CF, tecendo a doutrina teses no sentido de reconhecer ou não a delegação de competência às 81 JUSTEN FILHO, Marcal, op. cit., p. 519 CUÉLLAR, Leila. As agencias reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001, p. 117 83 Ibidem, p. 142 82 49 agências reguladoras quando emanam atos administrativos ou se há nítida invasão de competência do chefe do executivo e de seus delegados. Para Leila Cuéllar, não existe esta delegação legislativa do poder normativo das agências reguladoras, pois incompatível com a natureza administrativa destas entidades, soma-se a isto o caráter da provisoriedade que a delegação possui, não podendo conciliá-la com a constante atribuição às agências que devem regular a todo tempo. Para Eros Grau, a função normativa pode ser legislativa e regulamentar, nesse sentido ela pode emanar atos primários, bem como secundários, abrangendo a possibilidade de inovação no ordenamento por parte do Executivo, desde que previstos em lei, cite-se a medida provisória como exemplo, sujeita à conversão em lei pelo Congresso Nacional.84 Para Geraldo Ataliba regulamento especificamente significa ato administrativo normativo, veiculado por decreto, expedido no exercício da função regulamentar, contendo disposições, dirigidas aos subordinados do editor, regulando (disciplinando) o modo de aplicação das leis administrativas, cuja execução lhe incumbe. 85 O regulamento não deve ser confundido com o ato normativo proveniente do poder normativo da administração pública, que prolata resoluções, portarias, instruções, os quais são ainda inferiores ao próprio regulamento, entretanto não se pode desconhecer que ele está situado dentro da função normativa do Executivo, classificado como um dos degraus da categorização kelseniana, mas é função específica do Chefe do Executivo, e conforme o Princípio da Simetria das Formas, pode ser utilizado nas outras esferas da Federação, entretanto em nenhum momento há expressamente previsão constitucional de delegação deste poder a outro órgão da administração pública. Para Eros Grau há quatro tipos de regulamentos: os executivos, suficientes para a fiel execução das leis; os delegados, emanados do Executivo por delegação; os autônomos, que consubstanciam inovação na ordem jurídica, que não é aceito pela doutrina brasileira e os de urgência ou necessidade, que emanam do Executivo em situações excepcionais. 86 Insta comentar sobre a lei que apenas permite os regulamentos de execução, e não reconhece a delegação na elaboração de regulamentos a terceiros que não o chefe do executivo, salvo os casos citados por lei. Por outro lado é reconhecido o poder normativo no 84 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, P. 241 85 ATALIBA, Geraldo. Poder regulamentar do Executivo. Revista de direito público, ano XIV, janeiro/junho 1981, nºs 57-58, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 187 86 GRAU, op. cit. pp. 244-245 50 âmbito da administração pública, para elaborar atos administrativos que atendam às necessidades da sociedade de maneira mais célere e próxima da realidade, neste contexto utilizará da discricionariedade técnica que lhe é peculiar. Nas palavras de Moreira Neto: Discricionariedade é a qualidade da competência cometida por lei à Administração Pública para definir, abstrata ou concretamente, o resíduo de legitimidade necessário para integrar a definição de elementos essenciais à prática de atos de execução voltados ao atendimento de um interesse público específico.87 Glauco Martins advoga no sentido de destacar outros pontos da discricionariedade como a incapacidade da lei em prever e em ordenar todos os aspectos sociais de ingerência da Administração Pública; assim como a necessária margem de atuação flexível da Administração, inclusive mediante a edição de atos normativos; a concretude dos atos abstratamente regulados por uma lei geral; a agilidade administrativa em razão do contato mais próximo com a realidade, em comparação com o Poder Legislativo.88 Assim, deve a administração pública, utilizar este respaldo legal, e atuar mediante os elementos necessários para a execução do interesse público, analisando conforme os critérios de oportunidade e conveniência, ou seja, de mérito administrativo, a melhor opção possível para o benefício da coletividade. Importa analisar a densidade da matéria para que possa estar albergada antecipadamente na lei. Por isso, a importância da Teoria da Essencialidade, trazida pela doutrina alemã, bem como a Teoria da Reserva da Densificação Normativa demonstrada pelo professor Francisco Cavalcanti, e que serão estudadas mais a frente, a fim de aferir legitimidade aos atos normativos no âmbito das agências reguladoras, quando respeitam os limites necessários. Moreira Neto entende a realidade como adequada ao modelo francês de deslegalização, délégation de matiéres, adotado no ano de 1907, na França pela jurisprudência do Conselho de Estado. Entende o autor que o constituinte brasileiro de 1988 para resolver a discussão definitivamente transferiu para entes ou órgãos públicos a função de disciplinar, por normas, alguns setores, tais como o art. 96, I, a, o qual transfere do Legislativo ao Judiciário a competência para dispor sobre seus órgãos; o art. 207, I, que transporta do Legislativo para 87 88 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.37 GUERRA, Glauco Martins. Op. cit., p. 83 51 entidades desportivas dispor sobre sua organização e funcionamento; e o art. 207 caput que passa do Legislativo às Universidades dispor sobre matéria didático-científica.89 Para Alexandre de Moraes as delegações legislativas para o Executivo se dão em virtude da ausência de tempo do Parlamento, detentor de enorme quantidade de demandas, além disso, pelo caráter técnico de algumas matérias e a necessária flexibilidade e celeridade na edição da legislação delegada em situações de urgência, sendo crucial a descentralização de papéis em confronto com a inviável separação rígida dos poderes.90 Para o autor, as agências reguladoras irão receber do Executivo delegação para exercer a regulação, mediante a prévia fixação pelo Congresso Nacional dos standards embasadores de sua estruturação e fiscalização. Alexandre dos Santos Aragão também critica esta absoluta separação de poderes, afirmando inexistir tal separação, e sim variáveis de acordo com o momento histórico e as circunstâncias políticas, tratando a outorga pelo estado de poderes normativos como uma prática universal, devendo ser utilizada para garantir a proteção da coletividade, mantendo-se sempre a possibilidade de interferência do legislador. 91 O citado autor ainda defende que a competência normativa não é privativa do Presidente da República, podendo ser atribuída a outros entes da administração pública, na medida em que reconhece que os atos normativos das agências reguladoras (é assim que ele as chama) são denominadas espécies de regulamentos, não devendo haver profusão de nomenclaturas que apenas atrapalham e confundem ainda mais o entendimento acerca do tema, e acresce que a relação entre a lei e a norma da autoridade independente por ser atípica leva a questionamentos em relação à subordinação destas àquelas, reconhecendo que a normatização da agência tem caráter primário.92 Isto, entretanto, vai de encontro ao que prega a doutrina brasileira, pois seria um absurdo admitir o uso de regulamentos autônomos em nosso ordenamento, o que de fato não existe expressamente e que, portanto, não deve ser acatada. Para Aragão, se a administração deve prestar serviço fim, não teria porque não regulamentar serviço meio, referindo-se aqui a teoria dos poderes implícitos norte americana, que diz: “Tudo que for necessário para efetivar uma norma constitucional deve ser 89 GUERRA, Glauco Martins. Op. Cit, p. 121-123 MORAES, Alexandre de. Agências Reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002, p. 17 91 ARAGÃO, Alexandre dos Santos. Agências reguladoras e a evolução direito administrativo econômico. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 371-376 92 Ibidem, p. 397-408 90 52 considerado implícito e subentendido – seja uma proibição, restrição ou concessão de poder”.93 Esta atribuição não tornaria tais entes com competência ilimitada em virtude da possibilidade de controle de seus atos no que diz respeito a sua constitucionalidade. Conforme o referido autor, as normas das agências são regulamentos de execução, podendo complementar as leis ou inovar no ordenamento jurídico, não devendo ser enquadrado como delegação legislativa, se afiliando assim à atividade de deslegalização. 94 De acordo com o pensamento de José dos Santos Carvalho Filho, os atos administrativos podem ser originários e derivados, devendo o poder regulamentar ser classificado como detentor de natureza secundária ou derivada, pois só é exercido à luz de lei preexistente, enquanto as leis constituem atos de natureza originária ou primária, eis que emanadas diretamente da Constituição. O poder regulamentar é típico da atuação administrativa de complementação das leis. Outros exemplos de atos derivados são instruções normativas, resoluções e portarias.95 A crescente complexidade das atividades técnicas da Administração, deu azo ao fenômeno já aventado por Aragão acima, o da deslegalização, mediante o qual a competência para regular certas matérias se transfere da lei para outras fontes normativas, saindo do domaine de la loi para o domaine de l´órdennance, todavia a referida delegação se sujeita a limites, que no Direito americano se chama delegation with standards, delegação com parâmetros, que são determinados pela lei.96 A deslegalização estaria no terceiro tipo da classificação trazida por García de Enterría, quando enumera três espécies de delegação normativa: a receptícia, segundo a qual o Legislativo transfere função de sua alçada para que o Executivo o faça, como exemplo tem-se o art. 68 da CF; a remissiva, quando há remessa por lei de normatividade ulterior, quando a própria lei enquadra a matéria remissiva, como exemplo, temos os regulamentos do executivo e o terceiro seria a deslegalização, com a retirada de matérias do legislativo para o executivo.97 Esta última é tida por Marçal Justen Filho como delegação imprópria e inconstitucional, eis que vedada pela CF/88.98 93 ARAGÃO, Alexandre dos Santos. Agências reguladoras e a evolução direito administrativo econômico. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 72 94 ARAGÃO, Alexandre dos Santos, op. Cit., p. 420 95 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25. Ed. São Paulo: Atlas, 2012, p 55-56 96 Ibidem, p. 57 97 ENTERRÍA, Eduardo García de. apud MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op.cit, P.164-166 98 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agencias reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, P. 497 53 Sundfeld defende a efetivação de supervisão ministerial sobre as agências reguladoras, pois elas não fazem nada mais que seu papel, ao tratar das especificidades de forma direta, por meio de planejamentos interventivos, na busca da proteção social e desenvolvimentista, pois negar o poder normativo às agências é negar a regulação. A dificuldade está em saber definir o conteúdo mínimo da lei, ao utilizar standards suficientes e não mínimos, possibilitando o atendimento das necessidades públicas por meio dos regulamentos de execução emanados pelas agências conforme visão do autor.99 Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, não há constitucionalidade na edição de normas pelas agencias reguladoras, eis que o art. 84, IV da CF/88 inadmite regulamentos autônomos, a competência do Presidente da República é indelegável e o Princípio da Legalidade apenas admite ser feito algo se uma lei de antemão determinar a obrigação.100 Em virtude disto, não pode o ato normativo contrariar a lei, nem criar direitos e obrigações, porque assim estará infringindo o art. 5º, II da CF/88. Como maneira de coibir os atos normativos abusivos, o art. 49, V da mesma Carta, define que ao CN cabe sustar atos que exorbitem dos limites de poder atribuídos ao Executivo. No que tange ao controle judicial se o ato é contra legem cabível será o controle de legalidade. 101 O art. 37 da Carta Maior divide a estrutura administrativa em autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, não englobando o termo agência reguladora, a qual surgiu no Brasil nos anos 90, posteriormente a Constituição de 1988, tornando-a um termo estranho às entidades relacionadas constitucionalmente. O doutrinador resolveu enquadrá-las como uma autarquia, mas com peculiaridades que as tornam submetidas a regime especial, em razão da maior parcela de autonomia que lhes caracteriza, resolvendo a princípio a questão. Para a criação de uma agência reguladora deve haver criação por iniciativa privativa do Chefe do Executivo, e que seja formalmente efetivada por lei específica, mediante as determinações dos arts. 37, XIX e 61, §1º, II da CF/88. 102 De certa forma, a atividade de regulação é encontrada na seara constitucional nos termos do art. 174 da CF/88. 99 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2002, p.27-28; FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estudos, documentos, debates: reforma do Estado: papel das agências reguladoras e fiscalizadoras, nº18, São Paulo:FIESP/CIESP e Instituto Roberto Simosen, 2000, p.12-19 101 Ibidem, p. 59 102 WILLEMAN, Flávio de Araújo. Responsabilidade Civil das Agências Reguladoras, Rio de Janeiro:Lumen Júris, 2011, p. 53 100 54 Para Marcos Juruena Villela Souto, a CF/88 traz como mecanismos de intervenção estatal na economia: o planejamento do desenvolvimento econômico no art. 174, §1º; o incentivo no art. 174; a repressão ao abuso de poder econômico no art. 173,§4º e a exploração direta da atividade econômica no art. 173. No primeiro artigo percebemos a atividade de planejamento levando em consideração as necessidades públicas e a possibilidade de oferta na solução das carências regionais e locais. No segundo caso, há uma aplicação de reforço por parte do poder público sobre o particular com a atividade de fomento e contenção das carências porventura existentes no setor reforçado. No terceiro caso, abstrai-se prática abusiva e anticoncorrencial dos agentes econômicos que tem o condão de gerar falhas no mercado, prejudicando terceiros através de suas práticas ilegais. E o último caso trazido pelo autor, bem elenca o Princípio da Subsidiariedade do Estado, em virtude das privatizações e delegação de funções na exploração do mercado e prestação de serviços públicos concedidos pela Administração, que agora atuará apenas como fiscal e reguladora destas prestações, excetuando-se as hipóteses de extremo interesse público, casos em que o próprio poder público irá prestar o serviço. Ele adota a mesma posição de Egon Bockman Moreira, enfatizando que o regulamento autônomo deve ser acolhido em virtude de a administração reordenar as atribuições, e ainda que esteja em âmbito legal, a superveniência de lei revoga o regulamento que relata algum comando distinto da lei posterior, e em sendo matéria da administração pública, a iniciativa legislativa carece de legitimidade.103 Para Souto, as leis não mais atendem aos ditames da sociedade sendo necessárias normas que abordem as especificidades, e que realizem o planejamento dos setores demandantes de regulação, viabilizem a intervenção do Estado garantindo o cumprimento ou realização dos valores.104 Entretanto, é válido salientar que o argumento supra citado apenas tem cabimento no sistema francês, que atribui de fato competências unicamente à administração pública, desconhecendo seu tratamento por iniciativa de lei, não obstante no Brasil, isto é 103 MOREIRA, Egon Bockmann. Agências Administrativas, Poder Regulamentar e o Sistema financeiro. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, out-dez, 1999, p. 102-103 104 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 233 55 inconcebível, pois tudo parte do Princípio da Legalidade, a hierarquia de Kelsen utilizada por nós, impede que uma norma de inferior hierarquia se sobreponha a uma que esteja em patamar superior. Em nossa realidade, todas as decisões técnicas das agências reguladoras deverão sofrer controle, para impedir, tanto o abuso de poder normativo, quanto a invasão da competência legislativa. Neste sentido observa Paulo Roberto Ferreira Motta que há duas opções a serem seguidas: ou se segue à Constituição e se reputam as agências reguladoras por total incompatibilidade entre ambos ou se admite o exercício da atividade normativa unicamente no que diz respeito a assuntos técnicos atribuindo-se um intenso controle sobre estas atividades, por meio da relativização da constitucionalidade das normas das agências. 105 É a visão de García de Enterría e Ramon Fernandes, citados por Justen Filho: “chegada a hora de deixarmos de debater sobre a existência ou não de regulamentos autorizados (ou por delegação), para voltarmos nossas preocupações aos métodos de controle dessa modalidade de poder normativo.”106 Na visão de Sérgio Varella Bruna, temos também duas posições na admissão do papel das agências reguladoras quando elaboram atos normativos: adotando-se a posição dos EUA, mediante a autorização legislativa de complementar leis sob leis standards que precisam ser complementadas pelas normas das agências, neste sentido se posiciona Eros Grau: “regulamentos autorizados, que são os que, decorrendo de atribuição do exercício pleno daquela função – nos limites da atribuição – pelo Executivo, inclusive com a criação de obrigações de fazer ou deixar de fazer alguma coisa.”107 Ou, adotando-se o modelo francês de possibilidade de regulamento autônomo, atribuindo-se no plano constitucional maior competência normativa para o Executivo. A Constituição Portuguesa, diferentemente da brasileira admite tanto as autoridades administrativas independentes quanto os regulamentos autônomos nos arts. 267, 3º, e 112, 6º e 7º respectivamente, havendo legitimidade na instituição destes entes no sistema de governo português. Enquanto o Brasil, apesar de se referir a órgãos reguladores, nos arts. 21, XI e 177 §2º, III, não trata de sua independência e muito menos as denomina como agências, levando a discussão sobre a legitimidade e o cabimento destes entes no sistema jurídico brasileiro. As 105 MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. Agências reguladoras. Barueri, São Paulo: Manole, 2003, p.182 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo. Dialética, 2002, p. 502 107 GRAU, Eros Roberto. Op. Cit, p. 253 106 56 emendas constitucionais nº 8 e 9 de 1995, contemplaram a locução “órgão regulador” para os setores de telecomunicações e petróleo, modificando os artigos supra elencados.108 Os regulamentos admitidos por delegação na Constituição brasileira são aqueles expedidos pelo Chefe do Executivo por meio do art. 84, IV ao dispor: “sancionar, promulgar e fazer publicar leis, decretos e regulamentos para sua fiel execução”, e o inciso VI quando trata da organização e funcionamento da administração federal desde que não implique aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos, bem quando se refere à extinção de funções ou cargos públicos, quando se encontrarem vagos, trazido pela EC 32/2001. Também é admitido o uso do regulamento pelos Ministros de Estado por meio do art. 87, parágrafo único, II, quando diz “expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos”. Em síntese, admitem inovação apenas os seguintes autores: Aragão, Di Pietro, quanto aos regulamentos admininstrativos, Motta e Bruna, quanto aos regulamentos autorizados, mas todos encontram limites em standards, exceto Motta que encontra limites na consulta popular. Para aqueles que entendem não caber qualquer tipo de inovação nos comandos das agências reguladoras, temos Sundfeld, Moreira Neto (apenas em questões técnicas), Ferreira Filho, Justen Filho, Souto, Motta quanto aos atos administrativos abstratos e Di Pietro, quanto às normas de efeito interno. Partindo-se do pressuposto de que nossa Constituição vigente, reflete o detalhamento para atendimento de todas as necessidades da população, que havia sofrido o período de ditadura, com a Revolução de 64, a Constituição de 67 e a EC 69, passa a tomar parte do sistema um detalhismo exacerbado, uma constituição analítica, com tantos artigos, incisos e alíneas, que a torna cada vez mais complexa. Acresce-se ainda a praxe em se adotar modelos estrangeiros que de certa forma não se encaixam dentro do que a estrutura constitucional oferece, como a figura das agências reguladoras, importadas dos norte americanos, que possuem um sistema jurídico muito mais flexível que o nosso, tendo que forçar que a doutrina faça contornos na interpretação desta atuação, conforme a Constituição brasileira. A CF/88 traz em seu art. 59 as espécies normativas albergadas por lei, as primárias ou originárias, que trazem matéria inovadora, passando por processo legislativo, sancionadas pelas duas casas do legislativo, Câmara e Senado e após aprovação do Presidente da República, são as emenda constitucionais, as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções, sendo que as leis 108 CUÉLLAR, Leila. Introdução às agências reguladoras brasileiras. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 28 57 delegadas, art. 68 da CF, são feitas pelo executivo por delegação do legislativo que o autoriza mediante a fixação do conteúdo, bem como os termos de seu exercício, devendo depois ser remetida ao legislativo para avaliação e aprovação. Com relação à medida provisória, art. 62 da CF, o chefe do executivo a utiliza para caráter de relevância e urgência, podendo em momento posterior se transformar em lei, detendo também o caráter primário ou originário. No que tange aos decretos legislativos e às resoluções, art. 49 e 68 §1º da CF, abordam competência exclusiva do Congresso Nacional. Raríssimas vezes, a CF prevê outras espécies normativas, tais como o Regimento dos Tribunais, o Decreto do Executivo sobre competência e funcionamento de seu órgão, não havendo mais nenhuma espécie primária ou originária admitida por lei. Para Ferreira Filho, os atos normativos das agências são de inferior hierarquia ao regulamento, pois em sendo confrontadas com a CF, será reputada exorbitante ao poder regulamentar e infratora da legalidade, usurpadoras de competência privativa do Presidente da República e do Congresso Nacional, portanto deveria ser encarada como um terceiro gênero normativo, que até o presente momento não obteve previsão constitucional.109 Para Helly Lopes Meirelles: Atos administrativos normativos são aqueles que contêm um comando geral do Executivo, visando à correta aplicação da lei. O objetivo imediato de tais atos é explicitar a norma legal a ser observada pela Administração e pelos administrados.110 Portanto, o papel do ato administrativo advindo de uma agência reguladora, deve explicitar a norma que lhe deu existência e nunca trazer comandos gerais e abstratos que ensejem na criação de direitos e obrigações de maneira primária. Não obstante, a atividade normativa das agências, a atividade de regulação de fato existe no art. 174 da CF, mas esta atividade talvez pudesse ser desempenhada pelo próprio Ministério correlato à área de conhecimento, não fosse isso, não teríamos transformado a CF numa colcha de retalhos. Ainda assim emendaram apenas duas agências, as quais são citadas no texto, após 1995, ANATEL, sob EC 8 e ANP, sob EC 9, conforme arts. 21, XI e 177, §2º, III da CF/88, não dispondo de outras agências, após criadas, vem a hermenêutica argumentar que não há 109 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estudos, documentos, debates: reforma do estado, papel das agencias reguladoras e fiscalizadoras. Nº 18, São Paulo: FIEP/CIESP e Instituto Roberto Simonsen, 2000, p. 22 110 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26 ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 170 58 impedimento para que as demais agências sejam reconhecidas na atividade de regulação aventada pelo art. 174 de forma geral. A regulação tem como função material a intervenção na economia; como função competencial, o disciplinamento das relações econômicas, como função final, a preservação dos sistemas econômicos, para proporcionar bem estar à população com a correção das falhas de mercado e melhor prestação de serviços.111 As agências reguladoras, como pessoas jurídicas de direito público interno, não obstante serem autarquias conforme dito supra, possuem uma peculiaridade em sua investidura e em sua submissão a controle que as tornam de certa forma mais independentes que as demais, no que tange à investidura de seus diretores estas se dão a termo fixo, além disso, das decisões emanadas das agências há impossibilidade de controle hierárquico mediante recurso hierárquico impróprio ao Chefe do Poder Executivo. 112 O modo de indicação do dirigente das agências se dá por indicação do Chefe do Executivo e em seguida aprovação do Poder Legislativo, que o sabatinará e emitirá juízo de valor sobre sua aceitação, e em o sendo aprovado não poderá ser exonerado ad nutum, mas tão somente em cometendo falta grave comprovada mediante processo administrativo disciplinar mediante devido processo legal, e nunca discricionariamente por opiniões políticas.113 Passa ainda por um período de quatro meses denominado por alguns como estágio probatório sui generis, após o qual adquirirá estabilidade, não podendo mais ser exonerado de modo injustificado, mas apenas perderão o cargo em virtude de renúncia, condenação judicial transitada em julgado ou processo administrativo disciplinar.114 Diversamente, o ente regulador da concorrência não possui o mesmo grau de autonomia que às agências reguladoras em relação ao Poder Executivo, eis que há possibilidade de perda de mandato quando o seu Presidente ou Conselheiro divergir da política econômica adotada pelo Executivo, conforme art. 5º da Lei 8884/94, seria tido como um órgão semi independente, pois se encontra mais atrelado ao Executivo do que as agências reguladoras que detém teoricamente total independência na prolação de suas decisões, eis que a prática demonstra vícios políticos e econômicos prejudicando e comprometendo a qualidade 111 SILVA, Clarissa Sampaio. Legalidade e Regulação. Belo Horizonte: Fórum, 2005, . p. 103 WILLEMAN, Flávio de Araújo. Responsabilidade Civil das Agencias Reguladoras, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011, p. 58 113 Idem 114 CUÉLLAR, Leila. Op. cit. P. 86 e 87 112 59 da regulação, tópico que será analisado mais a frente, em estudo sobre captura política e econômica.115 Não obstante, elenca-se uma breve passagem sobre o tema, quando alerta Joaquim Barbosa, então Presidente do STF, sobre o risco de captura existente em virtude desta ampla independência dos dirigentes das agências, os quais devem ser controlados por outros agentes qualificados para averiguarem sua atuação, se está adequada aos fins públicos exigíveis por lei ou se atuam contra legem de forma abusiva. Advirta-se, contudo, que não basta conferir estabilidade aos dirigentes de uma agência para que ela automaticamente passe a ser ‘independente’. Mesmo nos EUA, onde o Congresso exerce com zelo implacável a atribuição hoje crucial de todo órgão legislativo (a fiscalização e o controle), e em que o sistema de checks and balances funciona com razoável eficiência, não são raras as críticas de que as agências, ao invés de atuarem em busca do cumprimento do interesse público, procuram preferencialmente atingir seus próprios interesses e os de lobbies eficazmente incrustados e com atuação concertada, tanto nos comitês do Congresso incumbido de supervisioná-las, quanto no âmbito das atividades privadas que lhes incumbe regulamentar e fiscalizar. Noutras palavras, é serio o risco de, ao se retirar as agências do âmbito de influência da Política, submetê-las ao jugo de forças econômicas poderosas.116 José dos Santos Carvalho Filho contribui na observância da lei pelo poder regulamentar: “Por essa razão, ao poder regulamentar não cabe contrariar a lei (contra legem), pena de sofrer invalidação. Seu exercício somente pode dar-se secundum legem, ou seja, em conformidade com o conteúdo da lei e nos limites que esta impuser.”117 Marcello Caetano observa que o regulamento assim como a lei possui em seu sentido material um grau de generalidade, entretanto o regulamento não pode ter nenhum grau de novidade, visto ser limitado de direitos individuais, mas simplesmente desenvolvimento e aplicação de outras normas, estas sim inovadoras.118 Em caso de ato normativo inconstitucional reconhecido pelo Poder Judiciário ou pela Administração Pública, mediante a Súmula 473 do STF, o dano causado a terceiro merecerá a devida reparação indenizatória por parte da agência infratora, com base no art. 37, §6º da CF/88, que assim determina. Isto serve como um freio de fundamental importância na atuação do dirigente da agência, que emite atos de maneira desarrazoada e desproporcional. É 115 CUÉLLAR, Leila. Op. cit., p. 130 GOMES, Joaquim Barbosa. A ‘Metamorfose’ do Estado e da Democracia: Uma reflexão de Direito Constitucional Comparado. In:ARAGÃO, Alexandre dos Santos. (Org.) et alii. Agência Reguladora: atividade normativa. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Vol. XI – Direito da Regulação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 107 117 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25 ed, São Paulo: Atlas, 2012, p. 43 118 CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo, 10ed, Coimbra, 1973, tomo I, p. 96 116 60 por esta razão que antes da elaboração de um ato normativo para regular determinado setor econômico, é mister fazer antes um estudo do impacto regulatório que abstraia os resultados provenientes da regulação instaurada, calculando a relação custo vs. benefício mediante consultas públicas, coletando a opinião da população e das instituições interessadas, tudo isto ainda garante a legitimidade da atividade regulatória.119 Pede-se licença para discordar do renomado administrativista Moreira Neto ao invocar o argumento da delegificazione, do modelo italiano, correspondente à transferência de função normativa de um poder para outro, eis que inaplicável ao modelo brasileiro, pois não há cabimento em nosso sistema de transferência de competência normativa reservada constitucionalmente ao legislativo para o executivo. 120 Deve haver sim alguma densidade normativa nas normas elaboradas pelo legislativo, pois estas devem antecipar algum conteúdo para a regulação, conforme a Teoria da Reserva da Densificação Normativa e não simplesmente transferir o papel de um poder para que o outro o faça em razão de seu deficiente exercício. Não obstante, Aragão defende os regulamentos autônomos na matéria e assim dispõe em análise ao Poder normativo da ANP: As leis atributivas de poder normativo às entidades reguladoras independentes possuem baixa densidade normativa a fim de propiciar o desenvolvimento de normas setoriais aptas a, com autonomia e agilidade, regular a complexa dinâmica realidade social subjacente.121 Embora contrariamente aos regulamentos autônomos, Sundfeld salienta a importância da regulação aberta, se afiliando a adoção dos regulamentos de execução pelas agências reguladoras, quando argumenta : “O caráter aberto da regulação decorre, portanto, de sua capacidade de assimilar as mudanças impostas pelas inovações tecnológicas e pela evolução do mercado, sem que seja necessária a edição de novas leis.” 122 Mas acrescenta porém o risco de seu uso no sistema jurídico brasileiro: “o que o direito global parece pôr em xeque é o principio da legalidade e a separação dos poderes, considerados por muitos a alma do direito administrativo.”123 119 WILLEMAN, Flávio de Araújo. Op. cit, p. 196 Ibidem, p. 495 121 ARAGÃO, Alexandre dos Santos. Poder normativo da ANP. Revista Brasileira de Direito Administrativo, 2001, n. 8, p. 612 122 SUNDFELD, Carlos Ari. A regulação das telecomunicações: papel atual e tendências futuras. Revista diálogo jurídico, vol. 1, n. 3, Salvador: CAJ, p. 6 123 SUNDFELD, Carlos Ari. A administração publica na era do direito global. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 166 120 61 Não se pode admitir que os sistemas jurídicos estrangeiros dominem a disciplina constitucional brasileira. A ordem jurídica pátria estabelecida demanda que para sua aceitação, mister se faz um processo de filtragem constitucional, viabilizando sua implementação, salvo se houver modificação no seio da Constituição, uma vez que o uso de regulamentos autônomos não pode ser vislumbrado unicamente, porque os tempos são outros, restando ao judiciário a solução do problema em tela. Neste sentido o STF determinou: “ Os Tribunais judiciários, em sede administrativa, não podem dispor sobre matéria que a Constituição da República submeteu, em caráter de exclusividade, ao domínio da lei”124 O STJ também negou a possibilidade na elaboração de dispositivos inovadores editados pelo CMN, por meio da Resolução 1.721-90 deste, decidindo que: “não se encontrando prevista em lei, a Resolução 1.721-90 não pode impor a obrigatoriedade de aquisição dos Certificados de Privatização criados pela Lei 8018-90, face à necessidade de se dar observância ao Principio da Legalidade”.125 De outra banda, o professor Sérvulo Correia defende que a margem de liberdade atribuída às matérias, deve variar conforme seu grau de importância: quanto maior a importância do preceito, menor deverá ser a margem de liberdade por ele deixada à administração, como executante (no plano da emissão de regulamentos, como no da prática de actos concretos), para livremente escolher pressupostos de decisão ou fixar o respectivo conteúdo126 Marçal reputa indispensável o respeito à separação de poderes e salienta a importância do controle social sobre os atos administrativos: (...)A finalidade da dissociação constitucional entre os poderes executivo e legislativo não pode ser ignorada. Não é possível admitir que a omissão do legislativo resultaria na admissão para atuação ilimitada do executivo. A geração de direitos, deveres, diferenciações entre os sujeitos e assim por diante depende da intervenção dos representantes do povo. Essa é a solução constitucional vigente entre nós e essa esquematização não pode ser afastada através do argumento de que o executivo pode dispor de tudo aquilo que não foi objeto de disciplina pelo legislativo. Essa solução é radicalmente incompatível com a Constituição, produzindo uma nova sistemática de separação de poderes e dando outra configuração ao principio da legalidade.(...)127 Não se pode aceitar que a autonomia inerente à regulação impossibilite os meios de controle sobre suas ações, além disso o papel da sociedade no acompanhamento da gestão 124 www.stf.jus.br, ADIN 2150-DF, RTF 174-80 e ss. Acesso em 10 de fevereiro de 2013. www.stj.jus.br, RESP 184.887-SP. Acesso em 10 de fevereiro de 2013. 126 CORREIA, Sérvulo. Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, Coimbra: Almedina, 1987, p. 53 127 JUSTEN FILHO, op. Cit., p. 506 125 62 e da satisfatoriedade da atuação das agências são cruciais para a instrumentalização da democracia. É essencial ter uma administração baseada na transparência e na accountability, sendo esta última reputada como o dever de arcar com as conseqüências dos atos ilícitos praticados, embasada no dever de prestar contas dos seus atos a terceiros, dispondo de dados e informações, respeitando as orientações e arcando com defeitos e falhas que porventura surjam,128para que a sociedade possa ser reparada por quaisquer prejuízos provenientes da má regulação. O sucesso da regulação depende da participação social, do exercício da democracia, da responsabilização dos infratores, do respeito à lei, da compatibilidade na escolha de políticas públicas e no uso correto dos recursos públicos. É oportuno impedir que a discricionariedade seja utilizada de maneira aleatória e impensada, combatendo o clientelismo político, a captura econômica, as ilegalidades regulatórias, para que no futuro, as agencias reguladoras se adequem ao nacionalismo estatal, imbuído numa globalização que não agrida a essência do Estado Democrático de Direito, consubstanciando-se sobremaneira no respeito ao inexorável Princípio da Legalidade. 2.2 Autonomia das Agências Reguladoras A regulação é imprescindível para controlar a prestação dos serviços públicos, para observar se estão em conformidade com as leis da concorrência, do mercado, do consumidor e principalmente da administração pública. Ela deve ser exercitada por um ente independente em relação ao governo, pois este último também atua por vezes como o próprio prestador de serviço por meio de uma empresa pública ou sociedade de economia mista, e por isso o Estado não deve estar ao mesmo tempo na condição de concorrente em relação às outras empresas concessionárias e como fiscalizador da atividade regulada, por ser inconcebível se situar em um mesmo instante como regulador e regulado, impossibilitando a imparcialidade e a eqüidistância na atividade regulatória.129 128 129 JUSTEN FILHO, op. Cit. P. 138 Ibidem, p. 44 63 Assim, o exercício de uma fiscalização eficiente requer independência, a qual deveria ser assegurada na alta parcela de autonomia pertencente aos seus dirigentes, indicados pelo Presidente da República, após aprovação do Senado e apenas demissíveis por condenação transitada em julgado, renúncia ou PAD. Na prática esta independência não se realiza, apesar dos dirigentes gozarem de mandatos fixos e determinados, ao fim submetidos a um período de quarentena. Apesar de teoricamente haver independência em relação aos Ministérios, mediante a impossibilidade de interposição de recurso hierárquico impróprio. Assim, a edição de atos normativos com base na intervenção estatal na Economia culmina numa administração tecnocrática acrescida pela crítica da não eleição de seus atores pelo público, tornando a autonomia consubstanciada em lei como letra morta. Art. 9o Os Conselheiros e os Diretores somente perderão o mandato em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar. (Lei 9.986/2000); A autonomia financeira é requisito essencial para que qualquer autonomia se efetive na prática. 130 A independência das agências reguladoras, sendo estas entes materialmente descentralizados, não prescinde de mecanismos de controle, que, todavia, não poderão ser hierárquicos, mas apenas de legalidade – serão de mérito apenas excepcionalmente – gerenciais e finalísticos, implementados, notadamente, através da verificação do atendimento de metas e diretrizes preestabelecidas. 131 Neste sentido, diversas críticas132 têm sido tracejadas frente à referida autonomia, a qual não raras vezes se faz de maneira ilegal ao transpassar ditames imbuídos constitucionalmente. Neste ínterim, o STF tem se posicionado a favor do poder normativo desde que utilizado conforme os standards pré estabelcecidos nas leis quadros, resultando para as agências apenas a possibilidade de regulamentar leis fundamentantes. De acordo com ARAGÃO: O Supremo Tribunal Federal – STF em diversas ocasiões já fixou a legitimidade da atribuição de poder normativo através de standards e finalidades genéricas estabelecidas pela lei. Em recente decisão liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 1.688-DF, rel. Min. Marco Aurélio), o STF considerou constitucional a habilitação normativa efetuada pelos incisos IV e X do art. 19 da 130 ARAGÃO, Alexandre dos Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.331 131 PALAZZO, Sesín; LEMBEYE, Rolón. La transformacion del Estado, Delpama, 1992, p. 94 apud ARAGÃO, Alexandre dos Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo Econômico, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 355 132 Vide item 2.1 do trabalho, referente às dificuldades atinentes ao Princípio da Legalidade no Brasil 64 Lei Geral de Telecomunicações – LGT em favor da Anatel desde que esta se subordine aos preceitos legais e regulamentares pertinentes. 133 Do acórdão se abstrai a corrente kelseniana, de norma fundamentante e norma fundamentada, donde a lei menor encontra seu fundamento de validade numa norma de maior hierarquia, como pode se perceber no trecho seguinte: A unidade dessas normas acha-se constituída – prossegue KELSEN – pelo fato de que a criação da de grau mais baixo se encontra determinada por outra da de grau superior, cuja criação é determinada, por sua vez, por outra igualmente mais alta. O que constitui a unidade do sistema é precisamente a circunstancia de que tal Regressus termina na norma de grau mais alto, ou básica, o que representa a suprema razão de validade de toda a ordem jurídica 134 Segundo Bobbio135: “(...) ato justo é aquele conforme as leis e injusto é aquele que está em desacordo com elas(...)” Na verdade, o acelerado processo de globalização, a intercomunicação das economias e sistemas jurídicos, fez nascer o Princípio da Eficiência, o qual justificou a autonomia e independência das agências reguladoras, entretanto confundiram-nas com arbitrariedade e excesso de poder, assim, em meio a tantas distorções, nada mais oportuno do que haver um mecanismo de controle efetivo sobre seus atos. 2.3 Controle sobre as Agências Reguladoras Existem dois tipos de controle, o interno e o externo, no âmbito interno estão em foco os atos de organização e gestão do órgão ou entidade pública, no qual a própria administração pública realizará o controle, enquanto no âmbito externo serão os Poderes que atuarão conforme sua competência constitucional. Há quem defenda a submissão das decisões das agências reguladoras ao controle hierárquico impróprio ao Ministério referente à área de atuação, nos casos de atividades administrativas não finalísticas, afastamento da política de governo e desrespeito aos limites 133 ARAGÃO, Alexandre dos Santos de. Legalidade e regulamentos administrativos no direito contemporâneo. Uma análise doutrinária e jusrisprudencial. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 41, ano 10, out-dez,2002, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 301-302 134 DANTAS, Ivo. O valor da Constituição: do controle da constitucionalidade como garantia da supralegalidade constitucional. 2. ed., rev. e aum. – Rio de Janeiro: Renovar: 2001, p. 31 135 BOBBIO, Norberto. Dalla struttura allá funzione. Milano, Edizione de Comunitá, 1977, p. 96 65 de competência, pois em caso de matéria de natureza regulatória a intromissão configuraria afronta à independência que lhe é inerente.136 De acordo com o art. 37 da CF/88 a administração pública deve obedecer aos Princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. É certo que não cabe ao Poder Judiciário adentrar no mérito administrativo, mas quando a entidade pública não respeitar os princípios constitucionais da administração pública, é digna a ingerência por parte do Poder Judiciário no âmbito executivo em razão do controle de legalidade. Acrescente-se que há o controle parlamentar no que diz respeito à fiscalização contábil, financeira e orçamentária dos dados apresentados por estas entidades, eis seu manuseio sobre verbas públicas, bem como há o controle na sustação dos atos normativos que exorbitem o poder regulamentar ou os limites da delegação legislativa de acordo com o art. 70 da CF/88 e art. 49, V da CF/88 respectivamente. Além disso, o próprio cidadão tem direito de exercer controle sobre a legalidade dos atos administrativos, podendo representar ao Ministério Público para que atue em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme art. 127 da CF/88. Para Marcos Juruena Villela Souto: O fato da agência reguladora ser independente não significa que não possa ser objeto de controle. Esse controle pode ser administrativo, via contrato de gestão, controle social – por meio do direito de petição a ouvidorias ou aos legitimados à apreciação da validade dos atos – ou até por meio do recurso hierárquico impróprio (que se limite à declaração de ilegalidade dos atos regulatórios, após prévio parecer jurídico sobre o tema); pode se dar o controle no âmbito do Poder Legislativo (para sustação dos efeitos dos atos ilegais) e dos Tribunais de Contas (limitado este ao exame das contas e não da parte regulatória em si) e, por fim, o controle judicial. 137 Sunstein138 propõe desenvolver um sistema agressivo de controle por parte do Executivo, Legislativo e Judiciário, um aumento da supervisão presidencial sobre as agências e aumento da autodeterminação local e participação democrática. O tema será melhor analisado em capítulo específico, referente ao controle sobre a ANP. 136 ARAUJO, Luiz Henrique Diniz. Agências reguladoras: hipóteses de cabimento de recurso hierárquico impróprio contra as decisões. Revista Fórum Administrativo, Belo Horizonte:Fórum, 2008, p.66 137 SOUTO, Marcos Juruena Villela. As agências reguladoras e os princípios constitucionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 233 138 Ibidem, p. 151 66 2.4 Processo de Deslegalização A deslegalização, provinda da Itália, é a possibilidade de tratamento de uma matéria que seria exteriorizada por lei, para ser elaborada por um ato de inferior hierarquia legal. É o rebaixamento de uma matéria que seria emanada do Legislativo para que o Executivo a emane por meio de regulamento, flexibilizando assim o principio da legalidade, e contrariando o instituto jurídico brasileiro que exige o processo legislativo ordinário para a elaboração legal. Para Pinheiro, é a perda do exercício da função de editar atos normativos por um único centro de atribuições em virtude da sociedade plural e complexa.139 É a edição de atos normativos por entidades diversas do Poder Legislativo quando a lei, ao fixar parâmetros genéricos, deixa espaço para sua complementação.140 Há autores como Aragão, que defendem o fenômeno italiano em comento, assim nas palavras do citado autor: [...] não há qualquer inconstitucionalidade na deslegalização, que não consistiria propriamente em uma transferência de poderes legislativos, mas apenas na adoção, pelo próprio legislador, de uma política legislativa pela qual transfere a uma outra sede normativa a regulação de determinada matéria. E, com efeito, se este tem poder para revogar uma lei anterior, por que não o teria para, simplesmente, rebaixar o seu grau hierárquico? Por que teria que direta e imediatamente revoga-la, deixando um vazio normativo até que fosse expedido o regulamento, ao invés de, ao degradar a sua hierarquia, deixar a revogação para um momento posterior, a critério da Administração Pública, que tem maiores condições de acompanhar e avaliar a cambiante e complexa realidade econômica e social? 141 Ocorre que, é inconcebível o uso de um instituto que não tenha cabimento no sistema jurídico estabelecido constitucionalmente, devendo ser rebatida a autonomia irrestrita das agências reguladoras que tem se utilizado do fenômeno, retirando do legislador a possibilidade de inovar quanto à matéria regulada, sob o argumento do lento e burocrático processo legislativo em meio às necessidades urgentes da coletividade. Neste sentido, Celso Antônio defende a incoerência da deslegalização com o regime jurídico brasileiro, eis que impossível haver delegação do Legislativo ao Executivo 139 PINHEIRO, Renata Neiva. O poder normativo das agências reguladoras. Fórum Administrativo. Belo Horizonte:Fórum, 2010, p. 33 140 Ibidem, p. 41 141 ARAGÃO. Alexandre dos Santos. Agencias reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico, 2 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 371-373 67 por outros meios que não os autorizados pela Constituição, pois em acontecendo este fato, haverá uma delegação disfarçada de competência. Considera-se que há delegação disfarçada e inconstitucional, efetuada fora do procedimento regular, toda vez que a lei remete ao Executivo a criação das regras que configuram o direito ou que geram a obrigação, o dever ou a restrição à liberdade. Isto sucede quando fica deferido ao regulamento definir por si mesmo as condições ou requisitos necessários ao nascimento do direito material ou ao nascimento da obrigação, dever ou restrição. Ocorre, mais evidente, quando a lei faculta ao regulamento determinar obrigações, deveres, limitações ou restrições que já não estejam previamente definidos ou estabelecidos na própria lei. Em suma: quando se faculta ao regulamento inovar inicialmente na ordem jurídica. E inovar quer dizer introduzir algo cuja preexistência não se pode conclusivamente deduzir da lei regulamentada. Entre nós, este procedimento abusivo, inconstitucional e escandaloso foi praticado inúmeras vezes e de modo mais flagrante possível. Nisto se revela o profundo descaso que, infelizmente, nossos legisladores têm tido na mantença das prerrogativas do Poder em que se encartam, demonstrando, pois, um cabal desapreço pela Constituição e – pior que isto – olímpica indiferença pela salvaguarda dos direitos e garantias dos cidadãos. Assim, inúmeras são as leis que deferem, sic et simpliciter, a órgãos colegiais do Executivo – como ao Conselho Monetário Nacional, por exemplo – o poder de expedir decisões (“resoluções”) cujo conteúdo só pode ser o de lei. (...) De todo modo, ostensiva ou disfarçada, genérica ou mais restrita, assentada no todo da lei ou no incidente particular de algum preceptivo dela, a delegação do poder de legislar conferida ao regulamento é sempre nula, pelo quê ao Judiciário assiste – como guardião do Direito – fulminar a norma que delegou e a norma produzida por delegação.142 O poder normativo determina que as agências poderão apenas detalhar, ou esmiuçar os assuntos traçadas anteriormente na lei genérica e abstrata, e não inovar juridicamente, porque geraria uma subversão de competências, já que não existe no ordenamento jurídico brasileiro o regulamento autônomo. Para Pontes de Miranda: “Onde se estabelecem, alteram ou extinguem direitos, não há regulamentos – há abuso do poder regulamentar; invasão de competência legislativa.”143 No caso brasileiro, isto se dá em virtude dos standards de escassa densidade normativa elaborados pelo legislativo em virtude da ausência de conhecimento técnico necessário no momento de sua elaboração. Enterría garante que a técnica de deslegalização não pode ser aplicada às matérias constitucionalmente reservadas à lei: 142 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros: 2008, p. 352-353 143 MIRANDA, Pontes p. 353 apud BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 19 ed. São Paulo:Malheiros, 2005 68 Por su naturaliza, parece que puede afirmarse com firmeza que la técnica deslegalizadora no es aplicable a las matérias constitucionalmente reservadas a la Ley. Esta reserva de uma matéria a la ley se infringiría, evidentemente, si pretendiese cumplirse con uma ley de contenido puramente formal, operante em el ámbito abstracto del rango, ley que justamente viene a entregar la regulación de la matéria de que se trate a los Reglamentos.144 A deslegalização, portanto não pode ser confundida com o tratamento de um assunto por normas de inferior hierarquia de forma inovadora, afrontando cristalinamente o Princípio da Legalidade, uma vez que seus padrões devem ser a priori estabelecidos numa lei, deixando às normas inferiores apenas sua explicação e detalhamento técnico especializado. Não lhes são dadas atribuições de formulação de políticas públicas, mas apenas de implementar aquelas formuladas pelo executivo e legislativo através da criação das leis, devendo agir com parâmetros estritamente técnicos. No caso específico da Agência Nacional do Petróleo, a Lei do Petróleo em seus artigos 8º III, V, VI, IX, 9º, 29, 53 §1º, 56 §único, expressa extrema remissão da matéria para regulamentação, o que oportuniza a ANP adentrar no seu juízo de discricionariedade amplo, e definir os inúmeros conceitos indeterminados de forma aceitável no ordenamento jurídico brasileiro, e não se utilizando da deslegalização supra denominada.145 No caso da Lei do Petróleo, diversas matérias são conceitos abertos, tais como “situação de contingência” e “parâmetros de eficiência” no art. 8º; “requisitos técnicos, econômicos e jurídicos” estabelecidos pela ANP no art. 29; “exigências de proteção ambiental, segurança industrial e populacional” no art. 53; requisitos para “habilitação de interessados”, bem como “condições para autorização e transferência de titularidade de instalações” no art. 56 da referida lei, e assim o ato normativo explicará tecnicamente cada denominação fazendo o uso do poder normativo conferido por lei. Implica à regulação na aplicação do poder normativo, a pormenorização técnica da lei geral mediante a expedição de atos normativos, mas não pode de acordo com Moreira Neto, ser contrário aos atos hierarquicamente superiores nem desarmônicos com os de mesma hierarquia.146 144 ENTERRÍA, Eduardo García de. Legislación delegada, potestad regulamentaria y control judicial. 