1. Supremo Dizemos que um número a ∈ R é um majorante dum conjunto X se para todo o x ∈ X, a ≥ x. Chamamos supremo de X ao menor dos majorantes. Geometricamente, um majorante é simplesmente um ponto da recta real que está à direita do conjunto e o supremo é o majorante que está mais próximo do conjunto. O supremo pode ou não pertencer ao conjunto como podemos ver nos exemplos seguintes: Exemplo. Seja X = {1, 2}. 2 é um majorante e qualquer majorante tem que ser maior ou igual a 2. Logo, 2 é o supremo de X. Exemplo. Seja agora X =] − ∞, 1[. Claramente 1 é um majorante de X. Aliás, qualquer número a ≥ 1 é um majorante. Se a < 1, seja x o ponto médio do segmento unindo a a 1, ou seja, x = a+1 2 . Então x ∈ X e a < x logo a não é um majorante. Portanto os majorantes são os reais a ≥ 1. Logo o supremo é 1. Embora o supremo possa não pertencer ao conjunto, existem sempre elementos do conjunto arbitrariamente próximos do supremo: Proposição. Seja s o supremo de X. Então para todo o δ > 0 existe um x ∈ X tal que |x − s| < δ. Demonstração. Vamos provar esta proposição pelo método de redução ao absurdo. Isto é, vamos supor que a proposição é falsa e tentar ver porque é que isso não pode acontecer. Eventualmente chegaremos a uma contradição o que mostrará que a nossa suposição era errada. Vamos pois asusmir que a proposição é falsa, ou seja, que existe um δ > 0 tal que para todo o x ∈ X se tem |x − s| ≥ δ. Como s ≥ x, |x − s| = s − x ≥ δ logo s − δ ≥ x para todo o x ∈ X. Mas então s − δ é um majorante de X. Chegámos a uma contradição pois s era supostamente o menor dos majorantes. Isto completa a demonstração. É útil por vezes pensar em termos de vizinhanças em vez de distâncias. Dizer que |x − s| < δ é o mesmo que dizer que x ∈ Vδ (s). Podemos pois reformular a proposição acima dizendo que, se s é o supremo de X, então para qualquer δ > 0 existe um x ∈ X tal que x ∈ Vδ (s). Ou seja, qualquer vizinhança de s intersecta o conjunto X. Axioma. Qualquer conjunto com majorantes tem supremo. Uma consequência deste axioma é Proposição. O conjunto N dos naturais não é majorado Demonstração. Vamos provar por redução ao absurdo. Se N fosse majorado teria supremo s. Então existiria um natural n tal que |s − n| = s − n < 21 . Mas então, subtraindo 1 a ambos os lados obteriamos 1 s − n − 1 < − < 0 logo s < n + 1 2 1 2 Mas n + 1 ∈ N logo s não poderia ser um majorante de s. Chegamos pois a uma contradição que mostra que N não é majorado. Alguns exemplos de aplicação da noção de supremo: Exemplo. O número de Neper é definido como o supremo do conjunto n 1 : n ∈ N, n 6= 0 X= 1+ n Exemplo. Como calcular o valor de π? π é a área do cı́rculo de raio 1. Podemos aproximar esta área calculando a área de polı́gonos inscritos: A área de qualquer polı́gono inscrito é menor que a área do cı́rculo mas podemos obter uma aproximação arbitrariamente boa se o polı́gono tiver um número suficientemente grande de lados. A área do cı́rculo é o supremo das áreas de todos os polı́gonos inscritos. Exemplo. Queremos calcular o comprimento duma curva C. Para isso escolhemos pontos c0 , c1 , . . . , cn ∈ C e consideramos a linha poligonal formada unindo esses pontos. O comprimento desta linha é certamente menor que o comprimento de C mas podemos obter uma aproximação arbitrariamente boa se escolhermos um número suficiente de pontos ci . Seja X o conjunto dos comprimentos de todas as linhas poligonais assim obtidas. Se X tiver majorantes, definimos o comprimento da curva como sendo o supremo de X. Caso contrário dizemos que o comprimento da curva é infinito. De maneira completamente análoga podemos definir minorante dum conjunto X como um número que é menor ou igual a todos os elementos de X. Chamamos ı́nfimo de X ao maior dos minorantes. 