® BuscaLegis.ccj.ufsc.Br Direito Processual do Trabalho: Origem e Evolução no Brasil Alessandra Nóbrega Leite de A. Lima* A justiça trabalhista no Brasil passou por três fases: a primeira de tentativas isoladas; a segunda de implantação; e a terceira de consolidação. PRIMEIRA FASE: TENTATIVAS ISOLADAS A primeira fase, a de tentativas isoladas, vai até a Revolução de 30. O poder de dizer o direito acerca das relações de trabalho competiu, em sua fase embrionária, à magistratura ordinária. Leis de 1830, 1837 e 1842 atribuíam à justiça comum o julgamento das causas derivantes dos contratos de locação de serviço. Em 1907, tentou-se implantar aquele que teria sido o primeiro órgão de características trabalhistas no Brasil, mas que na prática nem chegou a ser instalado. Foi então que a Lei nº 1.637, de 05/11/1907 criou os Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem, de composição mista, paritária e cujo processo seria estipulado pelo regimento interno dos conselhos. Em 1911 criou-se, em São Paulo, o Patronato Agrícola, órgão subordinado à Secretaria da Agricultura daquele Estado. Sua competência precípua era resolver dúvidas entre patrões e colonos, orientando-os. Em 1922, apareceram os Tribunais Rurais de São Paulo, considerados os primeiros no Brasil pelo sistema paritário. Cada tribunal era presidido pelo juiz de direito da comarca e compunha-se de um representante dos fazendeiros e um dos colonos. A competência desses tribunais era para interpretação e execução dos contratos agrícolas; a alçada era até 500 mil réis; a postulação era sem custas e pretendia-se adotar forma processual simples e direta, uma vez que já se reclamava da morosidade e do formalismo da justiça comum. Houve também tentativas de criação ou reformulação de órgãos de fiscalização do trabalho antes da Revolução de 30, o que, todavia, não alcançou resultados satisfatórios. Em 1917, o primeiro projeto brasileiro de um código do trabalho teve apenas um capítulo aproveitado posteriormente na nossa primeira lei de acidente do trabalho (Dec. Nº 3.724, de 15.01.1919). Em 1923, criou-se o Conselho Nacional do Trabalho, órgão consultivo dos poderes públicos nas áreas trabalhista e previdenciária. Em 1934, tal órgão viria adquirir feições jurisdicionais. Registre-se, por fim, que na referida quadra da nossa história republicana não havia, ainda, clima para assimilação de tribunais, órgãos de fiscalização ou leis de caráter trabalhista. Estávamos sob o império de uma Constituição ultraliberal, num país de economia eminentemente rural e possuidora de mentalidade civilista, de modo que as novas idéias intervencionistas que já estavam agitando a Europa eram simplesmente desconhecidas ou sumariamente rejeitadas. SEGUNDA FASE: DE IMPLANTAÇÃO A segunda fase, de implantação, trata da implantação, no Brasil, da legislação trabalhista propriamente dita, tendo a respectiva jurisdição (especial) aparecido como conseqüência natural. Dois principais fatores influenciaram tal evento, o primeiro de caráter externo, representado pelo influxo das novas idéias sociais provindas da Europa recém-saída do primeiro grande conflito mundial deste século: idéias socialistas, movimentos operários e mesmo notícias do aparecimento de novo ramo social do direito, tudo isso num contexto de idéias intervencionistas; o segundo de natureza interna, consubstanciada em movimentos revolucionários sob a liderança de idealistas civis e jovens militares, no sentido da derrocada da República velha, assim considerada menos pela idade que pelo arcaísmo de práticas e costumes viciados, alicerçados em oligarquias da política tradicional. Esses movimentos, sobretudo de jovens idealistas, desaguaram na Revolução de 30 que, instalando o denominado Governo Provisório, cuidou logo de modernizar a legislação brasileira, incluindo-se a implantação de uma legislação laboral a nível dos modelos europeus da época. O ponto de partida para a renovação da legislação social foi a criação, no mesmo ano, do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Com a nomeação de Lindolfo Collor como o seu primeiro ministro, este cercou-se de uma pleide de escritores e líderes comprometidos com a causa social, tais como Joaquim Pimenta, Evaristo Moraes, Américo Palha, Agripino Nazareth, Deodato Mais, Carlos Cavaco e Oliveira Viana. Esta equipe não descansou e, até