3. ed., Madri: Civitas, 1998, p. 152 145 ARAGÃO, Alexandre Santos. O contrato de exploração de petróleo e gás. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 05, fev/mar/abr de 2006, p. 05 Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em 16 out. 2011 146 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 182 69 2.5 Respaldo Constitucional Alguns doutrinadores, como Sundfeld, Aragão, Moreira Neto, Justen Filho, Motta, Bruna e Ferraz Júnior, abordam a atividade de elaboração de atos normativos, com a denominação de regulamentos. Para eles o art. 84, IV, da CF/88 elenca um dentre os atos privativos do Presidente da República que merece ser aqui comentado. Este dispositivo disciplina sua competência na elaboração dos regulamentos executivos, entretanto cabe salientar que por se tratar de competência privativa e não exclusiva do Chefe do Executivo, dá o direito às agências em elaborar também regulamentos. Mas note que não se pode confundir o poder regulamentar, próprio do chefe do Executivo, com o poder regulador, inerente às agencias reguladoras, devendo-se denominar o exercício do seu poder normativo mediante a elaboração de atos administrativos, cuja hierarquia é bem inferior àquela conferida ao Presidente da República pelo art. 84 da CF-88. Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...)IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;(...) Em sequência temos o art. 174 da mesma Carta, que reconhece a atividade de regulação pelas agências reguladoras, incluindo além da atividade fiscalizatória, a atividade normativa. Art. 174 - Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. § 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo. § 3º - O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros. § 4º - As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o Art. 21, XXV, na forma da lei. 70 Apesar do texto explícito, há miscelânea doutrinária a respeito da interpretação dos arts. 84 e 174, conforme demonstrado pelos autores supra mencionados, 147 uma vez que confundem o poder do executivo na expedição de regulamentos inovadores com o poder normativo das agências reguladoras em editar atos de cunho técnico, esmiuçando a matéria prevista anteriormente em uma lei. CAIO TÁCITO observa que “se o poder regulamentar é em princípio e dominantemente exercido pelo Presidente da República, em razão de sua competência constitucional, nada impede – antes em determinadas circunstancias aconselha – possa a lei habilitar outras autoridades à pratica do poder normativo 148 No mais das vezes, doutrinadores não se apegam as nomenclaturas técnicas, mas defendem a necessidade de uma atividade mais célere que atenda as urgências sociais no âmbito da regulação, o que leva leitores a confundirem a atitude de regulação, atinente a estas entidades com a de regulamentação inédita provinda do Poder Executivo, por isso, se faz necessária a diferenciação entre os institutos da regulação com o da regulamentação. 2.6 Regulação e Regulamentação: distinções e âmbitos normativos A atividade de intervenção estatal na economia se exterioriza por meio de duas formas, diretamente, através das empresas públicas, sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, e indiretamente, mediante normatização ou regulação, que nas palavras de Grau são chamadas respectivamente, por indução ou por direção149. A regulação pode ainda se dar por fiscalização, incentivo (incentivos fiscais, normas tributarias indutoras) e planejamento, observam-se as necessidades públicas, elaboram-se os planejamentos, em seguida, elaboram-se os atos normativos a atender as demandas econômicas e sociais, e realizam-se as fiscalizações, por meio da observância do regulado no respeito à lei e aos atos normativos exarados, e se existe um resultado positivo à população usuária ou consumidora do bem ou serviço. 147 Vide o ítem referente ao Princípio da Legalidade. TÁCITO, Caio. Comissão de valores mobiliários. Poder regulamentar, constante do temas de direito público, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, Tomo 2, pp. 1079 e 1088 149 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: intervenção e crítica. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1991. p. 163 148 71 Assim, a regulação abrange além destas outras atividades, a de normatização, pretendendo chegar a um resultado de intervenção após um processo administrativo normativo, executivo ou judicial de ponderação entre interesses e atingir o ponto de equilíbrio.150 Enquanto a regulamentação nada mais é do que a prolação de imposições coercitivas aos cidadãos nos casos do art. 84, IV da CF∕88, onde o Presidente da República emite regulamento, como comando normativo apto a tornar fiel a execução de leis que exigem um melhor detalhamento. A atividade de regulação se dá através da fiscalização às atividades não exclusivas do Estado, que passaram a ser prestadas por pessoas jurídicas de direito privado, submetidas a concessões estatais. E em virtude deste serviço ter uma finalidade pública, deve sofrer o processo de regulação pelas agências reguladoras. Além disso, a regulação ocorre com o objetivo de manter a política econômica susceptível de concorrência e garantindo a qualitativa prestação do serviço aos consumidores cidadãos. Para pôr em prática tal fiscalização de forma neutral, foram criadas as agências reguladoras pautadas no art. 174 da CF∕88 num fenômeno denominado agencificação já tratado anteriormente. Sendo assim, os institutos da regulação e da regulamentação não se confrontam, são matérias diversas reconhecidas pelo próprio STF nas ADIN Nº1.075 e ADIN Nº 1.435. EMENTA RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. IPVA ATRASADO. INCIDÊNCIA DE MULTA DE 100% SOBRE O VALOR DA EXAÇÃO. ALEGAÇÃO DE CONFISCO. I - A multa aplicada no campo tributário deve seguir os mesmos princípios existentes para este ramo do direito, pois, apesar de não ser tributo, restringe o mesmo direito fundamental que este, que é a propriedade. Assim, a proibição contida no art. 150, IV, da Constituição Federal, de instituição de tributo com efeito de confisco, também se aplica às multas decorrentes da exação. Precedente do STF: ADI n. 1075/MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 24/11/2006. II - Não configura confisco, entretanto, a aplicação de multa de 100% sobre débito de IPVA, visto que a alíquota deste imposto, incidente sobre o valor venal do veículo, atinge parcela pouco expressiva do bem. III - Recurso ordinário improvido. (Regulação por indução) STF. ADIN Nº 1.435. EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA LIMINAR. DECRETO 1719-95. TELECOMUNICAÇÕES: CONCESSÃO OU PERMISSAO PARA A EXPLORAÇAO. DECRETO AUTÔNOMO: POSSIBILIDADE DE CONTROLE CONCENTRADO. OFENSA AO ARTIGO 84- IV DA CF-88. LIMINAR DEFERIDA. A ponderabilidade da tese requerente é segura. Decretos existem para a fiel execução das leis (art. 84, IV a CF-88). A EC nº 8, 1995, que alterou o inciso XI e a alínea a do 150 SOUTO, Marcos Juruena Villela. As agencias reguladoras e os princípios constitucionais. Revista de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 232 72 inciso XII do art. 21 da CF – é expressa ao dizer que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei. Não havendo lei anterior que possa ser regulamentada, qualquer disposição sobre o assunto tende a ser adotada em lei formal. O decreto seria nulo, não por ilegalidade, mas por inconstitucionalidade, já que supriu a lei onde a Constituição a exige. A Lei 9295-96 não sana a deficiência do ato impugnado, já que ela é posterior ao decreto. Pela ótica da maioria, concorre, por igual, o requisito do perigo na demora. Medida liminar deferida. Martinez assegura que nos Estados Unidos, a Corte Suprema já atendeu a impossibilidade de delegação legislativa e de regulamentos autorizados ao Executivo, mas reconhecendo que as necessidades nas demandas sociais superavam a capacidade de produção legislativa do Parlamento, reconheceu a necessidade na autorização destes atos pela administração pública americana.151 Não há como o Legislativo acompanhar a grande demanda de uma sociedade em constante mutação, no ano de 2007, por exemplo, foram 1.965 resoluções das agências para 198 leis do Congresso,152 ou seja, o Congresso produziu apenas 10% do total das leis exigíveis pela sociedade, e como se não bastasse a morosidade regular do parlamento, a quantidade excessiva de sessões extraordinárias instauradas para apuração de atos criminosos de corruptos integrantes da própria casa, tem deixado a desejar muito a tarefa legiferante. Não obstante, depreende-se deste fato que o cerne do problema não está relacionado unicamente ao fato comum da prolação de atos normativos em número bastante superior em relação aos comandos de superior hierarquia, eis a formação piramidal das normas, mas sim em relação ao quantitativo de atos expedidos pelas agências reguladoras por meio de forma abusiva. Além disso, o legislativo ainda aprova declaração de guerra e celebração de paz, autoriza o vice e o presidente a se ausentarem do país por mais de 15 dias, aprova ou suspende estado de defesa, de sítio e intervenção federal, fiscaliza atos do executivo, inclusive na administração indireta, estando submetido a uma imensidão de atribuições. O reconhecimento do poder normativo das agências deve ser indubitável, entretanto o uso indevido deste poder, com a excessiva elaboração de atos que criam e extinguem direitos é que leva ao abuso de poder por parte de uma autarquia especial, eis que não admitimos a figura do regulamento autônomo. 151 MARTINEZ, op. Cit., p. 104 DINIZ, Luiz Eduardo. O poder normativo das agencias reguladoras e o indivíduo como sujeito de direito. Revista IOB de Direito Administrativo, N.33, VOL. 3, São Paulo: Malheiros, 2008, p. 106 152 73 Não foi em vão que a Lei 9478/97, estabeleceu em seu art. 19, que em caso de afetação de direitos, em relação aos agentes econômicos, ou em relação aos consumidores, deve haver prévia audiência pública convocada e dirigida pela ANP, para que opinem na formulação de atos que afetarão suas rotinas e direitos. É neste sentido que se aborda a ineficiência regulatória, diante de tantas resoluções e portarias, que ao contrariarem a Constituição e as leis, transferem ao Judiciário a solução dos litígios entre a administração e a coletividade, a qual se vê fragilizada diante da violação de um direito que para ser solucionado se perpetuará por um longo período na esfera judicial, devido à desproporção entre o número de julgadores e de demandas. 2.7 Teorias sobre a Regulação 2.7 .1Teorias Econômicas 2.7.1.1 Teoria Econômica da Regulação As Teorias Econômicas, tais como a Teoria Econômica da Regulação, a Teoria da Captura, a Teoria do Interesse Público, entre outras, serão estudadas mais detidamente no capítulo referente às capturas econômicas nas agências reguladoras. Vide Capítulo 3, item 3.2 deste trabalho. 2.7.1.2 Teoria Keynesiana Segundo Moncada, pode haver a intervenção do Estado na Ordem Econômica de duas maneiras: direta e indireta. Na direta o Estado atua como agente produtor, intervindo nos circuitos de comercialização, enquanto na indireta adota o caráter fiscalizador, cuja função de polícia sancionará os desconformes com as exigências normativas; e adota ainda o caráter de fomentador. Sendo assim, esta última forma de intervenção condicionadora da atividade econômica será efetuada através da criação de infraestrutura, polícia econômica e fomento, onde exatamente se insere a atividade de regulação.153 No Brasil, a CF de 1824 iniciou o pensamento sobre o controle do estado sobre a economia, que era exercido pelas Câmaras das cidades ou vilas para manutenção da economia, aplicação de rendas e formação das posturas policiais, mas ainda submetida aos 153 MONCADA, Luís Cabral de. Direito Econômico, 4.ed., Lisboa: Coimbra Editora, 2003, p.43 74 ditames monárquicos, que só se encerraram com a CF de 1891 decretando o fim da monarquia e do escravismo. Em seguida, em âmbito internacional, surgiu a Constituição do México de 1917, que foi a primeira Constituição no mundo a disciplinar veemente a ordem econômica, em razão dos reflexos da Revolução Mexicana ali ocorrida, e que gerou a abolição do caráter absoluto da propriedade privada. E em 1919, após a I Guerra Mundial, as conseqüências drásticas tal como a miséria na Alemanha foi tão alarmante, que fez surgir a Constituição de Weimar, para tratar acerca da “Vida econômica”, trazendo características liberais, e influenciando diversos países, como o nosso por meio da CF de 1934, cujo art. 115 estampava “A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional de modo que possibilite a todos a existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica”, caracterizando a primeira constituição a abordar o tema de fato, como reflexo também da crise econômica mundial vivenciada em 1929. Em 1936, temos a contribuição de Keynes para justificar a intervenção do estado na economia, por meio da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, fundamental devido às circunstâncias históricas à sua época. Até então, a sociedade acreditava na teoria do laissez-faire, laissez-passaire, na qual o mercado impulsionaria a economia naturalmente, sem necessitar de introspecções estatais no âmago mercadológico, o que levou a crise de 1929 com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, a qual assolou a taxa de desemprego, em virtude da queda brusca nas cotações dos títulos, redução da produção e dos investimentos por parte dos empresários, diminuição da renda nacional, do número de empregos e falência de milhares de empresas. Nas palavras do congressista: Temos mais ou menos 108000 trabalhadores assalariados em nosso distrito. Deste total, acho que não mais de 8000 tem suas rendas normais. Pelo menos 25000 estão inteiramente sem trabalho. Alguns não trabalham há mais de doze meses e cerca de 60 a 75000 estão trabalhando de um a cinco dias por semana; praticamente todos tiveram grandes reduções em seus salários, muitos deles nem chegando mesmo a receber $1,50 po dia. 154 Esta situação preocupou John Maynard Keynes a encontrar uma solução ao problema, foi então que desenvolveu a Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda, 154 WASHINGTON, D. C. Senat Hearings before a Subcommittee of the Committee on Manufactures. In: U. S. CONGRESS. 72º, USA. Anais. USA: Imprensa Nacional, 1932, p. 239 75 demonstrando a essencialidade da intervenção estatal na economia para conter as irregularidades naturais do mercado. Conforme análise de Keynes a firma produz um determinado valor em dólares de mercadorias, com a venda destas, a firma paga os custos de produção (salários, ordenados, aluguéis, materiais, matérias-primas e juros do empréstimo) e o que sobra é o lucro. Sendo o custo para a firma, a renda para o indivíduo ou para outra firma, assim como o lucro é renda para o dono da firma.155 Sabendo-se que o valor de produção se resume aos custos e lucros e que isso tudo representa a renda, o valor da produção é igual à renda gerada, cujo fluxo circular pode ser vazado por três razões: poupança, importações e impostos e por isso o Estado intervirá para corrigir estes vazamentos, por meio de três injeções respectivas: as importações podem ser contrabalançadas por exportações; os impostos devem financiar a compra de bens e serviços e os empresários podem financiar investimentos em bens de capital, assim estas três injeções equivalem aos três vazamentos e os gastos serão iguais ao valor da produção. 156 Para Keynes, o consumo era o motor propulsor do crescimento e da amenização das desigualdades sociais, mas para isso o governo deveria investir em obras públicas, conceder créditos ao setor privado com taxas baixas de juros para haver maior interesse, e assim gerar mais empregos, consequentes salários e maior poder de compra.157 A lei psicológica fundamental, da qual dependemos com grande confiança a priori com base no nosso conhecimento da natureza humana e com base nos fatos detalhados da experiência, é que os homens tendem, como regra e na média, a aumentar seu consumo à medida que a renda aumenta, mas não tanto quanto o aumento da renda.158 O estado keynesiano além de destruir a crença na automaticidade do mercado, esvazia o estado social, liberta o estado de suas competências e responsabilidades enquanto estado econômico na prestação dos serviços públicos, assumindo a proteção aos consumidores na tentativa de evitar ou reduzir os custos sociais do desenvolvimento por meio da defesa da concorrência.159 2.7.2Teorias Administrativas 155 KEYNES, J. M. apud HUNT, E. K.. História do Pensamento Econômico. Uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro: Campus, 1981, p 431-432 156 Idem 157 http://jus.com.br/revista/texto/9355/analise-das-teorias-keynesianas-com-enfase-no-seu-direcionamento-parao-atual-contexto-socio-economico-e-juridico-mundial Acesso em 14/06/2012 158 KEYNES, J. M. The general theory of employment, interest and money. Cambridge, Harcourt 1936, p. 96 159 NUNES, Antônio José Avelãs. Do estado regulador ao estado garantidor. Revista de Direito Público da Economia,Belo Horizonte:Fórum , p.46 76 2.7.2.1 Teoria da Essencialidade A Teoria da Essencialidade proveio do Direito Alemão, conhecida como Wesentlichkeitstheorie e firmou-se ao exigir que restrições significativas a direitos fundamentais exigiam fundamento legal, assim o legislador teria que determinar as leis e não transferir para a administração as diretrizes parlamentares. Neste sentido ao se restringir a seara de direitos de determinado grupo, teria que se atender ao Princípio da Reserva Legal, pois o poder executivo não é autônomo para a criação de direitos. Nada obstante, as decisões de nossos tribunais tendem a rechaçar a tese de que seria possível o afastamento da incidência dos direitos fundamentais, do princípio da reserva legal em matéria sancionatória e do controle jurisdicional com fundamento num pretenso “poder especial” da Administração Pública. Na verdade, tem-se entendido que embora em alguns casos sejam admissíveis (i) restrições a direitos fundamentais, (ii) uma menor exigência quanto à densidade normativa da lei e (iii) uma incidência reduzida do controle jurisdicional, a intensidade das restrições ou minorações deve ser razoável e proporcional à luz do nosso sistema constitucional e face aos fatos concretos sob análise. 160 Segundo Moncada161 esta teoria concilia o parlamento político e legislativo com o eudemonismo do estado. Ela impede que os direitos fundamentais fiquem ao alvitre do legislador ou do executivo, e assim afirma haver um núcleo intangível, mas diante da violação, o judiciário deve ser acionado no controle de políticas públicas. Reconhece, entretanto, que há determinadas zonas de atuação administrativa impermeáveis ao Direito, manifestando-se por regulamentos administrativos, Verwaltungsordnungen, mas estes são apenas atos internos e medidas de ordem interna, mesures d’ordre interieur, por isso há distinção entre a lei material e a lei formal, proveniente de aprovação do parlamento, ainda que não houvesse qualquer conteúdo, a fim de se evitar o afastamento do principio da reserva legal para impor restrições ao direito fundamental. Assim, limita-se o papel da regulação na medida em que sob a ótica da essencialidade ela não poderia efetuar a restrição de direitos tidos como nucleares em âmbito constitucional, mas apenas executar estes comandos provenientes do legislativo ao agir nos estritos deslindes da reserva legal à qual a administração pública deve se pautar. 2.7.2.2 Reserva de Densificação Normativa 160 WIMMER, Miriam. As relações de sujeição especial na administração pública. Rio de Janeiro: Doutrina brasileira, 2012, p. 12 161 MONCADA, Luís S. Cabral. Lei e Regulamento. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 196 77 A competência normativa destas autarquias especializadas deve ser limitada a um ato normativo, pois a lei que os cria é quem dita as regras, nas quais eles devem estar balizados. De acordo com Celso Antônio, a atividade administrativa é infralegal, sublegal cuja competência é de editar apenas comandos complementares à lei.162 A normatização termina sendo alvo de extrema criticidade, frente à inobservância ao vinculativo Princípio da Legalidade sobre a Administração Pública. Em virtude disso, diversas ações diretas de inconstitucionalidade são interpostas, com o fito de declarar os atos reguladores agenciários como inconstitucionais, retirando seu fundamento de validade e, por consequência, seu caráter sancionatório. O fato é que pela imprescindível autonomia direcionada a estas autarquias especiais, alguns mecanismos de controle se resumem engessados, como o recurso hierárquico impróprio e o controle de mérito, por conta da imersão em matéria específica de conhecimento direcionado unicamente aos seus gestores, afrontando sensivelmente o ideário democrático ao atingir o consumidor de forma imensurada. Lucéia Martins advoga que: ”(...)O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis é marco fundamental para evitar os abusos legislativos e as arbitrariedades administrativas.”163 Qual seria então o limite conveniente para impedir as arbitrariedades administrativas prolatadas pelas agências reguladoras? Francisco Cavalcanti propõe a denominada reserva de densificação normativa como “a necessidade de o mesmo fundamento jurídico normativo possuir um grau de pormenorização suficiente para permitir antecipar adequadamente a actuação administrativa em causa”164 Marcos Nóbrega demonstra a importância da Teoria da Law and Economics, na qual a regulação é uma reforma direcionada para o mercado, e a atuação das agências 162 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 10 ed, São Paulo:Malheiros, 1998, p. 58-59 163 SOARES, Lucéia Martins. Poder Executivo e inconstitucionalidade de leis. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 39, ano 10, abril-junho de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 227 164 CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. A reserva de densificação normativa da lei para preservação do princípio da legalidade. In: BRANDÃO, Cláudio. CAVALCANTI, Francisco e ADEODATO, João Maurício (Coordenadores). Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro:Forense, 2009 78 reguladoras são responsáveis pela crise da legalidade em decorrência da profusão de fontes normativas,165denominada por Justen filho como engarrafamento normativo.166 Bonavides comenta a respeito da importância dos princípios na atualidade, ao afirmar que eles estão situados em primeiro plano, por isso cognominar o momento como de Estado Principiológico.167 Edílson Nobre defende o respaldo axiológico quando afirma: “(...) os princípios são os alicerces sem os quais a ordem jurídica não subsistiria por falta de fundamento, porque a lei, na solidão do seu texto frio e abstrato, não atrai o encanto que a justiça representa.”168 Gustavo Just supõe uma possível delegação de competência legislativa em favor da administração, quando questiona: Cabe então indagar: seria constitucionalmente lícito ao legislador, diante do princípio da legalidade, empregar noções tão genéricas que em determinadas circunstâncias representasse uma transferência praticamente total da normatização de certa matéria em favor da Administração(uma espécie de delegação de fato da competência legislativa)?”169 E acrescenta: Um modelo que cede a um policentrismo normativo que por sua vez é apenas um dos aspectos das vastas e totalmente incertas transformações por que passa o Estado como forma política. Como se sabe, o princípio da legalidade está associado na sua origem a um movimento totalmente inverso...170 Sendo assim, o Princípio da Legalidade não pode ser sublevado em virtude da morosidade parlamentar, posto que o Estado de Direito há de ser executado como tal, pautado na Lei em respeito aos pilares preambulares de nossa Carta Maior. O neoconstitucionalismo vem marcado pela ampla atuação das agências reguladoras num complexo atual e polêmico, em virtude das mudanças globais em prol da eficiência. Disponível em: http:∕∕www.trf5.jus.br/noticias/960/professor_explica_crise_das_agaancias_reguladoras.html Acesso em 18∕11∕2010 166 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes, São Paulo: Dialética, 2002, p. 351 167 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional,12 ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 265 168 NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Administração Pública, Legalidade e Pós-Positivismo. In: BRANDÃO, Cláudio. CAVALCANTI, Francisco e ADEODATO, João Maurício (Coordenadores). Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro:Forense, 2009 169 JUST, Gustavo. O princípio da legalidade administrativa: o problema da interpretação e os ideais do direito público. In: BRANDÃO, Cláudio. CAVALCANTI, Francisco e ADEODATO, João Maurício (Coordenadores). Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro:Forense, 2009, p. 245 170 Ibidem, p. 248 165 79 Como esclarece Luís Roberto Barroso: A ideia de constitucionalização do Direito está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. 171 Se por um lado a amplitude de competências e privilégios concedidos às agências as tornam mais autônomas, retiram-lhes em contrapartida a possibilidade de submissão ao controle finalístico, ao qual as demais entidades autárquicas estão submetidas, maculando o fim último de sua criação, intervir na economia como garante do interesse público. Por isso a importância do controle sobre suas atividades, único mecanismo destinado a conferir legitimidade democrática aos seus dirigentes em virtude de assumirem o poder sem a conivência do cidadão eleitor. A sociedade civil tem grande papel no controle de legalidade de atos normativos expedidos pelas agências, eis que o indivíduo de forma isolada não teria possibilidade de entender, por exemplo, uma revisão tarifária em razão da especificidade da matéria a requerer uma consultoria especializada. 171 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direitoconstitucional no Brasil. Disponível em:< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547.> Acesso em: 10 de novembro de 2010 80 CONCLUSÕES PARCIAIS Partindo-se do princípio de que a administração pública deve agir unicamente pautada na lei, e que esta deve obedecer ao processo legislativo constitucional, estando as agências reguladoras inseridas no âmbito da administração indireta, deve como autarquia especial agir também nos estritos limites legais. Não obstante, o principio da legalidade tem sido desrespeitado em razão dos demasiados atos normativos proferidos por entes autônomos, que utilizando-se do poder normativo de maneira abusiva, coopera com a elaboração de comandos complexos e contraditórios, transportando a solução da matéria para a esfera judicial, por meio dos mecanismos de controle. Isto se dá, em razão da indevida adoção do modelo italiano de delegificazione, que corresponde à transposição de matérias da competência do Legislativo para o Executivo, ainda que não tenhamos respaldo constitucional para tanto, por conveniências políticas e econômicas disfarçadas de celeridade e proximidade com a coletividade. É o que Celso Antônio Bandeira de Mello tem denominado como delegação disfarçada, eis que por meio do poder normativo assegurado aos entes reguladores, estes inovam na ordem jurídica, como se fosse autorizada esta delegação de papéis. Por isso, Enterría demonstra ser inconcebível o uso da deslegalização em matérias reservadas unicamente à lei, não havendo qualquer possibilidade de tratamento por comando normativo inferior, pois infringiria frontalmente a Constituição, uma vez que se tratam de matérias de reserva legal absoluta. Ainda assim, a regulação tem feito as vezes do legislador, configurando um real abuso de poder, desvirtuando o estado intervencionista brasileiro, que deveria se submeter a essencialidade dos comandos gerais e abstratos, a reserva de densificação normativa que antecipe de forma conteudística uma atuação à esfera administrativa de maneira clara, a fim de impedir ou minorar estas incongruências à ordem constitucional, seja por qual má influência for, pois ao final o Direito sempre prevalecerá. 81 3 Da aplicação da Teoria das Agências Reguladoras no Brasil e os problemas encontrados 3.1 A indicação técnica e as interferências políticas As agências reguladoras por serem caracterizadas como autarquias especiais, possuem prerrogativas no que tange ao modo de indicação de seus dirigentes e a sua forma de permanência, assegurada com certa independência, teoricamente, em relação ao Poder Executivo, e assim aos Ministérios em que haja vinculação. Dessa forma, conforme o art. 52, f, III da CF/88 c/c art. 5º da Lei 9.986/00, que trata dos recursos humanos das agências reguladoras, os conselheiros são indicados pelo Presidente da República após aprovação pelo Senado, eles devem possuir conhecimento técnico sobre a matéria regulamentada pela agência, possuindo mandatos fixos e não são demissíveis ad nutum, isto é, seus cargos não são de livre exoneração, eis que só os perdem em caso de renúncia, condenação transitada em julgado ou quando respondem a processo administrativo disciplinar na dicção do art. 9º da referida lei. Este caráter deveria servir como uma maneira de o dirigente melhor executar suas funções, sem haver interferências políticas no exercício da regulação. Porém, surge outro argumento em relação à indicação dos dirigentes conforme este fenômeno, que elenca a ausência de representatividade popular, ausência de democraticidade, em virtude da não eleição pelo povo dos ocupantes dos cargos de direção das agências. 172 Contudo, se a lei assegura que eles assim devem ser indicados, e se quem elabora as leis tem poder conferido mediante eleições diretas em razão dos representantes do povo, exercentes dos cargos parlamentares, conclui-se a parcela democrática na efetivação de seus mandatos. Critica-se a brevidade destes mandatos nas agências, inclusive o PL nº 3.337, recém retirado de tramitação no Congresso, depois de anos paralisado, a respeito das agências reguladoras, elenca como uma das modificações a ampliação deste prazo, para que não haja rompimento ou até a contradição às políticas públicas tracejadas, para que a linha lógica da produção normativa não seja quebrada, gerando a “perda da memória regulatória”, elencada 172 JUSTTEN FILHO, Marçal, op, cit, p. 356 82 por Marçal, entendida como conhecimento acerca dos motivos e finalidades na adoção de determinadas políticas173. (...) A temporariedade dos mandatos conduz à ruptura dos projetos políticos, o que é extremamente grave relativamente às políticas regulatórias. O resultado é a superposição de disciplinas regulatórias, com a edição de regras repetitivas ou contraditórias. Ao longo de algumas décadas o resultado é um acervo normativo regulatório complexo e incompreensível. 174 Percebe-se que as decisões das agências se enquadram em dois pilares básicos, a tecnicidade para não contradizer a perícia em juízo, e também a aceitação popular, para que não haja perda eleitoral, albergando as aspirações populares. Contudo, isto tem gerado muitas vezes decisões inadequadas, conforme se depreende dos acórdãos a seguir vergastados. Utiliza-se a tecnicidade da agência como um instrumento legítimo para acobertar o atendimento de caprichos políticos, revestindo-os com critérios aparentemente apropriados, consubstanciados na falsa discricionariedade administrativa. A hipótese mais evidente consiste na utilização da agência em benefício dos interesses do Executivo. Decisões que poderiam ser objeto de controle e impugnação, se adotadas através do Executivo, são formalmente praticadas por uma agência. O efeito prático consiste na atenuação das críticas, na ampliação da autonomia governativa e na redução do sistema de controles sobre o governo. Mascara-se a decisão puramente política mediante sua implementação por meio de uma agência, a qual invoca critérios técnicos para produzir aquilo que é pura e simplesmente determinação oriunda de instâncias políticas superiores. 175 Vislumbrando a minoração das intervenções entre regulador e regulado, os dirigentes são impedidos de exercerem cargos nas empresas reguladas ao término de seu mandato por um período denominado quarentena, a fim de impedir que durante o lapso de quatro meses, haja incursões nas decisões da empresa, impedindo benefícios políticos em razão da prévia vinculação ao órgão regulador, e que portanto, deve ser preservada a distância por este período entre o ex diretor regulador e a empresa regulada, sob pena de cominação no crime de advocacia administrativa, conforme art. 8º, §4º da Lei 9.986/00. Acontece que, os dirigentes para sofrerem a indicação do governo federal arcam com o ônus de efetivar uma política com base nos interesses políticos partidários que estão no comando do governo no momento de sua indicação. Isto tem atrapalhado de forma abrupta o exercício da regulação, uma vez que a ideia da criação dos entes reguladores foi a possiblidade do exercício de uma atividade 173 JUSTTEN FILHO, Marçal, op, cit, p. 358 Ibidem, p. 359 175 JUSTTEN FILHO, Marçal, op, cit, p. 373 174 83 envolta de imparcialidade quando toma decisões em virtude da fiscalização sobre as empresas prestadoras de serviços à população. Mas o que se percebe é que o ente regulador termina sendo capturado pela empresa, que em troca de uma falsa fiscalização disponibiliza fundos aos partidos políticos, que em contrapartida também elaboram regulamentos capturados, parciais e atrelados aos interesses da empresa e não da sociedade demandante de melhorias dos serviços públicos. (...) a competência para produção de regulação propicia a formação de grandes núcleos de poder político. A função regulatória reservada a determinados cargos torna-os especialmente relevantes no quadro da partilha de poder político-partidário. Como decorrência, incrementa-se a disputa pela titularidade dos aludidos cargos e funções. O acesso aos cargos públicos correspondentes e a permanência neles deixa de ser dependente de virtudes ou qualidades pessoais do ocupante, para transformarse em vicissitude política. Aquilo que se poderia identificar como geopolítica partidária resulta numa espécie de feudalização das estruturas burocráticas. Determinados partidos políticos aderem ao governante mediante a obtenção do controle político sobre os órgãos encarregados da regulação. Os correligionários são indicados para ocupação de certas áreas (regulatórias, inclusive), independentemente de maior ou menor qualificação pessoal. Daí deriva a consagração de uma filosofia regulatória trágica, consistente na sua instrumentalização para projetos políticos individuais ou partidários. A regulação se configura, então, eivada de subjetivismo, parcialidade e de contradição com a técnica.176 Este argumento será bem demonstrado no ítem a respeito da captura econômica, por meio do acórdão do TRF da 5ª Região proferido em meio a Apelação Cível nº 342.739 e também do caso Alexandre Magro abordado no mesmo ítem. Percebe-se a clara ausência de autonomia dos entes reguladores, em meio às interferências políticas existentes sobre a atividade de regulação e os interesses do mercado que desvirtuam o motivo por meio do qual eles foram criados, levando a sua ineficiência, proporcionando o abarrotamento do judiciário por inúmeras demandas dos reclamantes em relação aos maus prestadores de serviços à coletividade, e impedindo que haja celeridade na decisão, em meio à desproporcionalidade entre o número de julgadores e o número de litígios intentados paralelamente. É cristalino abstrair destes argumentos que os regulamentos elaborados pelas próprias agências, pelos que preenchem os “cabides eleitorais”, são tendenciosos e variam conforme a conveniência. Mas é nítido entender que a solução do problema referente às interferências políticas nas agências reguladoras brasileiras, não está na sua dissolução dentro do sistema administrativo, a sua extinção não resolverá a questão no seu cerne, não alterará o cenário de 176 JUSTTEN FILHO, Marçal, op, cit, p. 359 84 corrupção, mas transportará a prática a quem quer que se encarregue das fiscalizações sobre as concessionárias. De outra banda, o poder público não pode albergar para si todas as atividades econômicas e prestações de serviço público, porque não possui recursos suficientes para tanto, nem corpo técnico especializado para tal mister. O enxugamento do estado no plano Bresser fez necessária a aparição de fiscalizações nos setores privatizados, mas enquanto a postura política e econômica brasileira não se mostrar apta a atender as melhorias da população, o problema se dissipará por muitas gerações, corroborando cada vez mais com uma ineficiente regulação setorial capturada politicamente. Nos atrelamos a copiar o modelo de agências autônomas do sistema norte americano, com amplos poderes de regulação, por vezes acusados de usurpação de poderes legislativos e executivos do Presidente da República, sem dar conta de que nossa estrutura administrativa ainda se impregna dos inócuos laços históricos coloniais. Leila Cuéllar acentua os caracteres que especificam a especialidade no regime autárquico: a independência administrativa, a autonomia financeira, a ausência de subordinação hierárquica e a previsão de estabilidade e mandato fixo de seus dirigentes. Salientando que as três primeiras se enquadram em todas as autarquias, e apenas a última a difere das demais.177 Depreende-se do trecho que não se concretiza a independência administrativa, eis que a relação de mera vinculação entre agência e ministérios esconde a verdadeira relação de subordinação; no que pertine à autonomia financeira, esta se liga basicamente às taxas cobradas pela fiscalização dos serviços, pois apesar de haver previsão de recebimento de recursos do Tesouro Nacional, a recepção é muito aquém das reais necessidades; com relação à ausência de subordinação hierárquica esta é maquiada porque as decisões das agências apesar de não passarem pelo crivo do poder executivo oficialmente, são lançadas conforme a vontade político partidária dos ocupantes dos cargos políticos do executivo; e a última característica sobre a estabilidade e fixidez do mandato retoma exceções que podem ser usadas contra o próprio dirigente regulador quando não houver mais interesse em sua permanência no cargo. A falta de conhecimento técnico da matéria destes dirigentes, leva a decisões absurdas e inconstitucionais, como pode ser observado no julgamento da apelação e remessa 177 CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001, p. 141 85 oficial nº 1520/CE (2003.81.00.013364-1), proferido pelo TRF da 5ª Região, através do Desembargador Francisco Cavalcanti, a respeito da legalidade da tarifa devidamente corrigida nos contratos da CHESF-Coelce e da ANEEL-Coelce pelo índice IGP-M, reputado ilegal pela ANEEL, a qual declarou a nulidade das cláusulas contratuais que preveem o reajustamento por este índice, talvez no intuito de albergar votos ante uma decisão tendenciosa, ou até mesmo ausência de conhecimento legal. Neste sentido discorre a ementa exarada pelo Tribunal:178 ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO E REVISÃO TARIFÁRIA. CONTROLE DE ÍNDICES PELO PODER JUDICIÁRIO. 1.Tem legitimidade o Ministério Público para propor ação civil pública referente a contrato de concessão de energia elétrica. O direito discutido envolve interesses sociais relevantes. Precedentes. 2. A utilização do índice IGP-M – média de três índices: atacado (60%), consumo (30%) e construção civil (10%) – não é ilegal. As distorções nas tarifas elétricas são causadas por outros fatores, tais como assimetria informacional, ineficiência dos controles da ANEEL, dentre outros, aspectos esses não discutidos na presente lide. 3. Impossibilidade de o Judiciário, ex officio, ampliar o objeto da lide. 4. Pedido limitado. Improcedência. Apelações e remessa necessária providas. E dos fundamentos do relator são lançados: A metodologia utilizada pela ANEEL é prejudicada pelas características do regulador setorial, fragilizado pelo fenômeno da captura, e pelos seguintes aspectos: precariedade no sistema de aferição dos ganhos de produtividade nas três áreas de concessão do setor elétrico (distribuição, transmissão e geração); assimetria informacional que tem caracterizado as planilhas de custos das concessionárias; utilização de paradigmas empresariais sem abatimento das vantagens econômicofinanceiras das concessionárias brasileiras; nítida preocupação do regulador em amparar o regulado, em desequilíbrio com a posição fragilizada do usuário; falta de procedimentalização adequada como instrumento de legitimação da atuação do regulador, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos; O grande vilão da revisão tarifária não é o IGP-M (ou qualquer índice de preço), mas a majoração dos custos não gerenciáveis. Como regra, não há revisão tarifária que não seja muito acima do IGP-M, ou do INPC, ou do IPCA, pois o problema se encontra nos custos não gerenciáveis (parcela A); O IGP-M é um índice médio e é a única coisa que não se pode discutir na revisão tarifária, pois presente nos contratos de concessão. Da leitura supra, percebe-se que a agência não detém ou não demonstra ao menos possuir o conhecimento técnico da matéria, eis que se aventurou em atacar um índice previsto no contrato de concessão, e que por esta razão se reveste de inteira legalidade, não havendo razão para tal decisum. Vê-se ainda que o principal ponto do problema é justamente dos custos não gerenciáveis, que representam 75% da tarifa 179, e que terminam sendo contabilizados na conta 178 Disponível em: www.trf5.jus.br/archive/2009/05/200381000133641_20090505.pdf. Acesso em 25/03/2013 86 do consumidor, culminando em reclamações contra o governo estabelecido e insatisfação política. É por esta falta de conhecimento geral que o governo vem efetivando queda de impostos em alguns setores da economia, atendendo ao que chama a atenção da população, não sabendo esta última que tudo é compensado posteriormente em outro bem de consumo supertarifado e que o governo efetiva tão somente a substituição da cobrança do valor de um bem por outro. O feito judicial bem demonstra a realização de um efetivo controle judicial dos atos administrativos no âmbito das agências reguladoras, quando eivados de ilegalidade, ao afrontar o princípio da legalidade que lhe dá sentido e que por esta razão deve ser respeitado em todas as decisões autárquicas. Demonstra ainda a carência de conhecimento técnico dos dirigentes, que ocupam seus cargos sem o compromisso devido e a triste realidade das agências reguladoras que não tem desempenhado seu papel com veemência, mas sim através de maquiagens políticas para satisfazer aos pleitos de seus indicadores que clamam por uma possível reeleição e permanência na dominação do poder. É certo que a população de um lado tem sua parcela de culpa, eis que as reuniões efetivadas pelo colegiado das agências são transmitidas inclusive via internet, para facilitar o controle social, mas, entretanto, o dito controle não se realiza em virtude de diversos aspectos, a educação que não é conferida à população sobre seus direitos civis e políticos, a cultura trabalhista que não compreende a ausência laboral para acompanhamento de questões sociais, e a economia que apenas vislumbra o cidadão como um cumpridor de metas inalcançáveis para garantir sua vaga no mercado de trabalho ou então ele será penalizado de alguma forma. Vemos que nos Estados Unidos há nítida participação popular, eis que nada se passa sem o Parlamento discutir rigorosamente. No Brasil diferentemente, o processo representativo muito mal funciona. Ainda “seguimos Portugal”, não intervimos, não há real poder de contradição ao império. As decisões administrativas tem sido fortemente influenciadas pela conveniência subjetiva do exercente do cargo público, inclusive se prestando a operações eticamente reprováveis destinadas a conquistar e a manter o clientelismo político. 180 CAMPOS, Giovanni Christian Nunes. Regulação do setor de energia elétrica no Brasil – Estrutura, agente regulador, distorções tarifarias e controle judicial. Revista Brasileira de Direito Administrativo e Regulatório, São Paulo: MP, vol. 1, 2010, p. 55 180 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. Cit, p. 592 179 87 Não obstante, todas estas inconsistências, é bom saber que há julgados no sentido de colmatar os erros de um mal gerenciamento público, e que dão sentido a credibilidade de um dia quiçá vermos a efetivação absoluta de um Estado Democrático de Direito. Vemos por fim, que a única maneira de combater estas práticas ilegais e abruptas efetivadas em conluio por entidades públicas e privadas, é a efetivação de um genuíno controle social e judicial sobre a conduta dos agentes, punindo largamente este abuso, e implementando uma nova política baseada na transparência e na responsabilização ou accountability, eis que a fiscalização não elimina a autonomia, mas baliza os limites do poder público em prol do bem comum. Por meio do controle externo devem ser verificados os dispêndios, licitações e contratações, a implementação de ações civis públicas e populares pelo MP em havendo necessidade de averiguação, instauração de inquérito civil público e por fim a realização do principio da universalidade de jurisdição, em meio à possibilidade de ampla investigação sobre as atividades das agências pelo judiciário.181 O sistema de freios e contrapesos juntamente com sociedade deve acompanhar a regularidade da gestão e o cumprimento dos fins, pois a atuação das agências será tão satisfatória quanto forem os instrumentos de participação social e de efetivação da democracia. Finaliza com o pensamento de Amaral: O futuro das agências reguladoras no Brasil dependerá do papel que venha a ser atribuído ao Estado regulador. Este somente será forte quando se tornar efetivamente um Estado nacional, expressão de uma nação consciente, dotada da auto-estima necessária para participar do processo de globalização como sujeito, e não, como tem ocorrido atualmente, como mero objeto.182 3.2 A Captura Econômica nas Agências Reguladoras As agências reguladoras foram criadas para fiscalizar e regular setores que sofreram o processo de privatização e que passaram a ter seus serviços prestados mediante 181 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. Cit. P. 589 AMARAL, Antônio Carlos Cintra. Agencias reguladoras de serviços públicos, Revista Diálogo Jurídico, vol. 1, n. 3., Salvador: CAJ, 2001, p. 6 182 88 concessão às empresas privadas licitadas para oferecerem o serviço público, bem como para regular o exercício das atividades econômicas. Ocorre que não raras vezes, as empresas escolhidas para prestarem os tais serviços terminam não fornecendo uma prestação de qualidade à população, que por sua vez utiliza as vias administrativas e judiciais para efetivar reclamações frente ao ente regulador, que não observa e nem pune de forma veemente estes prestadores de serviço. Mas, os entes reguladores, muitas vezes não tem interesse em punir os transgressores às leis concorrenciais e consumeristas, notadamente por conta de interesses pessoais de caráter econômico, ou seja, a própria agência se beneficia economicamente das empresas prestadoras do mau serviço. Neste ínterim, as empresas criam laços de dominação sobre os fiscais, impedindo que estes efetivem seu verdadeiro papel, e com isso prejudicam a eficiência da regulação, que funciona por amostragem, e que impede a concretização do Princípio da Legalidade na administração pública. Isto desencadeia um fenômeno conhecido como captura econômica, e que é tratado por diversas teorias econômicas, que tentam justificar esta prática e demonstrar onde se encontram as falhas para tentar desconstituir o problema. Muitas destas atitudes ilegais provocam as falhas de mercado, geram problemas de eficiência econômica, impedem a punibilidade dos agentes infratores e acima de tudo prejudicam os cidadãos consumidores, que pagam taxas para obtenção de serviços e bens de qualidade, mas que não os recebem na mesma proporção dos pagamentos efetivados. 