3 2. Sucessões Uma sucessão é simplesmente uma lista infinita de números escrita numa determinada ordem: x0 , x1 , x2 , x3 , . . . , xn , . . . Mais rigorosamente, uma sucessão é uma regra que associa a cada n ∈ N um real xn ∈ R. Uma sucessão pode ser dada por uma fórmula: xn = 2n xn = n! xn = 1 n xn = n X k3 k=0 ou pode ser definida por recorrência: ( 1 2 x0 = xn+1 = 1 2+xn ou pode ainda ser descrita por palavras: • • • • (xn ) xn é xn é xn é x0 = 0 x1 = 1 xn+2 = xn + xn+1 é a sucessão dos números primos ordenada por ordem crescente a temperatura média em Lisboa em Janeiro do ano n o dı́gito de ordem n na expansão decimal de π a dı́zima que representa π truncada para n casas decimais Neste último exemplo, cada valor xn é uma aproximação de π. De facto, podemos tornar a diferença π − xn arbitrariamente pequena se tomarmos n suficientemente grande. A esta ideia intuitiva corresponde a noção de limite duma sucessão. Antes de darmos a definição de limite vamos ver um exemplo: Exemplo. Seja xn = n1 . Então podemos tornar n1 arbitrariamente próximo de zero tomando n suficientemente grande. Mais concretamente, vamos supor que queremos um erro inferior a 0.003. Que valores de n deveremos escolher? Queremos 1 = 333.3333 . . .. Assim, podemos escolher que n1 < 0.003, ou seja, que n > 0.003 n = 334 mas qualquer número superior a 334 também funciona. Neste exemplo “suficientemente grande” significa maior que 334. Definição: Dizemos que um número a ∈ R é limite duma sucessão (xn ) se para qualquer δ > 0, o erro |xn − a| for menor que δ para todo o n suficientemente grande. Ou seja, ∀ ∃ se n > N então |xn − a| < δ δ>0 N ∈N Na linguagem das vizinhanças, a é limite da sucessão xn sse para todo o δ > 0, xn ∈ Vδ (a) para todo o n suficientemente grande. Exemplo. Voltando à sucessão xn = n1 , vamos ver que 0 é limite desta sucessão. Dado um δ > 0, queremos mostrar que | n1 − 0| = n1 < δ para todo o n suficientemente grande. Tomamos N ∈ N tal que N > 1δ . Então, para todo o n > N , necessariamente n > 1δ logo n1 < δ. 4 n Exemplo. Vamos ver que 1 é limite da sucessão xn = n+1 . Queremos ver que, para n todo o δ > 0, n+1 − 1 < δ para todo o n suficientemente grande. Ora n n − (n + 1) 1 = − 1 n + 1 n+1 = n+1 1 < δ. Resolvendo, obtemos n > portanto queremos ver para que valores de n n+1 1 1 − 1. Logo, < δ para todo o n suficientemente grande. δ n+1 Proposição. Uma sucessão tem no máximo um limite. Demonstração. Vamos provar por absurdo, ou seja, vamos supor que a afirmação é falsa. Sejam a1 , a2 dois limites de (xn ). Tomemos vizinhanças disjuntas V1 , V2 de a1 e a2 respectivamente. Mas então para n suficientemente grande xn terá que estar em ambas as vizinhanças. Mais concretamente, existem N1 , N2 ∈ N tais que n > N1 ⇒ xn ∈ V1 e n > N2 ⇒ xn ∈ V2 pelo que xn ∈ V1 ∩ V2 se n > max{N1 , N2 }. Mas isto é uma contradição porque V1 ∩ V2 é vazio. Portanto (xn ) não pode ter mais que um limite. Proposição. Sejam xn , x̃n sucessões com limites a e ã respectivamente. Se para todo o n xn ≤ x̃n , então a ≤ ã. Demonstração. Vamos supor que o resultado é falso, ou seja, vamos supor que xn ≤ x̃n para todo o n mas a > ã. Tomemos vizinhanças V, Ṽ disjuntas de a e ã respectivamente. Então, para n suficientemente grande xn ∈ V e x̃n ∈ Ṽ o que implica que xn > x̃n . Chegámos pois a uma contradição.