3.2.1 Teorias Econômicas 3.2.1.1 Teoria do Interesse Público A Escola do Interesse Público defende que a regulação funciona como resposta ao conflito entre os agentes econômicos privados e o interesse público, tentando sobrepor o interesse público ao interesse privado dos agentes econômicos, que se utilizam do poder de mercado para agir abusivamente no sistema econômico, daí o governo é convocado para intervir na economia, tomando o controle da atividade econômica e coibindo os abusos, bem como corrigindo as ineficiências que desequilibrem o mercado. Segundo a Teoria em foco as agências reguladoras são criadas com objetivos públicos idôneos, entretanto são mal administradas não atingindo seus objetivos pretendidos, 89 contudo não leva em consideração que o grande número das conseqüências indesejadas da regulação é desejado por grupos influentes na elaboração da legislação, os quais estabelecem o sistema regulatório, além disso, a demonstração da má-administração é muito fraca e não foi formulada nenhuma teoria convencendo que as agências são menos eficientes que outras organizações.183 Os críticos desta escola, como Richard Posner, afirmam que as pesquisas não vem demonstrando a relação entre a regulação e a eficiência mercadológica, enfatizando o alto custo que a regulação resulta para a sociedade.184 O que sustenta a teoria é admitir que não seria, em princípio, possível a edição de normas ou regulamentos contrários aos princípios constitucionais, demonstrando fidelidade ao interesse público, fundamentador da regulação. Dentre os princípios podemos vislumbrar o art. 1º (Fundamentos do Estado Democrático de Direito), 5º, II (Legalidade), 37 (Gerais da Administração Pública), 170 (Gerais da ordem econômica), 173 (Prestação pelo Estado de atividades econômicas), 174 (Regulação), 175 (Prestação pelo Estado de serviços públicos), além dos implícitos como razoabilidade, proporcionalidade e subsidiariedade. Todos estes Princípios servem como um balizamento aos ditames legais, à lei é dada uma margem de atribuição axiológica, que ultrapassada culmina na ilegalidade. 3.2.1.2 Teoria da Falha Regulatória Segundo a Teoria da Falha Regulatória, o desenvolvimento da regulação necessariamente levaria à deturpação de seus fundamentos de interesse público, falta de eficiência, ausência de democracia no processo decisório e burocracia interna dos órgãos reguladores. Mas esta deturpação seria basicamente de três tipos: instrumental, estrutural e de captura. Com relação à primeira há em jogo fatores pessoais, trocas profissionais entre indústrias e agências. Já na estrutural, ocorre por indicações políticas, pois as grandes empresas geralmente são grandes doadoras de recursos para campanhas eleitorais, em contrapartida a regulamentação se faz favorável ao seu interesse. No último modelo, o da 30 AMARAL, Antônio Carlos Cintra. Agencias reguladoras de serviços públicos, Revista Diálogo Juridico, vol. 1, n. 3., Salvador: CAJ, 2001, p. 6 184 LOSS, Giovani R. Contribuições à Teoria da Regulação no Brasil: Fundamentos, Princípios e Limites do Poder Regulatório das Agências. In: ARAGÃO, Alexandre dos Santos, op. cit. P. 113-114 90 captura, as agências capturadas favoreceriam a indústria regulada por meio de suas regulamentações, desfavorecendo a sociedade.185 Marver Bernstein elenca quatro períodos formadores do ciclo de vida das agências: gestação, juventude, maturidade e velhice. Na gestação grupos de interesse demandam a criação de regulamentações para atender aos seus interesses. Quando chegam ao período da juventude existe uma posição de certa forma agressiva das agências reguladoras, mas a falta de experiência atrelada à mão de obra não especializada culminam na falta de objetividade na regulação, no teste de seu poder de polícia, caindo na maturidade onde ocorre a falta de suporte público e político das agências. Por fim chega à velhice, donde se assume uma postura passiva e burocrática, estabilizando-se como protetoras das indústrias reguladas.186 Os problemas com a manutenção das verbas governamentais, levam a dependência cada vez maior das agências em relação às indústrias reguladas, além disso, há falha na regulação no acompanhamento das alterações tecnológicas e econômicas das indústrias, que enfim retornam ao seu ciclo inicial. 3.2.1.3 Teoria da Captura A Teoria da Captura defende que o regulador ao exercer sua atividade, termina sendo capturado pelas empresas reguladas, em razão de interesses econômicos de ambas as partes, o regulador que por indicação política, precisa de sua relação com os partidos que lhe apoiem e as empresas que agindo de forma abusiva no mercado, sem sofrer punições regulamentares financiam campanhas eleitorais, por meio de doações aos partidos relacionados com os dirigentes das agências reguladoras, e que, além disso, facilitam a participação destas empresas no processo de licitações, ou até através de contratações diretas, passando a atividade como um presente pelos recursos disponíveis aos partidos políticos. A preocupação sobre o comportamento destas empresas financiadoras de campanhas eleitorais, visando a benefícios econômicos, levou o judiciário a repensar esta prática, e vislumbrando evitá-las, a Ministra do STF e presidente do TSE, Carmem Lúcia, se pronunciou no sentido de proibir estas doações fraudulentas, como uma maneira de coibir a troca de favores entre poder público e empresa, não obstante a opinião otimista da ministra, 185 LOSS, Giovani R. Contribuições à Teoria da Regulação no Brasil: Fundamentos, Princípios e Limites do Poder Regulatório das Agências. In: ARAGÃO, Alexandre dos Santos, op. cit., p. 114 186 Ibidem, p. 115-116 91 talvez isto proporcionasse doações ainda mais fraudulentas, não solucionando o problema em sua raiz.187 Existem algumas versões a respeito da teoria da captura. Os marxistas e ativistas políticos, como Raplh Nader, por exemplo, defendem que se trata de um processo pelo qual grupos de interesse procuram promover seus interesses privados, e assim grandes negócios – os capitalistas – controlam as instituições da sociedade, dentre as quais está a regulação e que, portanto, deve ser controlada pelos capitalistas. 188 Entretanto, isto se torna falso a partir do momento em que se percebe que parte da regulação é voltada a atender aos interesses de associações de pequenas empresas, ou instituições sem fins lucrativos e até sindicatos dos trabalhadores. Uma outra versão é a dos cientistas políticos, como Truman e Bentley, que enfatizam a importância dos grupos de interesse na formação de políticas públicas, em processos legislativos e administrativos, mas pecam em não explicar porque alguns interesses são representados no processo político e outros não, porque uns são bem sucedidos ou fracassam ao obter legislação favorável.189 Os críticos desta teoria defendem que ela não diz quais são os grupos que realmente influenciam, não identificam apenas dizem amplamente que existe tal interferência, e assim termina sendo caracterizada por insatisfatória.190 Além disso, direcionam a captura apenas as empresas reguladas, não salientando que os consumidores podem estar aptos a capturar a agência, já que tem total interesse no resultado do processo regulatório.191 3.2.1.4 Teoria Econômica da Regulação Proposta por George Stigler, por meio do artigo “The theory of economic regulation”. Defende que a regulação deve ser analisada como uma commodity, sujeita às 187 Disponível em: http://www.oestadorj.com.br/pais/empresas-financiam-quase-50-de-campanhas-politicas-em2012/. Acesso em 10/01/2013 188 Ibidem, p. 57 189 Disponível em: http://www.oestadorj.com.br/pais/empresas-financiam-quase-50-de-campanhas-politicas-em2012/. Acesso em 10/01/2013 190 Ibidem, p. 58 191 Disponível em: http://www.oestadorj.com.br/pais/empresas-financiam-quase-50-de-campanhas-politicas-em2012/. Acesso em 10/01/2013 92 forças da oferta e da demanda, da oferta dos reguladores e da demanda de grupos de interesse.192 Ela admite a captura das agências por quaisquer grupos de interesses e não somente por parte das indústrias, fundada nos argumentos de Anthony Downs. Este assume que políticos são movidos pela maximização de seus próprios interesses. 193 A tarefa central da teoria seria justificar quem receberá os benefícios ou quem arcará com o ônus da regulação, bem como os efeitos desta forma de regular194. Neste sentido, cientistas pesquisam os fundamentos às ineficiências regulatórias, alguns apontam a captura como um dos fatores, mas Posner contraria tal entendimento, pois para ele o nível de refinamento da Teoria anteriormente comentada, a da Captura195 ainda não permite predizer em que mercados poder-se-á encontrar regulação, assim a captura poderia ser efetuada por distintos grupos, empresários, políticos ou até mesmo consumidores. Outros defendem que a principal ferramenta à ineficiência regulatória é o interesse público eivado de vícios particulares que geram a má administração e assim impedem o funcionamento da regulação. Stigler combate a Teoria do Interesse Público196, também mencionada anteriormente, ao sustentar que ter-se-ia um verdadeiro comércio regulatório, totalmente estranho a qualquer ideia de interesse público. Ambos os cientistas subordinam as Teorias da Captura e do Interesse Público à Teoria Econômica. A Teoria Econômica da Regulação da Escola de Chicago consolidada por Stigler, Posner e Peltzman afirma que as falhas de governo coexistem com as falhas de mercado e determinam: Alguns críticos apontaram que as agências não estavam promovendo nem eficiência, nem bem-estar para os cidadãos∕consumidores. Outros passaram a argumentar que o custo da regulação produzida superava em muito os benefícios por ela gerados. 197 192 Disponível em: http://www.oestadorj.com.br/pais/empresas-financiam-quase-50-de-campanhas-politicas-em2012/. Acesso em 10/01/2013,p. 118 193 DOWNS, Anthony. An economic theory of democracy. New York, Harper & Row, 1957, p. 117 194 Ibidem, p. 23 195 MATTOS, Paulo; PRADO, Mariana Mota; ROCHA, Jean Paul Cabral Veiga da; COUTINHO, Diogo R. e OLIVA, Rafael. Regulação Econômica e Democracia: o debate norte-americano, Rio de Janeiro: Editora 34, 2004, pp. 15-17 196 Idem 93 Para Stigler, a ação regulatória é resultado da interação de interesses privados orientados unicamente pela busca da maximização de seus benefícios: interesses das indústrias reguladas demandando regulação, a fim de se protegerem da competição de outras firmas, enquanto o regulador atende às demandas em troca de apoio político.198 Posner entende tal teoria como dotada de superioridade analítica em relação às demais formulações, apontando falhas da teoria do interesse público, mas entende criticamente que a teoria econômica da regulação ainda demanda maior desenvolvimento analítico, eis que não define quais são exatamente os mercados onde se encontram a regulação.199 Peltzman por sua vez otimistamente defende que não existe um único interesse econômico que captura o ente regulatório, mas que existem casos em que o governo atenderá a outras pressões que não da indústria regulada, nesse sentido ele demonstra que nem tudo pode ser auferido ou vislumbrado economicamente, há interesses não “vendáveis” para o governo.200 A Teoria Econômica da Regulação sustenta que o poder coercitivo do governo pode ser usado para dar benefícios a indivíduos ou grupos específicos, sendo a regulação econômica vista como um produto cuja alocação é governada pela oferta e pela procura identificada pela teoria dos cartéis, a qual defende que a manutenção do preço monopolístico pode ser superada se o número de vendedores for pequeno, reduzindo os custos de manutenção e monitoramento.201 3.2.1.5 Teoria da Organização Administrativa A Teoria da Organização Administrativa é aquela baseada na existência de uma tendência das agências criarem cada vez mais regulamentos, na mesma proporção em que o governo tende a criar mais agências, com o objetivo de tentar conter os problemas econômicos e sociais existente na administração pública. 198 MATTOS, Paulo; PRADO, Mariana Mota; ROCHA, Jean Paul Cabral Veiga da; COUTINHO, Diogo R. e OLIVA, Rafael. Regulação Econômica e Democracia: o debate norte-americano, Rio de Janeiro: Editora 34, 2004, p. 15 199 Ibidem, p. 15, 16 200 Ibidem, p. 16 201 MATTOS, Paulo; PRADO, Mariana Mota; ROCHA, Jean Paul Cabral Veiga da; COUTINHO, Diogo R. e OLIVA, Rafael. Regulação Econômica e Democracia: o debate norte-americano, Rio de Janeiro: Editora 34, 2004, pp. 15-17 94 Baseia-se basicamente numa irracionalidade organizacional das agências, que criam regulações também irracionais, mediante a análise custo x benefício, não considerando situações específicas das indústrias reguladas, para não gerar comentários sobre benefício de umas indústrias em detrimento de outras.202 Criticam a teoria por não corroborar com a explanação sobre a origem da regulação, desconsiderando evidencias sobre grupos de interesse influentes sobre as agencias. Por fim, esta perspectiva retoma o pensamento da ineficácia agenciária sob o viés econômico, e que deve ser enfatizado para contenção dos motivos ensejadores da violação regulatória e impedir que esta prejudique a sociedade, a fim de materializar a verdadeira democracia. 3.2.3 Casos relacionados à Captura Econômica 3.2.3.1 Caso ANATEL O fenômeno da captura provém da doutrina americana denominada “Capture Theory”, a qual procura impedir a vinculação promíscua entre agência e governo instituidor ou entes regulados, comprometendo a independência da pessoa controladora.203 Neste sentido, afirma Carvalho Filho: (...) tais autarquias deverão ser fortes e atentas às áreas sob seu controle. Sem isso, surgirá o inevitável risco de que pessoas privadas pratiquem abuso de poder econômico, visando à dominação dos mercados e à eliminação da concorrência, provocando aumento arbitrário dos lucros. (...) A respeito do problema salienta o autor a necessidade do controle sobre os atos dos entes reguladores, para afastar indevidas influências sobre sua atuação, de modo a impedir que haja o benefício das empresas em desfavor dos usuários dos serviços. Isto tem gerado estudos e decisões por parte dos tribunais. O TRF da 5ª Região, por exemplo, proferiu acórdão, por meio da Apelação Cível nº 342.739, cujo relator foi o Desembargador Francisco Cavalcanti, no sentido de obstar a nomeação para vagas no Conselho Consultivo de agência reguladora, destinada à representação de entidades voltadas para os usuários, por pessoas que haviam ocupado cargos em empresas concessionárias, embasado no suspeito desempenho destes agentes. 204 202 LOSS, Giovani R. op. cit., p. 119-120 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012, p. 485 204 Idem 203 95 EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NOMEAÇÃO DE MEMBROS DO CONSELHO CONSULTIVO DA ANATEL. CABIMENTO. ILEGALIDADE. ATO ADMINISTRATIVO. DISCRICIONARIEDADE. APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ILEGALIDADE DA NOMEAÇÃO. ART. 34 DA LEI Nº 9.472/97. ART. 37 DO DECRETO Nº 2.338/97. REPRESENTANTES DA SOCIEDADE E DOS USUÁRIOS. NULIDADE DOS ATOS DE DESIGNAÇÃO. AFASTAMENTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. As partes alegaram haver respaldo legal, em virtude das indicações políticas do Presidente da República se basearem nos arts. 21,XI e 84, VI, a da CF/88, nos arts. 34 e 37 da LGT e art. 37, §4º do Decreto 2338/97, e argumentou que “a previsão de possibilidade de indicação por entidades representativas da sociedade não significa que o membro irá defender os interesses particulares de quem quer que seja”, mas é cristalino que sua anterior vinculação a concessionária TELEBRASIL traria dúvidas em relação a sua real imparcialidade na defesa dos interesses dos cidadãos usuários.205 Neste ínterim, o MP se pronunciou no sentido de acolher o julgado, em face dos indícios de contrariedade à lei, salientando que a presente ação não representaria a substituição do poder discricionário do executivo pelo Poder Judiciário, mas tão somente a correção de uma ilegalidade, alegando violação aos direitos do consumidor no âmbito da ANATEL, concordando com a ilegalidade das nomeações. 206 Este acórdão representa em verdade um louvável exercício do controle judicial sobre os atos administrativos eivados de vícios de legalidade frente aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, nos quais deve se pautar a administração pública. 3.2.3.2 Caso Grupo Empresarial Andrade Magro Em pesquisa foi fornecida pela Folha de São Paulo, no dia 23/11/2010, na coluna Poder, na página A9 , por meio dos autores Dimmi Amora e Hudson Corrêa. Segundo esta, os dirigentes da ANP desrespeitaram as regras do órgão para beneficiar o grupo empresarial Andrade Magro, proprietário da Refinaria de Manguinhos localizada no Rio de Janeiro. 207 205 Disponível em : http://www.trf5.jus.br/archive/2004/12/200283000094570_20041207.pdf. Acesso em 22/03/2013 206 Idem 207 Disponível em : http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po2311201012.htm. Acesso em 10/10/2012 96 Constatou-se que até dezembro de 2009, esta empresa tinha como principal executivo o petista Marcelo Sereno, que havia sido assessor do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Os dirigentes da ANP que tomaram as decisões beneficiando o grupo são aliados dos senadores peemedebistas José Sarney e Edison Lobão. Sereno que era o presidente nomeado da empresa a comandar a Refinaria de Manguinhos em 2008, foi candidato a Deputado Federal, porém não se elegeu para garantir a terceira suplência, e o período em que esteve à frente dos negócios coincidiu com a fase em que o grupo empresarial passou a colecionar decisões favoráveis na ANP, a qual chegou a contrariar sua própria legislação em favor destes empresários, conforme documentos obtidos pela Folha. O caso mais óbvio foi em abril de 2009 quando a procuradoria da ANP deu parecer favorável ao cancelamento do registro da empresa Tiger Oil, que era subsidiária do grupo Magro, ficando mais de um ano sem distribuir combustível. Mas pela legislação, a paralisação é tolerada até o limite de seis meses, após, o registro deve ser cancelado por uma decisão da diretoria colegiada da ANP determinando que a empresa não poderá mais funcionar. Ocorre que após a decisão dos técnicos, a questão da Tiger foi encaminhada para o diretor de Abastecimento da ANP, Allan Kardec Duailibe Barros Filho, destinado a mandálo ao colegiado para decidir pelo cancelamento. Mas Kardec, ex-filiado ao PC do B e genro do ex-presidente da Fundação José Sarney, José Carlos Sousa e Silva, teve sua indicação quando Lobão era ministro de Minas e Energia, chegou até a encaminhar o caso para o colegiado em 16 de julho de 2009, entretanto, quatro dias depois mandou o documento de volta à superintendência de combustíveis, evitou que o processo fosse a julgamento, tornandoo inerte por mais de um ano, sob a responsabilidade de Dirceu Amorelli, também indicado pelos peemedebistas para a diretoria na ANP. Em outubro de 2010, após a Folha pedir informações sobre o processo da Tiger, o caso foi incluído na pauta, votado e a Tiger teve seu registro cassado. Kardec e Amorelli também autorizaram outra transação vetada pela ANP entre empresas de um mesmo grupo, ao se constatar que a distribuidora fez um "empréstimo" de 2,7 milhões de litros de gasolina para a refinaria. O caso é investigado por suposto esquema de sonegação de impostos, sendo alvo de operações contra a chamada máfia dos combustíveis, pois nos anos de 2008 a 2010, a refinaria e outras empresas do grupo deixaram de recolher mais de R$ 368,4 milhões em ICMS no Rio de Janeiro e no Paraná. 97 De acordo com uma reportagem do jornal "O Globo", um inquérito da Polícia Civil do Rio de Janeiro elenca que os dirigentes da empresa contavam com apoio de um parlamentar para realizar operações ilegais, mas o grupo negou todas as acusações. 3.3 As Limitações decorrentes da Subordinação ao Orçamento Geral 3.3.1 A Falsa Independência Financeira e Orçamentária das Agências Reguladoras Brasileiras O aparecimento do Estado de Direito provocou-lhe diversas atribuições, foi quando o Estado se viu na necessidade de realizar descentralizações, repassando algumas de suas tarefas para entidades criadas com fins específicos, com o fito de melhor gerir a máquina pública, por instrumentos vinculados ao governo central, e que por desempenharem atividade com finalidade pública se submetem às regras da administração pública. Várias entidades surgiram baseadas na classificação trazida pela CF/88 em seu art. 37, no qual as agências reguladoras se demonstram como autarquias, mas com a peculiaridade de gozarem de regime especial em virtude da estabilidade de seus dirigentes, detentores de mandato fixo, a fim de melhor desempenhar suas funções com maior independência, diferencial em relação às autarquias comuns. Sobre o assunto observa Venancio Filho que essa técnica ou processo de descentralização serviu, antes de tudo, ao propósito de evitar ou reduzir os empeços e os inconvenientes da excessiva burocratização, pelo descongestionamento da administração central. Atribui-se, então, personalidade autônoma a certos serviços públicos, dotando-os de autogoverno e orçamento próprio, destacado do orçamento geral, para que eles possam melhor atender às finalidades a que se destinam, gozando de maior liberdade de iniciativa, e de movimento, através de um sistema de organização, que se aproxime, tanto quanto possível, daquela que se adota nas empresas privadas. Assim se alivia a sobrecarga insuportável da administração centralizada, que o intervencionismo estatal, sem esse corretivo, transformaria num conjunto babilônico de repartições e órgãos, condenado fatalmente à ineficiência, ao desgaste e à paralisação progressiva da maquinaria – em cujas engrenagens se sufocaria toda a vida coletiva. 208 Teoricamente, as agências reguladoras além dos aspectos já mencionados, possuem como outras características, ausência de subordinação hierárquica, autonomia financeira e orçamentária, personalidade jurídica e patrimônio próprio. 208 VENANCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico. Ed. Renovar, 1ª ed., Rio de Janeiro, 1968, p. 410 98 Nota-se que sobre a autonomia financeira e orçamentária, há condutas da administração central que impedem a concretude desta prerrogativa, comprometendo todas as outras, em razão da impossibilidade de realizar quaisquer fiscalizações ou efetivações de políticas públicas sem os recursos essenciais para tanto. Há, porém, outras fontes de receitas no âmbito das agências, além dos repasses da União, tais como: cobrança de taxas de fiscalização; venda de materiais para fins de licitação; taxas de inscrição em concurso público; operações financeiras que porventura realizem; execução de dívida ativa; convênios, acordos ou contratos celebrados com outras entidades; doações, legados ou subvenções concedidas; venda ou aluguel de bens; retribuição por serviços prestados a terceiros e arrecadação de multas de fiscalização, mas que não dão conta em face da demanda em seu exercício.209 Não obstante, nós possuímos dentre os dispositivos constitucionais, o art. 165, I da CF/88, trazendo o PPA (Plano Plurianual) que traça as diretrizes, os objetivos e as metas em relação à utilização do dinheiro público, por meio do planejamento, visando ao equilíbrio das contas públicas; o art. 165, II, como segunda etapa do planejamento, com a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), pois traça as metas e as prioridades que devem ser investidas com estes recursos, para cada exercício, orientando a LOA (Lei Orçamentária Anual), encaminhada ao Congresso Nacional todo ano até 31 de agosto, e ainda dispondo sobre execução orçamentária e metas fiscais. A LOA, com base no art. 165, III, estima receita e fixa os gastos, fixando orçamento fiscal, seguridade social, investimento, autorização para contratação de operações de crédito e emissão de títulos da dívida agrária. Temos ainda a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), visando à transparência nos gastos, e a Lei de Finanças Públicas, definindo conceitos de Direito Financeiro, Lei nº 4320/1964. Sabendo-se que o orçamento é uno, ou seja, é composto por todas as receitas e despesas de todos os entes da administração pública, o que a agência reguladora pode fazer é elaborar sua proposta orçamentária com planejamento estratégico, receitas previstas e despesas estimadas, enviando-a ao Ministério correlato, que a submeterá ao MPOG (Ministério de Planejamento Orçamento e Gestão), centralizador das propostas orçamentárias que encaminhará ao Congresso Nacional. 209 Disponível em http://www.cvm.gov.br/port/public/publ/ie_ufrj_cvm/Leonardo_Jose_Mattos_Sultani.pdf. Acesso em 12/03/2013 99 Ocorre que, as propostas orçamentárias são devolvidas, via ofício, para que se adequem aos limites tracejados pela SPOA (Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração), vinculada à Secretaria Executiva do Ministério correlato, e caso não o façam ela própria a fará e a enviará ao MPOG, demonstrando uma nítida intervenção do governo central, ferindo a autonomia concedida à agência reguladora. Como se não bastasse este absurdo, ainda são realizados contingenciamentos de forma constante, com base na LDO, que permite limitações orçamentárias excepcionalmente, tornando necessário o uso de créditos suplementares, e assim dependência da administração central. As taxas de fiscalização encontram substrato no art. 145, II da CF/88 e art. 77 do CTN (Código Tributário Nacional), possuindo caráter vinculado, em razão da prestação estatal específica em favor do contribuinte, e retributivo em razão do custo/benefício. Neste sentido, seria inadmissível, o uso destes recursos por fins estranhos, pois caracterizaria desvio de finalidade, e afronta ao principio da proporcionalidade. Alexandre Santos de Aragão comenta: ... (a) a taxa não estaria sendo o meio adequado para financiar a atividade de poder de polícia das agências reguladoras, já que não estaria sendo efetivamente utilizada com este escopo; e (b) estariam sendo cobrados, a título de taxa, valores excedentes ao custeio da atividade estatal que configura o fato gerador da taxa, vez que grande parte deles estariam sendo contingenciados para fazer superávit fiscal210 As receitas arrecadadas pelas agências ingressam os cofres públicos com a GRU (Guia de Recolhimento da União), que por meio do Banco do Brasil são direcionados ao Tesouro Nacional, gerando prejuízos sérios às entidades, como repasse tardio de verbas emergenciais, comprometendo atividades e a impossibilidade de aplicações financeiras, terminando estes valores sendo apropriados pela STN (Secretaria do Tesouro Nacional) para usá-lo como superávit fiscal, violando concretamente a autonomia financeira e orçamentária das agências reguladoras.211 As receitas das autarquias provenientes de taxas de fiscalização, não obstante haver previsão de recebimento de receitas do Tesouro, tem sido contingenciadas conforme já 210 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Considerações sobre o Contingenciamento das Agências Reguladoras, in Revista da Associação Brasileira de Agências Reguladoras. Porto Alegre: LUGAR, p. 11 211 Disponível em http://www.cvm.gov.br/port/public/publ/ie_ufrj_cvm/Leonardo_Jose_Mattos_Sultani.pdf. Acesso em 12/03/2013 100 mencionado, gerando o cerceamento do desenvolvimento das atividades do ente regulador, mas nada se faz para impedir.212 Suas despesas foram congeladas nos últimos anos, impedindo ao órgão cumprir os objetivos definidos no marco regulatório, em virtude da redução real das despesas de investimento e custeio.213 As taxas de fiscalização vem servindo como substituição de impostos e para certificar a distorção do modelo tarifário os estados mais pobres estão pagando tarifas maiores.214 Houve uma ADIN da Confederação Nacional dos Transportes em face dos contingenciamentos dos recursos da CIDE-Combustíveis, na qual o STF reconheceu a inconstitucionalidade de tal manobra, e assim acredita-se que o entendimento seja extensivo às agencias reguladoras, como impedimento desta prática pela administração central.215 Em contrapartida ao caso brasileiro, vemos no sistema alemão, as instituições autônomas como genuinamente independentes. Todas possuem autonomia financeira, elaboram inclusive seu próprio orçamento, submetendo-o posteriormente ao Tribunal de Contas do Land correspondente, não podendo estar sujeitas a nenhum tipo de controle político.216 Há de outra banda, uma única exceção à independência financeira e orçamentária em suas agencias, que são as Universidades, por meio da qual intervém o Ministro da Fazenda e da Educação, em razão de receberem recursos por parte do governo federal, já que os valores por elas arrecadados não servem o bastante para o bom desempenho de sua atividade.217 As Universidades se encaixam numa dupla classificação, como corporações e instituições simultaneamente, eis que possuem vinculação com direitos fundamentais – se atinentes às corporações - e profissional, econômica, social e cultura – se relacionadas às CAMPOS, Giovanni Christian Nunes. Regulação do setor de energia elétrica no Brasil – Estrutura, agente regulador, distorções tarifárias e controle judicial. Revista Brasileira de Direito Administrativo Regulatório. N. 1,São Paulo: MD, 2010, p. 40/41 213 Idem 214 CAMPOS, Giovanni Christian Nunes. Regulação do setor de energia elétrica no Brasil – Estrutura, agente regulador, distorções tarifárias e controle judicial. Revista Brasileira de Direito Administrativo Regulatório. N. 1, São Paulo: MD, 2010, p. 49 215 Idem 216 MARTINEZ, Maria Salvador. Autoridades Independientes. Barcelona: Ariel, 2002, p. 175/176 217 Idem 212 101 instituições. Além disso, as corporações recebem recursos de quotas dos membros e as instituições das taxas cobradas dos usuários, excepcionalmente recebem ajudas estatais. 218 Com isto se percebe que diferentemente do que ocorre em todos os sistemas administrativos, o único que possui esta prerrogativa da independência de fato é o modelo alemão, e que os demais não passam de independências maquiadas, variando conforme o grau de esclarecimento quanto à liberação de verbas para priorizarem as políticas públicas tão essenciais para o atendimento das necessidades coletivas e à efetivação do exercício da democracia, com base num governo notadamente do povo e para o povo. 3.3.2 O Orçamento e o Projeto de Lei 3337/04 A ideia de orçamento tem como cerne a exigência de mais flexibilidade na administração pública, se alastrando por todo o mundo em virtude de sua importância no controle da situação financeira do Estado, por conta dos montantes de receitas e despesas públicas. Deveria haver autonomia dos entes federados no âmbito da gestão orçamentária, devendo prestar contas perante seu órgão competente, que no caso é o Tribunal de Contas, a fim de controlar o dinheiro público, e evitar a captura política, denominada como comportamento sistemático que promove exclusivamente os interesses de um minúsculo grupo, que busca benefícios exclusivos e que prejudicam eleitores desorganizados e a sociedade em geral.219 Percebe-se que é imprescindível a real participação popular na composição da estrutura das instituições autônomas, para fortalecer o aparato administrativo, ingressando a participação cidadã, legitimando esta descentralização administrativa.220 O orçamento deve estar estampado no princípio da sinceridade, em razão de demonstrar a importância do valor real de receitas e despesas, e não, de receitas superestimadas e despesas subestimadas, como comumente vem ocorrendo no Brasil, tendo como consequência o corte de gastos comprometedores de políticas públicas e os gastos em projetos demagógicos, a fim de obter benefícios políticos indiretos, eis que políticos 218 MARTINEZ, Maria Salvador. Autoridades Independientes. Barcelona: Ariel, 2002, p. 168,169,175 CAMPOS, Luciana Ribeiro. Direito orçamentário em busca da sustentabilidade: do planejamento à execução orçamentária. 2013 (300f.), Tese (Doutorado em Direito) UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Recife, 2013, p. 176. 220 Ibidem, p. 141, 142, 145, 149 219 102 eleitoreiros preferem uma política baseada em superávit orçamentário, objetivando vantagens de uma possível reeleição.221 Sabemos que as agências reguladoras como autarquias que são, recebem verbas repassadas pela União conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ocorre que, sua teorização identifica-a como pessoa jurídica de direito público no gozo da autonomia financeira, o que requer independência em relação aos repasses estatais. Não obstante, na prática o que acontece no Brasil são os contingenciamentos realizados pelo governo federal, na tentativa de utilizar os ativos arrecadados pela agência, a fins diversos que não os vislumbrados por ela, desencadeando um processo de dominação financeira. Isto demonstra que não existe obviamente a autonomia necessária para a realização de seus misteres, gerando muitas vezes a amarra de seu papel fiscalizatório por não haver como investir no setor, por serem irrisórias as verbas repassadas pela União. Visando a resolver o problema do orçamento, o Projeto de Lei nº 3337 de 2004 vislumbrou transmudar a natureza taxas, que podem ser somadas aos recursos disponíveis subordinados ao poder discricionário do governo, para contribuição que possuem destinação específica, impedindo que os recursos arrecadados pelas autarquias não sejam desvirtuados para outros fins, e que não deixem brechas para o uso em outra atividade que não a tracejada por lei, porém em virtude da não aprovação do projeto ainda há quase dez anos paralisado e recentemente retirado de pauta no CN, o problema prejudica até os dias atuais o papel fiscal das agências reguladoras, subjugadas ao alvedrio da União. 222 Além disso, este projeto veio estabelecer regras claras que prezem pela independência do ouvidor e, ainda que impeçam a atividade de contingenciamento, melhore a questão da estabilidade dos dirigentes das agencias, ampliando seu período de quarentena, para impedir parcialidades. Deve garantir o preenchimento dos quadros da diretoria impedindo que haja vacância para não prejudicar o trabalho dos reguladores, e se não houver o quórum mínimo de três membros, deve haver prorrogação do mandato, até a solução da vacância, até porque mandatos mais longos beneficiarão a sua independência, já que impedirão a troca completa dos membros dentro de um mesmo governo. 221 CAMPOS, Luciana Ribeiro. Direito orçamentário em busca da sustentabilidade: do planejamento à execução orçamentária. 2013 (300f.), Tese (Doutorado em Direito) UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Recife, 2013, p. 195,196,199 222 Disponível em: http://www.acendebrasil.com.br/archives/files/Energia_02.pdf, acesso em 07/03/2013 103 E ainda reforçar os mecanismos de transparência e accountability (responsabilização), ampliando inclusive o prazo para consultas e audiências, incentivando a efetiva participação social nas decisões, bem como a prestação de contas ao Congresso Nacional no lugar dos contratos de gestão. Ele recebeu 137 emendas, apesar de ter sido elaborada comissão especial para sua votação, um mês depois sua urgência foi cancelada, e novamente solicitada, só que agora em caráter simbólico sem prazo, e ao final da legislatura a comissão foi extinta, e nada mais houve para seu prosseguimento. Deveria haver uma solidificação maior no orçamento brasileiro, com verdadeira autonomia orçamentária nas agências, eis que estão submetidas ao controle de contas, mas a administração pública muitas vezes não pondera o uso de recursos públicos corretamente, como por exemplo, nos contratos realizados pelas empresas vencedores de certame licitatório, que deveriam ser mais regrados em relação ao aumento de valores exorbitantes, posto que no Brasil este limite é estabelecido em 25%, e o que ocorre são contratos cumpridos com preços sempre superiores, proveniente do desvio de recursos públicos, ou mesmo por causa da álea assumida pela empresa que contrata com o poder público, se submetendo aos atrasos nos pagamentos do governo.223 Daí, o princípio da sinceridade aparecer como defensor da publicação dos reais valores contratuais, bem como do controle dos contingenciamentos e execuções desproporcionais das dotações às políticas públicas. Os argumentos favoráveis à desvinculação de receitas, tecem comentários no sentido de que no Brasil, 40% das receitas orçamentárias são vinculadas à saúde e à educação, restando apenas 60% para todas as outras coisas, como infraestrutura, saneamento, transporte, desporto, moradia etc, o que torna difícil a execução dos demais serviços em razão do montante que sobrou para o atendimento de tantas necessidades. Há por isso, a proposta de abolir as vinculações de receitas, pois a parte da receita pública não comprometida a determinados fins é pequena e resta limitada a discricionariedade do Poder Público no processo de elaboração do orçamento para atender a outros programas não descritos na CF. 224 Esta desvinculação acima tratada refere-se à DRU (Desvinculação de Receitas da União), a qual foi criada no governo de FHC, em 1994, denominada como instrumento legal 223 CAMPOS, Luciana Ribeiro. Direito orçamentário em busca da sustentabilidade: do planejamento à execução orçamentária. 2013 (300f.), Tese (Doutorado em Direito) UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Recife, 2013, p. 200 224 Ibidem, p. 222 104 usado pelo governo federal para usar discricionariamente 20% dos recursos oriundos dos impostos e contribuições, para maior flexibilidade orçamentária. Para eles, parte considerável da receita pública já está engessada no seu nascimento, e a pequena parcela restante é que fica para o planejamento essencial de políticas públicas, com tributos vinculados, pois os não vinculados vão para o atendimento das despesas constitucionalmente protegidas e parte das entradas públicas tem que ser para pagamento dos servidores e para os custos de manutenção. 3.3.3 Políticas Públicas e Justiça Fiscal As políticas públicas são ações desencadeadas pelo Estado para atender às necessidades da sociedade, podendo ser prestadas unicamente pelo governo ou por meio de PPPs (Parcerias Público Privadas). Estas para serem implementadas, precisam obviamente de receitas que financiem os projetos, mas há diversos problemas na administração pública no que pertine ao manuseio dos recursos públicos direcionados à efetivação de tais políticas. Baleeiro, elenca as cinco fases da receita pública: a primeira seria a parasitária, como proveniente da extorsão em guerra; a segunda seria a dominial, proveniente do patrimônio do rei; a terceira seria a regaliana, proveniente do pedágio; a quarta seria a tributária e por fim a social, provenientes da tributação extrafiscal sócio política. Ele ainda define receita pública como entrada que integrando-se ao patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu valor como elemento novo e positivo. 225 Art. 11 - A receita classificar-se-á nas seguintes categorias econômicas: Receitas Correntes e Receitas de Capital § 4º - A classificação da receita obedecerá ao seguinte esquema: RECEITAS CORRENTES RECEITA TRIBUTÁRIA Impostos Taxas Contribuições de Melhoria RECEITA DE CONTRIBUIÇOES Contribuições Sociais Contribuições Econômicas RECEITA PATRIMONIAL RECEITA AGROPECUÁRIA 225 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 150 105 RECEITA INDUSTRIAL RECEITA DE SERVIÇOS TRANSFERÊNCIAS CORRENTES OUTRAS RECEITAS CORRENTES RECEITAS DE CAPITAL OPERAÇÕES DE CRÉDITO ALIENAÇÃO DE BENS AMORTIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS TRANSFERÊNCIAS DE CAPITAL OUTRAS RECEITAS DE CAPITAL De acordo com a Lei 4320/64, a receita pública se divide em receita corrente e receita de capital. As receitas correntes se subdividem em receitas tributárias (impostos – tributos não vinculados -, taxas - serviços divisíveis e específicos - e contribuições de melhoria - tributos vinculados-, receitas de contribuições (contribuições sociais e contribuições econômicas), receita patrimonial, receita industrial, receita de serviços e outras, conforme o §4º do art. 11 da lei supra mencionada. As receitas de contribuições tem o caráter de serem receitas vinculadas, deve haver com a entrada destes montantes, vinculação orçamentária com despesas mandatórias como educação básica, saúde, pobreza etc. O que se nota nos últimos anos, é que as receitas de contribuições ultrapassaram as receitas tributárias, assim contribuições sociais e econômicas são em maior número do que as taxas e os impostos e se o tributo tem um fim específico, a maior parte da receita das fontes tributárias está comprometida. Em razão disto, a EC 44 repartiu parcela da contribuição de intervenção no domínio econômico, consubstanciada nos art. 177, §4º e art. 159,III da CF/88, levando a política tributária a deixar de ser baseada em impostos para basear-se em contribuições. Além disso, a EC 27/00 desvinculou 20% dos impostos e contribuições da União, com base no art. 76 da ADCT. A EC 42/03 desvinculou 20% da receita da União de impostos e contribuições sociais e intervenção no domínio econômico (contribuição para financiamento de seguridade social, cota-parte da contribuição sindical, contribuição sobre concursos de prognósticos, contribuições para programas de integração social e de formação do patrimônio público, contribuição social sobre o lucro líquido das pessoas jurídicas e contribuições sobre movimentação financeira ou transmissão de valores e de crédito de natureza financeira – exceto parcela do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza-). A EC 56/07 prorrogou tudo 106 isto para 2011 e a EC 59/09 reduziu parcela da desvinculação do FUNDEB, em 2009 para 12,5%, em 2010 para 5% e em 2011 para 0. 226 As politicas públicas vinculadas aos tributos foram prejudicadas, pois os tributos vinculados ao serem desvinculados passam a exercer a função de impostos, os quais não são vinculados e sim repartidos igualmente pela sociedade, gerando um ônus desigual, para aqueles que contribuíram de forma vinculada ao tributo com vinculação. Isso gerou o direcionamento destas políticas ao beneficiamento de grupos eleitoreiros, cita-se como exemplo o orçamento participativo. As taxas utilizam o princípio da equivalência (proíbe que o tributo ultrapasse o benefício), ou seja, o serviço equivale ao valor cobrado mediante taxa, e as contribuições utilizam o principio da proporcionalidade (se contribui proporcionalmente ao benefício, e não de forma abusiva), e não se sujeitam ao princípio da capacidade contributiva atinente aos impostos (baseado na solidariedade fiscal), não sendo direcionado para as necessidades gerais e sim específicas. Sobre o principio da proporcionalidade argumenta Orozimbo Nonato no julgamento do RE 18331: o poder estatal de não taxar não pode chegar a desmedida do poder de destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade do trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade, sob pena de caracterizar ‘detournement de pouvoir’. 227 Não obstante, o que acontece na realidade é o atendimento das necessidades gerais, ainda que sem ser baseado na capacidade contributiva, e assim grupos específicos sustentam políticas gerais, o que gera grave injustiça fiscal.228 As políticas públicas deixam de ser financiadas por tributos não vinculados para serem financiadas por tributos vinculados que sofrem desvinculação e culminam no seu sustento sobre toda a sociedade e as políticas públicas protegidas por tributos vinculados são simplesmente abandonas. Ocorre que, nos manuais de Direito Financeiro e Tributário tende-se a argumentar que os tributos não vinculados são as melhores formas para se planejar o gasto público, mas o que, no entanto, a prática tem demonstrado é a sustentação de políticas públicas por tributos 226 CAMPOS, op. Cit, p. 234, 235 Disponível em : http://www.slideshare.net/frankmagalhaes2/proporcionalidade-tributaria, acesso em 12/03/2013 228 Idem 227 107 vinculados que sofrem desvinculação, em virtude do aumento de tributos vinculados (taxas e contribuições) dos anos 90 para os dias atuais, inclusive a DRU resultou em 20% de apropriação pela União dos recursos que deveriam ter fins sociais. Deveria a repartição de receitas de contribuição ser direcionada para políticas públicas e se fundar em impostos, apenas mexendo nos tributos vinculados de forma subsidiária. Se arrecadados os tributos, eles serão classificados como receitas tributárias ou receitas de contribuição, mas se for para a conta única perderão a referência, podendo ser usado para qualquer destino, inclusive ser alvo de contingenciamento, o qual não possui um limite legal, e impede a proteção dos direitos protegidos. Com relação à despesa pública, segundo Baleeiro, denomina-se como o conjunto dos dispêndios do Estado ou de outra pessoa de Direito Público, para o funcionamento dos serviços públicos. Ou ainda, aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente, dentro de uma autorização legislativa, para a execução de fim a cargo do governo. 229 O art. 17 da Lei 4320/64 classifica despesa pública em despesa corrente e despesa de capital. Dentre as despesas correntes se tem despesas de custeio (que são obrigatórias e de caráter contínuo) e transferências correntes (transferências constitucionais). Despesas de custeios são dotações para manutenção de serviços anteriormente criados, inclusive destinados a atender a obras de conservação e adaptação de bens imóveis, de acordo com o art. 12 §1º, são despesas de pessoal, material de consumo, contratação de terceirizados, etc. As transferências correntes, contidas no art. 12 §2º da lei, são despesas que não correspondem contra prestação direta em bens ou serviços, inclusive para contribuições e subvenções, destinadas à atender à manifestação de outras entidades de direito público ou privado. Art. 13. Observadas as categorias econômicas do art. 12, a discriminação ou especificação da despesa por elementos, em cada unidade administrativa ou órgão de govêrno, obedecerá ao seguinte esquema: DESPESAS CORRENTES Despesas de Custeio Pessoa Civil Pessoal Militar Material de Consumo 229 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 83 108 Serviços de Terceiros Encargos Diversos Transferências Correntes Subvenções Sociais Subvenções Econômicas Inativos Pensionistas Salário Família e Abono Familiar Juros da Dívida Pública Contribuições de Previdência Social Diversas Transferências Correntes. DESPESAS DE CAPITAL Investimentos Obras Públicas Serviços em Regime de Programação Especial Equipamentos e Instalações Material Permanente Participação em Constituição ou Aumento de Capital de Emprêsas ou Entidades Industriais ou Agrícolas Inversões Financeiras Aquisição de Imóveis Participação em Constituição ou Aumento de Capital de Emprêsas ou Entidades Comerciais ou Financeiras Aquisição de Títulos Representativos de Capital de Emprêsa em Funcionamento Constituição de Fundos Rotativos Concessão de Empréstimos Diversas Inversões Financeiras Transferências de Capital Amortização da Dívida Pública Auxílios para Obras Públicas Auxílios para Equipamentos e Instalações Auxílios para Inversões Financeiras Outras Contribuições. Há nas despesas, afora estas contabilizações, aquelas de montantes provenientes de refinanciamento e refinanciamento da dívida mobiliária interna e externa, e que, portanto, devem ser retiradas do valor correspondente às despesas, pois estas operações de crédito, mediante emissão de novos títulos vencidos geram a rolagem da dívida pública federal.230 230 CAMPOS, op. Cit, p. 233 109 Desde 1990, arrecadam-se mais tributos vinculados (taxas e contribuições), onde não há preocupação com a capacidade contributiva, realizando uma situação de injustiça fiscal, desorganizando e aumentando a carga tributária, atualmente em média 65%.231 Acresce-se ainda a quebra do pacto federativo, uma vez que as contribuições não se tratam de repartição constitucional de receitas com entes menores, limitando o acesso dos entes federativos menores à principal fonte de receitas, as contribuições. Há um aumento na centralização de receitas nas mãos da União, mas as partilhas para com os outros entes continuam em mesma medida, não acompanhando o acúmulo federal, gerando uma complexidade de problemas em relação a crescente demanda pública em setores essenciais, principalmente no setor regulador, gerando o verdadeiro caos na prestação de serviços, citam-se como exemplos educação e saúde, que não obstante serem eleitos prioritários, refletem a ausente execução. Merece ainda ênfase a respeito das discussões sobre o depósito dos royalties do petróleo na conta única do governo federal, em virtude de serem as receitas originárias dos Estados contabilizando grande montante de capital, mas que tem natureza de indenização como compensação financeira em razão das perdas dos recursos provenientes de sua exploração aos Estados detentores, não devendo por isso seguir o destino do Tesouro Nacional, a não ser que sejam decorrentes da exploração em águas pertencentes exclusivamente à União, esta seria a única possibilidade legal em haver o repasse para os demais entes políticos, caso contrário restaria em total afronta ao princípio da autonomia dos estados federados, com base no art. 18 da CF/88. 232 Tendo em vista esta situação, os arts. 20 e 27 da Lei 9478/97, bem como os arts. 18, 20 e 35 do Decreto 2705/98 devem ser reputados inconstitucionais, além do que a ANP, como autarquia federal, vinculada ao governo central, não tem o condão de fiscalizar recursos que não os da União. Esta falta de autonomia nos entes reguladores brasileiros repercute num outro campo extremamente prejudicial para a economia, que é o descrédito dos financiadores em função dos altos riscos que os negócios podem proporcionar-lhes, impedindo uma maior participação e assim impedindo a qualificação dos serviços necessários para o desenvolvimento, culminando no encarecimento do custo do capital e o aumento da tarifa final para o consumidor, corroborando com a insatisfação generalizada da população que mais 231 CAMPOS, op. Cit, p. 244 Disponível em : http://download.rj.gov.br/documentos/10112/766503/DLFE46421.pdf/Revista_59_Doutrina_pg_223_a_236.pdf, acesso em 13/03/2013 232 110 sofre com isto, por receber não raras vezes um serviço ou produto caro e de baixa qualidade, sem solução regulatória para a reparação, tornando frustrante a legislação em relação à praxe vivenciada. Ora, se o órgão regulador deve equilibrar a relação, consumidor vs. empresa regulada, e nada faz em relação a estes, não há porque continuar a existir, a menos que haja uma modificação concreta na efetivação de seu exercício, e um melhoramento da legislação, por exemplo, no que tange a figura do ouvidor, ele é direcionado unicamente pelo Presidente da República, não passando pelo Poder Legislativo, o que prejudica o papel da governança, e aprimora o controle direto do executivo sobre sua tomada de decisão em relação às denúncias, desequilibrando sensivelmente a relação triangular, estado, denunciante e ouvidor, aproximando estado e ouvidor em detrimento do denunciante que mais tem interesse na solução do problema, refletindo pendular influência política. Por tudo isto, finaliza com o pensamento de Luís Roberto Barroso que assim observa: é desnecessário, com efeito, enfatizar que as agências reguladoras somente terão condições de desempenhar adequadamente seu papel se ficarem preservadas de ingerências externas inadequadas, especialmente por parte do Poder Público, tanto no que diz respeito a suas decisões político-administrativas quanto a sua capacidade financeira. Constatada a evidência, o ordenamento jurídico cuidou de estruturá-las como autarquias especiais, dotadas de autonomia político-administrativa e autonomia econômico-financeira. 233 Abstrai-se que o Brasil, enquanto não modificar sua conscientização em relação ao correto manuseio de verbas públicas, obedecendo as suas destinações constitucionais, efetivando os repasses legais e corroborando com uma política de solução dos problemas coletivos, não irá muito longe na aquisição de uma real independência administrativa. 3.4 Repercussões Econômicas sobre a Regulação e o Meio Ambiente O papel da Agência Nacional do Petróleo na atividade regulatória legitima a regulação da atividade petrolífera por meio de substrato constitucional e se encontra em constante ascensão em virtude da repercussão econômica gerada pela exploração do petróleo 233 BARROSO, Luís Roberto. Apontamentos sobre as agencias reguladoras. In: MORAES, Alexandre de. Agencias reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002, p. 121 111 e gás, em contrapartida esta busca incessante por campos de petróleo tem provocado externalidades negativas. Diversos fatores envolvem a questão petrolífera, mas o econômico tem prejudicado bastante a regulação, em razão dos mecanismos de captura e da politização no papel fiscalizatório do Estado, proporcionando ameaças à livre concorrência, ao mercado de consumo, à coletividade e até ao meio ambiente. Isto nos leva a um estudo no que tange ao controle da atividade petrolífera por parte do governo sobre as empresas concessionárias estatais, esmiuçando a afronta ao direito fundamental à saúde e ao meio ambiente equilibrado insculpido no art. 225 da CF/88 por meio do descaso governamental quando há aspectos econômicos envoltos ante o objetivo elencado no art. 1º, IV da Lei do Petróleo, o qual defende um desenvolvimento sadio para o meio. 3.4.1 O Direito Fundamental ao Meio Ambiente Sadio e Equilibrado e a Análise Econômica na Atuação da ANP sobre as Atividades Petrolíferas Muito se tem questionado sobre o fator econômico como a bússola da atividade regulatória, eis que define onde se deve mexer na economia do país, seja por meio da atividade normativa ou através da política fiscal. A questão da ineficiência agenciaria se vê cominada também com os problemas relativos ao mercado e o seguimento ao direito desencadeia um cálculo probabilístico em relação ao fisco e à potencial perda econômica, pois sendo algo improvável de fiscalização desinteressa ao indivíduo seguir o direito à risca. Muitas vezes o direito se defronta com situações estratégicas, tal como se fosse um verdadeiro jogo, assim caracterizando os jogadores, as estratégias de cada jogador e os payoffs (ganhos ou retornos) de cada jogador para cada estratégia, conforme a Teoria dos Jogos.234 Contudo, a escolha individual não raras vezes depende de fatores como o tempo, a energia, o conhecimento, a cultura pessoal, e principalmente a renda limitada, pois todos irão determinar o que o consumidor pode escolher dentro das suas limitações de acordo com a Teoria da Escolha Racional.235 234 235 COOTER, Robert, ULLEN, Thomas. Direito & Economia. 5 ed, Porto Alegre: Bookman, 2010, p 56 Ibidem, p. 44 112 A questão das falhas de mercado justifica a atividade interventora do Estado sobre a economia, pois as primeiras sempre haverão diante da impossibilidade de manutenção de um mercado perfeito, mediante o pensamento de Arthur Pigou.236 A primeira falha que merece comentário é a questão do monopólio e do poder de mercado, o qual ocorre quando as empresas do ramo específico realizam conluio entre elas e seus fornecedores de insumos impedindo a competitividade sadia, elevando o preço dos produtos e fornecendo baixa quantidade do ponto de vista da eficiência, dificultando a eficiência do mercado. Em virtude destes monopólios, pode ocorrer o pouco incremento tecnológico em razão da exclusividade do produto fornecido, ou prática de cartéis prejudicando a população consumidora. É certo que é faculdade da União, conforme o art. 177, I, §1º da CF/88, contratar as atividades que constituem seu monopólio a outras pessoas jurídicas, podendo ou não flexibilizar esta atividade, mas a concorrência no mercado é extremamente benéfica ao consumidor, uma vez que instiga a qualificação dos produtos e serviços ofertados. No Brasil, a Petrobrás, sociedade de economia mista, cujo capital majoritário pertence à União, atua como empresa concessionária de serviço público detentora na prática do monopólio na exploração do petróleo e seus derivados, classificados como commodities em virtude da padronização em relação à produção e ao preço em âmbito internacional, e carteliza o produto final proporcionando altos custos para o consumidor. Apesar de ter havido a flexibilização do mercado, em meio a EC nº9 de 09 de novembro de 1995, o novo marco regulatório do pré-sal estabeleceu basicamente o retorno do monopólio da Petrobrás para participar unicamente na exploração destas áreas, ou ao mínimo num consórcio em que tenha participação garantida de 30%, o que já proporcionou prejuízos à sociedade, em razão da fuga dos investidores estrangeiros no serviço de exploração, não obstante ainda não ter sido efetivada nenhuma rodada de licitação sob esta nova modalidade contratual, a partilha de produção. No regime anterior esta impossibilidade de concorrência entre a Petrobrás e demais empresas de médio e pequeno porte interessadas na exploração do petróleo muitas vezes se dava por conta da necessidade de vultosos montantes de capital, uma vez que a implementação tecnológica demanda um aparato técnico de custo bastante elevado, tornando tais recursos inalcançáveis em relação à realidade de menores empresas, corroborando com a 236 Disponível em :http://www.anpec.org.br/encontro2005/artigos/A05A011.pdf Acesso em 29 de agosto de 2011 113 tomada do mercado pela Petrobrás, que mesmo em caso de interesse de grandes empresas estrangeiras, tinha o privilégio de escolher os melhores campos a explorar, sempre dominando o mercado. São cruciais pesquisas eminentemente técnicas em geologia e geofísica no local para a extração da jazida petrolífera, e como há grande limitação de oferta de mão-de-obra, por conta da estrita especialidade existe dificuldade de acesso às empresas nacionais menores. Além disso, a burocracia no processo de licenciamento ambiental, apesar de imprescindível, serve como mais um obstáculo à inserção no mercado.237 Os custos totais provenientes da perfuração dos poços equivalem de 40% a 80% dos custos totais da exploração, depreende-se com isto que a atividade geológica é caracterizada como uma das principais para o sucesso da exploração.238 Esta deficiência de pessoal tem provocado a firmação de convênios entre a ANP e as universidades nas áreas de geologia, geofísica, engenharia de petróleo, química, direito e economia, cuja concessão de bolsas de estudos foi em torno de 3.300 unidades no ano de 1999 e 2004.239 A menor capacitação dos funcionários leva as empresas a exercerem menor competitividade, o que pode levar a comprometer projetos, efetuar perfurações não autorizadas diante da má interpretação de informações. 240 Estes custos por sua vez variam conforme a região, pois a perfuração no mar pode custar até quatro vezes mais do que a em terra241 e em razão do elevado risco na atividade as instituições financeiras raramente financiam a exploração, o que exige capital próprio da empresa concessionária para investir de forma isolada ou por meio das joint ventures, enfatizando a difícil competitividade no setor.242 237 http://www.anp.gov.br/CapitalHumano/Arquivos/PRH21/FelipeRachidRodrigues_PRH21_UFRJ-IE_G.pdf. Acessível em 12 de junho de 2011 238 http://www.gee.ie.ufrj.br/infopetro/pdf/2002_fev_petrogas.pdf . Acesso em 12 de junho de 2011 239 http://www.anp.gov.br/CapitalHumano/Arquivos/PRH21/FelipeRachidRodrigues_PRH21_UFRJ-IE_G.pdf. Acessível em 12 de junho de 2011 240 Idem 241 Idem 242 ARAÚJO, Leandro dos Reis: Análise sobre a Atratividade do Upstream da Indústria de Petróleo Brasileira (1997-2003). 2004. 70 f. Monografia (Bacharelado em Ciências Econômicas) Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004 114 Além disso, a perfuração pode provocar erupções de óleo ou gás e assim danificar os equipamentos, bem como gerar incêndio e explosão, provocando danos pessoais e ambientais, transgredindo o Direito Fundamental ao meio ambiente saudável e equilibrado.243 Para minoração destes acidentes, são utilizados equipamentos denominados ESCP – Equipamentos de Segurança de Cabeça de Poço, os quais possibilitam o controle de fechamento do poço por meio de válvulas especiais, como o blowout preventer (BOP).244 Frente a todos estes infortúnios, existe o risco de insucesso em razão da não apresentação de condição comercializável pela jazida encontrada, tornando os investimentos efetuados pela empresa irrecuperáveis.245 O que leva a demasiada perfuração danificando o meio ambiente. No Canadá, por exemplo, foram furados entre o ano 2000 e 2005, 20.500 poços por ano, o equivalente ao dobro do número de perfurações deste país nos anos 90. 246 Neste mesmo ano 36.321 poços foram perfurados nos Estados Unidos.247 Apesar de a EC 09 de 09 de novembro de 1995, ter aberto espaço para as empresas internacionais participarem das licitações, as barreiras enfrentadas são muitas, por exemplo, a diminuição do tamanho dos blocos para dar condições às médias e pequenas empresas adentrarem na exploração, desinteressou-as na participação de novas licitações, continuando somente com os blocos maiores já licitados. 248 Com isto a Petrobrás passou a exercer suas atividades em caráter monopolístico, atuando em blocos na exploração e desenvolvimento, submetendo-se apenas às determinações da ANP, na dicção do art. 21 da Lei 9748, ao definir que todos os direitos referentes ao petróleo e gás natural são monopólio da União, administrados pela ANP. 249 Todavia, a Lei do Petróleo, no art. 65 determinou a construção de uma subsidiária da Petrobrás, para as atividades de transporte por meio da criação de dutos e embarcações, o que trouxe a Transpetro – Petrobrás Transporte S. A. para exercer esta atribuição específica. A Lei 9748 para coibir abusos mercadológicos determina a proteção ambiental, bem como a racionalização da produção, conforme art. 44 da Lei Federal, pois a busca 243 http://www.anp.gov.br/CapitalHumano/Arquivos/PRH21/FelipeRachidRodrigues_PRH21_UFRJ-IE_G.pdf. Acessível em 12 de junho de 2011 244 Idem 245 BULHÕES, Daniel Bruno Damasceno. Análise das implicações econômicas e legais em face da adição de Receitas Fiscais no contexto de exploração da camada pré-sal, In: SEMINÁRIO DE PESQUISA DO CCSA. 16. 2008. Natal. Anais. Natal: UFRN, 2008. P. 2 246 Idem 247 Idem 248 Idem 249 Idem 115 desmedida por poços pode levar a exploração de campos marginais, os quais são denominados economicamente campos de pequeno porte produtores de petróleo no limiar da inviabilidade econômica, diferente dos campos maduros que são tecnicamente assim chamados pelo declínio na produção em função de sua idade.250 Esta atividade por causar impactos ambientais se submete ao processo de licenciamento de compêtencia do IBAMA e de órgãos estaduais, os quais indicarão os níveis de exigências para a indústria do petróleo. O art. 63 do Decreto-Lei 6514 de 22 de julho de 2008 determina que a ausência de autorização, permissão, concessão ou licença para extração de recursos minerais caracteriza infração ambiental, da mesma forma o art. 66 enfatiza que a implementação de estabelecimento para atividades potencialmente poluidoras sem o devido crivo administrativo incorre no ilícito. O art. 64 aborda o comércio e produção de substância tóxica ou nociva ao ambiente, condutas que também configuram infração ambiental, cujas penas de multa variam em torno de 500 a 10 milhões de reais. Os custos no setor são de grande monta em razão da escassez de mão de obra especializada, a baixa oferta de cursos de formação e capacitação na área e a insuficiência de preenchimento de seus quadros. Acrescem-se ainda os gastos com o aluguel das sondas utilizadas nas perfurações que variam em torno de 50 a 400 mil dólares diários.251 O aporte financeiro, por exemplo, para viabilizar o pré-sal foi estimado em torno de 600 bilhões de dólares.252 A adequação às práticas internacionais na indústria do petróleo se torna exigível, principalmente no que tange a importação de mão de obra e a ênfase na atração de investimentos ao setor. Um claro exemplo se dá na indústria sueca Volvo, cuja inovadora tecnologia SCR (Selective Catalytic Reduction) ou Redução Catalítica Seletiva, servirá para atender às exigências da legislação através da solução denominada ARLA 32. Segundo o Presidente da empresa no Brasil, Roger Alm, esta novidade serviu para amenizar os danos ao ambiente, pois a nova frota de caminhões terá baixo consumo de combustível e alta produtividade, além disso, atenderá à legislação de emissões Proconve P7Euro 5, Conama P7.253 250 http://www.anp.gov.br/CapitalHumano/Arquivos/PRH21/FelipeRachidRodrigues_PRH21_UFRJ-IE_G.pdf. Acessível em 12 de junho de 2011 251 Idem 252 http://ccsa.ufrn.br/seminario2010/anais/artigos/gt8-06.pdf. Acesso em 05 de dezembro de 2010 253 Disponível em: http://www.transportabrasil.com.br/2011/07/volvo-apresenta-linha-de-caminhoes-comtecnologia-euro-5/, acesso em 20 de agosto de 2011 116 A mudança consiste em acrescentar um tanque com o aditivo ARLA32, o qual corresponde ao AdBlue utilizado na Europa, uma bomba de sucção, uma unidade injetora e um catalisador, reduzindo os níveis de óxido de nitrogênio através do pós tratamento dos gases ao converter o NOx em nitrogênio e vapor d’água. Entretanto há uma geral resistência das transportadoras em virtude da necessária redução da carga por conta da implantação da nova aparelhagem. Reivindicam do governo revisão no valor fretado para as empresas, evitando que o ônus ambiental recaia unilateralmente. Uma outra falha de mercado, diz respeito à questão dos bens públicos, os quais são de propriedade unicamente estatal em virtude da ausência de credibilidade sobre o particular na disposição dos serviços a sociedade. Na questão do petróleo, este fator é preciso na medida em que a Constituição Federal atribui a jazida do petróleo e seus derivados ao monopólio da União, conforme art. 176 da CF/88, privatizando apenas o direito de explorar através da concessão, mediante art. 175 da CF/88. Não obstante, há controvérsias em determinar a natureza jurídica da atividade de exploração. Carlos Ari Sundefeld254 por exemplo, defende a não referência ao art. 175 da CF/88, não sendo caracterizado como um serviço público, opondo-se a corrente publicística em função da privatística. Mas na verdade seria um contrato de concessão mista porque tem ambos os interesses, público e privado. Um outro fator influenciador no desvirtuamento do mercado se dá em função da incerteza dos Direitos de Propriedade, pois este pode não possuir uma definição clara em relação aos seus deslindes impedindo o desenvolvimento e o investimento. No que tange à parcela do lucro proveniente da produção do petróleo ou gás natural, conhecido vulgarmente como royalties, esta deve ser repassada da União para os Estados, Distrito Federal e Municípios detentores da área onde a jazida foi explorada, bem como deve haver repasse do percentual destes lucros aos proprietários dos terrenos explorados, inclusive indenizá-los em virtude da servidão administrativa e por danos ali proporcionados pela atividade de extração. No caso de haver exploração em terras privadas, o repasse é denominado tecnicamente pelo art. 52 da Lei do Petróleo como pagamento de participação ao proprietário da terra. O fato é que por vezes estes valores não lhe são repassados adequadamente. 254 SUNDFELD, Carlos Ari. Regime Jurídico do Setor Petrolífero. Direito Administrativo Econômico. São Paulo, Malheiros, 2000, p. 391 117 No que pertine aos valores pertencentes às Pessoas Jurídicas de Direito Público, não há uma divisão isonômica entre eles, gerando locais receptores de parcelas maiores que outras, e assim impedindo o desenvolvimento equânime e concomitante, eis que a natureza jurídica dos royalties se trata de uma compensação pela exploração efetivada no local e assim provocadora de danos à região que perde tais riquezas em prol da sociedade.255 Isto tem gerado a aparição de municípios riquíssimos, os quais ao invés de se desenvolverem e crescerem por meio da recepção dos royalties, utilizam os lucros para aumentar os gastos correntes do ano se tornando dependentes de barganha política, enquanto outros continuam na extrema pobreza.256 Para tentar coibir tal discrepância, foi elaborado um projeto de lei para repartição dos royalties de maneira igual entre os estados produtores e não produtores, e usá-lo para investimentos em saúde e educação, ocorre que outro problema surge, pois para isto existem os repasses constitucionais obrigatórios às áreas de extrema importância e que no entanto não são obedecidos pelo governo federal, que prefere concentrar tais verbas para efetivar superávit econômico. Isto tem gerado diversos questionamentos e até ADINs questionando a inconstitucionalidade da modificação na repartição dos royalties, eis que deveriam ser direcionados apenas a contratos futuros e não aplicados em contratos já em andamento prejudicando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e assim a segurança jurídica. Aos opositores, o argumento é no sentido de que não existe direito ad quirido no âmbito destes contratos, podendo ser modificados a qualquer momento em prol do interesse público. 255 No caso da lavra em terra, se a parcela a ser repartida for de 5%, deverá corresponder a 70% dos estados produtores, 20% dos municípios produtores, 10% dos municípios com instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural. Se a parcela for maior que 5% a repartição será de 52,5% para os estados produtores, 25% para o Ministério da Ciência e Tecnologia, 15% para os municípios produtores e 7,5% para os municípios afetados por instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural. Já em relação à lavra na plataforma continental, a parcela de 5%, deverá ser de 30% aos estados confrontantes com poços, 30% aos municípios confrontantes com poços e suas respectivas áreas geoeconômicas, 20% ao Comando da Marinha, 10% ao Fundo Especial (estados e municípios) e 10% aos municípios com instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural. Quanto à parcela acima de 5%, 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia, 22,5% aos estados confrontantes com campos, 22,5% aos municípios confrontantes com campos, 15% ao Comando da Marinha, 7,5% ao Fundo Especial (estados e municípios), 7,5% aos municípios afetados por instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural. ANP. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS, 2001, Guia dos Royalties do Petróleo e do Gás natural. Rio de Janeiro: ANP. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/doc/conheca/Guia_Royalties.pdf>. Acesso em 20 jan. 2008. 256 Ibidem, p. 83. 118 Apesar da CF no art. 20 determinar os royalties como bens da União, quando define “participação no resultado da exploração do petróleo ou gás natural”, nenhum recurso é a ela direcionado até o momento, todo o aporte financeiro é dividido entre Estados, Distrito Federal e Municípios, havendo impropriedade técnica no §1º do referido artigo, bem como da Lei 7.990/89 ao classificá-los como compensação financeira, o que culmina na caracterização dos royalties como objeto de um sub-contrato de estipulação em favor de terceiro dentro do contrato de concessão e não a imprecisa compensação definida em lei.257 Sendo assim, a “maldição dos recursos naturais”258 é aventada em razão de nem sempre os royalties beneficiarem o local receptor dos recursos para crescimento e desenvolvimento. A aludida doença holandesa se caracterizou pela crise vivida na Holanda na década de 70 em razão da desindustrialização, desvalorização dos produtos industrializados e supervalorização dos produtos primários, gerando descompasso na competitividade entre os produtos internos e externos.259 Bresser Pereira afirma que “existe uma razão estrutural para a apreciação artificial do câmbio no Brasil: a ´maldição dos recursos naturais´ (...) a doença holandesa que atinge o país resulta da apreciação artificial do câmbio em conseqüência do baixo custo de produtos exportados que utilizam recursos naturais baratos”.260 Conforme Silveira Neto, a excessiva entrada de dólares no Brasil é incompatível com sua economia, porque sua liquidez interna refletirá sobre o câmbio, provocando a desvalorização da moeda interna o que gerará a inflação e queda nos níveis de exportação. 261 Como uma ferramenta de política macroeconômica, foi elaborada uma lei na condição de criar um fundo específico para resguardar os lucros provenientes do pré-sal, denominado Fundo Soberano Brasileiro. Com estas reservas seriam efetivadas aplicações em ativos externos, em títulos públicos de países centrais, preservando a renda diante de oscilações do preço e da desvalorização ou até mesmo esgotamento das reservas de petróleo.262 257 MANOEL, Cácio Oliveira. Natureza Juridica dos royalties do petréleo, Natal: UFRN, 2003, p. 2-5 GUIZZO, Danielle Cristina; DA CRUZ, Marcio José Vargas. Os Efeitos “Pré-Sal” e a polêmica da regulação. In: PET-ECONOMIA, Curitiba. Anais. Curitiba. 2009. P. 59.; 259 NAKAHODO, Sidney Nakao; JANK, Marcos Sawaya, A falácia “da doenca holandesa” no Brasil, São Paulo: ICONE, 2006, p.2 260 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0606200505.htm. Acesso em 31 de abril de 2012 261 http://ccsa.ufrn.br/seminario2010/anais/artigos/gt8-06.pdf. Acesso em 31 de abril de 2012 262 CARVALHO, Carlos Eduardo; TEPASSÊ, Ângela Cristina. O Fundo Soberano Brasileiro e a crise internacional. Papéis Legislativos, ano2, n.4, Rio de Janeiro: NECON, 2008, p.2 258 119 Ainda no que pertine ao Direito de Propriedade, há miscelânea quanto à definição do detentor limítrofe do bloco onde se encontra a jazida em exploração, o que leva a necessidade da unitização, ou seja, individualização da produção.263 Isto se dá em razão das inúmeras perfurações, o que leva a regiões limítrofes capturarem ao máximo o petróleo encontrado independente do percentual de participação na jazida comum. Um outro fator relevante para o direcionamento da economia é a questão das externalidades, as quais nada mais são do que os custos da troca que poderão refletir em outras partes, é a ação de um agente econômico que interfere em outro, cabendo ao governo interferir tributando ou regulando para minorar estes reflexos. Essas como custos não intencionais a sociedade podem se dar, por exemplo, em razão da poluição, mas também podem servir como benefícios a sociedade através do investimento tecnológico, gerando efeitos em ambos os casos a todos indistintamente. Com relação ao uso intensivo do petróleo na geração de energia as externalidades negativas estão presentes, promovendo danos a todos por meio da poluição e em função da finitude desta energia, entretanto o lucro faz cega a sociedade produtora. Como dizia Malthus, o crescimento da produção não acompanha a necessidade da população, pois a primeira cresce em progressão aritmética e a segunda em progressão geométrica. No caso do petróleo, como fonte não renovável, a exponencial demanda por este fóssil tenderá em certo tempo ao seu esgotamento, contrariando a garantia dos recursos às futuras gerações e assim a ideia de sustentabilidade. Marx por sua vez, define o capitalismo como não sustentável em virtude de sua destruição ambiental: "A produção capitalista, portanto, só desenvolve a técnica e a combinação do processo social de produção, exaurindo as fontes originais de toda a riqueza: a terra e o trabalhador.”264 No mercado de carbono dá-se o direito de poluir aos países que compram os créditos de outros, gerando o custo a toda sociedade provocando a tragédia dos comuns: “One of the most famous market failure stories is that of the tragedy of the commons. According to this story, community resources held in common such as grazing land inevitably suffer explatation and degradation. Suggested remedies include transfer of the resources to a single government agency or privatization” 265 BUCHEB, José Alberto. Unitização no Brasil – questões controversas. In: Congresso do Instituto Brasileiro de Petróleo. 2008, Anais. Rio de Janeiro, 2008, p. 6 264 MARX, Karl, O Capital: Crítica da Economia Política. v.1. Rio de Janeiro: Civilização, 1971, p. 579 265 MC CURDY, Howard, ZERBE JR, Richard O. The failure of market failure. Journal of Policy Analysis and Mangement, vol. 18, n. 4 (Autuum, 1999), pp. 558-578, p.570 Tradução: Uma das mais famosas falhas de Mercado da história é a tragédia dos comuns. De acordo com a história, os recursos comuns, realizados em 263 120 Para que o governo intervenha na contenção destas externalidades ele tende a calcular o custo vs. benefício na situação em tela, pois os custos de intervenção tem que ser menores que os benefícios, caso contrário é inviável economicamente este controle governamental, o estado agirá por meio de um behavior economist. Conforme autores266 promotores da “civilização do gás”, dentre os fósseis, o que causa menor impacto ambiental é o gás natural, diminuindo a emissão de gases de efeito estufa, o aquecimento global, o esgotamento das reservas e a dependência das reservas em áreas sensíveis. Apesar de seu uso vir crescendo vertiginosamente, de 1,3 para 6,7 milhões de metros cúbicos por dia, com crescimento anual de 38% entre 2001 e 2006 267, servindo como uma alternativa na propagação de energia, ainda é mister investimento tecnológico e cultural no tocante ao uso de energias alternativas, bem como incentivos governamentais na implementação de tais recursos, eis que os custos elevados impedem sua fácil aceitação. Isto se justifica pela preferência energética ao petróleo diante de sua maior eficiência em relação às demais fontes energéticas. No mundo, a grande maioria dos meios de transporte são movidos por petróleo e seus derivados. Além do combustível, diversos outros produtos são elaborados a partir do petróleo, como plásticos, borrachas sintéticas, adesivos, produtos farmacêuticos e tintas. A alternativa utilizada para o uso, por exemplo, do etanol no Brasil, foi misturá-lo ao combustível, numa proporção que varia entre 20% e 25%, conforme dados apresentados pela escola de Harvard. 268 No tocante a energia hidráulica a ineficiência se dá em razão das grandes perdas sofridas neste tipo de energia. E quanto a nuclear, a construção de Angra III perdura desde 2007, iniciaram-se as obras apenas em junho de 2010.269 A produção brasileira de petróleo em 2009, conforme a Statistical Review of Wolrd Energy em junho de 2010, foi de 12,9 bp bbl, o equivalente a 0,8 da produção mundial.270 Para a BMI a previsão da produção brasileira em 2015 na América Latina será de 29,58%, situando-se como um dos principais exportadores junto ao México e a Venezuela.271 comum tais como pastagens, inevitavelmente sofrem exploração e degradação. Soluções sugeridas incluem a transferência dos recursos para uma agência do governo ou privatização. 266 http://www.scielo.br/pdf/ea/v21n59/a06v2159.pdf. Acesso em 09 de dezembro de 2012 267 Idem 268 Business Monitor International Ltds. Brazil Oil & Gás Report Q2 2011, Brazil Energy Market Overview, p. 14 269 Ibidem, p. 15 270 Business Monitor International Ltds. Brazil Oil & Gás Report Q2 2011, Brazil Energy Market Overview, p. 12 271 Business Monitor International Ltds. Brazil Oil & Gás Report Q2 2011, Executive Summary, p. 07 121 Estimou-se o uso de 7,88milhões de barris por dia na América Latina em 2010 272 e um aumento na demanda global do petróleo de 1,6% em relação a 2010 ou 14 milhões de barris por dia em 2011 e de 1,68% entre 2011 e 2015.273 Um outro aspecto que dificulta a regulação em razão de falha mercadológica são as assimetrias informacionais, as quais gravam desequilíbrios de informação entre as partes envolvidas no contrato, concessionário-concedente, provocando a realização de contratos incompletos e conseqüências drásticas quanto à responsabilidade contratual. Os pré-editais formados pelas empresas servem de ideias para tentar minorar estas assimetrias, mas o universo de disposições relativas à atividade é extremamente complexo, o que transforma a Petrobrás numa imensa holding em função da desverticalização do setor de energia, produzindo, transportando e comercializando. Muitas vezes o risco é assumido unicamente pelo concessionário, e no caso de qualquer infortúnio o prejuízo provavelmente desembocará na sociedade, como os acidentes internos de Enchova, Roncador e Duque de Caxias, e o acidente de Macondo, cuja repercussão internacional foi significativa, apesar de não envolver a Petrobrás. Não é à toa que a carga tributária incidente nos combustíveis são altíssimas, provocando práticas ilegais resultantes em adulterações e fraudes e mais uma vez prejudicando a coletividade. Além disso, o papel da ANP se resume à fiscalização da exploração, produção, importação, exportação e transporte até os citygates. Sendo assim, o governo deveria garantir a segurança operacional e ambiental, concedendo enforcements ao concessionário nos contratos elaborados. A descoberta de novas jazidas de petróleo é o apogeu de diversos países que até então não possuíam nenhuma economia de mercado internacional, tais como os países árabes, mas a conquista deste mercado tem provocado inúmeras guerras, a questão ambiental fica em segundo plano, e a solução é afastar paulatinamente as nações na elaboração de acordos, assim há uma forte tendência na erosão dos acordos internacionais comerciais multilaterais por conta da difícil adesão de todos os membros ao grupo, destruindo o Principio da NãoDiscriminação, defendido por Leal-Arcas. 274 Um exemplo claro da inaplicabilidade dos acordos multilaterais se deu na elaboração do Protocolo de Kyoto em 2005, o qual não obteve a adesão dos Estados Unidos 272 273 Business Monitor International Ltds. Brazil Oil & Gás Report Q2 2011, Executive Summary, p. 07 Business Monitor International Ltds. Brazil Oil & Gás Report Q2 2011, Global Oil Market Outlook, p. 16 e 21 274 LEAL-ARCAS, Rafael. International Trade and Investment Law: Multilateral, Regional and Bilateral Governance, London, Elgar, 2010, p. 67 122 com alto índice de emissão de gases poluentes, nem da Austrália, dificultando o atingimento das metas de redução e corroborando com a loucura planetária com a qual estamos vivendo em nosso clima. A adoção de medidas de políticas públicas vai depender do grau de interesse estatal em intervir num determinado setor da economia. Sendo compensatório economicamente, serão emanados atos a regularem a matéria. Alguns pontos tentam ser minorados por meio de teorias, como a definição dos Direitos de Propriedade, a qual serve para internalizar as externalidades nos custos do bem ou do serviço. Devendo haver incentivo para o uso socialmente equilibrado dos recursos, de modo a evitar as externalidades negativas assim como a tragédia dos comuns. 275 A Teoria Econômica da Responsabilidade contratual também tem como cerne trazer para os contratos danos que estão fora dos acordos privados, as externalidades, as quais para o Teorema de Coase são obstáculos para a barganha em virtude dos custos de transação elevados. Ronald Coase defende a importância da firma para o mercado, “The Nature of the Firm,” Coase explained that firms exist because they reduce the transaction costs that emerge during production and exchange, capturing efficiencies that individuals cannot” 276. E defende que o direcionamento dos recursos dependem diretamente do mecanismo de preços. “Outside the firm, price movements direct production, wich is co-ordinated through a series of exchange transactions on the market. Whitin a firm, these markets transactions are eliminated and in place of the complicated market structure within exchange transactions is substituted the entrepeneu-coordinator, who directs production”277 A questão do uso desregrado dos recursos naturais é bem demonstrada quando se fala em mudanças climáticas, em razão da irracional poluição ambiental mais acentuada em virtude das nações mais ricas que não desaceleram a produção, mas continuam com o direito de poluir através da compra dos créditos disponibilizados pelas nações mais pobres. 275 VIEGAS, Cláudia, MACEDO, Bernardo. Falhas de Mercado: Causas, efeitos e controles. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 97, 98, 105 276 COASE, Ronald. The nature pf firms and their costs. Economic insights: Dallas, vol. 9, n. 3, p. 01 277 COASE, Ronald Harry. The Nature of the firm. News Series: London, vol. 4, n. 16, 1937; p. 02 Tradução: Coase explica que as empresas existem porque reduzem os custos de transação que emergem durante a produção e troca, capturando a eficiência que os indivíduos não possuem. E acrescenta: fora da empresa, o movimento de preços de produção direta, é coordenado através de uma série de operações de cambio no mercado. Sem uma empresa, essas operações no mercado são eliminadas e no lugar da estrutura de mercado complicado dentre operações de câmbio é substituído pelo coordenador da empresa, que dirige a produção. 123 Stavins critica a postura dos países emergentes: “while some of those emerging economies plus most developing countries insist that the rich countries go first, and possibly compensate developing countries for climate damages”.278 A Análise Econômica do Direito é imprescindível quando se traz à baila a questão da ineficiência regulatória, pois a Economia também elenca os fundamentos que guiam o Direito, a doutrina adorna seus aspectos principais, criticando e justificando a razão mercadológica atrelada ao agente regulador. É impossível haver uma administração pública funcionando eficientemente garantindo um desenvolvimento sustentável diante de vícios que fogem do seu controle, é impossível ter um mercado naturalmente saudável perante as condutas expansivas dos agentes econômicos na luta pela conquista da maior e melhor fatia no mercado a qualquer custo. O mercado apresenta bastante falhas imanentes em seu sistema, impedindo o alcance do ponto de equilíbrio ótimo em que todos os agentes participantes se dêem por satisfeito, de acordo com o ótimo de Pareto, em virtude da busca incessante pelo acúmulo de capitais frente à globalização, provocando a exploração dos recursos de forma irracional. O desenvolvimento sustentável deve ser suplantado na economia mundial como uma maneira de restaurar ou estagnar a exploração dos recursos naturais, ao invés de ser visualizado como um instrumento sancionatório às condutas desconformes com as imposições legais. No caso peculiar do petróleo, o respeito aos objetivos subscritos no art. 1º da Lei do Petróleo, bem como a proteção ambiental constitucional servirão como balizamentos à extração excessiva, efetivando o ofício dos entes reguladores, para que fiscalizem de maneira díspare de politizações ou interesses puramente econômicos. É certo que a riqueza decorrente do petróleo tem o condão de desenvolver nações, todavia é fundamental que haja uma exploração ambientalmente salutar à sociedade, para que o crescimento e o desenvolvimento sejam de forma solidária às civilizações futuras. 3.5 Considerações a respeito das Reformas no Direito do Petróleo 278 STAVINS, Robert N. The problem of the commons: still unsettled after 100 years, Ressources for the future: Washington, September, 2010; Tradução: “embora algumas economias emergentes, países em desenvolvimento insistem que países ricos vão primeiro, e possivelmente compensam os países em desenvolvimento por danos climáticos. 124 Passados tantos anos em torno da disputa pelo nacionalismo do petróleo no Brasil e sua exploração, observa-se que tem acontecido até então a exportação do óleo pesado brasileiro e a importação do óleo leve para processar em refinarias brasileiras, gerando um óbvio desequilíbrio econômico-financeiro, não passando de mero populismo a campanha “O petróleo é nosso” de 1948, que levou Vargas a criar a Petrobrás, por meio da Lei 2.004/53.279 Viveu-se o monopólio do petróleo, flexibilizado em seguida pela EC 9/95, e em 22/12/2010, o presidente a época, Lula sancionou a Lei 12.351, retomando novamente o monopólio por meio da instituição dos contratos de Partilha de Produção na exploração petrolífera.280 O momento da flexibilização nos anos 90, foi marcado pela abertura econômica, pela estabilização da moeda, pelo acordo da dívida externa e pela desestatização. Não houve promoção à privatização da Petrobrás, mas tão somente a possibilidade de adquirir investimento com capital privado na participação da exploração, não havendo motivos para a posterior modificação legal, eis que o modelo anterior se embasava num modelo de sucesso no ramo. É certo que o petróleo se trata de um bem estratégico em razão das incertezas políticas externas ao país, mas em nenhum momento foi retirada sua classificação de bem público pertencente à União. O processo de desestatização foi proporcionado em razão da crise econômica advinda do choque do petróleo, ao gerar nos países imensas dívidas públicas, levando a reformas pró-mercado, visualizando a privatização como importante para a redução da dívida pública e para o controle da inflação.281 E houve com o Plano Nacional de Desenvolvimento a redução do endividamento público, a democratização do capital, a modernização, a ampliação da competitividade interna e o aumento da eficiência produtora. Privatizaram algumas subsidiárias da Petrobrás como a PETROMISA (Petrobrás Mineração S.A), INTERBRAS(Petrobrás Comércio Internacional), PETROQUISA( Petrobrás Química S.A.). O Plano Real de FHC(Fernando Henrique Cardoso) objetivava a estabilidade 279 FREIRE, Wagner. Petrobrás: das origens até os anos 1990. In: GIAMBIAGI, Fábio. Petróleo. Reforma e Contrareforma do setor petrolífero brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 11 280 PEREIRA, Carlos; DE SOUZA, Amaury. A flexibilização do monopólio do petróleo no contexto das reformas dos anos 1990. In: GIABIAGI, op cit, p. 30 281 PEREIRA, Carlos; DE SOUZA, Amaury. A flexibilização do monopólio do petróleo no contexto das reformas dos anos 1990. In: GIABIAGI, op cit, p. 44 125 e crescimento econômico, a reestruturação do estado, o financiamento em saúde e educação, mas para isso era fundamental conter os grandes déficits fiscais. O medo da privatização da Petrobrás preocupava os congressistas gerando muita oposição, mas com a abertura do setor privado nacional e estrangeiro, o papel do estado passou para regulador e fiscalizador dos serviços prestados pelos entes privados, inclusive a Petrobrás, que apesar de continuar sob o monopólio da União, perdeu o direito exclusivo de executar, sendo fiscalizada e regulada pela ANP. Conforme o art. 37 da CF, as licitações promovidas pela ANP devem obedecer às seguintes exigências: igualdade de condições a todos os concorrentes, introdução de exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações, obediência aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Durante o procedimento licitatório no regime de concessão, havia necessidade de a empresa efetuar o pagamento do bônus de assinatura, o qual corresponde ao valor pago pela concessionária vencedora da licitação no momento da assinatura do contrato para as atividades de pesquisa e exploração obedecido o valor mínimo fixado pela ANP em edital convocatório. Além disso, na concessão há um segundo componente denominado PEM (Programa Exploratório Mínimo), que se trata do comprometimento na realização do trabalho do concessionário na execução da exploração por um tempo estabelecido, e caso não seja cumprido, a garantia exigida será executada. O terceiro componente é o conteúdo local, um dos mais debatidos ao longo do tempo, em função de sua aplicabilidade no atendimento da demanda do setor, introduzido seu percentual após a 4ª rodada, cuja aferição se relaciona com a apresentação do relatório de gastos e apresentação de notas fiscais. Não obstante, nas licitações efetivadas mesmo antes da reforma, de certa forma proporcionava uma preferência para a Petrobrás em relação aos campos licitados, o que já contradizia a igualdade elencada em lei. Além disso, na 9ª rodada, os 41 blocos que haviam sido oferecidos no edital convocatório, foram retirados do objeto da licitação, o que demonstra a total afronta ao princípio da legalidade.282 282 ZYLBERSZTAJN, David; AGEL, Sonia. A reforma do setor de petróleo de 1997: racionalidade, concepção e implementação. In: GIAMBIAGI, op. Cit, p. 77 126 Isto gerou obviamente a desistência de diversas empresas na participação das licitações, desdobrando-se numa tímida oferta de blocos na 10ª rodada ocorrida em 2008, na qual dos 130 blocos localizados em terra em sete bacias, apenas 54 foram concedidos. Agravando ainda mais a situação, as reservas encontradas na camada pré-sal colocaram o país num cenário de estagnação proporcionando transtornos às empresas concessionárias e aos investidores no país. O aumento de novos players na exploração e produção de petróleo aumentou consequentemente o crescimento da arrecadação fiscal por meio do recolhimento das participações governamentais, dentre elas os royalties, bônus de assinatura e participação especial, conforme Decreto 2.705/98, de 03 de agosto de 1998.283 Assim, deveria haver novos esforços para atração de investidores inclusive no estabelecimento de um regime fiscal. Dessa forma, o Banco Central resolveu possibilitar o movimento de contas em moeda estrangeira em bancos autorizados no país, mediante a Resolução 2.644/99, de 10/09/99.284 Além disso, o governo criou o Repetro (Regime Aduaneiro Especial de exportação e importação de bens destinados à exploração e à produção de petróleo e gás natural), um regime aduaneiro especial de exportação e importação de bens para pesquisa e lavra das jazidas de petróleo, isto serviu para impedir que fossem comprometidos os recursos destinados a projetos por meio da pesada carga tributária brasileira. A validade do regime foi prorrogada até 2020 e suspendeu a tributação sobre todos os produtos importados de forma temporária.285 O regime de concessão anteriormente estabelecido ante as atuais reformas demonstraram seu sucesso em razão da estabilidade regulatória, da segurança jurídica e do respeito às grandes regras de mercado. A desregulamentação dos preços com o fim do tabelamento de preços, a eliminação dos subsídios e redução das barreiras foi fundamental para garantir a atração dos investimentos (quase cem novas empresas), desvinculando a política do estado para o setor do petróleo à estratégia empresarial da Petrobrás. 286 283 Os royalties são uma compensação financeiro em virtude dos danos ambientais efetivados pela atividade de exploração do petróleo. O bônus de assinatura é o valor pago no fechamento do contrato. E a participação é um tributo, cujo valor financeiro é decorrente do excedente em produção, ou seja, do grande volume e rentabilidade na produção. 284 ZYLBERSZTAJN, David; AGEL, Sonia. A reforma do setor de petróleo de 1997: racionalidade, concepção e implementação. In: GIAMBIAGI, op. Cit, p. 78 285 ZYLBERSZTAJN, David; AGEL, Sonia. A reforma do setor de petróleo de 1997: racionalidade, concepção e implementação. In: GIAMBIAGI, op. Cit, p. 79 286 PIRES, Adriano; SCHECHTMAN, Rafael. Os resultados da reforma: uma estratégia vencedora In: GIAMBIAGI, op cit, p.91 127 O regime de modelo de partilha trouxe consigo um retrocesso em virtude da quebra da estabilidade regulatória, através da qual a Petrobrás retoma o monopólio devido a sua participação mínima de 30% nos consórcios, retirando a igualdade de condições, provocando inclusive o adiamento de novas rodadas de licitação, eis que a penúltima se deu em 2008, gerando uma grande perda da União na arrecadação de receitas, deixando de arrecadar um valor correspondendo a cerca de 15 bilhões anuais de dólares apenas com o bônus de assinatura.287 Não obstante, a última ocorreu recentemente, e após muitas discussões sobre as novas legislações, resolveram realizar nova rodada de licitação sem utilizar as áreas referentes ao pré-sal, talvez por receio das incertezas legais. O Brasil se coloca no cenário mundial como mero exportador de petróleo na mesma medida que os países africanos, os do Oriente Médio e os da América Latina, existindo gargalos consideráveis como infraestrutura e logística deficientes, falta de mão de obra qualificada e baixa capacidade de planejamento e gestão. Diferentemente é a situação da Noruega, citada como um verdadeiro sucesso, podendo até ser reputado caso único de um país com pouca tradição industrial que internacionalizou uma forte indústria fornecedora de petróleo. Pode-se também considerar como experiência exitosa o Reino Unido apesar de este já possuir parque industrial, que com a introdução de políticas ativas voltadas ao petróleo trouxe grandes resultados. 288 Isto demonstra o sucesso dos países na adoção do modelo de concessão, uma vez que a partilha de produção é mais adotada em países sem instituições democráticas por usar o óleo como moeda, dando maior segurança às empresas. Não havia cabimento a esta mudança legal por uma simples oposição à reforma de 1997, vista como neoliberal, pois se o objetivo do governo fosse arrecadar mais, bastaria aumentar as alíquotas das participações especiais, que variariam entre 10 e 40% sobre o lucro líquido da exploração, conforme a produção e rentabilidade do campo, por meio de decreto presidencial.289 Os argumentos de que o Brasil ficaria nas mãos do mercado mundial de óleo cru, e que seria alvo da doença holandesa em razão da supervalorização da moeda nacional com a consequente desindustrialização do país, não são validamente aceitos, pois isto seria suprido com o controle estratégico das reservas a fim de que o governo controlasse a produção, e a 287 Ibidem, p. 101 FERNANDEZ, Eloi. Indústria nacional de bens e serviços nos arranjos produtivos do setor de óleo e gás natural no Brasil. In: GIAMBIAGI, op. cit, p. 105 289 DIAS, Guilherme; RENAULT, Alfredo. A concentração de recursos da União e as perdas das regiões produtoras. In: GIAMBIAGI, op cit,, p. 140 288 128 construção de refinarias também resolveria o problema da exportação do óleo cru em virtude de seu processamento.290 Ao que parece é que a existência de uma companhia 100% estatal na Noruega, a Petoro, encantou a Presidente Dilma Rousseff na tentativa de representar os interesses do governo no setor, mas não existe lá a partilha de produção. A Petoro apenas entra como sócia em projetos de importância governamental. O monopsônio da Petrobrás não aumentou o poder de compra nem a capacidade de fazer política industrial, muito pelo contrário retirou o mercado de fornecedores e enfraqueceu a rede de suprimentos.291 Palavras do ex Presidente Lula: a descoberta do pré-sal simboliza ‘a abertura de uma ponte entre a riqueza natural e a erradicação da pobreza. A riqueza advinda da exploração do petróleo será aplicada, primeiramente, na educação e na erradicação da pobreza, criando “infinita e ilimitada riqueza” para todo o povo brasileiro.’292 Com o fim das PEs houve aumento para 15% dos royalties destinados a União, levando o governo a incorporar um verdadeiro Robin Hood, promovendo a distribuição das receitas do petróleo para todos, gerando revoltas nos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, ambos detentores dos maiores campos de produção do país, aos quais foi prometido pelo governo federal que em caso de aliança na aprovação dos projetos de reforma sua parcela de royalties não seria modificada nem minorada, mas não foi bem assim que o governo se comportou após conseguir a aprovação das leis. Isto provocou mais uma vez a transmutação do papel legislativo e executivo, mal efetivados, para o Judiciário resolver em razão das ADINs em trâmite no STF. 293 O pré-sal não é um bilhete premiado nem tampouco uma maldição. É, antes de tudo, uma oportunidade extraordinária de crescimento econômico para o Brasil. Não é como se tivéssemos recebido uma herança e estivéssemos pensando em que e como gastar. É como se estivéssemos saindo de uma boa faculdade com muitas ofertas de emprego e também com muitas ideias inovadoras para montar em empreendimento próprio. É uma grande chance de atrair investimentos num mundo em que sobra dinheiro e faltam projetos atraentes. O novo modelo confere superpoderes comerciais à Petrobrás e enfraquece a ANP como agência reguladora. Além disso, é evidente que nem sempre o interesse do país é idêntico ao da companhia. A confusão de papéis é muito ruim para a imagem da empresa junto a acionistas e investidores. “Too many hats”, diriam os americanos. 290 DIAS, Guilherme; RENAULT, Alfredo. A concentração de recursos da União e as perdas das regiões produtoras. In: GIAMBIAGI, op cit, p. 141 291 Ibidem, p. 143 292 Discurso do presidente Lula proferido num canal televisivo nacional – wire servisse, Reuters. 07 de setembro de 2008 293 DIAS, Guilherme; RENAULT, Alfredo. A concentração de recursos da União e as perdas das regiões produtoras. In: GIAMBIAGI, op cit,p. 147 129 Este trecho ora colacionado representa um desabafo em relação à situação vivenciada nos moldes de uma mudança abrupta contratual no setor petrolífero que teria condições de gerar consequências demasiadamente positivas a economia brasileira, não fosse a confusão efetivada pelo governo federal na interpretação legal em 1997 e na de modelos alheios294, eis que o monopólio da Petrobrás além de desmoralizar a ANP, a fragiliza na medida em que raramente os monopólios são eficientes, desvalorizando seu mercado de ações. Caso permaneçam utilizando este modelo, é mister que sejam feitas mudanças, retornando o respeito ao princípio da livre concorrência, retirando a presença de outro ente regulador, que não a ANP, e restaurando todos os ditames constitucionais exigíveis por lei. Neste sentido afirma Gilmar Mendes: O constituinte reconheceu que (...) são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, parágrafo 4º). Eles asseguram não apenas direitos subjetivos, mas também os princípios objetivos da ordem constitucional e democrática.295 Com este mesmo pensamento seguem os acórdãos MS 20.257-DF, RTJSTF99/1031,MS21.642, RDA191/200, MS 21.747, RDA 193/266, ADI 939-DF, RTJ-STF 151/755, ADI 2666/DF.296 Não se pode retirar receitas dos estados produtores e repartí-las com os não produtores, direcionando os recursos para que a União os direcione conforme lhe aprouver, assim afirma a ministra Ellen Gracie no MS 24.312/DF referente a ADIN 2080/RJ, que assim dispõe: “as participações, mesmo no mar, importam em receita própria, receita originária dos municípios produtores e dos estados produtores. Portanto, não se trata de transferências voluntárias de parte da União, tratar diferentemente é incidir em inconstitucionalidade.” Note que em sendo área do estado produtor, cabe unicamente à ele o direito aos royalties provenientes da exploração, ante o seu papel na compensação aos danos ambientais ali perpetrados, não obstante, em sendo a área marítima pertencente à União, o estado ribeirinho nada tem a contestar, pois a exploração se encontra a uma grande distância de sua costa, e aí sim os repasses deverão recair por todos os estados brasileiros de forma isonômica. O STF julga acerca da não identidade tributária dos royalties: 294 A produção de partilha foi introduzida na Indonésia em 1960 e foi adotada por Peru, Líbia, Egito, Síria, Malásia, China e Angola, todos em desenvolvimento carentes de um marco regulatório específico para o setor. Visa dividir os resultados da lavra entre estado e empresa nos percentuais contratuais. 295 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 4. ed.,2009, p. 256 296 Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 20 de março de 2013 130 A disciplina da matéria, de modo significativo, não se encontra no capítulo do sistema tributário, mas em parágrafo do art. 20 da Constituição, que trata dos bens da União, a evidenciar a natureza patrimonial da receita a auferir. E O STJ salienta a natureza jurídica dos royalties como indenização por danos ambientais: O pagamentos dos royalties justifica-se como uma forma de indenizar, de prover os governos locais de recursos capazes de financiar investimentos que venham a gerar riqueza alternativa em substituição da ‘riqueza exaurida’, com a implantação e desenvolvimento de grandes projetos que provoquem impactos na infra-estrutura, nos serviços básicos de educação e saúde e nas condições de vida ate então vigentes em determinada localidade. (AgRg no AgRg na SL 79/RJ, Corte Especial, Min. Edson Vidigal, DJ 13.6.2005 Além disso, a forma de capitalização da Petrobrás com a cessão da atividade de pesquisa e lavra sem licitação num volume de 5 bilhões de barris não deveria ser efetuada onerosamente, nem a Petrobrás, nem a nenhuma outra empresa, eis que se trata de monopólio constitucional, pois cabe a União contratar empresas das atividades sob seu monopólio, e ainda que fosse admitida tal cessão, deveria ser por meio de licitação, enquadrando sua conduta como frontalmente inconstitucional. Com este novo modelo contratual os acionistas não dispõem do acesso às informações que administradores e técnicos da empresa dispõem, gerando a assimetria informacional, as modificações se dão velozmente, eis que não chegaram a 15 dias o período entre o contrato de cessão onerosa e a capitalização. Há o risco, como mencionado por Paulo Lima, da nova legislação gerar grande renda para o contratado e uma pequena renda para o Estado, considerando-a como uma grande perda para o patrimônio público.297 Segundo Ana Siqueira, os investimentos da Petrobrás tem sido superiores em relação à geração de caixa, sendo considerado um problema a partir do momento em que não exista rentabilidade atrativa, podendo gerar um nível de endividamento impactante, o que preocupa os analistas e investidores.298 Graça Foster, então Presidente da Petrobrás, reconheceu falhas no setor, demonstrando metas excessivamente ousadas nos planejamentos na área de E & P, considerando-as sistematicamente irrealistas, citando a refinaria Abreu e Lima com atraso de 297 LIMA, Paulo C. R. Pré-sal: o novo marco legal e a capitalização da Petrobrás. Rio de Janeiro: Synergia, 2011, p. 128,129 298 SIQUEIRA, Ana. O que aconteceu com a Petrobrás? In: GIAMBIAGI, op. cit. p. 252 131 3 anos e enfatizando que as metas de produção, apesar de apresentarem redução no descumprimento, não tem sido cumpridas adequadamente.299 A respeito desta refinaria, a presidente comenta a associação do país com a empresa venezuelana PDVSA (Petroleos de Venezuela S.A.): Mesmo com quem vê com simpatia o uso da empresa para objetivos estratégicos de Estado ressalta que a associação com a venezuelana PDVSA na refinaria de Pernambuco (que na Petrobras chamam de RNEST e os venezuelanos, que ainda não colocaram um tostão, chama de Abreu e Lima) é um caso ´emblemático e escancarado’ . Graça disse que é uma história para a Petrobras aprender e nunca mais repetir...Não por acaso a RNEST é um dos projetos mais sintomáticos da ‘era bonde desgovernado’ na Petrobras. Quando foi aprovada, em 2005, custaria US$2,3 bilhões e ficaria pronta em novembro de 2011. Em março deste ano o preço já estava em US$20,1 bilhões, com a inauguração prevista para novembro de 2014.300 Espera-se que o risco de nacionalismo econômico, de segurança, as lacunas de infraestrutura brasileiras não inibam os investimentos externos na área em análise, como ocorrido no Iraque e na Rússia. É cristalino que quanto mais tempo durar para serem efetivadas as modificações legais, quanto menos o país deixar de participar de novas oportunidades, maiores serão as dificuldades pra investimentos pesados no futuro. Desde a 10ª rodada não se fazia mais licitações, várias empresas já fecharam sua operações no Brasil, os riscos atinentes ao mercado quando o governo recebe parcela do óleo no modelo de partilha são de grande monta, pois o governo terá agora que comercializar o produto diretamente. Acresce-se ainda que o aumento dos custos na exploração do pré-sal são inevitáveis, em razão da dificuldade técnica no planejamento e dos grandes impactos ambientais, e em não havendo múltiplas empresas para digerirem estes infortúnios,tudo tornará o marco legal uma aposta caríssima. Cita-se um comentário de uma empresa argentina a respeito dos quadros institucionais brasileiros confusos: “Eu não tenho problema em lidar com uma regulação dura: faço negócios com a China. Me comuniquem qual é a regulação e eu vou saber montar um modelo de negócios aplicados a ela. Só não me mudem a regulação o tempo todo, porque nesse caso fica difícil”.301 299 SIQUEIRA, Ana. O que aconteceu com a Petrobrás? In: GIAMBIAGI, op. cit., p. 254 PIRES, Adriano; GIAMBIAGI, Fábio; LUCAS, Luiz P. V.; SCHECHTMAN, Rafael. Conclusões e propostas para o setor. In: GIAMBIAGI, op. Cit, p. 333 301 PIRES, Adriano; GIAMBIAGI, Fábio; LUCAS, Luiz P. V.; SCHECHTMAN, Rafael. Conclusões e propostas para o setor. In: GIAMBIAGI, op. Cit, p. 324 300 132 A criação da Pré-sal petróleo S. A. confronta além da atividade da ANP o principio da livre concorrência, uma vez que sem licitação, receberá o pagamento em óleo, não pagando royalties nem bônus de assinatura, tendo a função de pôr o produto em comercialização a um custo possivelmente menor, mas deve observar às diretrizes do CNPE abastecendo o país e estabelecendo as regras de importação e exportação, se submetendo a regulação da ANP, eis que o STF já decidiu que as funções de regulação não podem ser exercidas por pessoas jurídicas de direito privado.302 Neste sentido, Sérgio Andrea Ferreira com base na problemática afirma a importância das formas de controle sobre os atos administrativos para conter o abuso de poder exercido por uma autoridade: que uma autoridade – que seja competente, em termos legais – tem poder regulador não significa que tudo possa fazer a seu exclusivo critério; mas, inversamente, seu comportamento estará sempre sob o controle de outras autoridades, inclusive a judicial, cuja atuação é provocável pelo cidadão, pelas organizações da sociedade civil e por instituições governamentais, como o Ministério Público. O controle legislativo e o jurisdicional são básicos no balizamento da atuação reguladora. Estamos no campo do ‘sistema de freios e contrapesos’, dos checks and balances. 303 A princípio o modelo de partilha não seria um empecilho em razão de outros países o adotarem, mas o fato é que esta série de privilégios reservados a Petrobrás tem afastado a participação das demais empresas, se não houver um tratamento igualitário, com direito às companhias na escolha dos parceiros a disputarem os blocos, o quadro se complicará ainda mais. É certo que ao invés de mudar literalmente o sistema, bastaria modificar as alíquotas da PE, entretanto, se não for outra a posição geral no tocante à modificação, esperase que se ajustem as regulamentações a uma política condizente com o crescimento e o desenvolvimento econômico brasileiro, eis que os sucessos no Canadá e na Noruega ocorreram principalmente por conta da garantia na igualdade de condições de tratamento das empresas fornecedoras, incentivando o investimento em P & D e em transferência de tecnologia. Deve-se por fim, atentar para o manuseio dos recursos provenientes do Fundo Social criado para reservar os recursos do pré-sal, para que estes não sejam utilizados para pagamento de despesas correntes, e sim para aplicação em programas que tragam retornos 302 ARAGÃO, Alexandre dos Santos (Coord.). Direito do Petróleo e de outras fontes de energia. Rio de Janeiro:Lumen juris, 2011, p. 386 303 FERREIRA, Sérgio Andrea. Direito da Regulação Econômica: a experiência brasileira – Revista brasileira de Direito Comparado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 87 133 positivos a sociedade futura, garantindo um efetivo desenvolvimento em nosso país, e para isso resta apenas exercer mais uma vez o tão crucial controle social. 134 CONCLUSÕES PARCIAIS Os problemas atinentes às agências reguladoras são de diversas conotações. Sob o ponto de vista político, o que acontece são intervenções contínuas, conhecida tecnicamente como captura política, quando se observa a prática de influência de autoridades políticas nas decisões das agências e na sua forma de regular. Isto ocorre em virtude dos benefícios concedidos pelas empresas reguladas, que em época de eleição fazem doações de recursos para o financiamento das campanhas eleitorais, e em troca da vitória política, há uma regulação disfarçada sobre as empresas aliadas, não aplicando sanções mediante práticas anticoncorrenciais, prejudicando a coletividade na utilização dos bens e serviços dispostos de qualquer forma. Além do aspecto político, temos o aspecto econômico, que está de certa forma relacionado com o político, tendo em vista que há captura do regulador pelo regulado que oferece vantagens econômicas em troca de uma falsa regulação e com isso temos o financiamento de campanhas, ou qualquer outra vantagem financeira em favor do regulador. Este ponto é muito preocupante, por se tratar de uma prática corriqueira no âmbito da regulação, alguns casos foram demonstrados para exemplificar o problema, como o citado caso da ANATEL e da empresa Andrade Magro. Além disso, diversas teorias econômicas tentam justificar este comportamento notadamente econômico dos agentes reguladores, que ao invés de punir práticas anti econômicas, contrariamente entram no quadro de favoritismos e corrupção. A teoria do interesse público expõe a ideia de que a má administração das agências reguladoras é que são responsáveis pelo seu desvio a finalidade pública que deveria ter. A teoria da falha regulatória defende que as agências reguladoras possuem um ciclo de vida, que iniciam fortes e em seguida vão deixando de regular corretamente em função das influências recebidas pelos regulados. A teoria da captura define que os reguladores são inevitavelmente capturados pelos regulados de alguma maneira, seja política ou economicamente. A teoria da organização administrativa elenca que devido ao fato de a adminsitração objetivar se organizar paulatinamente, criando diversos atos normativos, provocam uma irracionalidade do ponto de vista prático, tornando-se ineficazes em virtude do exagerado número de atos complexos e confusos. E a última teoria, a teoria econômica da regulação tende a defender que os agentes reguladores sim podem sofrer influências econômicas, mas não se sabe ao certo de onde elas partem, pois podem ser tanto das empresas reguladas, quanto dos cidadãos, 135 e das associações civis ou qualquer outro tipo de grupo influente, voltando sua preocupação para saber exatamente onde se encontra o problema. Na verdade, todas estas teorias, tentam demonstrar a razão das falhas referentes à atuação das agências reguladoras, a fim de buscar uma solução ao problema, mas é importante frisar que nem tudo é mensurável economicamente, e que ainda que a economia seja determinante numa esfera de poder, a submissão do problema a um jurista de fato, irá dizer o Direito da maneira correta, em termos de justiça, esta será determinante no último momento, e então comprovará a autonomia do Direito em relação aos outros campos influentes, afastando quaisquer vicissitudes que tentem burlar a lei. Ainda foi demonstrada a impossibilidade das agências reguladoras executarem suas políticas públicas sem receber as verbas pertinentes para tanto, em virtude dos grandes contingenciamentos que vem sendo efetivados pelo governo federal, que juntamente com a desvinculação de receitas, tem utilizado estes recursos para gerar superávit, impossibilitando que as agências atuem com a autonomia orçamentária que necessitam. Para tentar minorar tais distorções, foi elaborado o Projeto de Lei 3337 de 2004, que tramitou no Congresso Nacional por longos 9 anos, e nada foi consolidado até sua retirada que ocorreu recentemente, não sendo acatado pelos parlamentares apesar de almejar melhorar a qualidade da regulação brasileira. Afora todas estas questões, vive-se uma crise ambiental desmedida, em razão do uso incondicionado de técnicas invasivas no ambiente em prol da exploração econômica, sob o viés da eficiência, a fim de legitimar estas práticas irregulares, muito pertinentes na área de atuação da Agência Nacional do Petróleo e que por esta razão são retomadas ao fim, por meio de críticas atinentes às reformas em âmbito petrolífero, que serão melhor elucidadas em seguida. 136 4 Legalização do Petróleo 4.1 Comercialização do Petróleo Bem antes da criação da ANP, entre o ano de 1853 até 1953, as áreas sedimentares brasileiras eram abertas à iniciativa privada, sendo as duas primeiras concessões outorgadas pelo Imperador Dom Pedro II em 1858, para exploração de carvão, turfa, betume, em Ilhéus, Bahia, no Rio Mauá, onde foram encontrados alguns escoamentos de óleo.304 Em 1859, novos escoamentos de óleo apareceram na construção de uma estrada de ferro no Recôncavo Baiano, e então Thomas Dennys Sargent requereu e recebeu concessão do Imperador para pesquisa e lavra de turfa e petróleo. Em 1867 foram concedidos direitos de exploração de betume nas bacias de São Luís e Barreirinhas. Entre 1872 e 1874 várias concessões foram feitas no interior de São Paulo, seguiram-se outras concessões em 1888, 1889 e 1892, sendo no último ano o marco mais importante, devido a perfuração de um poço que atingiu 488 metros na Bacia do Paraná, em Bofete, SP. 305 Em 1907, foi criado o Serviço Geológico Mineralógico Brasileiro (SGMB), que resultou no grande aumento de perfurações de poços de maneira mais técnica. Em 1933, foi criado o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), mas ainda havia carência de recursos e ausência de um órgão responsável pelo setor de petróleo, que motivaram a criação do Conselho Nacional de Petróleo (CNP), em 1939, para avaliar os pedidos de pesquisa e lavra de petróleo. E o mesmo decreto que instituiu o CNP também declarou a utilidade pública do petróleo e regulou as atividade de importação, exportação, transporte, distribuição e comércio de petróleo, bem como o funcionamento da indústria de refino.306 Em 1941, começou a expansão dos trabalhos do CNP sobre os outros estados brasileiros, e em 1953, houve a criação da Petrobrás monopolizando a atividade com o objetivo de suprir o mercado interno de petróleo, cuja fase de exploração unicamente terrestre se deu entre 1954 e 1968. A partir de 1969, inicia-se a exploração por mar em áreas rasas até 1984, pois entre 1985 e 1997, ocorrem explorações em águas profundas, quando então a ANP é quem passa a atuar no controle do setor. 307 304 Disponível em : http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAEhgAF/historia-petroleo-no-brasil, acesso em 16 de abril de 2013 305 Idem 306 Idem 307 Idem 137 Mas, para explicar o surgimento da ANP é necessário contextualizá-la no momento histórico da época, bem como explicar o crescimento do interesse pelo petróleo no contexto mundial e nacional. Neste tocante se observa que historicamente o petróleo iniciou seu ciclo comercial no ano de 1849 nos Estados Unidos308, cujo intuito único era remediar enfermos portadores de reumatismo. Em 1849, o líquido foi intitulado como “kier rock oil” por conta de Samuel Kier o ter comercializado como óleo medicinal a custo de um dólar por garrafa. Posteriormente, o petróleo foi utilizado como óleo de iluminação, e apenas em 1854 fundou-se a primeira companhia petrolífera dos Estados Unidos, a Pennsylvania Rock Oil Company of New York, com o objetivo de pesquisa e produção de recursos minerais e sal, ocorre que as dificuldades eram muitas em razão das paredes das salinas gerarem desmoronamentos constantes. Assim, em 1859, o Coronel Draker, um dos sócios da empresa, resolveu revestir as paredes internas com tubos de ferro, iniciando a era do petróleo como combustível e o seu desenvolvimento tecnológico com a indústria do refino. 309 Paralelamente a isto, no Brasil nem se cogitava a possibilidade de buscar petróleo, eis o até então desconhecimento da tamanha fonte de riqueza que este fóssil líquido era capaz de gerar. Nos EUA, nasceu a medida padrão do barril de petróleo a partir de barris armazenadores de uísques, os quais se encontravam disponíveis como reservatórios, cuja capacidade de 159 litros é até hoje utilizada comercialmente. Em 1863, houve uma grande expansão dos estabelecimentos de refino. Vários países começaram a produzir petróleo na América, Europa e Oriente Médio, mas o Brasil ainda se encontrava inerte na sua exploração petrolífera. Apenas entre os anos de 1892 e 1896 se tem registros de que ocorreu a primeira perfuração com fitos petrolíferos no Brasil, no município de Bofete, no estado de São Paulo, por Eugênio Ferreira de Camargo, com uma profundidade exploratória de 488 metros, conforme relatado acima, contudo não obtiveram nada mais do que água sulfurosa.310 Ao perceber os rumos de sua comercialização, o poder constituinte foi amoldando os interesses estatais sobre os produtos extraídos do solo, conforme posterior análise da retrospectiva constitucional. 308 O petróleo sem cunhos comerciais já havia sido utilizado no antigo Egito para o embalsamento de mortos e também na construção das pirâmides. 309 MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Comentários à Lei do Petróleo. 2ed., Editora Atlas: São Paulo, 2009, p. 1-25 310 Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Petr%C3%B3leo. Acesso em 21/06/2012 138 Mais tarde foi inaugurado o seu transporte por dutos completando a integração industrial do petróleo, com todas as atividades de exploração, produção, refino, transporte e distribuição, a cadeia ‘do poço ao posto’, incluindo o upstream, midlestream e downstream311, se completava. O desenvolvimento da indústria do petróleo se deu devido ao emprego deste e de seus derivados nas diversas áreas da indústria e nos motores de combustão, gerando uma dependência econômica e social no século XIX, cujos reflexos são claramente percebidos no século XX. Em meio a guerras viu-se o petróleo e seus derivados atrelados às questões estratégicas e políticas dos países. Os movimentos nacionalistas cresciam, pois os países hospedeiros percebiam que as rendas advindas desta riqueza proporcionavam benefícios à população. Em 1960, foi criada a OPEP(Organização dos Países Exportadores de Petróleo) em Bagdá formando um cartel de exportadores de petróleo, o que mudou para sempre as relações de força entre hospedeiros e compradores. Hoje a dignidade da pessoa humana se vê associada ao acesso ao Direito de Energia.312 4.2 Constitucionalização do Direito do Petróleo Sabendo-se que apenas a partir da Constituição de 1934, (16/07/34), se iniciou o tratamento da matéria a respeito da concessão para exploração do petróleo, não há razão para maiores análises das Constituições anteriores, as quais são a Constituição de 1824 (25/03/1824), e de 1891, (24/02/1891), porque não havia preocupação ainda em seus textos sobre a comercialização do petróleo no Brasil. A CF de 1824, outorgada pelo Imperado Dom Pedro II, não chegava a tratar dos recursos minerais, mas apenas dizia que seria assegurado o direito de propriedade em sua plenitude, assegurado o pagamento de indenização em caso de exigibilidade de uso ou emprego, mas o que se percebe é que a grande maioria das terras eram de propriedade pública, as poucas propriedades privadas que existiam eram provenientes de concessões reais 311 Estas expressões significam partes do processo exploratório do petróleo, a primeira etapa é a upstream que identifica os campos, por meio de estudos, exploração, transporte até as refinarias, quando entra a midlestream, que são as atividades de refinamento e assim transformação da matéria prima em produtos manifaturados, e a última atividade da cadeia de produção é a downstream, que é a logística, ou seja, o transporte do produto das refinarias até o mercado de consumido, para então ser distribuídos e comercializado para o consumidor final. 312 MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Comentários à Lei do Petróleo. 2ed., Editora Atlas: São Paulo, 2009, p. 1-25 139 e assim não havia maiores detalhamentos sobre as propriedades privadas, não dispondo sobre os minerais constantes no solo. Art. 179 (...) XXII - É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação. Em 1864, são datados os primeiros estudos sobre a possibilidade da existência de petróleo em território brasileiro. Neste diapasão, houve a mudança na interpretação da disciplina constitucional em relação às riquezas provenientes do solo, que antes eram do proprietário do solo plenamente, e passaram a ser objeto de intervenções administrativas, como as desapropriações em decorrência de necessidade ou utilidade pública, assegurado o pagamento de indenização previamente na Carta de 1891. Assim, a partir da Constituição de 1891, o direito de propriedade passou a fazer parte do rol dos direitos invioláveis, cujo art. 72, §17, determinou que o proprietário do solo detinha a propriedade dos recursos naturais ali encontrados, devido ao caráter da acessoriedade que os recursos minerais apresentavam em relação ao solo, conforme o dispositivo seguinte: Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 17 - O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. As minas pertencem aos proprietários do solo, salvas as limitações que forem estabelecidas por lei a bem da exploração deste ramo de indústria. No ano de 1907, foi criado o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil – SGMB, com o objetivo de estimular a pesquisa de reservas petrolíferas no Brasil, mas o país ainda não dispunha de uma infraestrutura especializada nesta atividade, carente de recursos e equipamentos. Antes da Era Vargas, o governo de Washington Luís baseava-se na República Velha dos cafeicultores brasileiros, que em virtude da superprodução culminaram numa drástica crise econômica, eis que a produção de café excedia o seu consumo. A crise de 1929 dos Estados Unidos, agravou ainda mais a situação no Brasil, pois os EUA eram um grande importador de café brasileiro, mas em virtude da I Guerra Mundial, 140 passou a investir unicamente na industria bélica, enquanto a Europa se industrializava largamente, deixando assim de depender dos produtos importados dos EUA, o que gerou estoque e queda de preços dos produtos americanos, gerando a quebra de várias empresas, em razão da retirada das ações de forma abrupta pelos investidores das empresas, e assim aumentou a dívida externa brasileira, havendo também a queda dos créditos brasileiros. Além disso, o quadro brasileiro se intensificou quando Washington Luís burlou o acordo de suceder um presidente mineiro, em razão da política do café com leite, passando a preferência ao cargo de presidente para Júlio Prestes, que era paulista, gerando o fim da política de valorização do café, deixando as oligarquias insatisfeitas com o governo estabelecido. Isto deu azo ao fortalecimento do Ministro da Fazenda Getúlio Vargas, á época, à candidatura de Presidente da República, aliado ao candidato à vice presidência João Pessoa, o qual se teve por assassinado com base em motivos políticos, gerando a tomada de poder pelos militares inaceitável pelo povo, que exigiu a ascensão de Getúlio a Presidente. Em 1930, principia a preocupação brasileira a respeito do petróleo, em todos os níveis da federação, e em meio a amplas discussões, dividem o tema entre os defensores do monopólio estatal na exploração do petróleo, e aos que defendem a possibilidade da iniciativa privada explorá-lo. Após a Revolução de 1930, Getúlio Vargas assume o poder afastando o interesse agrário comercial das oligarquias, adotando uma política industrial, investindo na indústria de base e energia. A partir da Constituição de 1934, seu art. 119 passou a constar que o aproveitamento industrial das minas e das jazidas, assim como as águas e energia dependiam de concessão, além de incorporar a ordem econômica e social, sob a influência da Constituição do México de 1917, (05/02/17) e de Weimar de 1919 (11/08/19). Art 119 - O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, bem como das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização ou concessão federal, na forma da lei. § 1º - As autorizações ou concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a empresas organizadas no Brasil, ressalvada ao proprietário preferência na exploração ou co-participação nos lucros. (...) § 4º - A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e quedas d'água ou outras fontes de energia hidráulica, julgadas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar do País. § 5º - A União, nos casos prescritos em lei e tendo em vista o interesse da coletividade, auxiliará os Estados no estudo e aparelhamento das estâncias mineromedicinais ou termomedicinais. § 6º Não depende de concessão ou autorização o aproveitamento das quedas d'água já utilizadas industrialmente na data desta Constituição, e, sob esta mesma ressalva, a exploração das minas em lavra, ainda que transitoriamente suspensa. 141 Assim a sua exploração passa a ser objeto de concessão, perseverando o pensamento na Constituição de 1937, (10/09/37), mas restringindo ao regime das autorizações. Art 143 - As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d'água constituem propriedade distinta da propriedade do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial. O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização federal. § 1º - A autorização só poderá ser concedida a brasileiros, ou empresas constituídas por acionistas brasileiros, reservada ao proprietário preferência na exploração, ou participação nos lucros. Em 1938, com o Decreto nº 395 (30/10/69) foi declarada a utilidade pública do petróleo. Este decreto foi a primeira legislação brasileira a respeito do petróleo, pois antes só se falava sobre produtos extraídos do solo. Neste mesmo ano, em 1938, Vargas criou o Conselho Nacional do Petróleo, CNP, com o objetivo de coordenar os assuntos de distribuição, pesquisa, lavra e refino de petróleo. Era o início da intervenção estatal na economia no sentido de regular o setor petrolífero. Neste sentido, tem a visão de que a criação das agências reguladoras não trouxe qualquer teor de inovação, uma vez que as atividades regulatórias já eram implementadas por outros entes anteriores a sua consolidação, no caso do petróleo este papel foi iniciado pelo CNP. 313 No ano de 1939, ocorre a primeira exploração de sucesso no Brasil, a qual se deu na cidade de Lobato, na Bahia, quando então a Bacia do Recôncavo Baiano passou a ser intensamente explorada. Em 1942, Vargas cria a Companhia Vale do Rio Doce, e em 1946, a Companhia Siderúrgica Nacional, conhecida como a maior usina siderúrgica da América Latina. Simultaneamente a isto, Vargas defende os movimentos nacionalistas, e inicia a intensa intervenção do estado na economia. Em 1946, o regime das concessões retornou: Art 152 - As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d'água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial. Art 153 - O aproveitamento dos recursos minerais e de energia hidráulica depende de autorização ou concessão federal na forma da lei. DUTRA, Luís Eduardo Duque. Combustíveis no Brasil – Desafios e Perspectivas . Rio de Janeiro: Synergia, 2012, p. 44 313 142 § 1º - As autorizações ou concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a sociedades organizadas no País, assegurada ao proprietário do solo preferência para a exploração. Os direitos de preferência do proprietário do solo, quanto às minas e jazidas, serão regulados de acordo com a natureza delas. Com a vitória dos Estados Unidos na Segunda Guerra, o Brasil criou o Estatuto do Petróleo em 1948, com o intuito de imiscuir capital público e privado na dita atividade, em virtude de nossa carência de tecnologia à época. Eurico Gaspar Dutra, em 1948, levou ao Congresso um anteprojeto que autorizava empresas privadas participarem da indústria de combustíveis, só que o Brasil não dispunha de empresas privadas com estes recursos tecnológicos, o que acarretaria a entrada de estrangeiros na atividade. Isto foi alvo de críticas pelos nacionalistas que assim se opuseram a aprovação do anteprojeto. Em 1951, inicia a campanha “o petróleo é nosso” quando Getúlio é reeleito e elabora o Projeto de Lei 1561/51 (1º/10/51), o qual proporcionou a aprovação da Lei 2004/53. Apesar de todo este avanço no ramo petrolífero, o que se constata é que o seu monopólio foi reconhecido apenas em 1953, em virtude da Lei que instituiu a Petrobrás para exercê-lo. A Constituição de 1946 (18/08/46), não dispôs sobre o regime de monopólio, pois havia uma bipartição de opiniões sobre a monopolização ou não da exploração de petróleo e resolveu-se deixar o tratamento do assunto por lei ordinária. O art. 162 da Constituição de 1967, (24/01/67), passou a constitucionalizar o monopólio da Petrobrás na indústria petroleira que já era matéria de lei ordinária. A Carta assegurava que a propriedade do solo era distinta da propriedade dos recursos ali encontrados, se tratavam de bens jurídicos distintos e reconhecia a participação do proprietário nos resultados, da lavra, em relação às jazidas e minas cujo monopólio fosse da União. Art 161 - As jazidas, minas e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial. § 1º - A exploração e o aproveitamento das jazidas, minas e demais recursos minerais e dos potenciais de energia hidráulica dependem de autorização ou concessão federal, na forma da lei, dada exclusivamente a brasileiros ou a sociedades organizadas no País. § 2º - É assegurada ao proprietário do solo a, participação nos resultados, da lavra; quanto às jazidas e minas cuja exploração constituir monopólio da União, a lei regulará a forma da indenização. Art 162 - A pesquisa e a lavra de petróleo em território nacional constituem monopólio da União, nos termos da lei. A ideia da Carta de 1967, foi perpetuada em 1969, pois o AI (Ato Institucional) 01 de 1969, (07/10/69) em seu art. 169 manteve o trecho a respeito do monopólio petrolífero. O 143 AI em alusão é reconhecido por alguns constitucionalistas como José Afonso da Silva como Constituição, pois uma emenda não tem a intenção de desconstituir a Carta em vigor, e ao convocar uma Assembléia Nacional Constituinte, configuraria um verdadeiro ato político para desconstituir a ordem vigente.314 Art. 169. A pesquisa e a lavra de petróleo em território nacional constituem monopólio da União, nos têrmos da lei. Em seguida veio a Constituição de 1988, (05/10/88), para melhor detalhar a matéria em seu art. 177315. Esta Constituição retirou a ordem econômica de junto dos Direitos Sociais, que desde 1934 vinham juntos no texto das Constituições, mas com a modificação, os Direitos Sociais passaram a integrar o rol dos Direitos e Garantias Fundamentais e a ordem econômica passou a ser chamada ‘Da Ordem Econômica e Financeira’. Posteriormente, o texto constitucional do art. 177 foi modificado pela EC n° 9/95316, flexibilizando o monopólio da Petrobrás, para que empresas privadas também pudessem participar na atividade de exploração. 314 JESUS, Damásio apud SILVA, José Afonso. Disponível em : http://www.damasio.com.br/LinkClick.aspx?fileticket=NiWuNIuUTSw%3D&tabid=141. Acesso em 16 de abril de 2013 315 Art. 177 - Constituem Monopólio da União:I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal. (Alterado pela EC-000.049-2006)§ 1º - A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I e II deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei. (Alterado pela EC-000.009-1995)§ 2º - A lei que se refere o § 1º disporá sobre: (Acrescentado pela EC-000.009-1995)I - a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional;II - as condições de contratação;III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União.§ 3º - A lei disporá sobre o transporte e a utilização de materiais radioativos no território nacional. (Alterado pela EC-000.009-1995)§ 4º - A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: (Alterado pela EC-000.033-2001)I a alíquota da contribuição poderá ser:a) diferenciada por produto ou uso;b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b;II - os recursos arrecadados serão destinados:a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo;b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás;c) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes. 316 Art. 177(...)§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei. § 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: I - a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional; II as condições de contratação; III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União. 144 Depreende-se que a Constituição de 1988, por meio do art. 177, transcreveu detalhadamente as atividades da indústria petroleira previstas na Lei instituidora da Petrobrás nº 2.004/53 então revogada pela Lei 9.478/97. Art. 1º Constituem monopólio da União: I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e outros hidrocarbonetos fluídos e gases raros, existentes no território nacional; II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados de petróleo produzidos no Pais, e bem assim o transporte, por meio de condutos, de petróleo bruto e seus derivados, assim como de gases raros de qualquer origem. Art. 2º A União exercerá, o monopólio estabelecido no artigo anterior: I - por meio do Conselho Nacional do Petróleo, como órgão de orientação e fiscalização; II - por meio da sociedade por ações Petróleo Brasileiro S. A. e das suas subsidiárias, constituídas na forma da presente lei, como órgãos de execução. (REVOGADA) Esta lei trazia ainda em seu bojo dispositivos a respeito do CNP, do capital da Petrobrás, dos seus acionistas, de sua diretoria e do seu conselho fiscal, dos seus fatores e obrigações, de seu pessoal, de suas subsidiárias, entre outras concernentes à Petrobrás, a qual atuou de forma monopolística de 1953 até 1997. Na prática, o que se percebe, é que a Petrobrás ganhou várias áreas privilegiadas nas rodadas de licitações em virtude de se tratar de empresa brasileira, com capital parcialmente público, o que não a coloca em posição de igualdade em relação às outras empresas particulares participantes do certame licitatório. Mesmo assim, ainda não conseguimos alcançar a autossuficiência do petróleo, apesar de haver discursos políticos de que alcançamos esta independência desde 2005, o que é uma inverdade, posto que o Brasil ainda importa petróleo leve, já que a utilidade do óleo é decorrente de sua qualidade, assim há bens de consumo que não podem ser fabricados com o óleo brasileiro, restando-nos importar e fabricar o restante dos bens de consumo provenientes deste fóssil. 4.3 Natureza Jurídica da Atividade de Exploração do Petróleo Sabendo-se que a Lei 8.987/95, (13/02/95), trouxe um tratamento específico sobre o regime de concessão e permissão na prestação dos serviços públicos, em virtude das privatizações das empresas estatais, a consequência foi o aditamento de leis para a criação das agências reguladoras, as quais surgiram com a finalidade precípua de disponibilizar, celebrar e fiscalizar estes contratos de concessão para exploração dos recursos ou prestação de serviços. 145 Há discussão doutrinária sobre a distinção entre a prestação de serviço público e a exploração petrolífera, Carlos Ari Sundfeld difere-os, retirando a aplicação da lei de concessões e de licitações ao Direito do Petróleo. Existe necessidade estratégica de utilizar a concessão para a exploração e produção de petróleo. É que estão envolvidos, no caso, recursos escassos – as jazidas. Isso justifica a reserva, para a União, da tarefa de organizar sua utilização (cabe-lhe identificar as bacias, dividí-las em blocos, realizar o isolamento dos depósitos, para possibilitar a descoberta e exploração). O termo “concessão” é utilizado para diversas finalidades do Direito Administrativo. Ele possui, em geral, um sentido de outorga de privilégio. Usar bem público, prestar serviço estatal em regime de exclusividade e explorar jazida são privilégios. No regime brasileiro, em geral, é preciso que tal outorga observe princípios constitucionais relativos à atribuição de privilégios particulares. O princípio fundamental neste caso, é o da igualdade, cuja implementação se faz por licitação. A exigência de certame licitatório para concessão petrolífera nada tem a ver com o art. 175 da Constituição Federal, que é específico de “serviços públicos”, conceito em que a exploração e produção de petróleo não se enquadram. A chamada Lei de Concessões (nº 8.987, de 1994) procura regular genericamente a concessão dos serviços públicos. Ela não se aplica ao Direito do Petróleo, já que não se trata de concessão de serviço público, mas de outro tipo de privilégio. A Lei do Petróleo trata exaustivamente da concessão de exploração da produção de petróleo, de maneira a excluir a aplicação da Lei de Concessões. Por via oblíqua, também é inaplicável a Lei de Licitações. (nº 8.666, de 1993).317 A natureza jurídica da concessão para a atividade de exploração do petróleo se trata conforme Alexandre dos Santos Aragão como uma atividade econômica em sentido estrito: Os legítimos interesses dos investidores merecem proteção, inclusive pelos altos riscos e elevados montantes que envolvem a atividade do petróleo. Todavia, este desiderato, para que tenha êxito, não pode desconsiderar os interesses estratégicos que foram acolhidos pelo legislador e pelo constituinte; o fato da atividade petrolífera, apesar de indubitavelmente constituir uma atividade econômica, continuar sendo um monopólio estatal; e as mudanças que há décadas vêm se consolidando no direito administrativo como um todo. (...) Note-se que o objetivo da publicatio há de ser o atendimento direto de necessidades ou utilidades públicas, não o interesse fiscal ou estratégico do Estado, hipóteses em que estaríamos diante de atividades econômicas strictu sensu, que só podem ser monopolizadas pelo Estado nos casos taxativamente estabelecidos na Constituição, e que, ainda que em regime de concorrência com a iniciativa privada, só podem ser por ele exploradas se atendidos os requisitos do caput do art. 173 da CF. (...) Após analisadas as linhas gerais da disciplina constitucional e legal do petróleo, a natureza jurídica das suas concessões e autorizações e os contornos do poder normativo da Agência Nacional 317 SUNDFELD, Carlos Ari. Regime Jurídico do Setor Petrolífero. Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 393 146 do Petróleo – ANP, podemos chegar às seguintes conclusões: (...) a indústria do petróleo envolve atividade econômica monopolizada pelo Estado, não serviço público. 318 De fato, a configuração de uma atividade econômica estritamente é cristalina, e ao contrário do que grande parte da doutrina postula, não existe uma prestação efetiva de serviço público por parte da empresa concessionária na exploração do petróleo, não obstante o interesse público é latente na medida em que o bem escasso provindo das jazidas fossilizadas de petróleo e gás, trazem em seu bojo a necessidade de controle por um órgão neutro que torne seu uso sustentável e limitado às exigências publicísticas. Em 1997, foi editada a Lei Federal nº 9478, a qual ficou conhecida como a Lei do Petróleo. Esta lei foi muito importante para a indústria petrolífera, pois criou o CNPEConselho Nacional de Política Energética, bem como o órgão regulador do setor petrolífero, a ANP – Agência Nacional do Petróleo.319 318 ARAGÃO, Alexandre dos Santos. As concessões e autorizações petrolíferas e o poder normativo da Agencia Nacional do Petróleo. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, n. 228, abr/jun. 2002, p. 244-272 319 Art. 2° Fica criado o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, vinculado à Presidência da República e presidido pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, com a atribuição de propor ao Presidente da República políticas nacionais e medidas específicas destinadas a:I - promover o aproveitamento racional dos recursos energéticos do País, em conformidade com os princípios enumerados no capítulo anterior e com o disposto na legislação aplicável;II - assegurar, em função das características regionais, o suprimento de insumos energéticos às áreas mais remotas ou de difícil acesso do País, submetendo as medidas específicas ao Congresso Nacional, quando implicarem criação de subsídios;III - rever periodicamente as matrizes energéticas aplicadas às diversas regiões do País, considerando as fontes convencionais e alternativas e as tecnologias disponíveis;IV - estabelecer diretrizes para programas específicos, como os de uso do gás natural, do carvão, da energia termonuclear, dos biocombustíveis, da energia solar, da energia eólica e da energia proveniente de outras fontes alternativas; (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005)V - estabelecer diretrizes para a importação e exportação, de maneira a atender às necessidades de consumo interno de petróleo e seus derivados, biocombustíveis, gás natural e condensado, e assegurar o adequado funcionamento do Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e o cumprimento do Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis, de que trata o art. 4o da Lei no 8.176, de 8 de fevereiro de 1991; (Redação dada pela Lei nº 12490, de 2011)VI - sugerir a adoção de medidas necessárias para garantir o atendimento à demanda nacional de energia elétrica, considerando o planejamento de longo, médio e curto prazos, podendo indicar empreendimentos que devam ter prioridade de licitação e implantação, tendo em vista seu caráter estratégico e de interesse público, de forma que tais projetos venham assegurar a otimização do binômio modicidade tarifária e confiabilidade do Sistema Elétrico. (Incluído pela lei nº 10.848, de 2004)VII - estabelecer diretrizes para o uso de gás natural como matéria-prima em processos produtivos industriais, mediante a regulamentação de condições e critérios específicos, que visem a sua utilização eficiente e compatível com os mercados interno e externos. (Incluído pela Lei nº 11.909, de 2009)VIII - definir os blocos a serem objeto de concessão ou partilha de produção; (Incluído pela Lei nº 12.351, de 2010)IX - definir a estratégia e a política de desenvolvimento econômico e tecnológico da indústria de petróleo, de gás natural, de outros hidrocarbonetos fluidos e de biocombustíveis, bem como da sua cadeia de suprimento; (Redação dada pela Lei nº 12490, de 2011)X - induzir o incremento dos índices mínimos de conteúdo local de bens e serviços, a serem observados em licitações e contratos de concessão e de partilha de produção, observado o disposto no inciso IX. (Incluído pela Lei nº 12.351, de 2010)§ 1º Para o exercício de suas atribuições, o CNPE contará com o apoio técnico dos órgãos reguladores do setor energético.§ 2º O CNPE será regulamentado por decreto do Presidente da República, que determinará sua composição e a forma de seu funcionamento.Art. 4º Constituem 147 Depreende-se que de acordo com esta lei o direito de prospecção e produção de petróleo e gás continuavam com a União, restando a ANP apenas as atividades de regulação e fiscalização, nas quais se insere a administração, e condução das rodadas de licitação. Desde o ano de 2007, até hoje, a doutrina permeia por grande discussão no tocante às adequadas legislações do setor, em virtude da descoberta na bacia de Santos das reservas de hidrocarbonetos localizadas na camada geológica denominada pré-sal, a cerca de sete mil metros abaixo da água, onde foi encontrado um óleo de considerável leveza e voluptuosidade, que levou ao estabelecimento de um novo marco legal a estabelecer novas diretrizes na atuação da ANP. 320 Com o estabelecimento do novo marco legal do petróleo, a Lei 9478/97, passa a ser denominada como antiga lei do petróleo pela doutrina. E apesar desta lei trazer a criação da ANP, foi com o Decreto 2.455/98, (14/01/98) que seu detalhamento foi instituído. Este decreto foi responsável pela implantação da Agência Nacional do Petróleo – ANP e aprovação de sua estrutura regimental, quadro demonstrativo dos cargos em comissão e funções de confiança, além de outras matérias internas. Além deste, temos a respeito do tema, o Decreto 2.705/98, de 03 de agosto de 1998, o Decreto 2.745/98, de 24 de agosto de 1998, e Decreto 2.953/99, de 28 de janeiro de 1999, cujo teor será elencado a seguir. Com relação ao Decreto 2.745/98, que modifica o art. 67321 da Lei 9478/97, existe uma crítica na doutrina no sentido de que a utilização de um procedimento mais simples nas licitações da Petrobrás, contraria o princípio da igualdade, pois todas as demais empresas estariam submetidas às mesmas circunstâncias, devendo, pois a Petrobrás como concorrente se situar no mesmo patamar licitatório. monopólio da União, nos termos do art. 177 da Constituição Federal, as seguintes atividades:I - a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;II - a refinação de petróleo nacional ou estrangeiro;III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem como o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e de gás natural.Art. 5o As atividades econômicas de que trata o art. 4o desta Lei serão reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante concessão, autorização ou contratação sob o regime de partilha de produção, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País. (Redação dada pela Lei nº 12.351, de 2010). Art. 5º. É dispensada a licitação para a contratação da PETRO-SAL pela administração pública para realizar atividades relacionadas ao seu objeto. 320 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Propostas legislativas de novo marco regulatório do pré-sal. Revista de Direito Público da Economia, ano 8, n. 29, jan/mar, Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 1-248 321 Art. 67. Os contratos celebrados pela PETROBRÁS, para aquisição de bens e serviços, serão precedidos de procedimento licitatório simplificado, a ser definido em decreto do Presidente da República. 148 Nas palavras da empresa a justificativa seria objetivar o atendimento à dinâmica do setor petrolífero, caracterizado por um ambiente de livre competição com outras empresas e regido em função das condições de mercado, onde agilidade é fundamental e assim o uso da Lei 8666/93, de 21 de junho de 1993, seria incompatível com tal ambiente e com o princípio da eficiência, previsto art. 37, caput, da Constituição Federal. 322 Ocorre que esta preferência perpassa a isonomia constitucional na medida em que as demais empresas exploratórias não disponibilizam deste procedimento específico reservado à Petrobrás, o que tornaria inconstitucional tal enunciado de acordo com o Tribunal de Contas da União, eis que a livre concorrência pressupõe a igualdade de condições entre os concorrentes. Apesar de ser este o entendimento de parte da doutrina, o STF tem julgado pela inconstitucionalidade do TCU na declaração de inconstitucionalidade do art. 67 da Lei 9478/97, de 06 de agosto de 1997, e do Decreto 2745/98 em comento em virtude da delimitação constitucional da competência do TCU insculpida no art. 71 da CF/88, pois o Tribunal de Contas não teria o condão de declarar inconstitucional ato normativo. O que ocorreu na verdade foi o claro processo de deslegalização, pois um ato infralegal inovou no ordenamento jurídico, ao trazer no art. 67 da Lei 9478/97 tal matéria. 4.4 Novo Marco Legal 4.4.1 O Modelo de Contrato de Produção de Partilha de Produção A Lei 12.351/2010, de 22 de dezembro de 2010, faz parte do novo marco legal do petróleo, em virtude da modificação do regime fiscal323, eis que antes da descoberta do pré- 322 Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=151918. Acesso em 28/06/2012 323 Há quatro regimes fiscais básicos de exploração e produção de petróleo: concessão, partilha de produção, prestação de serviços e joint venture. No primeiro a empresa explora o recurso e assume os riscos e a propriedade do óleo e gás, garante direitos exclusivos para pesquisa, lavra e comercialização, sua disputa depende do pagamento de bônus aos estados e royalties cuja base de cálculo é relacionada à receita bruta, a principal desvantagem deste regime é a falta de conhecimento sobre a comercialidade da área a ser concedida. O regime de partilha foi utilizado pela primeira vez na Indonésia em 1966 e neste a propriedade do petróleo é do Estado, mas as empresas podem gerenciar e operar as instalações assumindo todos os riscos. O Estado tem sua parcela do custo no investimento, mas é pago às empresas com as receitas futuras do estado, o excedente em óleo não possui critérios de definição, não há o pagamento de bônus, as empresas tem direito de recuperar seus custos de operação ao longo dos anos e de manutenção nos anos em que eles ocorrem, pode ser estabelecido um limite para recuperação do custo em óleo, os riscos e os recursos são partilhados entre a empresa e o governo, oferece maior segurança tanto ao estado quanto as empresas, pois o contrato é inflexível por somente poder ser alterado pelo Parlamento. A contratação de serviço pode ser de dois tipos: de prestação de serviços ou de risco, nos primeiros as empresas são contratadas para explorar e desenvolver um campo em troca de pagamento, todos os riscos, investimentos e petróleo são do estado, já no de risco os investimentos serão recebidos em dinheiro ou em 149 sal, os contratos eram celebrados mediante o regime fiscal de concessão, o qual implica ao concessionário a obrigação de explorar, por sua conta e risco e produzir petróleo ou gás com direito à propriedade destes bens extraídos, entretanto após, o governo e o Congresso Nacional optaram pela exploração compartilhada, importada da Indonésia nos anos 50, no qual o contratado exerce por sua conta e risco as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção e em caso de êxito possui o direito à restituição do custo do óleo e de parcela do excedente em óleo nas condições pactuadas324. Frente às novas condições, a ANP não tem efetivado nenhuma critica no que tange ao novo modelo contratual adotado em âmbito de pré-sal, sua inércia é preocupante, porque demonstra a sua ausência de autonomia em relação ao Poder Executivo, afinal de contas a Presidente da República ratificou tal modificação, e ainda que sua atividade regulatória seja colocada em segundo plano, sua insurreição aos ditos do Executivo lhe afastará das indicações políticas nas entidades públicas. Este novo tipo contratual foi adotado sob o argumento de que em meio a eventual ausência de sede constitucional para as concessões de petróleo haveria a autorização na instituição de um novo modelo contratual, bem como outros mecanismos de funcionamento do setor. Sendo assim, este regime de partilha altera a lei criadora da ANP. O contratado exerce por sua conta e risco as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção, com direito a apropriação do custo em óleo, da produção dos royalties e parcela do excedente em óleo, cuja parcela será repartida entre a União e o contratado sob critérios a definir em contrato, sendo resultado da diferença entre a produção total, o custo do óleo, os royalties e se necessária a participação do superficiário. Por se tratar de áreas estratégicas de baixo risco e elevada produção o operador será a Petrobrás, cuja petróleo, pois o risco é de não ocorrer tal produção. Por último há o regime de joint venture, no qual não existe critério nem definição estabelecidos, os custos e riscos são compartilhados entre estado e empresas, exigem longas negociações e o estado é responsável direto, por isso mister se faz a fiscalização e arbitragem de uma agência reguladora.323[ LIMA, Paulo César Ribeiro. Pré-sal O novo marco legal e a capitalização da Petrobrás. Editora Synergia: Rio de Janeiro, 2011, p. 11-16] A escolha do regime fiscal se dá em razão das circunstâncias do local, se o risco exploratório for alto, deve ser eleito o modelo de concessão, com royalties. Se há grandes reservas e baixo risco de produção deve ser adotado o contrato de partilha. Nos países incapazes de atrair investimento de empresas são comuns as joint ventures e naqueles com grande reserva, baixo risco exploratório e baixo custo são utilizados os contratos de serviço. 324 No antigo regime contratual a empresa ficava com todo o óleo encontrado, devendo por sua vez efetivar os pagamentos específicos, em relação ao bônus, na assinatura do contrato, e pós contrato, os royalties, participações especiais e direito de superfície do proprietário da terra. No novo regime, o óleo encontrado é da União, ficando a empresa apenas com o que exceder da produção e o referente aos custos realizados para a realização do serviço, ainda assim, os percentuais serão ajustados em contratos celebrados pela estatal criada unicamente para gerir os contratos de pré-sal, afora que os royalties não tem definição precisa de quanto será repassado para quem, eis que o modelo anterior havia percentuais fixados por lei aos entes políticos. 150 participação mínima é de 30% em caso de consórcio. O bônus de assinatura é um valor fixado à União. Ocorre que a partilha de produção não assegura ao Estado maior arrecadação, pois não garante um excedente em óleo mínimo, não estabelece limite para recuperação dos custos do contratado e nem alíquota de royalties, o que pode gerar grande renda para o contratado e pouca para o Estado, daí a ideia em ser criada a empresa pública federal para representar a União.325 Ainda que pensemos numa maneira de efetivar protecionismo nas áreas estratégicas brasileiras, como a petrolífera, não podemos olvidar que o Brasil necessita de investimos, de know how, de parcerias propulsoras do desenvolvimento, implementação de infraestrututra, de conhecimentos técnicos específicos que tem sido importados em demasia para o setor de petróleo, porque não dispomos de tamanho conhecimento e com este afastamento legal, as parcerias se tornam menos acessíveis, o valor das contratações triplicam, os próprios investidores do setor se afastam, não foi a toa que as ações da Petrobrás despencaram drasticamente após esta modificação legal, e diversos investidores tiveram altos prejuízos, diante do afastamento das pessoas do setor em meio às incertezas brasileiras. 4.4.2 A criação da Pré-sal Petróleo S.A e do Fundo Social A Lei 12.304/2010, de 22 de dezembro de 2010, também se refere ao novo marco legal do pré-sal, pois trouxe a criação de um Fundo Social e de uma nova empresa pública, a Pré-sal Petróleo S. A., para gerir os novos contratos no âmbito do pré-sal. Como inovação tem-se também a autorização da cessão onerosa de direitos de exploração da União à Petrobrás e a sua capitalização a serem elencados em seguida por meio da Lei 12.276. Ocorre que isto não garante uma renda estatal maior que a estabelecida pela antiga lei do petróleo, além disso, o Fundo Social não deve receber vultosos recursos a curto prazo e a capitalização da Petrobrás pode trazer grandes prejuízos ao patrimônio público. Além disso, a criação de uma empresa pública, inserida na administração indireta do estado, atuando como ente regulador é totalmente inconcebível, pois além de tomar a 325 LIMA, Paulo César Ribeiro. Pré-sal. O novo marco legal e a capitalização da Petrobrás. Rio de Janeiro: Synergia, 2011, p. 128 151 competência da ANP, como única fiscal e reguladora do setor, terá alto teor de parcialidade por também ser parte contratual. Em meio à assimetria de informações em virtude da preponderância de conhecimento por parte da Pré-sal Petróleo S.A., foi oportuno o maior supervisionamento contratual. Entretanto quando o art. 174 da CF/88 prescreveu caber ao Estado a tarefa de agente normativo e regulador da atividade econômica, atribuiu esta competência para as agências reguladoras, pois estas como terceiros não interessados agiriam com imparcialidade na fiscalização dos contratos celebrados entre o Estado e as empresas concessionárias. Com a transmutação deste papel para a Pré-sal Petróleo S.A. há clara invasão de competência desta empresa pública no âmbito da ANP, que em virtude do novo marco legal teve sua competência praticamente esvaziada e que por esta razão não pode ser tolerado. Quanto ao Fundo Social, este tem como objetivos a formação de uma poupança pública ao longo dos anos de exploração do pré-sal, e a implementação destes recursos na aplicação no desenvolvimento social e regional do país, na minoração das variações de renda e preços na economia interna e no investimento em fontes alternativas de energia, entre outas pretensões. Todavia, a lei não estabelece percentuais fixos para cada área a ser investida deixando estes objetivos muito soltos, inclusive o art. 47 §2º que trazia estes percentuais com 50% para educação pública, básica e superior e 80% para a educação básica e infantil foi vetado pela Presidente da República, resultando na criação de um Comitê de Gestão Financeira do Fundo Social para dirimir a política de investimento do fundo, cuja composição se dá pelo Ministro do Estado e da Fazenda, Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão e Presidente do Banco Central, os quais agirão no amplo leque da discricionariedade administrativa. Dentre os recursos atinentes ao fundo, a lei enumera a parcela do bônus de assinatura, a parcela dos royalties, a receitas advindas da comercialização do petróleo e gás, a participação especial e as aplicações financeiras.326 Data vênia, o controle social não deveria se restringir a representantes da sociedade civil no Conselho Deliberativo do Fundo Social, e sim na prestação de contas com total transparência, pois esta mudança legal acontece em um período pré-eleitoral, o que 326 LIMA, Paulo César Ribeiro. Pré-sal. O novo marco legal e a capitalização da Petrobrás. Rio de Janeiro: Synergia, 2011, p. 24-31 152 historicamente gera demagogia na aplicação das verbas públicas, o Rio de Janeiro 327, por exemplo, possui a segunda maior fonte de renda com o petróleo. Afora estes aspectos, no que diz respeito à definição das alíquotas dos royalties, no regime de partilha de produção não há percentuais fixos como no regime anterior de concessão que estabelecia o valor entre 5% e 10%, dependendo da produção, sendo assim a arrecadação do estado pode ser menor do que a estabelecida na antiga lei do petróleo. A vantagem deste regime foi deixar a Petrobrás como única exploradora do pré-sal, mas isto se houver investimento. Além disso, o estado não precisa ser investidor, nem correr riscos como se dá nos regimes de joint venture e de prestação de serviços e ainda assim ficar com a maior parcela do excedente em óleo. Na verdade, a lei brasileira buscou inspiração no modelo norueguês, pois há a presença de um regulador, ANP no Brasil e Olje-og Energidepartament – OED na Noruega e de uma empresa controlada pelo Estado, Petrobrás no Brasil e StatoilHydro na Noruega. O IBP(Instituto Brasileiro do Petróleo) se assemelha a OLF(Oljeindustriens Landsforening), entidade que congrega e representa empresas petrolíferas e prestadoras de serviços. Lá eles utilizam o contrato de licença ao invés do contrato de concessão brasileiro, que além de ser mais enxuto, é composto por três documentos: as provisões especiais (o acordo que prevalece sobre os demais documentos), o JOA(Join Operation Agreement) ou acordo de operações conjuntas e o accounting agreement. Nenhum desses documentos é negociável, apenas o nome das partes, suas participações, o nome do operador e o número da licença do bloco são ajustáveis. Com a abertura do capital da Statoil foi criada em 2001, a PETORO, empresa pública norueguesa cujo capital é 100% do Estado para administração do SDFI (State’s Direct Financial Interest) em virtude da necessidade de diminuição do poder e influência da empresa estatal, à época maior empregadora da Noruega. No que tange ao seu sistema de royalties, este se encontra em extinção. 328 Seu fundo social foi criado em 1990 e atualmente possui um montante de 2,3 trilhões de coroas ou U$S 420 bilhões de dólares, e apenas são utilizados os valores frutos do 327 Apesar dos valores provenientes do petróleo serem sua segunda maior fonte de renda, vários municípios do Rio de Janeiro investem em time de futebol, inclusive o ex-secretário de Guamaré disse “é tanto dinheiro que entra que políticos tem que encontrar um jeito de gastar.” [FRANÇA, Vladimir da Rocha; MENDONÇA, Fabiano André de Souza; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar. Energia e Constituição. Natal: UFRN, 2009, pg 156] 328 LIMA, Paulo César Ribeiro. Pré-sal. O novo marco legal e a capitalização da Petrobrás. Rio de Janeiro: Synergia, 2011, p.126-133. 153 rendimento dos recursos totais, cujos reflexos foram no atingimento do pleno emprego, com um salário mensal de U$ 5 mil e uma inflação dentro das metas.329 O modelo importado norueguês do SDFI – State Direct Financial Interest e da companhia estatal PETORO incorre no risco de sobreposição de agentes estatais reguladores e de interferência governamental contraproducente. Há o risco das NOCs (National Oil Company) tornarem-se estados dentro dos estados e ao invés de defender os interesses do governo, utilizá-lo para proteger os seus. O controle do governo sobre ela a faz uma extensão da Administração Pública e um controle insuficiente pode fazê-la apenas mais uma multinacional do petróleo. Essa modelagem vai de encontro ao poder de controle.330 Acrescenta-se que os recursos brasileiros advindos do pré-sal acumulados em um fundo correm o risco de serem utilizados para o aumento do déficit primário, como já visto com os royalties até então, o que vai de encontro ao objetivo para o qual a poupança fora criada. Seus recursos serão apenas do retorno sobre o capital, algo que a um curto prazo será baixo. Com a cessão onerosa, a União deixou de receber o bônus de assinatura e o excedente de óleo, os quais vinculavam o contrato anterior e representavam importantes montantes para o enriquecimento deste fundo, mas mesmo assim este possui um alto risco de ser utilizado para fins não desenvolvimentistas. 4.4.3 A Cessão onerosa dos Direitos de Exploração e a Capitalização da Petrobrás Com relação à capitalização da Petrobrás, trazida pela Lei 12.276/2010, esta se concretizou com a autorização da cessão e da permuta de ações entre entes federais, bem como a autorização na colocação direta, em favor do BNDES, de títulos da dívida pública mobiliária federal em até R$30 bilhões de reais. Na verdade a Petrobrás estava imersa numa dívida de cerca de 118 bilhões de reais, o equivalente a 32% das suas ações, cujo limite é de 35%. Diante deste cenário ela deveria se capitalizar de alguma maneira para melhorar sua situação. Como o empréstimo iria aumentar ainda mais seus gastos, a solução foi abrir seu capital para a União aumentar sua participação societária, para que a União cedesse os títulos da dívida pública da Petrobrás ao 329 http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/Premio_TN/XIVPremio/divida/2afdpXIVPTN/Monografia_Tema1_Sergi o_Wulff.pdf. Acesso em 25 de junho de 2011 330 RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Novos Rumos do Direito do Petróleo. Rio de janeiro: Renovar, 2009, p. 166 154 BNDES e este concedesse o capital almejado pela empresa, a qual deu ainda 5 bilhões de barris do pré-sal para a realização de tal desiderato. Ocorre que os barris foram vendidos sem saber ao certo a quantidade de óleo ali existente, além do que gerou uma intervenção excessiva do governo. O motivo para parte da doutrina se pautou devido a grande capacidade técnica da estatal, além disso, ao aumento da participação da União no capital da Petrobrás, porém, os investidores privados terão que investir na participação para não verem seus dividendos minguarem. Esqueceram que a sociedade de economia mista só foi criada porque houve colaboração do capital privado, uma vez que o governo sozinho não teria condições de desenvolver a atividade, mas mesmo assim não permitiram que o acionista privado continuasse recebendo as riquezas do petróleo. A cessão dos barris para a União gerou no ativo da Petrobrás o equivalente a dívida da empresa para com a União, com a subscrição das ações houve o lançamento dos títulos da dívida pública no ativo da Petrobrás, aumentando o capital social no passivo, e como a dívida da Petrobrás pode ser paga com títulos da dívida pública, aqueles títulos utilizados pela União e entes federais serviram para o pagamento da dívida, concomitantemente a entrada de outros acionistas trouxe recursos no ativo da Petrobrás, proporcionando a captação de R$ 115.052.319.090,80, tornando-a a quarta maior companhia do mundo.331 Esta capitalização além de diminuir o exercício do direito de preferência dos acionistas, põe em risco o novo valor do capital da empresa. Soma-se a isto a afronta a diversos princípios constitucionais, tais como a livre concorrência, a isonomia, a liberdade, a autonomia, a segurança jurídica, a democracia e o estado de direito. 332 No Brasil, o aumento do government take, ou seja, de participações governamentais na produção do pré-sal, deve estar atrelado a finalidades especificas, como por exemplo, acontece com a CIDE-Combustíveis, inciso II do §4º do art. 177 da CF/88, cujos recursos deverão ser destinados ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados de petróleo; financiamento de projetos 331 RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Novos Rumos do Direito do Petróleo. Rio de janeiro: Renovar, 2009, p. 109-116 332 PRISCO, Alex Vasconcellos. Atuação da Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S. A. – Pré-sal Petróleo S. A. (PPSA): gestão e risco no regime jurídico-regulatório dos consórcios constituídos no âmbito do sistema de partilha de produção. Revista de Direito Público da Economia. Belo Horizonte: Editora Fórum, ano 9, n. 34, p. 1-256, abr/jun , 2011 155 ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; e financiamento de programas de infraestrutura de transportes. Conforme fiscalização do TCU, de 2002-2004, a arrecadação dos recursos decorrentes da exploração do petróleo pelo governo foi de R$ 22 bilhões, R$ 9 bilhões não foram aplicados, R$ 10,6 bilhões foram usados em despesas do Ministério dos Transportes, R$ 1 bilhão com pessoal e R$ 657 milhões com juros e encargos. Assim, deve haver o uso real destes recursos para o atendimento das necessidades da população, é mister haver a efetivação da vinculação das verbas ao cumprimento de políticas públicas, caso contrário os recursos advindos do pré-sal acarretarão em disputas políticas na partilha entre ministérios, órgãos e entidades da Administração.333 As fiscalizações do TCU apontam que a ANP não tem efetivado seu papel de regulador como deveria, inúmeras regulações são feitas com deficiência de pessoal, sem aplicação de sanções às empresas violadoras das regras legais. Tem sido utilizada a técnica da mera análise documental na atividade regulatória, além disso o CNPE, que deveria elaborar as políticas públicas que lhe são peculiares, não as tem feito, deixando muitas vezes este papel para que o ente regulador faça, elabore e execute concomitantemente, tudo isto certifica com veemência a triste realidade da captura política e econômica, além do descaso para com a coisa pública pelos próprios gestores que deveriam mais do que todos ter conhecimento dos princípios administrativos. Essas legislações que modificaram a lei do petróleo, trouxeram uma gama de aspectos que ainda devem ser melhor elucidados, para não causar problemas posteriores, como o uso desgovernado das verbas do pré-sal sem atingir as finalidades públicas mais necessitadas de investimentos como as áreas de saúde e educação. As mudanças legais dentro de um estado democrático de direito sempre devem estar atreladas a debates sociais, com participação da sociedade civil, aberta a sugestões e esclarecimentos, principalmente para evitar posteriores ADINs por leis editadas inconstitucionais, invasoras da competência alheia, eis que sem estes instrumentos de participação, não há democracia e nem segurança jurídica, proporcionando uma visão arbitrária, estatizante, antidemocrática, radical e avessa a sociedade. 333 RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Novos Rumos do Direito do Petróleo. Rio de Janeiro:Renovar, 2009, p. 179 156 Para condensar o estudo do tema, segue adiante uma tabela referente às legislações gerais do Direito do Petróleo, elencando o que cada uma objetiva, bem como as entidades envolvidas em seu bojo, para melhor visualização. DISPOSITIVO DECRETO-LEI 395-38, de 29 de abril de 1938 MATÉRIA ENTIDADE Em 1938, com o Decreto nº 395 foi União declarada a utilidade pública do petróleo. Esta foi a primeira legislação brasileira a respeito do petróleo, pois antes só se falava sobre produtos extraídos do solo. LEI 2.004-53, de 03 de outubro de 1953 Lei instituidora da Petrobrás e instituidora PETROBRÁS LEI 9.478-97, de 06 de agosto de 1997 Revogação da Lei 2004-53, reafirmação do ANP, CNPE do monopólio do Petróleo. monopólio da Petrobrás, criação da ANP e do CNPE. DECRETO 2.455-98, de 14 de janeiro de 1998 Implantação da ANP e aprovação de sua ANP estrutura regimental, quadro demonstrativo dos cargos em comissão e funções de confiança, além de outras matérias internas. 157 DECRETO 2.705-98, de 03 de agosto de 1998 Define os critérios para cálculo e cobrança ANP das participações governamentais da lei 9478/97, aplicáveis às atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural. DECRETO 2.745-98, de 24 de agosto de 1998 Objetivou a aprovação do regulamento do Petrobrás Procedimento Licitatório Simplificado da Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRÁS do art . 67 da Lei nº 9.478/97 DECRETO 2.953-99, de 28 de janeiro de 1999 Tratou do procedimento administrativo ANP para aplicação de penalidades por infrações cometidas nas atividades relativas à indústria do petróleo e ao abastecimento nacional de combustíveis. LEI 12.351-2010, de 22 de dezembro de 2010 Modifica a lei 9478-97 e institui o Modelo União e ANP de Contrato de Produção de Partilha de Produção. LEI 12.304-2010, de 22 de dezembro de 2010 Modifica a lei 9478-97 e cria a Pré-sal Petróleo S.A e o Fundo Social . Pré-sal Petróleo S.A. Fundo Social 158 LEI 12.276-2010, de 22 de dezembro de 2010 Modifica a lei 9478-97 e dispõe sobre a Petrobrás cessão onerosa dos Direitos de exploração União e a capitalização da Petrobrás. 159 CONCLUSÕES PARCIAIS Mediante análise dos temas propostos no capítulo a respeito da legalização do petróleo percebemos que a princípio não havia especulação comercial sobre este fóssil, posto que sua utilização era limitada à construção de pirâmides no antigo Egito e no processo de embalsamento de corpos. Mais adiante, passou-se a utilizá-lo como óleo medicinal, nos EUA, e muito posteriormente, o Brasil inicia suas buscas por campos petrolíferos, apenas atingindo seu objetivo no ano de 1939 na cidade de Lobato, na Bahia. Tanto foi que as Constituições brasileiras anteriores ao ano de 1939, não tratavam os bens encontrados no solo como distintos deste último, mas fazendo parte de um bem acessório ao solo principal, apenas sendo modificado com o Decreto 395 de 1938, quando foi declarada a utilidade pública do petróleo refletida na Constituição de 1946. Porém, esta Carta não dispôs sobre o regime de monopólio em virtude das discussões a época sobre o tema, cujo reconhecimento monopolístico veio apenas com a Constituição de 1967, com o aprimoramento da atividade por meio da Constituição de 1988, no seu artigo 177 e solidificado pela Lei do Petróleo, de nº9478 de 1997. Por ser um bem estratégico, o petróleo é um bem de interesse da União, porém a atividade exploratória, a qual é concedida para empresas do certame licitatório, é efetivada com o exercício de um contrato estritamente econômico, levando autores como Sundfled e Aragão a divergirem sobre a natureza jurídica dos contratos de exploração de petróleo, entre as naturezas pública e privada respectivamente, não obstante aos grandes pensadores da área, deveria ser encarado como um contrato sui generis, em razão da mistura de institutos dentro da atividade parcialmente de interesses públicos e privados. Em virtude do aparecimento de novas jazidas de petróleo na área offshore, ou seja, no mar, em razão das camadas de pré-sal, uma nova roupagem foi dada à legislação petrolífera, eis que os contratos celebrados em regime de concessão, foram substituídos pelos contratos sob regime de partilha, com o objetivo de maior recolhimento dos produtos da exploração para o domínio da União, porém para isto foi determinado que a Petrobrás seria a única empresa exploradora de tais campos, contrariando diversas leis da concorrência e afastando o investidor estrangeiro que é o maior responsável pela implementação tecnológica brasileira. 160 Não obstante, surgirem argumentos no intuito de corroborar com políticas protecionistas, não podemos esquecer que o Brasil não dispõe até o exato momento de conhecimentos profundos na atividade em destaque. Além do que, o afastamento dos investidores nas ações da sociedade de economia mista em comento, tem perpetuado uma incrível queda nas ações, e um prejuízo desmedido para os investidores inclusive brasileiros, que acreditaram na estabilidade no sistema se deparando com um alto clima de instabilidade. Talvez em virtude dos diversos questionamentos, atrasaram por cinco anos as rodadas de licitações, e ainda que tenha sido efetivada a última recentemente, não foi utilizada nenhuma área de pré-sal, mas unicamente as referentes aos antigos contratos de concessão em área onshore,ou seja, em terra. Não se sabe ao certo, se pretendem escoar toda a matéria prima mais acessível, para, após, esgotadas as reservas próximas, partir-se para as áreas distantes no além mar, porém parece preocupante, que um modelo que estava dando tão certo, sofresse uma abrupta desconsideração para nos aventurarmos em um modelo que já vivenciamos os resultados pela fuga dos investidores. Afora isto, é cristalina a preocupação em relação à ANP, que estagnada ante seu esvaziamento competencial, reflete os problemas de captura entrelaçados à administração pública, e nada pode fazer enquanto desnudada da autonomia imprescindível à regulação, numa área tão fundamental para o desenvolvimento econômico do país. 161 5 AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO 5.1 CNPE e ANP Antes de abordar o tema da competência da ANP(Agência Nacional do Petróleo), se faz mister elencar as atribuições cabíveis ao CNPE(Conselho Nacional de Política Energética), a fim de efetivar a distinção entre as competência destas duas estruturas administrativas criadas ao mesmo tempo pela Lei nº 9.478/97. Esta distinção visa a evitar miscelâneas hermenêuticas sobre a matéria. Ambos estão vinculados ao Ministério de Minas e Energia, mas enquanto a ANP é um ente autônomo, criado para tratar da fiscalização na exploração de petróleo, gás natural e biocombustíveis, o CNPE se submete diretamente à Presidência da República, eis que todas as suas atribuições são dependentes do crivo presidencial, na medida em que traça políticas públicas nacionais. Note que conforme no art. 1º da Lei 9478/97 são traçados os princípios e objetivos da política energética nacional para o aproveitamento racional das fontes de energia, os quais são: preservação do interesse nacional; promoção do desenvolvimento, ampliação do mercado de trabalho, valorização dos recursos energéticos; proteção dos interesses dos consumidores, do meio ambiente, da conservação de energia; garantia do fornecimento dos derivados do petróleo com base no art. 177 §2º da CF/88; incremento em bases econômicas na utilização do gás natural; identificação de soluções mais adequadas para o suprimento de energia elétrica; utilização de fontes alternativas de energia; promoção da livre concorrência; atração de investimentos na produção energética; ampliação da competitividade internacional e incremento em bases econômicas, sociais e ambientais, a participação dos biocombustíveis na matriz energética nacional. Art. 1º As políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visarão aos seguintes objetivos:I - preservar o interesse nacional; II promover o desenvolvimento, ampliar o mercado de trabalho e valorizar os recursos energéticos; III - proteger os interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos; IV - proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia; V - garantir o fornecimento de derivados de petróleo em todo o território nacional, nos termos do § 2º do art. 177 da Constituição Federal; VI - incrementar, em bases econômicas, a utilização do gás natural; VII - identificar as soluções mais adequadas para o suprimento de energia elétrica nas diversas regiões do País; VIII utilizar fontes alternativas de energia, mediante o aproveitamento econômico dos insumos disponíveis e das tecnologias aplicáveis; IX - promover a livre concorrência; X - atrair investimentos na produção de energia; XI - ampliar a competitividade do País no mercado internacional. XII - incrementar, em bases econômicas, sociais e ambientais, a participação dos biocombustíveis na matriz energética nacional. (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005) XIII - garantir o fornecimento de biocombustíveis em todo o território nacional. (Incluído pela Medida Provisória nº 532, de 2011) 162 Tendo em vista os objetivos supra relatados, percebe-se que o papel do CNPE é analisar em campo quais são as necessidades energéticas do país e exteriorizá-las, por meio de diretrizes que deverão ser seguidas pela Presidência da República e pelo Congresso Nacional. Os estudos serão por estes vislumbrados para a admissão e implementação das políticas tracejadas pelo Conselho mediante a elaboração posterior de leis, uma vez que a competência constitucional para legislar sobre petróleo é privativamente da União, de acordo com dicção do art. 22, IV e XII da Constituição Federal de 1988. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; (...) XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia; (...) Neste ínterim, o CNPE analisa as circunstâncias regionais, as necessidades que cada região demanda em relação ao sistema energético, a disponibilidade de fontes convencionais e alternativas, bem como as tecnologias disponíveis. Elabora projetos técnicos e empreendedores a fim de otimizar a utilização da energia. Em virtude da adoção das novas leis do petróleo, a competência do Conselho foi ampliada, incluindo os incisos V, IX e XIII do art. 2º334 da Lei 8478, cujas atribuições 334 Art. 2° Fica criado o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, vinculado à Presidência da República e presidido pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, com a atribuição de propor ao Presidente da República políticas nacionais e medidas específicas destinadas a: I - promover o aproveitamento racional dos recursos energéticos do País, em conformidade com os princípios enumerados no capítulo anterior e com o disposto na legislação aplicável; II - assegurar, em função das características regionais, o suprimento de insumos energéticos às áreas mais remotas ou de difícil acesso do País, submetendo as medidas específicas ao Congresso Nacional, quando implicarem criação de subsídios; III - rever periodicamente as matrizes energéticas aplicadas às diversas regiões do País, considerando as fontes convencionais e alternativas e as tecnologias disponíveis; IV estabelecer diretrizes para programas específicos, como os de uso do gás natural, do carvão, da energia termonuclear, dos biocombustíveis, da energia solar, da energia eólica e da energia proveniente de outras fontes alternativas; (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005) V - estabelecer diretrizes para a importação e exportação, de maneira a atender às necessidades de consumo interno de petróleo e seus derivados, biocombustíveis, gás natural e condensado, e assegurar o adequado funcionamento do Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e o cumprimento do Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis, de que trata o art. 4o da Lei no 8.176, de 8 de fevereiro de 1991; (Redação dada pela Lei nº 12490, de 2011) VI - sugerir a adoção de medidas necessárias para garantir o atendimento à demanda nacional de energia elétrica, considerando o planejamento de longo, médio e curto prazos, podendo indicar empreendimentos que devam ter prioridade de licitação e implantação, tendo em vista seu caráter estratégico e de interesse público, de forma que tais projetos venham assegurar a otimização do binômio modicidade tarifária e confiabilidade do Sistema Elétrico. (Incluído pela lei nº 10.848, de 2004) VII - estabelecer diretrizes para o uso de gás natural como matéria-prima em processos produtivos industriais, mediante a regulamentação de condições e critérios específicos, que visem a sua utilização eficiente e compatível com os mercados interno e externos. (Incluído pela Lei nº 11.909, de 2009) VIII - definir os blocos a serem objeto de concessão ou partilha de produção; (Incluído pela Lei nº 12.351, de 2010) IX - definir a estratégia e a política de desenvolvimento econômico e tecnológico da indústria de petróleo, de gás natural, de outros hidrocarbonetos fluidos e de biocombustíveis, bem como da sua cadeia de suprimento; (Redação dada pela Lei nº 12490, de 2011)X - induzir o incremento dos índices mínimos de conteúdo local de bens e serviços, a serem observados em licitações e contratos de concessão e de partilha de produção, observado o disposto no inciso IX. (Incluído pela Lei nº 12.351, de 2010) § 1º Para o exercício de suas atribuições, o CNPE contará com o apoio técnico dos órgãos reguladores do setor energético. § 2º O CNPE será 163 acrescidas trazem: a definição dos blocos sujeitos a concessão ou partilha de produção e indução do incremento de índices mínimos de conteúdo local de bens e serviços, os quais são valores que devem ser obrigatoriamente empregados na região cujo petróleo será extraído, como uma maneira de compensar a dita exploração. Afora isto, a Lei 12.351/10 acresceu dentre as competências do CNPE: propor ao Presidente da República o ritmo de contratação dos blocos sob o regime de partilha de produção conforme a capacidade nacional; os blocos destinados à contratação direta; aqueles objeto de leilão; parâmetros técnicos e econômicos; delimitação de outras áreas de acordo com a evolução do conhecimento geológico; definição da política de comercialização do petróleo e gás. O CNPE estendeu sua atuação para assuntos relacionados aos contratos de partilha.335 Além disso antes a ANP era quem definia os blocos em contratos de concessão, mas após o pré-sal ela apenas passou a auxiliar o CNPE que é quem efetivamente tem a competência para definí-los, conforme o art. 2º, VIII da Lei do Petróleo.336 A agência ainda se vê subordinada ao crivo do CNPE na aprovação dos documentos em âmbito de pré-sal. Assim, insta reconhecer que com todas estas medidas objetivando a mitigação do papel da ANP, desencadeará uma maximização da politização no contexto regulatório brasileiro. Art. 9o O Conselho Nacional de Política Energética - CNPE tem como competências, entre outras definidas na legislação, propor ao Presidente da República: I - o ritmo de contratação dos blocos sob o regime de partilha de produção, observando-se a política energética e o desenvolvimento e a capacidade da indústria nacional para o fornecimento de bens e serviços; II - os blocos que serão destinados à contratação direta com a Petrobras sob o regime de partilha de produção; III - os blocos que serão objeto de leilão para contratação sob o regime de partilha de produção; IV - os parâmetros técnicos e econômicos dos contratos de partilha de produção; V - a delimitação de outras regiões a serem classificadas como área do pré-sal e áreas a serem classificadas como estratégicas, conforme a evolução do conhecimento geológico; VI - a política de comercialização do petróleo destinado à União nos contratos de partilha de produção; e VII - a política de comercialização do gás natural proveniente dos contratos de partilha de produção, observada a prioridade de abastecimento do mercado nacional. regulamentado por decreto do Presidente da República, que determinará sua composição e a forma de seu funcionamento. 335 CASELLI, Bruno Conde. O pré-sal e as mudanças da regulação da indústria do petróleo e gás natural no Brasil: uma visão institucional. Revista Brasileira de Direito Público , Belo Horizonte : Fórum, 2011, p. 135 336 NÓBREGA, Marcos; SIQUEIRA, Mariana. A ANP e a possível mitigação de sua função regulatória no contexto da camada pré-sal. Revista de Direito Público da Economia. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 77 164 Ainda que se admitisse a contratação direta da Petrobrás nos modelos de partilha, quem deveria celebrar os contratos deveria ser a ANP, porque fiscalizaria com maior neutralidade em relação ao CNPE, órgão desconcentrado da Presidência da República e proponente e, notadamente em relação à PPSA, unicamente voltada aos interesses da União encarregada da celebração e fiscalização dos ditos contratos. Conforme art. 12 da Lei 12.351/10, o CNPE proporá ao Presidente da República, em virtude do interesse nacional, a contratação da Petrobrás diretamente pela União para exploração petrolífera na camada de pré-sal, sob contrato de regime de partilha de produção. Este comportamento retoma o monopólio da Petrobrás na indústria petrolífera, contrariando os princípios da igualdade de tratamento em relação às demais empresas, com obrigação de disputar uma área submetida à concessão, e afastando o investimento estrangeiro em tecnologia inerente ao sucesso do setor. Por mais que haja protecionismo, não há desenvolvimento sem globalização, sem imiscuir culturas, conhecimentos e tecnologias, sempre em respeito à soberania, eis que o isolamento não transforma, mas deforma à solidão. Art. 12. O CNPE proporá ao Presidente da República os casos em que, visando à preservação do interesse nacional e ao atendimento dos demais objetivos da política energética, a Petrobras será contratada diretamente pela União para a exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de partilha de produção. Parágrafo único. Os parâmetros da contratação prevista no caput serão propostos pelo CNPE, nos termos do inciso IV do art. 9o e do inciso III do art. 10, no que couber. Percebe-se ainda que o CNPE tem agido de forma bastante lenta nos estudos sobre o desenvolvimento do setor, o que desencadeia uma transferência de tarefa para o órgão regulador, no caso a ANP, a qual recebe o papel do CNPE em estabelecer políticas públicas, sem ter competência por lei para estas atribuições que não são suas, configurando um óbice a divisão de competências entre estes dois entes. Neste sentido, é o entendimento do TCU: A atuação do CNPE é objeto de controle do TCU. A inoperância desse Conselho, no entendimento da equipe de auditoria, impede que o país tenha um rumo a ser seguido na política energética. Nesse sentido, a equipe entende pertinente apresentar proposta para que o Tribunal recomende ao CNPE a formulação de uma política específica para os setores de exploração e produção de petróleo e gás natural para o país, contemplando metas e indicadores de modo a permitir que se crie uma orientação estratégica de atuação da Agência Nacional de Petróleo, bem como o efetivo acompanhamento dessas atividades, evitando-se, assim, que essa autarquia 165 especial não tenha que cumprir dupla função, de formular e implementar as políticas setoriais, pois lhe compete o exercício apenas desta última. 337 Insta reconhecer que isto é um problema de governança, e que não pode ser solucionado de imediato, é necessário planejamento, implementação à rigor e resultados a longo prazo em termos de melhor estruturação dos entes públicos. Percebemos com isto que a competência referente ao CNPE em nada se confunde com a competência atinente à ANP, cuja matéria será adiante abordada de forma detalhada, eis que o primeiro tem como fim efetivar um estudo prévio das condições energéticas nacionais e mediante dados concretos elaborar diretrizes a serem averiguadas pelo Chefe do Executivo juntamente com o Legislativo, para proposição de políticas públicas em meio às leis. Enquanto isto, a ANP regula e fiscaliza a atuação das concessionárias de serviço público. 5.2 ANP e PPSA O novo marco legal do pré-sal foi estabelecido com base nos fundamentos de fortalecimento da segurança nacional, para evitar conflitos com os países estrangeiros 338; com base na permissão de melhor gerência da União sobre a exploração das jazidas e dos recursos oriundos da exploração de petróleo e derivados; com base na criação de parâmetros exploratórios, tendo em vista a necessidade de preservar as reservas que estão em fase de descoberta para a geração atual e futura; e com base no melhoramento da distribuição de renda e desenvolvimento das regiões brasileiras e fortalecimento do papel do país na economia nacional e internacional. O que demanda alta tecnologia exploratória, estabilidade política e jurídica e um estabelecimento de um parque energético alternativo. 337 GRUPO I - Classe III - Segunda Câmara, TC 004.911/2002-8 c/ 07 volumes, Natureza: Relatório de Auditoria Operacional, Entidade: Agência Nacional do Petróleo – ANP, Responsáveis: David Zylbersztajn e Julio Colombi Neto 338 A participação de empresas estrangeiras em grau de igualdade com a empresa pública, tornaria a arrecadação de estrangeiros maior que a arrecadação da União na exploração da camada pré-sal. Por ser o petróleo um recurso extremamente procurado por todo o mundo, atingiria a segurança nacional, em função das ingerências estrangeiras na dominação da exploração, podendo gerar conflitos entre o Brasil e os países de fora. Tendo em vista esta possibilidade, estabeleceram um novo gerenciamento da União sobre a exploração, na qual ela retoma a posição monopolística, cria uma nova estatal para fiscalizar os novos contratos, e modifica as condições de participação nos lucros tanto das empresas privadas quanto da empresa pública. (Pensamento dos defensores da nova legislação do petróleo) 166 Tendo a Petrobrás como exploradora única com participação mínima de 30% em consórcios, os contratos se dão por meio de cessão onerosa em regime de partilha de produção contendo duas fases: uma de exploração, com atividades de avaliação de eventual descoberta de petróleo ou gás natural e outra para a determinação de sua comercialidade e de produção, incluindo as atividades de desenvolvimento. Cabendo às empresas informar à ANP sobre quaisquer descobertas minerais, em virtude do qual será lavrado um relatório sobre sua comercialidade. Ocorre que o novo marco legal ao trazer como uma de suas inovações a criação da Pré-Sal Petróleo S. A., nos leva a refletir sobre a ausência de respaldo constitucional em transferir a terceiros ou subsidiários a celebração de contratos de exploração petrolífera conforme o art. 177 §1º da CF/88, o que torna a atividade da Pré-sal atentatória à competência da ANP. Afora isto, a competência constante no at. 4º e 7º da Lei 9.478 denota a ausência de necessidade em sua criação, pois tais atividades poderiam ser exercidas pelo CNPE e pela própria ANP criada ideologicamente para atuar na regulação do setor. O fato de ter a União como único acionista da empresa, vai de encontro a uma série de princípios constitucionais, como a livre concorrência, livre iniciativa, isonomia, contrariando os arts. 1º, IV e 170 II, IV da CF/88. Além disso, ter a Petrobrás como única exploradora, poderia destoar a finalidade precípua de fiscalização em função da assimetria informacional que a empresa mista poderia ensejar à Pré-sal, não bastasse isto, os outros agentes consorciados poderiam exercer forte influência sobre esta última, capturando-a politicamente e mais uma vez a tornando desnecessária e dispendiosa aos cofres públicos. Acresce-se ainda que além da estatal se ingerir nas competências do órgão regulador, interfere nas competências dos órgãos ambientais, quando enumera estudos geológicos e geofísicos nas regiões. A invasão competencial está em praticamente todos os incisos de seu dispositivo, I,c,d, e, f; II a, c; III do art. 4º da Lei de criação da PPSA. A PPSA é subordinada ao MME(Ministério de Minas e Energia), e a seleção e aprovação dos integrantes do Conselho de Administração e da Diretoria Executiva são todos indicados pelo Presidente da República, sem necessidade de aprovação do Senado Federal, 167 havendo menor independência em relação à ANP. 339 Cabe à PPSA repassar à ANP as informações sobre a gestão dos contratos se necessárias às funções regulatórias. 340 Mas note que se trata de um conceito indeterminado sob o ponto de vista da necessidade, que será decidida pela PPSA, restringindo a atuação da agência. A própria Presidente Dilma contrariou a sua criação, quando em entrevista realizada a revista Veja, ao questionar sobre a necessidade de implementação desta empresa, na qual ela defendeu o exercício de seus misteres por meio de um órgão específico do Ministério de Minas e Energia.341 Art. 4 Compete à PPSA: I - praticar todos os atos necessários à gestão dos contratos de partilha de produção celebrados pelo Ministério de Minas e Energia, especialmente: a) representar a União nos consórcios formados para a execução dos contratos de partilha de produção;b) defender os interesses da União nos comitês operacionais; c) avaliar, técnica e economicamente, planos de exploração, de avaliação, de desenvolvimento e de produção de petróleo e gás natural, bem como fazer cumprir as exigências contratuais referentes ao conteúdo local; d) monitorar e auditar a execução de projetos de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural; e) monitorar e auditar os custos e investimentos relacionados aos contratos de partilha de produção; e f) fornecer à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP as informações necessárias às suas funções regulatórias; II - praticar todos os atos necessários à gestão dos contratos para a comercialização de petróleo e gás natural da União, especialmente: a) celebrar os contratos com agentes comercializadores, representando a União; b) verificar o cumprimento pelos contratados da política de comercialização de petróleo e gás natural da União resultantes de contratos de partilha de produção; e c) monitorar e auditar as operações, custos e preços de venda de petróleo e gás natural; III - analisar dados sísmicos fornecidos pela ANP e pelos contratados sob o regime de partilha de produção; IV - representar a União nos procedimentos de individualização da produção e nos acordos decorrentes, nos casos em que as jazidas da área do pré-sal e das áreas estratégicas se estendam por áreas não concedidas ou não contratadas sob o regime de partilha de produção; e V exercer outras atividades necessárias ao cumprimento de seu objeto social, conforme definido no seu estatuto. Ora, monitorar, gerir, auditar, avaliar tecnicamente, fornecer informações á ANP, celebrar contratos e verificar seu cumprimento, analisar dados, tudo isto é competência atribuída a uma agência reguladora, que na matéria em questão é a ANP, o que torna a cristalina usurpação de competência por parte da estatal. 339 CASELLI, Bruno Conde. O pré-sal e as mudanças da regulação da indústria do petróleo e gás natural no Brasil: uma visão institucional. Revista Brasileira de Direito Público , Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 132,133 340 NÓBREGA, Marcos; SIQUEIRA, Mariana. A ANP e a possível mitigação de sua função regulatória no contexto da camada pré-sal. Revista de Direito Público da Economia. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 76 341 Disponível em : http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD64CarlosJacques_FranciscoChaves_PauloRobertoViegas_PauloSpringer.pdf Acesso em 01/08/12 168 O que restaria à ANP talvez fosse a realização de editais, a feitura de contratos e a continuidade da regulação nas áreas licitadas anteriormente ao pré-sal. Seria embrionário demonstrar por meio de casos o debate em relação a essa nova legislação, mas é certo que esta questão será amplamente discutida nos Tribunais, em meio à disputa competencial entre entes estatais. Note que a Pré-Sal, como empresa pública, sob a forma de Sociedade Anônima, é Pessoa Jurídica de Direito Privado, integrante da Administração Pública indireta, com capital exclusivamente público, defendendo os interesses da União. Seria parte totalmente parcial num contrato de exploração de petróleo, onde outra empresa pública, a Petrobrás seria a exploradora, sendo assim não haveria sentido nesta mesma empresa fiscalizar um contrato, no qual ela própria exterioriza interesse, pois tornaria duvidosa sua atuação no auditamento aludido. Por fim, percebe-se que a adoção do sistema de partilha de produção deveria vir albergada na Constituição Federal por meio de uma Emenda Constitucional, pois acresce ao art. 23 da carta mais uma forma de contratação de serviços de exploração de petróleo, além do modelo de concessão já existente, não devendo ser tratado por meio de lei infraconstitucional. Se a Constituição é desrespeitada, a democracia também é, uma vez que não há democracia sem respeito à Constituição e aos seus Princípios, pois tornaria a ação arbitrária e pseudo legítima. Os atos da Administração Pública devem ser conforme os arts. 37 e 70 da CF/88 ou serão perquiridos por meio dos controles dos poderes, parametrizando os princípios às leis e atos normativos. 5.3 Ilegalidades no Âmbito da ANP A agência reguladora responsável pela fiscalização e controle dos serviços da indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis é a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, criada Lei 9478/97 e atualizada pela Lei 11.097/2005, ao introduzir o biodiesel na matriz energética brasileira. Possui sede e foro no Distrito Federal, afora os escritórios do Rio de Janeiro em virtude da Bacia de Campos, e os escritórios regionais com sede em São Paulo e Salvador. Seu regimento interno foi aprovado pela Portaria nº 215 do Ministério de Minas e Energia, em 169 1ºde julho de 1998, e em 2004, a Diretoria da ANP editou a Portaria nº 160 de 2 de agosto, a qual estabeleceu um novo Regimento Interno.342 Muitas vezes a ANP, para exercer a regulação na qual foi investida, ultrapassa seu poder normativo ditando verdadeiras afrontas aos Princípios Constitucionais, como pode ser visualizado no acórdão AMS 46676, proferido pelo TRF da 2ª Região, pelo Desembargador Ricardo Regueira, conforme o qual a agência não seguiu o formalismo exigível no âmbito da Administração Pública, tornando irregular sua conduta. No caso em tela, a ANP ao realizar fiscalizações sobre uma determinada empresa distribuidora de combustíveis líquidos, cancela o seu registro no SICAF(Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores), sem audiência prévia da empresa distribuidora, importando em frontal violação ao Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, inseridos no texto Constitucional e por isso devendo ser observado pela agência reguladora. EMENTA: ADMINISTRATIVO. REGISTRO. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO - ANP. DISTRIBUIDORAS DE COMBUSTÍVEIS LÍQUIDOS DERIVADOS DE PETRÓLEO. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE REGULARIDADE FISCAL PERANTE O SICAF. PORTARIA 202/99. ILEGALIDADE. CANCELAMENTO DO REGISTRO SEM AUDIÊNCIA PRÉVIA DA EMPRESA DISTRIBUIDORA. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. - A atividade de exploração e produção de petróleo, nos termos do disposto no art. 177, da Constituição Federal, constitui monopólio da União, dado o relevante interesse público envolvido. Em decorrência disso, a intervenção estatal no domínio econômico, relativamente às atividades integrantes da indústria do petróleo, fez-se indispensável, de modo a garantir a adequada prestação de tais serviços em prol dos consumidores, do Estado e do próprio mercado. - O poder de polícia exercido pela Agência Nacional do Petróleo está estritamente condicionado ao Princípio da Legalidade, de modo que não se pode impor exigências ao livre exercício de atividades ligadas à exploração, produção e comercialização de petróleo e seus derivados sem que lei as estabeleça. - A exigência de comprovação de regularidade fiscal perante o SICAF veiculada por meio da Portaria nº 202/99, viola frontalmente o Princípio da Legalidade, insculpido no art. 5º, II, da Constituição Federal de 1988. Repercutindo a vedação contida na Portaria ANP nº 202/99 diretamente sobre a atividade operacional da apelante, inclusive com o perigo de inviabilizar sua atuação no mercado no qual está inserida, parece claro que houve, por intermédio do órgão regulador, especial afronta ao disposto no art. 170, da Carta Política, que consagra a livre iniciativa como fundamento da ordem econômica, bem como o Princípio da Livre Concorrência. - Ainda que se admitisse, apenas para fins de argumentação, a legalidade da regulação da atividade de comercialização de combustíveis derivados de petróleo por meio de meros atos normativos expedidos pela Agência Nacional do Petróleo, também não poderia prosperar o ato praticado pela apelante, na medida em que o cancelamento de registro, sem audiência prévia da empresa distribuidora, importa em frontal violação ao Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, consagrados pela Carta Política de 1988, sobretudo porque acarreta a cessação de suas atividades operacionais, cujas conseqüências, por muitas vezes, são irreversíveis. Recurso e remessa improvidos. 342 RIBEIRO, Elaine. Direito do Petróleo, Gás e Energia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 59 170 O mesmo comportamento foi efetivado em outro acórdão do TRF da 2ª Região, proferido pelo Desembargador Rogério Carvalho, na MAS-26242, por meio do qual a ANP agiu ilegalmente no uso da Portaria nº 58/98, ao realizar o cancelamento do registro da distribuidora de combustíveis por inatividade, por meio de ato normativo posterior aos fatos objetos da punição, ferindo brutalmente os Princípios da Irretroatividade das Leis, bem como do Devido Processo Legal, conforme se observa na ementa a seguir exarada. EMENTA:ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CANCELAMENTO DE REGISTRO DE DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEIS. INATIVIDADE. PORTARIA Nº 58/98 DA ANP. FERIMENTO AOS PRINCÍPIOS DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS, BEM COMO DEVIDO PROCESSO LEGAL. 1. Conquanto é de se reconhecer o poder da ANP para regular, autorizar e fiscalizar as atividades relacionadas com o abastecimento nacional de combustíveis, especialmente as de distribuição e revenda de derivados de petróleo e álcool, não se pode admitir a violação da Constituição Federal, com a imposição de sanções com base em ato normativo posterior aos fatos objeto da punição, quais sejam o cancelamento de registro de distribuidora por inatividade, nos três mês anteriores ao da edição da Portaria nº 58/99. 2. Ausência de procedimento administrativo, com possibilidade de ampla defesa e contraditório, relativamente à dita inatividade. 2. Precedente da E. Quarta Turma deste E. TRF da 2a Região. 3. Apelo provido. Ordem concedida. A ANP mais uma vez exorbita de seu poder normativo, conforme ementa exarada a seguir, na qual demonstra a restrição do conceito de embarque ou desembarque de óleo e gás efetivada por meio da Portaria 29/2001 da ANP, corroborando com drástica afronta ao Princípio da Legalidade. EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INOMINADO. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. ROYALTIES. IMPOSSIBILIDADE DA PORTARIA Nº 29/2001 RESTRINGIR CONCEITO SOBRE INSTALAÇÕES MARÍTIMAS OU TERRESTRES DE EMBARQUE OU DESEMBARQUE DE ÓLEO BRUTO OU DE GÁS NATURAL DEFINIDO EM LEI. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO INOMINADO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. - A lei nº 9.478/91 não conferiu poderes à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP para, através de instrumento normativo inferior, restringir o conceito de instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou de gás natural, para fins da compensação financeira de que trata a lei nº 7.990/91. - A ANP, no seu sítio eletrônico, conceitua como city gate “o conjunto de instalações contendo ‘manifolds’ e sistema de medição, destinado a entregar o gás natural (oriundo de uma concessão, de uma UPGN, de um sistema de transporte ou de um sistema de transferência de custódia de Gás natural)” o que não destoa, a rigor, do conceito legal, o qual traz ínsito, também, o de transferência, e não apenas o de exploração direta do óleo ou do gás natural. - Portaria nº 29/2001-ANP encontra-se eivada de vício de legalidade ao extrapolar o seu poder regulamentar. - Agravo inominado a que se nega provimento. 171 O professor Francisco Cavalcanti reflete em relação ao problema: Como conciliar a necessidade de instrumentos eficientes para assegurar a concretude das normatizações, com a preservação do princípio da legalidade, de indiscutível relevância garantística? Esse é, sem dúvida, um dos mais relevantes temas do Direito Administrativo Constitucional. 343 O TCU dispõe da seguinte forma sobre a atividade de fiscalização da ANP: A fiscalização realizada pela ANP na atividade de exploração possui como objetivo primordial garantir a execução do Programa Exploratório Mínimo, parte integrante do Contrato de Concessão. Os processos de fiscalização efetuados pela ANP se referem também à verificação da utilização de tecnologia adequada por parte do concessionário, da segurança operacional das atividades, bem como da obediência pelo concessionário às normas que dizem respeito ao impacto dessas atividades no meio ambiente. (...) Os processos de fiscalização são realizados exclusivamente por técnicos da Superintendência de Exploração. No momento da auditoria, essa superintendência contava com 9 técnicos e um superintendente. Estão previstos convênios para realização de estudos especializados, notadamente para análise dos dados informados pelos concessionários. Esse procedimento parece se justificar pelo reduzido quantitativo de pessoal disponível para avaliar crescente número de contratos a serem fiscalizados, pois não houve acréscimo significativo de pessoal em relação ao constatado na auditoria realizada no ano de 2000 na agência. A estratégia de fiscalização da Agência está baseada, sobretudo, na análise documental. O contrato de concessão estabelece os diversos documentos e relatórios que o concessionário deve encaminhar à ANP relativos à atividade exploratória. Além da análise documental, os técnicos realizam visitas – mais comuns para verificações geofísicas – quando detectada alguma anomalia na análise dos dados encaminhados. Não há uma programação formal de visitas, conforme relatado por técnicos da Superintendência de Exploração.344 5.3.1 Carência na Fiscalização da ANP Apesar de a ANP ter como atividade a fiscalização in loco, os técnicos informam no processo do TC Nº 004.911, que não ocorrem estas inspeções como deveriam, tornando duvidosas as informações prestadas pelos concessionários. Além disso, a não delimitação de infrações e sanções a serem aplicadas na área de upstream conforme se depreende do Decreto 2.953/99 (28/01/99) e da Lei 9847/99 (26/10/99), tornam muito soltas estas atribuições. A ausência de um regulamento para sanção dificulta a atuação do regulador: 343 CAVALCANTI, Francisco Queiroz. A reserva de densificação normativa da lei para preservação do princípio da legalidade. In: BRANDÃO, Cláudio; CAVALCANTI, Francisco Queiroz; e ADEODATO, João Maurício (coord.). Princípio da Legalidade: da dogmática jurídica à Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 223 344 GRUPO I - Classe III - Segunda Câmara, Processo TC 004.911/2002-8 c/ 07 volumes, Natureza: Relatório de Auditoria Operacional, Entidade: Agência Nacional do Petróleo – ANP, Responsáveis: David Zylbersztajn e Julio Colombi Neto 172 Em recente assentada, o Tribunal, por intermédio da Decisão de nº 232/2002, diante de razões expostas pelo Relator, Ministro Ubiratan Aguiar, determinou a ANP que ‘não realize mais nenhuma rodada de licitações até que exista norma jurídica definidora das penalidades aplicáveis às atividades da Indústria do Petróleo’. Por esse motivo, entende a equipe que o Tribunal não deve reiterar tal determinação à Agência, por se tratar de Decisão exarada recentemente. 345 Afora isto, percebe-se a possibilidade legal de realização de contratos temporários de pessoal técnico em caso de imprescindibilidade às atividades da agência, ocorre que há amplo aproveitamento de disposição normativa para exorbitar da competência, tornando a atividade ineficaz e insegura diante da enorme quantidade de contratos de trabalho nesta modalidade, restando duvidosa a real necessidade. Segue o artigo em comento colacionado: Art. 28. Fica a ANP autorizada a efetuar a contratação temporária, por prazo não excedente a trinta e seis meses, nos termos do parágrafo único do art. 76, da Lei no 9.478, de 1997, de pessoal técnico imprescindível à implementação de suas atividades. § 1o O quantitativo máximo de contratações temporárias previstas no caput deste artigo, será definido mediante ato conjunto dos Ministros de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado e de Minas e Energia. § 2o O quantitativo de que trata o parágrafo anterior será reduzido anualmente, de forma compatível com as necessidades da Agência, conforme determinarem os resultados de estudos conjuntos da ANP e do órgão central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC). § 3o A contratação de pessoal temporário poderá ser efetivada mediante análise do respectivo currículo, observados, em ordem de prioridade e mediante decisão fundamentada, os seguintes requisitos: a) capacidade técnica comprovada e experiência profissional que guarde estreita relação com as atividades a serem desempenhadas; b) títulos de formação, especialização, pósgraduação, mestrado ou doutorado, em campos de interesse e pertinência com as competências da Agência. Como uma maneira de melhor controlar a atividade da ANP, foi implementado um controle por meio da informatização realizado por programas que controlam o fluxo de documentos, quais sejam: Programa anual de trabalho, levantamento geofísico, acompanhamento das atividades do poço, acompanhamento e fiscalização da produção, controle de queimas e perdas de gás natural. O primeiro diz respeito ao controle de fluxo de informações detectando se há registro após análise ou se não há registro algum e sim apenas preenchimento de formulários, destacando que o registro identifica o nome do responsável pela análise dos documentos. No segundo a ANP se certificará de que há início de uma operação geofísica em um bloco. O terceiro tem como finalidade acompanhar novas 345 GRUPO I - Classe III - Segunda Câmara, Processo TC 004.911/2002-8 c/ 07 volumes, Natureza: Relatório de Auditoria Operacional, Entidade: Agência Nacional do Petróleo – ANP, Responsáveis: David Zylbersztajn e Julio Colombi Neto 173 descobertas, mas percebeu-se a insuficiência da agência em fiscalizar ações de modo a impedir danos ambientais, além disso, há indícios de irregularidades nas licenças. Em relação à produção, o objetivo principal é garantir a preservação dos recursos que se dão pela fiscalização documental e in loco, as quais apenas acontecem quando há acidentes, o que demonstra a deficiência, o que leva a ANP a firmar contratos de terceirização dos serviços por escolas técnicas como a Unicamp para realizar auditorias e inspeções. O último programa tem como objetivo controlar os volumes produzidos e transferidos de óleo, gás e água. Conforme parecer, o tempo levado em média para analisar estes documentos é de uma hora e meia. 346 A ANP arquiva em pastas, controladas pela Superintendência de Gestão da Informação e Dados Técnicos, os documentos técnicos encaminhados pelos concessionários. No entanto, tais pastas não contêm os ofícios encaminhados pela Agência aos regulados ou os pareceres técnicos acerca dos documentos encaminhados. Tais constatações demonstram falta de sistemática de registros de acompanhamento de solicitações da Agência que indique a continuidade de comunicação da ANP aos regulados. As comunicações da agência devem ser revestidas de requisitos formais. No caso, verificou-se que não existem ofícios encaminhando comunicações a respeito de diversas falhas ou respondendo a justificativas dos regulados. Portanto, pode-se concluir que as análises e comunicações administrativas da ANP muitas vezes não possuem o caráter formal, de que deve se revestir todo ato administrativo. Do exposto, argumentamos que mecanismos inadequados para o arquivamento de documentos e a pouca sistematização na comunicação externa da Agência, muitas vezes informal, podem implicar ações/omissões do regulado que não se vinculem às determinações/recomendações da agência.347 Dos resultados das auditorias acima mencionadas, verifica-se que as conclusões do presente trabalho estão a indicar que a ANP não tem apresentado capacidade suficiente para acompanhar de forma eficaz a execução de todos os contratos e que se imerge numa série de irregularidades se opondo substancialmente a estrita legalidade administrativa. 5.3.2 Licitações em número inferior ao exigível por Lei Outra irregularidade por parte da ANP foi constatada por meio do Acórdão 2142/2010-P referente ao processo do TCU 021.340/2006-3, o qual decidiu pelo descumprimento da agência na realização de licitações com o número mínimo exigível por lei, que se trata do recebimento de ao menos cinco propostas dos participantes. Art. 16. Aplicam-se à consulta as seguintes regras: 346 GRUPO I - Classe III - Segunda Câmara, Processo TC 004.911/2002-8 c/ 07 volumes, Natureza: Relatório de Auditoria Operacional, Entidade: Agência Nacional do Petróleo – ANP, Responsáveis: David Zylbersztajn e Julio Colombi Neto 347 Idem 174 (...) III – os licitantes, em número mínimo de cinco, cuja escolha deverá ser amplamente justificada nos autos, inclusive com os elementos indicativos de sua habilitação jurídica, qualificações técnicas e econômico-financeira e regularidade fiscal, serão convocados por qualquer meio seguro, tais como correio e telecomunicação, sempre com comprovante de recebimento,”(grifo nosso) Em virtude de seis empresas terem apresentado proposta, apenas três compareceram ao certame, o que gerou determinação do TCU em ser sanada a irregularidade existente na Consulta nº 61/10, de 30/12/2010 referente à contratação dos serviços de sísmica da Bacia do Amazonas em virtude da normatização exigida. 348 5.3.3 Irregularidade em virtude da contratação direta de empresa prestadora de serviços à ANP Dentre as condutas da ANP vergastadas no TCU, acresce-se o acórdão 2142/2010 sob o TC 021.340/2006-3, o qual demonstra a irregularidade na contratação direta da UFPR (Universidade Federal do Paraná) pela FUNPAR(Fundação da Universidade Federal do Paraná) para prestar serviços à ANP, contrariando o regulamento interno da agencia, bem como a lei de licitações. Ademais caracterizou-se irregulares autorizações para celebração de contratos fictícios, na emissão de faturas de serviços não realizados, nas inconsistências das medições, o quais representam danos flagrantes à ANP. E ainda que se tratassem de afirmações e posicionamentos técnicos de seus subordinados, não se elidiam de culpa in vigilando e in eligendo como corrobora o Tribunal. Sendo assim, o superior hierárquico deve revisar e corrigir atos contrários à legalidade e à boa administração. 5.3.4 Distribuição e revenda de combustíveis Dentre as competências da ANP, o art. 9º da lei assegura sua disposição a respeito da distribuição e revenda de combustíveis, inclusive a jurisprudência é vasta quanto ao assunto, o STJ tem recebido recursos no sentido de pleitear o reconhecimento da incompetência legal da autarquia no que diz respeito à matéria, vide REsp 1101040 / PR. Este argumento tem sido utilizado praticamente em todos os recursos em virtude da praxe ilegal da ANP na elaboração de portarias, abarrotando ainda mais o judiciário. GRUPO II – CLASSE I – Plenário, TC 021.340/2006-3, Natureza: Embargos de Declaração, Interessada: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP 348 175 Art. 9º Além das atribuições que lhe são conferidas no artigo anterior, caberá à ANP exercer, a partir de sua implantação, as atribuições do Departamento Nacional de Combustíveis - DNC, relacionadas com as atividades de distribuição e revenda de derivados de petróleo e álcool, observado o disposto no art. 78. É da ANP a competência de fiscalizar a qualidade dos combustíveis que circulam no mercado, para impedir que a concorrência gere preços predatórios de forma a intervir na livre iniciativa de acordo com a Lei Antitruste e da Livre Concorrência. As atividades de distribuição, com a aquisição de combustíveis junto às refinarias e álcool em usinas para aditivar ou misturar combustíveis com biocombustíveis são reguladas pelo art. 6º, XX da Lei 9478/97 e Portarias nº 29/99 (09/02/99)e 202/99 (14/07/99) da ANP. 5.3.5 Fraude de combustíveis ante a deficiente fiscalização Se utilizando da possibilidade na mistura de combustíveis, os postos revendedores, ante a deficiente fiscalização, vem atuando com a prática abusiva de acrescer um volume além do permitido, fraudando o produto e causando graves danos aos automóveis, tais como a perda de potência e maior consumo de combustível, além disso, há perda na arrecadação dos impostos, danos ambientais e lesão aos contratos com as distribuidoras de combustíveis.349 Vide Processo: APL 58060820108260053 SP 0005806-08.2010.8.26.0053, Relator Guerrieri Rezende, Julgamento 15/08/2011, Órgão Julgador 7ª Câmara de Direito Público, Publicação 17/08/2011. A ANP em diversas portarias determina a qualidade que atenda às especificações técnicas, como a Portaria nº 116/2000, de 05/07/2000, 202/99 e 309/2001, de 27/12/2001. Além disso, o CONAMA(Conselho Nacional do Meio Ambiente) submete o funcionamento dos postos à obtenção da licença ambiental de operação, eis que se trata de atividade potencialmente poluidora do meio ambiente conforme a Lei Complementar nº 38/95 (21/09/95), Código Estadual do Meio Ambiente. A Lei 9847/99 dispõe no art. 18 sobre a responsabilidade solidária entre fornecedores e transportadores pelos vícios de qualidade e quantidade de produtos que tornem impróprios ou inadequados ao consumo. Neste condão a ANP teria o dever de aplicar multas, infrações e penalidades como medidas de interdição de estabelecimentos até abertura de processos administrativos, transferindo ao Ministério Público a responsabilização diante do crime contra a ordem econômica. 349 RIBEIRO, Elaine. Direito do Petróleo, Gás e Energia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 156 176 A responsabilidade do posto será objetiva, devendo reparar os danos causados de acordo com o art. 12, 18, 19 e 20 do Código de Defesa Consumidor, Lei 8.078,(11/08/90). Afora estes, quaisquer cidadãos podem defender seus direitos como consumidores por meio de ações civis públicas ou coletivas em prol dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. No que pertine a sua exorbitância de competência, o assunto é amplamente vergastado, mas não cabe mencionar tal argumento quando a lei é clara ao determinar suas atribuições no setor de distribuição e revenda de combustíveis. É conflitante a possibilidade da ANP e outras autarquias federais gerarem entre si convênios dispensados de licitação. Embora parte da doutrina os apoie, outra parte repudie. Os que apoiam defendem a relativa liberdade que as autarquias tem, e que não é lesivo ao patrimônio público esse tipo de convênio; aos que repudiam se baseiam na ampla regulamentação sobre a atuação governamental, afirmando que todos os atos devem ser revestidos de formalidade. Insta salientar que a ANP aderiu à arbitragem como forma de resolução de conflitos, em busca da celeridade e flexibilidade na resolução de seus conflitos futuros, como se pode observar na cláusula de arbitragem da Sétima Rodada de Licitação da ANP, o que gerou grandes questionamentos sobre a constitucionalidade na adoção desta modalidade de solução de conflitos paraestatal, mas o STF se posicionou no sentido de reconhecer sua constitucionalidade por meio do agravo regimental em sentença estrangeira nº5206-7, no Reino da Espanha, cujo relator foi o Ministro Sepúlveda Pertence, ao decidir que a manifestação da vontade da parte na cláusula compromissória quando da celebração do contrato e a permissão do juiz para substituir a vontade das partes em firmar compromisso não ofendem o art 5º,XXXV da CF/88. 5.3.6 Restrição ao funcionamento de estabelecimentos revendedores de combustíveis por motivo de dívidas Outros casos jurisprudenciais aventam ilegalidades por parte de condutas da autarquia, como o REsp 1221155 / PR , ao pleitear ilegalidade da Portaria ANP 116/2000, a qual determina a restrição ao funcionamento de estabelecimentos revendedores de combustíveis em razão de débitos não quitados, defende em cognição sumária que tal limitação não está prevista no texto legal e não se coaduna com o escopo da regulação. 177 Note que a ANP foi criada para promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo. Vincula-se ao Ministério de Minas e Energia e se sujeita à fiscalização orçamentária pelo Tribunal de Contas em virtude do uso de recursos públicos, devendo submeter seus gastos à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei de Diretrizes Orçamentárias. 5.4 Competência da ANP Neste condão, após analisar alguns casos que venham demonstrar esta inaceitável prática no âmbito da ANP, analisemos sua competência prevista na Lei do Petróleo: Implementar a política nacional do petróleo e gás natural, com ênfase na garantia do suprimento de derivados de petróleo em todo o território nacional e na proteção dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta de produtos; Promover estudos de delimitação dos blocos a serem objeto de concessão para exploração ou sob regime de partilha de produção; Regular a execução de serviços de geologia e o geofísica em áreas de prospecção, visando ao levantamento de dados técnicos destinados à comercialização; Elaborar editais e promover as licitações para concessão de exploração e produção e assinar os contratos respectivos; Conceder autorizações para as atividades de refino, processamento, transporte, importação e exportação; Estabelecer critérios para o cálculo de tarifas de transporte em dutos e arbitrar seus valores, quando necessário; Fiscalizar as atividades da indústria do petróleo e aplicar as sanções administrativas e/ou pecuniárias previstas em lei, regulamento ou contrato; Instituir processo para fins de desapropriação e instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à exploração e produção, construção de refinarias e de dutos e terminais; Zelar pelo cumprimento das boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, seus derivados e gás natural e de preservação do meio ambiente; Estimular a pesquisa e adoção de novas tecnologias na exploração, produção, transporte, refino e processamento; 178 Organizar e manter o acervo das informações e dados técnicos relativos às atividades da indústria do petróleo; Consolidar anualmente as informações sobre as reservas nacionais de petróleo e gás natural e divulgá-las; Fiscalizar o adequado funcionamento do Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e o cumprimento do Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis; Articular-se com outros órgãos reguladores do setor energético; Regular e autorizar as atividades relacionadas com o abastecimento nacional de combustíveis, fiscalizando-as diretamente ou através de convênios com órgãos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Note que apesar de todas estas incongruências, a presença da ANP viabilizou um planejamento integrado dos setores petrolífero, elétrico e energético de uma forma geral, pois previu a valorização de todas as fontes de energia, conforme se depreende do art. 1º, II e X da Lei 9478/97, destacando a relevância do álcool na política agrícola e fundiária, na proposta de fixar o homem do campo ao invés de favelizar as cidades. 350 Como autarquia especial, isto é, Pessoa Jurídica de Direito Público, sujeita-se a todas as prerrogativas e limitações exigíveis às funções típicas do Estado, cujo objetivo primordial é a supremacia do interesse público sobre o privado. Com isto, de certa forma promoveu a valorização e o desenvolvimento dos recursos energéticos do país, incentivando o investimento das empresas estatais e privadas, visando regulá-las e fiscalizá-las, de acordo com o art. 7º e 8º da Lei 9478/97. 351 350 RIBEIRO, Elaine. Direito do Petróleo, Gás e Energia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 156 Ibidem, p. 55 “Art. 7o Fica instituída a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves - ANP, entidade integrante da Administração Federal Indireta, submetida ao regime autárquico especial, como órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Parágrafo único. A ANP terá sede e foro no Distrito Federal e escritórios centrais na cidade do Rio de Janeiro, podendo instalar unidades administrativas regionais.” “Art. 8 o A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, cabendo-lhe: I - implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo, gás natural e biocombustíveis, contida na política energética nacional, nos termos do Capítulo I desta Lei, com ênfase na garantia do suprimento de derivados de petróleo, gás natural e seus derivados, e de biocombustíveis, em todo o território nacional, e na proteção dos interesses dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos; II - promover estudos visando à delimitação de blocos, para efeito de concessão ou contratação sob o regime de partilha de produção das atividades de exploração, desenvolvimento e produção; III - regular a execução de serviços de geologia e geofísica aplicados à prospecção petrolífera, visando ao levantamento de dados técnicos, destinados à comercialização, em bases nãoexclusivas;IV - elaborar os editais e promover as licitações para a concessão de exploração, desenvolvimento e produção, celebrando os contratos delas decorrentes e fiscalizando a sua execução; V - autorizar a prática das atividades de refinação, liquefação, regaseificação, carregamento, processamento, tratamento, transporte, estocagem e acondicionamento; VI - estabelecer critérios para o cálculo de tarifas de transporte dutoviário e arbitrar seus valores, nos casos e da forma previstos nesta Lei; VII - fiscalizar diretamente e de forma 351 179 concorrente nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, ou mediante convênios com órgãos dos Estados e do Distrito Federal as atividades integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, bem como aplicar as sanções administrativas e pecuniárias previstas em lei, regulamento ou contrato; VIII - instruir processo com vistas à declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação e instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, construção de refinarias, de dutos e de terminais;X - fazer cumprir as boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis e de preservação do meio ambiente;X - estimular a pesquisa e a adoção de novas tecnologias na exploração, produção, transporte, refino e processamento; XI - organizar e manter o acervo das informações e dados técnicos relativos às atividades reguladas da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis; XII - consolidar anualmente as informações sobre as reservas nacionais de petróleo e gás natural transmitidas pelas empresas, responsabilizando-se por sua divulgação;XIII - fiscalizar o adequado funcionamento do Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e o cumprimento do Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis, de que trata o art. 4º da Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro de 1991;XIV - articular-se com os outros órgãos reguladores do setor energético sobre matérias de interesse comum, inclusive para efeito de apoio técnico ao CNPE;XV regular e autorizar as atividades relacionadas com o abastecimento nacional de combustíveis, fiscalizando-as diretamente ou mediante convênios com outros órgãos da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. XVI regular e autorizar as atividades relacionadas à produção, à importação, à exportação, à armazenagem, à estocagem, ao transporte, à transferência, à distribuição, à revenda e à comercialização de biocombustíveis, assim como avaliação de conformidade e certificação de sua qualidade, fiscalizando-as diretamente ou mediante convênios com outros órgãos da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios; XVII - exigir dos agentes regulados o envio de informações relativas às operações de produção, importação, exportação, refino, beneficiamento, tratamento, processamento, transporte, transferência, armazenagem, estocagem, distribuição, revenda, destinação e comercialização de produtos sujeitos à sua regulação; XVIII - especificar a qualidade dos derivados de petróleo, gás natural e seus derivados e dos biocombustíveis. XIX - regular e fiscalizar o acesso à capacidade dos gasodutos; XX - promover, direta ou indiretamente, as chamadas públicas para a contratação de capacidade de transporte de gás natural, conforme as diretrizes do Ministério de Minas e Energia; XXI - registrar os contratos de transporte e de interconexão entre instalações de transporte, inclusive as procedentes do exterior, e os contratos de comercialização, celebrados entre os agentes de mercado; XXII - informar a origem ou a caracterização das reservas do gás natural contratado e a ser contratado entre os agentes de mercado; XXIII regular e fiscalizar o exercício da atividade de estocagem de gás natural, inclusive no que se refere ao direito de acesso de terceiros às instalações concedidas; XXIV - elaborar os editais e promover as licitações destinadas à contratação de concessionários para a exploração das atividades de transporte e de estocagem de gás natural; XXV - celebrar, mediante delegação do Ministério de Minas e Energia, os contratos de concessão para a exploração das atividades de transporte e estocagem de gás natural sujeitas ao regime de concessão; XXVI autorizar a prática da atividade de comercialização de gás natural, dentro da esfera de competência da União; XXVII - estabelecer critérios para a aferição da capacidade dos gasodutos de transporte e de transferência; XXVIII - articular-se com órgãos reguladores estaduais e ambientais, objetivando compatibilizar e uniformizar as normas aplicáveis à indústria e aos mercados de gás natural. Parágrafo único. No exercício das atribuições de que trata este artigo, com ênfase na garantia do abastecimento nacional de combustíveis, desde que em bases econômicas sustentáveis, a ANP poderá exigir dos agentes regulados, conforme disposto em regulamento: I - a manutenção de estoques mínimos de combustíveis e de biocombustíveis, em instalação própria ou de terceiro; II - garantias e comprovação de capacidade para atendimento ao mercado de combustíveis e biocombustíveis, mediante a apresentação de, entre outros mecanismos, contratos de fornecimento entre os agentes regulados. Art. 8o-A. Caberá à ANP supervisionar a movimentação de gás natural na rede de transporte e coordená-la em situações caracterizadas como de contingência. § 1 o O Comitê de Contingenciamento definirá as diretrizes para a coordenação das operações da rede de movimentação de gás natural em situações caracterizadas como de contingência, reconhecidas pelo Presidente da República, por meio de decreto. § 2 o No exercício das atribuições referidas no caput deste artigo, caberá à ANP, sem prejuízo de outras funções que lhe forem atribuídas na regulamentação: I - supervisionar os dados e as informações dos centros de controle dos gasodutos de transporte; II - manter banco de informações relativo ao sistema de movimentação de gás natural permanentemente atualizado, subsidiando o Ministério de Minas e Energia com as informações sobre necessidades de reforço ao sistema; III - monitorar as entradas e saídas de gás natural das redes de transporte, confrontando os volumes movimentados com os contratos de transporte vigentes; IV - dar publicidade às capacidades de movimentação existentes que não estejam sendo utilizadas e às modalidades possíveis para sua contratação; e V - estabelecer padrões e parâmetros para a operação e manutenção eficientes do sistema de transporte e estocagem de gás natural. § 3o Os parâmetros e informações relativos ao transporte de gás natural necessários à supervisão, 180 Não obstante, há trechos alvos de reflexões, como o dispositivo “XXIV - elaborar os editais e promover as licitações destinadas à contratação de concessionários para a exploração das atividades de transporte e de estocagem de gás natural”, o qual nos leva a crer que se trata nada mais do que letra morta, ao reconhecer que a ANP ao invés de organizar as licitações concorrenciais, tem cedido unicamente à Petrobrás o direito de transporte de petróleo e gás, por meio da TRANSPETRO (Petrobrás Transporte S.A), subsidiária criada com este objetivo. Wald neste sentido desabafa: Verifica-se que no setor do petróleo as atividades do upstream se tornaram objeto da abertura do monopólio com a realização “rotineira” de processos licitatórios que propiciam a entrada de novos agentes no mercado, permitindo vigorar a competitividade plena. No entanto, existem ainda focos de resistência à abertura quando se trata das atividades de downstream, ou seja, refino, transporte (dutos) e terminais. 352 A Petrobrás, detentora de grande poderio, recebeu por meio do art. 65 da lei do petróleo a incumbência de criar a TRANSPETRO(Petrobrás Transportes S.A), como sua subsidiária para operar e construir dutos, terminais marítimos e embarcações para transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, facultando-lhe associar-se majoritária ou minoritariamente a outras empresas. Além do que, lhe foi concedida a prerrogativa de adquirir bens e serviços mediante um procedimento licitatório simplificado, conforme o Decreto 2.745/98, o que oportunizou obviamente discussões no que tange a sua constitucionalidade. Enquanto discutia-se o assunto, a Petrobrás conseguiu liminar por meio da MS nº 25.888, por meio da qual o Ministro Gilmar Mendes entendeu ter se encerrado o regime de monopólio e que, portanto determinaria a ausência de submissão da empresa de capital misto à Lei 8.6666/93. Como se não bastasse deveria a ANP comunicar ao CADE(Conselho Administrativo de Defesa Econômica) sobre quaisquer práticas violadoras da concorrência e ordem econômica, por meio do Comitê de Política da Concorrência e da Comissão de Defesa da Concorrência. Art. 10. Quando, no exercício de suas atribuições, a ANP tomar conhecimento de fato que possa configurar indício de infração da ordem econômica, deverá controle e coordenação da operação dos gasodutos deverão ser disponibilizados pelos transportadores à ANP, conforme regulação específica. ” 352 WALD, Arnoldo. O direito de parceria e a lei de concessões. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 601. 181 comunicá-lo imediatamente ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade e à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, para que estes adotem as providências cabíveis, no âmbito da legislação pertinente. Parágrafo único. Independentemente da comunicação prevista no caput deste artigo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade notificará a ANP do teor da decisão que aplicar sanção por infração da ordem econômica cometida por empresas ou pessoas físicas no exercício de atividades relacionadas com o abastecimento nacional de combustíveis, no prazo máximo de vinte e quatro horas após a publicação do respectivo acórdão, para que esta adote as providências legais de sua alçada. Ocorre que é ela própria quem exerce tal ilegalidade, cujo ato atentatório à concorrência, é de extrema prejudicialidade ao desenvolvimento nacional, eis a ausência de credibilidade dos investidores externos em tecnologias e know how. Com as novas leis aprovadas em âmbito de pré-sal, a afronta se intensificou, pois, estas áreas serão cedidas diretamente à Petrobrás, sem a realização de licitações prévias, e assim onde fica a defesa da livre concorrência? E quanto ao princípio da isonomia? Há clara afronta à Constituição! Além disso, é válido mencionar que com a criação da popularmente conhecida como Petro-sal e formalmente denominada Pré-sal Petróleo S.A., há esvaziamento da competência da ANP e transferência do papel regulador a uma entidade estatal, apontando aqui duas incongruências. A primeira diz respeito à perpetuação da ilegalidade e afronta à concorrência e isonomia na cessão direta de áreas à Petrobrás. E a segunda questão é a invasão de competência por um ente desprovido de neutralidade, e que por esta razão não pode assumir o papel de regulador e fiscalizador dos contratos de pré-sal. Note que a Administração Pública deve se pautar estritamente no Princípio da Legalidade, não podendo agir além da esfera permitida em lei, mas não é o que vem ocorrendo até então. 182 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS Mediante a comparação das competências do CNPE e da PPSA em relação à competência da ANP, percebemos que em primeiro lugar, o CNPE, como órgão subordinado ao Executivo, tende a atender a vontade política na escolha dos blocos exploratórios de petróleo. Além disso, condiciona a ANP a aceitar os mandados do Executivo, engessando a necessária autonomia de um genuíno ente regulador no exercício de suas funções neutrais. Como não bastasse, o CNPE tem sido inerte em demasia no tocante ao exercício de seus misteres, levando a formulação de políticas públicas para o âmbito regulatório que deveria limitar-se a mera execução e fiscalização dos serviços sob concessão. Acresce-se ainda que, a criação da PPSA, como responsável pela celebração dos contratos em âmbito de partilha e fiscalizando-os , retirando a competência da ANP mais uma vez, desencadeia a politização repleta da regulação brasileira. Afora isto, a estatal tende a defender os interesses unicamente da União, tratando as leis da concorrência como letra morta. Ainda que haja argumentos no sentido de defender o protecionismo do país diante de um bem público estratégico, e de grande interesse econômico mundial, não se pode fechar os olhos diante da dependência do Brasil, ao conhecimento tecnológico estrangeiro, bem como ao proveito nos financiamentos e nas parcerias efetivadas com outros países que demandam maior cientificismo em relação à exploração petrolífera. Cita-se como exemplo, a tecnologia alemã SRC(Selective Catalytic Reduction), cujo catalisador diminui sensivelmente a poluição do ar, por meio da queima de combustíveis em razão do aditivo Ad Blue , além dele citam-se as válvulas de fechamento de poço, impedindo danos ambientais no mar por meio do derramamento de óleo, o BOP (Blowout Preventer), tudo isto traz externalidades positivas ao nosso país, e que por esta razão não deve ser olvidado. Talvez, o modelo de partilha dê certo, mas as críticas ao seu estabelecimento são muitas, as incertezas, a fuga dos investidores, o atraso nas rodadas de licitação, a politização da regulação, entre outros fatores preocupam o setor. É importante salientar, que as reservas provenientes do pré-sal podem significar grande avanço para o desenvolvimento do país, porém deve haver uma regulação real, uma análise de desempenho e de resultados concreta, uma implementação de políticas voltadas 183 para o benefício da coletividade, dos consumidores e não de um grupo seleto de empresários ou políticos tendenciosos a insuflarem o condicionamento da administração pública. É certo que o Direito autonomamente, efetivará a justiça em último grau, mas os prejuízos proporcionados até então podem ser irreparáveis às pessoas, ao meio ambiente, à economia, a sociedade em geral. Os resultados das fiscalizações sobre a ANP atestam a carência na sua fiscalização, deixando serem executadas licitações inadequadas, distribuição e revenda de combustíveis de maneira também inadequada, não raras vezes adulteradas, com qualidade muito aquém das exigibilidades legais, com fraudes, a prolação de atos normativos politizados, contrários ao interesse público. É lamentável acreditar que as agências reguladoras brasileiras encontram-se em grave crise. 184 6. O CONTROLE SOBRE A ANP 6.1 Controle Sobre a ANP Estando a Administração Pública sujeita aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, sua conduta deve estar em constante controle. E esse pode ser tanto de maneira interna, pelos próprios órgãos da Administração, quanto de maneira externa, pelos outros poderes constitucionais, sob o sistema dos freios e contrapesos instituído por Montesquieu, no qual um poder será balizado pelos outros dois. Apesar de a ANP como uma agência reguladora, autarquia especial dotada de ampla autonomia, pessoa jurídica de direito público criada por lei, submetida a periódicas avaliações de desempenho e fiscalização, por não submeter suas decisões ao recurso hierárquico impróprio, em virtude da ausência de disposição em suas leis, se submete ao controle de legalidade, além de uma sutil supervisão em suas condutas, eis a hierarquização. As modalidades de controle são: o administrativo, o legislativo e o judicial. O administrativo é o controle exercido internamente, o legislativo é aquele efetivado com base no art. 49, X da CF/88, também conhecido como controle parlamentar, e por último há o controle judicial, para declarar ilegais os atos da administração pública desconformes com a lei. Vejamos cada um destes controles. 6.1 Controle Externo 6.1.1 Controle Legislativo ou Parlamentar Conforme se denota nos exemplos anteriormente citados, o TCU se utiliza de sua prerrogativa constitucional ao realizar o controle externo efetuado juntamente com o Congresso Nacional conforme art. 71353 da CF/88. 353 Art. 71 - O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para 185 Atua por meio de auditorias, para verificar a legalidade orçamentária na gestão pública, podendo se utilizar de recomendações, determinações ou até aplicação de sanções aos administradores públicos desconformes com a lei. Além disso, emite anualmente relatório com as Contas do Governo da República e incluem as contas prestadas pelo Presidente da República, pelos presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, pelos presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores e pelo Chefe do Ministério Público da União.354 Para isto, dispõe de uma Assessoria Parlamentar (Aspar) com técnicos dedicados a melhorar o fluxo de informações entre o Congresso Nacional e o TCU, que visitam regularmente as comissões do Legislativo e estão aptos a auxiliar na prestação de informações e interlocução com as demais unidades do Tribunal.355 Em virtude da atuação constante do TCU, diversos questionamentos vem sendo travados em relação à competência da ANP no tocante a extrapolação de seus misteres. Além do controle de contas realizado pelo Legislativo juntamente com o Tribunal de Contas, e afora os casos em que haja formação de Comissões Parlamentares de Inquérito, o Poder Legislativo também possui como função, conforme o art. 49 da CF/88 sustar os atos normativos do executivo, quando extrapolarem seus limites de competência. cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; V fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.§ 1º - No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis. § 2º - Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito. § 3º - As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo. § 4º - O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades. 354 Disponível em http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/congresso/controle_externo. Acesso em 01/08/2012 355 Idem 186 Art. 49 - É da Competência exclusiva do Congresso Nacional: V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta; XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes; Assim, quando o Executivo, no uso de sua competência extrapola os limites traçados por delegação ou mediante o uso do Poder Regulamentar, deve o Congresso Nacional sustá-los de pronto. Além disso, deve fiscalizar toda a Administração Pública e observar se há o respeito a sua competência legislativa típica. O controle legislativo é eminentemente político, por meio das Comissões Parlamentares de Inquérito, agindo de forma direta, de acordo com dicção do art. 58 §3º da CF/88, no qual pode exigir a qualquer momento explicação e justificativa acerca das decisões tomadas, eis a passagem prévia pelo Senado Federal. Além disso, no controle legislativo se realiza a fiscalização contábil, orçamentária e financeira, exercida pelo Congresso Nacional juntamente com o Tribunal de Contas, arts. 31, § 1º, e 71 da CF/88, por meio do controle indireto, corroborando com a tese de que em havendo exorbitância de poder regulamentar pelo Poder Executivo, haverá sustação de seus atos normativos. Alexandre de Moraes traz à baila o controle legislativo: O exercício da função típica do Poder Legislativo consistente no controle parlamentar, por meio de fiscalização, pode ser classificado em políticoadministrativo e financeiro orçamentário. Pelo primeiro controle, o Legislativo poderá questionar os atos do Poder Executivo, tendo acesso ao funcionamento de sua máquina burocrática, a fim de analisar a gestão da coisa pública e, consequentemente, tomar as medidas que entenda necessárias. Inclusive, a Constituição Federal autoriza a criação de comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas casas (...).356 Outra forma de auxílio prestado pelo Tribunal de Contas ocorre quando técnicos do TCU são cedidos ao Congresso para prestarem serviços técnicos especializados em Comissões Parlamentares de Inquérito. Averiguados os ilícitos, o TCU passará as informações ao Congresso Nacional que sustará o trespasse de verba pública ao infrator e culminará na paralisação do serviço ilegal. 356 MORAES, Alexandre. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 2001, p. 376 187 Neste sentido, o papel do TCU nas Comissões Parlamentares de Inquérito, destina-se, nas palavras de Aguiar357, a apurar irregularidades envolvendo a empresa PETROBRAS e ANP, relacionadas com: indícios de fraudes nas licitações para reforma de plataformas de exploração de petróleo, apontadas pela operação ‘Águas Profundas’ da Polícia Federal; graves irregularidades nos contratos de construção de plataformas, apontadas pelo Tribunal de Contas da União; indícios de superfaturamento na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, apontados por relatório do Tribunal de Contas da União; denúncias de desvios de dinheiro dos “royalties” do petróleo, apontados pela operação ‘Royalties’, da Polícia Federal; denúncias do Ministério Público Federal sobre fraudes envolvendo pagamentos, acordos e indenizações feitos pela ANP a usineiros; denúncias de uso de artifícios contábeis que resultaram em redução do recolhimento de impostos e contribuições no valor de 4,3 bilhões de reais; denúncias de irregularidades no uso de verbas de patrocínio da estatal. 6.1.2 Controle Judicial O controle judicial deveria ser utilizado mediante a frustração de solução na esfera administrativa, mas há possibilidade de recurso à esfera judicial diretamente, uma vez que a todos é assegurado o direito a tutela jurisdicional, conforme o Princípio da Universalidade de Jurisdição constante no art. 5º, XXXV CF/88, eis que o aperfeiçoamento do Direito é consequência do controle exercido pelos Tribunais. Além disso, o argumento de que o judiciário não pode averigaur a tecnicidade da matéria em âmbito administrativo é facilmente solucionável por meio do requerimento de perícia técnica confrontando as soluções dos experts com a observância dos princípios fundamentais. E até mesmo quando envolva conceitos jurídicos indeterminados estará presente a sindicabilidade pelo Poder Judiciário. 358 Decisão pessoal nunca poderá ser posta em causa pelo juiz. Se é o juiz que o faz, a sua decisão não poderá ser posta em causa pelo juiz de revisão.” 359 E acrescenta: “O conceito discricionário será aquele que atribui ao seu intérprete e aplicador uma livre discrição, um poder discricionário, valendo a sua apreciação como definitiva. 360 Assim acentua Celso Antônio Bandeira de Mello: Nada há de surpreendente, então em que o controle judicial dos atos administrativos, ainda que praticados em nome de alguma discrição, se estenda necessária e 357 AGUIAR, Ubiratan. Auxílio indispensável no combate à corrupção na Administração Pública, Revista de informação legislativa, v.47, nº 187, jul./set. de, Brasília: Senado Federal, 2010, p. 301-319, 358 BUENO FILHO, Edgard Silveira. Agencias Reguladoras e Concorrenciais e o Controle Jurisdicional dos atos. Revista CEJ - v. 7 n. 23 out./ dez. 2003. Brasília : CJF , 2003, p. 29 -30 359 SOUSA, Francisco Antônio. Conceitos Jurídicos Indeterminados. Coimbra: Livraria Almedina, 1994,, p. 28 360 Ibidem, p. 29 188 insuperavelmente à investigação dos motivos, da finalidade e da causa do ato. Nenhum empeço existe a tal proceder, pois é meio – e, de resto, fundamental – pelo qual se pode garantir o atendimento da lei, a afirmação do direito.361 No mesmo sentido pensa Lúcia Vale de Figueiredo: Já é hora de nos acostumarmos com o fato de que o recurso ao Judiciário é um atributo inerente a qualquer democracia.362 Além disso, o Ministério Público, órgão independente, como instituição permanente e essencial à função jurisdicional, detentor da promoção e da defesa dos direitos e interesses da coletividade, especificamente com a atribuição de proteger a moralidade administrativa, o patrimônio público e social, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos, conforme dicção dos arts. 127 e 129, III da Constituição Federal de 1988, tem o condão de fazê-lo de maneira a punir aqueles que desvirtuam o mandamus constitucional. No caso das agências observado o desvio de finalidade, instaurará procedimento administrativo para destituição dos dirigentes, através do controle extraordinário, em razão de não haver legalmente um controle ordinário no âmbito agenciário. Ele é quem se responsabiliza pela fiscalização das ações em geral quando lesivas a coletividade, por meio da ação civil pública e no acompanhamento da ação popular. No que concerne à ação popular esta possui legislação infraconstitucional própria, Lei nº 4.717 de 1965, cujo art. 6 º dispõe que o pólo passivo pode ser composto por todos que estejam vinculados ao ato impugnado, devendo inclusive as autoridades e funcionários públicos, serem responsabilizados desde que participem da conduta lesiva, ainda que por omissão, sendo assim o Poder Público uma vez não cumprindo o seu papel através de seus gestores administrativos devem ser inseridos no pólo passivo da ação em questão, e em sendo apurada a responsabilidade individual, deve o servidor ser punido pessoalmente. A Constituição Federal de 1988 garantiu a tutela destes direitos quando instituiu em seu art. 5º, LXXIII a legitimidade de qualquer cidadão para propor uma ação popular contra ato lesivo ao patrimônio público, ou de entidade de que o Estado participe inclusive as paraestatais, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.363 361 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 825 362 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 82-352 363 COSTA, Susana Henriques da. Comentários à Lei de Ação Civil Pública e Lei de Ação Popular. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 83 189 No que tange as origens reais da ação civil pública estas dizem respeito ao controle da crescente sociedade, uma vez que se deu de maneira veloz e desordenada, deparando numa sociedade repleta de perplexidades originadas pela economia além da mutação exacerbada cultural, levando a uma total desorganização nas condutas humanas. Frente a isto era mister algo que pusesse um freio nesta população distinta, foi quando surgiu em 1985 a Lei nº 7.347 conhecida como a Lei da Ação Civil Pública, a qual foi em 2005 homenageada diante de comemoração de seu 20º aniversário, reconhecido um valor considerável na sua elaboração, por proteger direitos até então desconsiderados. 364 Os legitimados para a instauração da ação civil pública são retratados no art. 5º da dita lei, o qual profere tal prerrogativa aos membros do Parquet, sendo assim, diferentemente da Ação Popular, que pode ser proposta por quaisquer pessoas, esta apenas será instaurada se o Ministério Público vislumbrar que houve desrespeito aos interesses públicos enumerados, devendo demonstrar a relevância social do caso em questão. 6.2 Controle Interno ou Administrativo A administração pública poderá atuar sob as vestes da anulação ou da revogação, ou seja, para controlar seus atos eivados de ilegalidade ou de anulabilidade, cabendo única e exclusivamente a ela analisar seu mérito, isto é, seu juízo de conveniência e oportunidade, adotando por vezes os conceitos jurídicos indeterminados e a discricionariedade. Ocorre que o uso a estes conceitos e o recurso ao poder discricionário tem levado a arbitrariedades constantes no âmbito administrativo, causando diversas contendas na administração, principalmente na atividade de regulação da ANP, as quais são realocadas ao judiciário. A doutrina majoritária distingue dentro dos conceitos indeterminados: conceitos descritivos (os que se referem a objetos reais descritivamente perceptíveis como o homem, a morte, a escuridão, o amarelo etc); conceitos normativos subdivididos em normativo em sentido estrito (os que não são perceptíveis pelos sentidos, mas só em conexão com o mundo das normas passam a ser compreensíveis e representáveis) e os normativos de valor (aqueles que contêm uma valoração, a questão é de quem seria esta valoração?) e conceitos discricionários (os que se caracterizam em virtude da autonomia, da valoração pessoal, 364 COSTA, Susana Henriques da. Comentários à Lei de Ação Civil Pública e Lei de Ação Popular. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 317 190 possuindo a liberdade como critério pessoal, pois havendo intervenção de um terceiro perdese a liberdade). Na França existe um órgão específico para julgar as decisões administrativas, denominado contencioso administrativo, o qual trabalha para que os processos administrativos diminuam o volume de demandas na via judicial, em caso de solução do litígio, mas não há impedimento para que após o esgotamento das vias administrativas se recorra ao judiciário. 365 Em diversos países há inúmeras interpretações a respeito do tema. Para Tzener a doutrina dos conceitos discricionários é inimiga do Estado de Direito e cientificamente infundada, mas a diferença entre os indeterminados e os determinados se dá em razão do grau de insegurança da palavra.366 Os conceitos indeterminados segundo classificação germânica teria duas matizes, a teoria da multivalência e a teoria da univocidade. A última defende que todos os conceitos são vinculados a lei e só a vontade do administrador pode fundar a discricionariedade atribuída através de um conceito legal indeterminado, não constituindo uma discricionariedade livre, e sim subordinada à lei, vinculada, havendo apenas uma interpretação correta. Já a primeira foi defendida pelo sistema francês e por Portugal, e se baseia na tese de que a interpretação e aplicação dos conceitos legais indeterminados admitem várias decisões certas. 367 Para Bachof é mister um controle jurisdicional sobre a atividade administrativa, pois tem que se averiguar se a lei quer ou não atribuir à autoridade administrativa um espaço de apreciação, o qual resulta da natureza material da relação, associada ao pensamento da administração diante do caso concreto.368 Este espaço de apreciação depende da natureza dos conceitos, se normativos em oposição aos fáticos pressupõem um juízo de valor entre a determinação conceitual e a verificação da situação de fato. 365 ENTERRÍA, Eduardo Garcia. Democracia, juices e justicia admnistrativa. Barcelona: Thomson Civitas, 2009, p. 109 366 ENTERRÍA, Eduardo Garcia. Democracia, juices e justicia admnistrativa. Barcelona: Thomson Civitas, 2009, p. 109 367 Idem 368 Idem 191 Para Rupp “os conceitos indeterminados exigem a ilimitada sindicabilidade judicial, sob pena de ficar irremediavelmente comprometida a segurança dos particulares perante o Estado Leviathan.”369 Para Schimidt-Salzer “a aplicação dos conceitos indeterminados implica uma margem de oscilações nas decisões.”370 E acrescenta que a última decisão da administração só é razoável diante da impossibilidade de controle judicial. Outra teoria a respeito do tema é a Teoria dos Fatores, a qual dispõe que o conteúdo da norma é dado, criado, transformado, adaptado diante da realidade abrangida, afetando a decisão no caso concreto, no uso dos conceitos jurídicos indeterminados. No sistema francês não há tanta distinção entre os conceitos indeterminados e a discricionariedade administrativa. Na Espanha, Enterría traz à baila a importância da legalidade na administração, ainda quando atua com discricionariedade. Em Portugal, Sérvulo Correia elenca a discricionariedade técnica, subdividida em conceitos indeterminados, por meio dos quais o legislador teria querido atribuir discricionariedade à administração e os conceitos técnicos também abordados na Espanha e Itália englobando as decisões de alta complexidade técnica, inviabilizando o controle judicial.371 Na análise da discricionariedade, faz-se o uso de duas palavras, a prognose que daria uma dimensão do futuro e seria incerta, apenas lastreada na probabilidade, e a diagnose que estaria atrelada a fatos passados e por isso seria algo certo já vivenciado. Há ainda a figura da discricionariedade na planificação social, na medida em que os planos tem decisões pontuais no caso concreto, levando ao uso também desta margem de apreciação pelo julgador, podendo ser utilizadas as diretrizes internas, pautadas na lei do plano, ou externas, extra plano. O controle da discricionariedade de planificação implica limitação ao juiz administrativo, pois apenas a administração pode criar no plano, entretanto este controle é difícil na medida em que no plano não se prevê nenhuma escala de valores a se atribuir maior peso. 369 RUP, H.H. apud SOUZA, Francisco Antônio de. Conceitos indeterminados no direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1994, p. 120 370 SALZER-Schimidt apud SOUZA, Francisco Antônio de. Conceitos indeterminados no direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1994, p. 80 371 CORREIA, Sérvulo. Direito do Contencioso Administrativo, vol. I, Lisboa: LEX, 2005, p. 67 192 Não se pode, contudo estabelecer um padrão de ceticismo quando as decisões são tomadas pelo governo, uma vez que nenhuma generalização é cerrada, há os que primam pela justiça e igualdade. A justiça administrativa só é justificada se lastreada na democracia tal como ela é idealizada, para que sirva como fruto desta e assim sirva de modelo de efetivação do que é justo, sujeitando-se ao controle legitimador de sua atuação por meio da transparência. Não se pode também sacralizar qualquer doutrina aos seus seguidores, pois isto redundaria na morte da ciência jurídica, o aplicador do direito tem que estar adstrito à constituição administrativa diante de um sistema contencioso-administrativo e assim garantir a igualdade jurídica e o interesse dos cidadãos. Para Enterría “la ley es el instrumento sine qua non de la igualdad ”372 Na França, as áreas em que o Conselho de Estado exerce um controle mínimo se dão na polícia de estrangeiros, publicações estrangeiras de alta polícia, matérias de apreciação altamente técnica e matérias cuja apreciação da administração pode ser totalmente substituída pelo juiz. Quando o assunto exige um tipo de controle em que o juiz verifique a verdadeira apreciação dos fatos é chamado controle normal, vê-se se a natureza dos fatos justifica a decisão tomada, os pressupostos legais que levaram ao julgamento. E quando há ameaça às liberdades públicas ou ao direito de propriedade, por exemplo, na discricionariedade administrativa há necessidade de um controle máximo, conforme o pensamento francês. A efetivação de um controle jurisdicional dentro da administração de maneira profunda sobre a utilização da discricionariedade se justificaria em razão do suprimento da ausência de conhecimento técnico dos juízes, por meio do uso da perícia pelos mesmos. Mas há argumentos contrários no sentido de que o juiz estaria afastado no tempo e no espaço da realidade, e assim a decisão administrativa é cada vez mais tomada, pois um controle jurisdicional pleno emperraria a administração. Na Espanha, a aparição de uma administração técnica, moderna e prestadora de serviços públicos e não só de favores especiais dos partidos se deu com a criação das agências reguladoras, pois livres das influências políticas e arbitrárias. Nos EUA, o Administrative Procedure Act (APA), como primeira Lei de Procedimento Administrativo americana, determina que o Direito Administrativo passe a se sujeitar a instrumentos de controle, como o social, o político e o judicial, estando assim suas 372 ENTERRÍA, Eduardo Garcia. Democracia, juices e justicia admnistrativa. Barcelona: Thomson Civitas, 2009, p. 59 193 agências no exercício da função quase judicial ao ditar os atos que resolvem as questões de interesse privado, por meio da Administrative Law Judges com status parajudicial, sujeitas a controle.373 As agências americanas por conseqüência do intenso controle, possuem uma ampla autonomia, já que sua atuação na solução das questões privadas abrange praticamente todas as matérias, deixando para o Ministro de Estado apenas o exercício em situações de necessidade e urgência especificadas no ato da avocação ou com a comunicação do Presidente do Governo. No Brasil as agências também foram criadas para solucionar o máximo de controvérsias possíveis, devendo se submeter aos mesmos instrumentos de controle, porém o que se nota é que a participação social ainda é muito lenta, a fiscalização preventiva é carente, transferindo por conseqüência, a solução das arbitrariedades para o âmbito dos tribunais. O TCU tem se pronunciado a respeito da conduta da ANP no que concerne a sua deficiente fiscalização, como pode ser observado em ítem específico sobre as irregularidades da ANP. O Ministério Público também tem lutado em prol da moralidade administrativa, apesar de haver questionamentos no sentido de ilegitimidade de parte no tocante a fiscalização orçamentária, em virtude da competência atribuída à Fazenda Pública. 374 Sua tarefa crucial na matéria em comento surge como órgão do Executivo imcumbido de zelar pela moralidade e probidade administrativa, bem como contrapor a ofensa ao patrimônio público, ambiental, cultural e os demais interesses difusos, contando com o apoio da própria sociedade da busca pela efetivação dos direitos constitucionais, na luta pela democracia e pela transparência da gestão pública. Resta-nos concluir que a ANP desencadeia sob a via administrativa a submissão ao controle de legalidade e de mérito em vistas às atitudes corriqueiras desmedidas de seus gestores, devendo por isso ser investigada pelo Ministério Público, fiscalizada pelo Tribunal de Contas e CN e submetidos ao Judiciário se necessário for, a fim de garantir a ordem constitucional e democrática frente a um verdadeiro Estado de Direito. 373 MARTINEZ, Maria Salvador. Autoridades independientes. Barcelona: Ariel derecho, 2002, p. 87-182 COSTA, Susana Henriques da. Comentários à Lei de Ação Civil Pública e Lei de Ação Popular. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 400 374 194 CONCLUSÕES PARCIAIS Diante das condutas abusivas das agências reguladoras e especificamente dos casos analisados sobre a ANP, o que resta para reprimir esses atos intoleráveis é o sistema de controle por meio dos Poderes, com o método do checs and balances, aventado por Montesquieu. O primeiro método de controle é o externo, que incidindo sobre ações do Executivo, será realizado pelo Legislativo e pelo Judiciário. Enquanto o Legislativo pode exercer o controle de contas juntamente com o TCU, conforme o art. 31, §1º e art. 71 da CF de 1988, pode ainda realizar as CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) sobre os atos políticos abusivos, de acordo com o art. 58 §3º da CF de 1988. Já o Judiciário efetuará controle em relação unicamente à legalidade dos atos normativos das agências reguladoras, mediante a aplicação do art. 5º , XXXV da CF de 1988, sob o manto do principio da universalidade de jurisdição. Podendo o processo ter sido deflagrado pelo Ministério Público, órgão independente, permanente e essencial à função jurisdicional em prol da defesa dos direitos e interesses da coletividade, da moralidade administrativa, do patrimônio publico e cultural, do meio ambiente e de todos os outros interesses difusos e coletivos, reconhecidamente por meio do art. 127 e do art. 129, III da CF de 1988. O que percebemos nas pesquisas efetivadas no trabalho é que o Judiciário tem desempenhado este controle de forma eficaz, conforme os acórdãos prolatados pelos tribunais, o que demonstra a autonomia do Direito, como instrumento de realização da justiça. Afora este, a própria sociedade, através dos cidadãos, pode deflagrar o processo no Judiciário, por meio da ação popular, baseada na Lei 4717, de 29 de junho de 1965 ou fazer uso da ação civil pública, através de qualquer pessoa, com base no art. 5º, LXXIII da CF de 1988 e na Lei 7347, de 25 de julho de 1985. Nota-se que o controle social não é muito efetivado, em virtude da passividade da sociedade, deixando que o Ministério Público abarque todas as condutas errôneas por membros da Administração Pública. Em relação ao controle interno, este será exercido pela própria Administração, por isso é chamado de controle interno ou adminsitrativo, que com base na Súmula 473 do STF, o próprio órgão ou entidade anulará ou revogará seus atos quando eivados de ilegalidade ou inconveniência e inoportunidade respectivamente, configurando neste último caso o controle de mérito. 195 Ocorre que, o mérito administrativo encontra fundamento na subjetividade do administrador, que irá analisar o caso e decidir conforme os requisitos íntimos para a aplicação da conduta. Sendo este comportamento demasiadamente incerto, se encontra no âmbito da discricionariedade do administrador, que em sendo utilizada com fuga ao interesse público acarretará um juízo arbitrário e abusivo. Porém, muitos conceitos abertos tem que ser preenchidos pelo administrador público, utilizando da tal subjetividade, da discricionariedade, da conveniência e da oportunidade, para então determiná-los, por isso Enterría e Sérvulo tecem comentários sobre a preocupação destes dois institutos na Administração Pública, salientando que devem ser utilizados sempre de maneira arrazoada, com base nos princípios da justiça e da igualdade. O controle interno, também não tem sido realizado como instrumento neutral, para a efetivação da justiça administrativa. Mas funciona mediante a conveniência dos próprios administradores em anular ou revogar seus próprios atos. O CNPE não tem sido penalizado pela sua inércia na elaboração de políticas públicas, a ANP não tem sido penalizada pela suas carentes fiscalizações. Em âmbito interno, o que se percebe são lutas políticas entre partidos com o intuito de dominar o poderio estatal. Assim, resta-nos crer que diante da postura inaceitável das agências reguladoras e, especificamente da ANP, deve o controle judicial sobre esses entes, senão de maneira preventiva, de maneira repressiva, conter os atos abusivos e zelar pela moralidade administrativa. 196 CONCLUSÃO A ANP como uma agência reguladora, detentora de poder normativo, goza de prerrogativas e garantias especiais em relação aos demais regimes autárquicos, mas por vezes se utiliza deste poder de maneira desproporcional, seja sob influências políticas ou econômicas, para elaborar atos normativos ilegais, conforme vislumbrado no presente trabalho. Por terem seus membros nomeados por indicação do Presidente da República, após aprovação do Senado, desencadeiam-se laços de relação entre estes dirigentes e os Poderes Executivo e Legislativo, corroborando com a aplicação de vontades políticas, ás vezes, antidemocráticas. Submetem-se apenas ao controle de meios, cuja vedação de exoneração de seus membros ad nutum, os garantem no cargo por todo o período do mandato, exceto se provocar atos que culminem em condenação penal transitada em julgado; em condenação em processo administrativo, assegurados o contraditório e a ampla defesa, em acumulação ilegal de cargos ou em descumprimento injustificado de objetivos. Detém ainda Personalidade Jurídica, distinta da estrutura da Administração Direta, distinguindo-se das agências executivas, as quais atuam também regulando, mas sem a denominação de agências reguladoras, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica vinculado ao Ministério da Justiça, as Universidades sob o âmbito do Ministério da Educação, a Comissão de Valores Mobiliários vinculada ao Ministério da Fazenda, o Banco Central e os Conselhos Profissionais. Estes realizam contratos de gestão para ampliar sua autonomia e em contrapartida recebem fiscalização de suas atividades pelo poder público, eis que recebem recursos governamentais para a efetivação de seus misteres. De acordo com a Lei 9.986, de 18 de julho de 2000, as agências reguladoras se submetem às regras gerais de licitação, mas poderá utilizar as modalidades de consulta e pregão para a aquisição de bens e serviços, conforme seu art. 37, exceto para serviços de engenharia que terão que observar as regras gerais de licitação e contratação pela administração pública. As agências elaboram seu próprio orçamento, mas este se encontra inserido no orçamento do Ministério, o que gera ingerências políticas. Todavia, devem apresentar à administração central uma previsão global das receitas e despesas. 197 Poderão arrecadar taxas regulatórias provenientes da fiscalização, desde que estipuladas nos contratos de concessão. Portanto, não são tributos essas taxas. Caso haja a extinção de uma agência, e o dever de regulação recaia sobre o Estado, cabe ao particular que firmou contrato de concessão com a agência extinta a alegação da Teoria da Imprevisão, podendo exigir-lhe alterações contratuais, bem como a rescisão contratual. Além disso, o quantitativo de empregos públicos e cargos comissionados serão dispostos por lei, podendo a agência alterar o quantitativo e os cargos comissionados, desde que não acarretem aumento de despesa. Podem ainda requisitar servidores e empregados integrantes da administração pública, mais membros para atuarem nas agências reguladoras, de acordo com os arts. 14 e 16 da Lei 9986. As agências reguladoras submetem-se ao controle de legalidade judicial, bem como à coordenação de suas atividades pela Administração Central e pelo Legislativo, por meio do controle de contas, juntamente com o TCU, por meio do art. 71 da CF de 1988, e o controle das condutas dos agentes da administração pública por meio do art. 58 da mesma Carta, na garantia do checks and balances. A ampla autonomia das agências se relaciona a fixidez dos mandatos dos dirigentes e ao ato de emanação de suas decisões, por não se submeterem ao controle de mérito por parte do Poder Executivo e nem pelo Poder Judiciário, que se restringe ao controle de legalidade. Não obstante, esta autonomia não pode ser confundida com exorbitância de poder e desrespeito à Lei, nem à Constituição, demonstradas de maneira cristalina no trabalho em comento na atuação das agências. Além disso, a deficiente fiscalização tem sido preocupação nos tribunais, isto faz pôr em dúvida a questão do papel democrático das agências reguladoras que ao invés de corroborarem com a exigibilidade na prestação de serviço de qualidade para os cidadãos, tem efetivado poucas exigências em relação às necessidades quotidianas da sociedade. Esta baixa qualidade fiscalizatória, não resolvendo os problemas sociais, tem proporcionado uma infinitude de demandas judiciais. Acrescidas das interferências políticas e das capturas econômicas que destoam os pilares da regulação, corroborando com a elaboração de legislações contraditórias e complexas. 198 As disputas na área do petróleo, gás natural e biocombustíveis, tem demonstrado o conflito entre as legislações do setor aliado aos interesses políticos e econômicos que o rodeiam. O setor do petróleo deveria ser melhor abordado, pois abrange recursos naturais escassos extremamente importantes ao desenvolvimento nacional, necessitando de inovação tecnológica e industrial, configurando grande fonte de riquezas, emprego e crescimento, definidor inclusive de status e poderio econômico em meio ao atual mercado globalizado do petróleo. Mesmo assim, a luta pela participação maior na fatia de royalties, a fiscalização capturada, desencadeia decisões atentatórias aos princípios da isonomia, da legalidade, da moralidade, entre tantos outros. O TCU, na realização do controle externo sobre as atividades da ANP constatou que existe falta de transparência no processo de escolha dos blocos ofertados nas suas rodadas de licitação. Além da vagueza dos critérios adotados para a definição dos blocos ofertados, a Agência não considera políticas de desenvolvimento regional, industrial e ambiental. Também não são ouvidas as comunidades vizinhas aos empreendimentos em processo de audiência pública. Atualmente, apenas questões geológicas são debatidas em seminários restritos aos empreendedores da indústria do petróleo.375 A omissão na regulação tem conduzido à aprovação dos pleitos de forma irresponsável em função da deficiência de pessoal. Como se não bastasse, a agência prorrogou períodos exploratórios referentes aos primeiros contratos celebrados com a Petrobrás revelando uma flexibilização inadequada com uma excessiva, senão abusiva, discricionariedade do regulador.376 Frente a estas atrocidades, diversos países têm estudado a temática em busca de uma solução aos problemas vivenciados nas agências. Todas estas atitudes encontram substrato na sua ampla independência em virtude de suas funções “quase legislativas”, “quase executivas” e “quase judiciais”, o que torna cristalino o seu alto poder, inclusive sobre o direcionamento da economia. Mas o que preocupa em maior grau é a falta de transparência no seu processo de regulamentação favorecendo a prática de suas arbitrariedades. 375 376 http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2059168.PDF. Acesso em 08 de setembro de 2012 http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2059168.PDF. Acesso em 08 de setembro de 2012 199 A atuação regulatória requer maior accountabillity377, participação social, criação de uma ouvidoria, melhor estruturação de seu quadro de pessoal, pois há cada vez mais multiplicação de regulamentos que não asseguram a qualidade do serviço, multiplicando também os conflitos em virtude deles serem muitas vezes inconstitucionais e atentatórios ao interesse dos cidadãos ou empresários. Deveria haver uma ouvidoria que encaminhasse os pleitos diretamente à Diretoria, pois não há um controle de metas. Sua fiscalização se baseia eminentemente na análise documental, com um número ínfimo de fiscalização in loco em relação a enorme demanda, e não há integração dela para com os outros entes estaduais, federais e ministeriais. A preocupante questão do comprometimento dos administradores públicos para com a gestão da coisa alheia, torna o constante controle de resultados fervoroso e crucial à análise dos seus outcomes378, ou seja, do retorno quanto aos investimentos efetivados em meio agenciário. A solução não seria transferir sua competência para outros entes públicos, pois o descaso continuará o mesmo, aumentando apenas os custos em relação ao erário através da criação de mais um instituto jurídico, mas tão somente, reestruturar a organização da ANP, assegurando um corpo técnico mais amplo, apto a atender a todas as demandas, e haver um controle de resultados, de metas, que possam averiguar sua atividade e proporcionar condições de uma atuação embasada no funcionalismo público e no interesse coletivo. Faz-se mister a implementação de uma maior responsabilidade, performance audit379, aos gestores que atuam contra legem, quando abusam de seu poder normativo, com maior accountability, transparência, aumento da participação social, imprescindível na explanação de opiniões em plebiscitos, referendos, audiências públicas, para que com a junção de todos estes fatores possa reestruturar o papel da ANP na regulação, buscar efetivação consciente e moral nas políticas públicas brasileiras, para a realização de um genuíno Estado Democrático de Direito. 377 Esta palavra de origem americana não tem tradução, mas a palavra em português mais adequada para substituí-la tem sido a responsabilização. 378 Diz-se retornos que aparecem em razão de um investimento efetivado. 379 Esta palavra é comumente denominada como controle de desempenho, porém, na área em estudo, estes termos são muito utilizados pela doutrina brasileira em meio ao texto escrito no vernáculo. 200 REFERÊNCIAS BRANDÃO, Cláudio; CAVALCANTI, Francisco e ADEODATO, João Maurício (Coordenadores). 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Acesso em 08 de setembro de 2012 http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547.> Acesso em: 10 de novembro de 2010; 210 ANEXOS ANEXO I Colegiado: Segunda Câmara. Relator: UBIRATAN AGUIAR. Processo: 004.911/2002-8 . Assunto: Relatório de Auditoria Operacional. Número do acordão: 553. Ano do acórdão: 2002. Número ata : 42/2002. Data dou : 22/11/2002 Ementa : Auditoria Operacional. Agência Nacional do Petróleo - ANP. Fiscalização dos contratos de concessão. Atividades de regulação e fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo. Constatação da ausência de uma política específica para os setores de exploração e produção de petróleo e gás natural contemplando metas e indicadores para esses setores. Determinação. Recomendação. Ciência ao Congresso Nacional, Ministério de Minas e Energia e ANP. Arquivamento. Dados materiais : Dados Materiais: TC 004.911/2002-8 c/ 07 volumes ANEXO II GRUPO II – CLASSE VII – Plenário TC 021.340/2006-3 (com 9 volumes e 10 anexos). Natureza: Representação. Entidades: Universidade Federal do Paraná – UFPR e Agência Nacional de Petróleo – ANP. Interessado: Secretaria de Controle Externo no Estado do Paraná – Secex/PR. Advogados constituídos nos autos: Fausto Pereira de Lacerda Filho (OAB/PR 5.491), Jeferson de Amorin (OAB/PR 31.047), Caio Fábio Coutinho Madruga (OAB/RN 2.270), Marilda Silva de Carvalho (OAB/RN 6.599), Otacílio Machado Ribeiro (OAB/SP 66.571), Maria Cristina Valim Lourenço Gomes (OAB/SP 99.243), Fernanda Lavras Costallat Silvado (OAB/SP 210.899), Beatriz Ferraz Chiozzini David (OAB/SP 149.011), Renata Aparecida Strazzacapa (OAB/SP 120.246), Maximilian Köberle (OAB/SP 178.635) e Rita de Cássia Barbasso (OAB/SP 161.713-E). SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. PROGRAMA DE MONITORAMENTO DA QUALIDADE DOS COMBUSTÍVEIS. CONTRATO CELEBRADO ENTRE A UFPR E A ANP. IRREGULARIDADES. PROCEDÊNCIA. MULTAS. 1. A realização de convênios pela ANP com outras entidades, para prestação de serviços permanentes de monitoramento de combustíveis, exige a identidade de objetivos principais, devendo a atuação das Instituições Federais de Ensino Superior se restringir ao aproveitamento desses trabalhos nas atividades de ensino, pesquisa e extensão. 2. As receitas auferidas por Universidades Federais na prestação desses serviços integram o orçamento da Instituição de Ensino, em obediência ao art. 2º, do Decreto 93.872/1986. ANEXO III GRUPO I – CLASSE I – Plenário. TC 021.340/2006-3. Natureza: Pedido de Reexame (em Representação). Órgão/Entidade: Universidade Federal do Paraná – UFPR e Agência Nacional de Petróleo – ANP. Responsáveis: Carlos Augusto Moreira Junior (CPF 428.164.169-68); Carlos Itsuo Yamamoto (CPF 128.211.788-24); Carlos Roberto Antunes dos Santos (CPF 005.075.399-15); David Zylbersztajn (CPF 465.004.057-49); Fundação Norte Rio-grandense de Pesquisa e Cultura - Mec (CNPJ 08.469.280/0001-93); Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faurgs (CNPJ 74.704.008/0001-75); Haroldo Borges Rodrigues Lima (CPF 046.751.185-34); Henrique José Ternes Neto (CPF 450.624.639-04); Instituto de Tecnologia Para O Desenvolvimento (CPF 01.715.975/000169); José Luiz da Silva Junior (CPF 090.509.904-44); José Tadeu Jorge (CPF 822.997.22815); Lúcia Regina Assumpção Montanhini (CPF 313.336.059-00); Maria Antonieta Andrade 211 de Souza (CPF 018.864.104-10); Nelson de Marco Rodrigues (CPF 864.800.908-10); Paulo Ademar Martins Leal (CPF 966.856.118-04); Paulo Afonso Bracarense Costa (CPF 255.419.949-34); Paulo Roberto Rocha Kruger (CPF 186.859.949-34); Rodrigo Costa Mattos (CPF 262.532.160-15); Rogério Piccoli (CPF 005.044.919-20); Sebastiao do Rego Barros Netto (CPF 380.380.997-53). Interessados: Universidade Federal do Paraná – UFPR e Haroldo Borges Rodrigues Lima (CPF 046.751.185-34). Advogado(s) constituído(s) nos autos: Fausto Pereira de Lacerda Filho (OAB/PR 5.491), Jeferson de Amorin (OAB/PR 31.047), Caio Fábio Coutinho Madruga (OAB/RN 2.270), Marilda Silva de Carvalho (OAB/RN 6.599), Otacílio Machado Ribeiro (OAB/SP 66.571), Maria Cristina Valim Lourenço Gomes (OAB/SP 99.243), Fernanda Lavras Costallat Silvado (OAB/SP 210.899), Beatriz Ferraz Chiozzini David (OAB/SP 149.011), Renata Aparecida Strazzacapa (OAB/SP 120.246) e Maximilian Köberle (OAB/SP 178.635). SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE UNIVERSIDADE FEDERAL POR INTERMÉDIO DE FUNDAÇÕES DE APOIO. CONVOCAÇÃO DE NÚMERO MÍNIMO DE CINCO LICITANTES. INDEFINIÇÃO NA DESCRIÇÃO DE OBRIGAÇÕES E CONTRAPARTIDAS CONTRATUAIS. AUTORIZAÇÃO E CELEBRAÇÃO DE CONTRATOS FICTÍCIOS. EMISSÃO DE FATURAS DE SERVIÇOS NÃO REALIZADOS. INCONSISTÊNCIAS DE MEDIÇÕES. TRÂNSITO DE RECURSOS PÚBLICOS POR CONTAS BANCÁRIAS PARTICULARES. AUSÊNCIA DE REGISTROS CONTÁBEIS DE RECEBIMENTOS POR PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CONCESSÃO IRREGULAR DE BOLSAS DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO. IMPROVIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL. INSUBSISTÊNCIA DO SUBITEM 9.12. E ALTERAÇÃO DO SUBITEM 9.13 DO ACÓRDÃO Nº 2.142/2010 – TCU – PLENÁRIO. CIÊNCIA AOS INTERESSADOS. ANEXO IV REsp 1101040 / PR. RECURSO ESPECIAL. 2008/0237401-7 . Relator(a) Ministra DENISE ARRUDA (1126). Órgão Julgador. T1 - PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento 16/06/2009. Data da Publicação/Fonte DJe 05/08/2009 Ementa . PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTADORREVENDEDOR-RETALHISTA (TRR). PORTARIA ANP 201/99. PROIBIÇÃO DO TRANSPORTE E REVENDA DE GLP, GASOLINA E ÁLCOOL COMBUSTÍVEL. EXERCÍCIO DO PODER NORMATIVO CONFERIDO ÀS AGÊNCIAS REGULADORAS. LEGALIDADE. 1. Ação objetivando a declaração de ilegalidade da Portaria ANP 201/99, que proíbe o Transportador-Revendedor-Retalhista - TRR – de transportar e revender gás liquefeito de petróleo - GLP-, gasolina e álcool combustível. 2. A Lei 9.478/97 instituiu a Agência Nacional do Petróleo - ANP -, incumbindo-a de promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis (art. 8º). 3. Também constitui atribuição da ANP, nos termos do art. 56, caput e parágrafo único, do mesmo diploma legal, baixar normas sobre a habilitação dos interessados em efetuar qualquer modalidade de transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, estabelecendo as condições para a autorização e para a transferência de sua titularidade, observado o atendimento aos requisitos de proteção ambiental e segurança de tráfego. 4. No exercício dessa prerrogativa, a ANP editou a Portaria 201/99 (atualmente 212 revogada pela Resolução ANP 8/2007), proibindo o Transportador-Revendedor-Retalhista TRR - de transportar e revender gás liquefeito de petróleo - GLP-, gasolina e álcool combustível. O ato acoimado de ilegal foi praticado nos limites da atribuição conferida à ANP, de baixar normas relativas ao armazenamento, transporte e revenda de combustíveis, nos moldes da Lei 9.478/97. 5. "Ao contrário do que alguns advogam, trata-se do exercício de função administrativa, e não legislativa, ainda que seja genérica sua carga de aplicabilidade. Não há total inovação na ordem jurídica com a edição dos atos regulatórios das agências. Na verdade, foram as próprias leis disciplinadoras da regulação que, como visto, transferiram alguns vetores, de ordem técnica, para normatização pelas entidades especiais." (CARVALHO FILHO, José dos Santos. "O Poder Normativo das Agências Reguladoras" / Alexandre Santos de Aragão, coordenador - Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, págs. 81-85). 6. Recurso especial provido, para julgar improcedente o pedido formulado na inicial, com a consequente inversão dos ônus sucumbenciais. Acórdão. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, para julgar improcedente o pedido formulado na inicial, com a conseqüente inversão dos ônus sucumbenciais, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Francisco Falcão, Luiz Fux e Teori Albino Zavascki votaram com a Sra. Ministra Relatora. Referência Legislativa.LEG:FED PRT:000201 ANO:1999. (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO - ANP). (REVOGADA PELA RESOLUÇÃO 8/2007 ANP). LEG:FED LEI:009478 ANO:1997. ART:00008 ART:00056 PAR:ÚNICO. LEG:FED RES:000008 ANO:2007. ART:00001. (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO - ANP). Veja (PODER REGULAMENTAR - AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO). STJ - <<RESP< span=""> 640460>>-RJ (RT 868/187, REVFOR 398/361)</RESP<> ANEXO V Processo. REsp 1221155 / PR. RECURSO ESPECIAL 2010/0209090-0. Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN (1132) Órgão Julgador Ministro HERMAN BENJAMIN (1132) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento 12/04/2011. Data da Publicação/Fonte DJe 18/04/2011. Ementa: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL ORIUNDO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. POSTO REVENDEDOR DE COMBUSTÍVEIS. AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. EXIGÊNCIA DE QUITAÇÃO DE DÉBITOS PARA EXERCÍCIO DE ATIVIDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. O risco de cessação das atividades da recorrida sem a competente autorização justifica o deferimento. Hipótese em que o Tribunal de origem concluiu, com base na prova dos autos, pela concessão da medida. A revisão desse entendimento implica reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula 7/STJ. 3. O cotejo hermenêutico das Leis 9.478/1997 e 9.847/1999 com a Portaria ANP 116/2000 permite extrair, a priori, indícios de ilegalidade da restrição ao funcionamento em razão de débitos não quitados, porque, em cognição sumária, tal limitação não está prevista no texto legal e não se coaduna com o escopo da regulação. 4. Recurso Especial não provido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os 213 Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, sem destaque." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha, Castro Meira e Humberto Martins (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Referência Legislativa: LEG:FED LEI:005869 ANO:1973. ***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. ART:00535. LEG:FED LEI:009478 ANO:1997. LEG:FED LEI:009847 ANO:1999. LEG:FED PRT:000116 ANO:2000 (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NAURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP) LEG:FED SUM:****** ***** SUM(STF) SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SUM:000070 SUM:000323 SUM:000547 LEG:FED SUM:****** ***** SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000007 . Veja (PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – DECISÃO FUNDAMENTADA DO TRIBUNAL LOCAL) STJ - <<REsp< span=""> 855073>>-SC (PORTARIA ANP - MÉRITO ADMINISTRATIVO - DISCRICIONARIEDADE) STJ - <<REsp< span=""> 732795>>-RJ (POSTO REVENDEDOR DE COMBUSTÍVEIS FUNCINAMENTO - QUTIAÇÃO DE DÉBITOS) STF - AC 1657</REsp<></REsp<> ANEXO VI Dados Gerais Processo: APL 2772378320108260000 SP 0277237-83.2010.8.26.0000 Relator(a): Sá Duarte Julgamento:23/04/2012 Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado Publicação: 24/04/2012 Ementa LOCAÇÃO Ação de cobrança julgada improcedente Posto revendedor de combustíveis para veículos automotores Débito apurado ao término da locação Multa por infração ambiental e despesas com remoção de tanques e equipamentos instalados no imóvel Inexistência de prova de que a infração ambiental foi praticada pelos réus Despesas com a remoção de tanques e equipamentos de responsabilidade dos locadores Sentença mantida Recurso não provido. ANEXO VII Autoria: Amora, Dimmi, Corrêa, Hudson. Título: ANP ignora regra própria e beneficia empresa do Rio Data de publicação: 23-Nov-2010 Assunto: ANP ( Agência Nacional de Petróleo) Fonte: Folha de São Paulo, 23/11/2010, Poder, p. A9 Coleção: Folha de São Paulo URI: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/218121 ANEXO VIII Processo MAS 200051010156614. AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 46676. Relator(a) Desembargador Federal RICARDO REGUEIRA. Sigla do órgão TRF2 Órgão julgador SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA Fonte DJU Data::17/04/2007 - Página::372 Decisão A Turma, por maioria, negou provimento ao recurso e à remessa necessária, nos termos do voto do Relator.Vencido o Juiz Federal Convocado Theophilo Miguel. Ementa ADMINISTRATIVO. REGISTRO. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO - ANP. DISTRIBUIDORAS DE COMBUSTÍVEIS LÍQUIDOS DERIVADOS DE PETRÓLEO. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE REGULARIDADE FISCAL 214 PERANTE O SICAF. PORTARIA 202/99. ILEGALIDADE. CANCELAMENTO DO REGISTRO SEM AUDIÊNCIA PRÉVIA DA EMPRESA DISTRIBUIDORA. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. - A atividade de exploração e produção de petróleo, nos termos do disposto no art. 177, da Constituição Federal, constitui monopólio da União, dado o relevante interesse público envolvido. Em decorrência disso, a intervenção estatal no domínio econômico, relativamente às atividades integrantes da indústria do petróleo, fez-se indispensável, de modo a garantir a adequada prestação de tais serviços em prol dos consumidores, do Estado e do próprio mercado. - O poder de polícia exercido pela Agência Nacional do Petróleo está estritamente condicionado ao Princípio da Legalidade, de modo que não se pode impor exigências ao livre exercício de atividades ligadas à exploração, produção e comercialização de petróleo e seus derivados sem que lei as estabeleça. - A exigência de comprovação de regularidade fiscal perante o SICAF veiculada por meio da Portaria nº 202/99, viola frontalmente o Princípio da Legalidade, insculpido no art. 5º, II, da Constituição Federal de 1988. - Repercutindo a vedação contida na Portaria ANP nº 202/99 diretamente sobre a atividade operacional da apelante, inclusive com o perigo de inviabilizar sua atuação no mercado no qual está inserida, parece claro que houve, por intermédio do órgão regulador, especial afronta ao disposto no art. 170, da Carta Política, que consagra a livre iniciativa como fundamento da ordem econômica, bem como o Princípio da Livre Concorrência. - Ainda que se admitisse, apenas para fins de argumentação, a legalidade da regulação da atividade de comercialização de combustíveis derivados de petróleo por meio de meros atos normativos expedidos pela Agência Nacional do Petróleo, também não poderia prosperar o ato praticado pela apelante, na medida em que o cancelamento de registro, sem audiência prévia da empresa distribuidora, importa em frontal violação ao Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, consagrados pela Carta Política de 1988, sobretudo porque acarreta a cessação de suas atividades operacionais, cujas conseqüências, por muitas vezes, são irreversíveis. - Recurso e remessa improvidos. Data da Decisão 29/11/2006 Data da Publicação 17/04/2007. ANEXO IX MAS9902232035. AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 26242. Relator(a) Desembargador Federal ROGERIO CARVALHO. Sigla do órgão TRF2. Órgão julgador SEXTA TURMA ESPECIALIZADA. Fonte DJU - Data::27/11/2006 - Página::223. Decisão: Acordam os membros da Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da Segunda Região, por maioria, nos termos do voto do Relator, em dar provimento ao recurso. Ementa: “ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CANCELAMENTO DE REGISTRO DE DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEIS. INATIVIDADE. PORTARIA Nº 58/98 DA ANP. FERIMENTO AOS PRINCÍPIOS DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS, BEM COMO DEVIDO PROCESSO LEGAL. 1. Conquanto é de se reconhecer o poder da ANP para regular, autorizar e fiscalizar as atividades relacionadas com o abastecimento nacional de combustíveis, especialmente as de distribuição e revenda de derivados de petróleo e álcool, não se pode admitir a violação da 215 Constituição Federal, com a imposição de sanções com base em ato normativo posterior aos fatos objeto da punição, quais sejam o cancelamento de registro de distribuidora por inatividade, nos três mês anteriores ao da edição da Portaria nº 58/99. 2. Ausência de procedimento administrativo, com possibilidade de ampla defesa e contraditório, relativamente à dita inatividade. 2. Precedente da E. Quarta Turma deste E. TRF da 2a Região. 3. Apelo provido. Ordem concedida. Data da Decisão 08/11/2006. Data da Publicação 27/11/2006