a promulgação da Constituição Federal de 1934, realizou nova e verdadeira estruturação legal para o direito laboral. Aquela Constituição, afastando-se das idéias puramente liberais, ingressou no novo modelo social democrático inspirado nas Constituições do México de 1917 e de Weimar de 1919. A partir de então, começaram a surgir os primeiros órgãos jurisdicionais do trabalho, de natureza administrativa, com poderes reduzidos, quais sejam: Comissões Mistas de Conciliação, Juntas de Conciliação e Julgamento, Conselho Nacional do Trabalho e Conselhos Regionais do Trabalho. As Comissões Mistas de Conciliação (Dec. Nº 21.396, de 12.5.1932) foram criadas para dirimir dissídios coletivos. Eram de natureza conciliatória e arbitral. As decisões jurisdicionais propriamente ditas ficavam a cargo do ministro do trabalho que, assim, cumulava funções administrativas e jurisdicionais, no que, afinal, era muito criticado. O procedimento era simples: proposta a conciliação às partes e, se estas não a aceitassem nem concordassem (ambas ou uma delas) que o feito fosse submetido à arbitragem, o processo era encaminhado ao ministério para decisão. O ministro, conhecendo os motivos da recusa das partes, poderia nomear uma comissão especial para o fim de elaborar laudo a respeito do processo, para os devidos fins de solução do caso. A composição das comissões mistas era paritária; eram elas organizadas onde houvesse sindicatos de ambas as categorias (econômica e profissional) e eram presididas por órgãos independentes (magistrados, advogados ou funcionários públicos). Tais comissões apareceram em decorrência da assimilação das convenções coletivas, fato também recente naquela época. Entretanto, os novos tribunais de conciliação foram artificiais, funcionando esporadicamente, pois eram raros os conflitos coletivos na época. As Juntas de Conciliação e Julgamento – instituídas pelo Decreto nº 22.132, de 25.11.1932 e modificadas pelo Decreto nº 24.742, de 14.7.1934, tiveram o mérito de inaugurarem o modelo da célula básica da nossa jurisdição laboral. Não obstante tenham nascido castradas de algumas prerrogativas jurisdicionais, elas instituíram o modelo da instância primária e básica do nosso sistema trabalhista: colegiado tripartite, representação paritária e procedimento especial. Cada Junta era composta por um presidente nomeado pelo titular do MTIC e por dois vogais, representantes das classes patronal e laboral, escolhidos mediante lista de 20 nomes enviados pelos sindicatos ao Departamento Nacional do Trabalho (DF) e às Inspetorias Regionais do Trabalho (Estados). A competência era para os dissídios individuais; embora a lei estabelecesse instância única trabalhista, na prática isso não ocorria, pois o ministro do trabalho tinha a prerrogativa de avocar processos, inclusive a requerimento do interessado, no prazo de 6 meses, nos casos de parcialidade dos julgadores ou de violação d direito. Quanto ao procedimento, as reclamações poderiam ser apresentadas diretamente pelos interessados (ou por seus representantes) aos procuradores do Departamento Nacional do Trabalho ou às inspetorias regionais; introduziu-se a notificação postal como regra, além da notificação por edital (ou por via policial); as partes deviam comparecer pessoalmente, sob pena de revelia, à audiência, com as provas que pretendessem produzir, inclusive testemunhais; os empregadores podiam ser representados por seus gerentes ou administradores; a natureza do processo era inquisitória, podendo o presidente da Junta determinar as provas necessárias ao esclarecimento dos fatos; finda a instrução, propunhase conciliação às partes e, se não aceita, partia-se para a sentença: colhidos os votos dos vogais pelo presidente, competia a este a elaboração da sentença. Alguns aspectos que deviam e foram inovados posteriormente: somente trabalhadores sindicalizados poderiam reclamar nas JCJs; as execuções de sentença eram realizadas pela justiça comum, inclusive com competência para modificar o julgado nessa fase executória; a pena contra reclamações temerárias era a perda do direito de ação pelo prazo de 2 anos. Com a organização da Justiça do trabalho em 1941 (vigência do decreto nº 1.237/39), as JCJs adquiriram o poder de executar as suas próprias decisões e já não havia mais a discriminação contra os trabalhadores não sindicalizados, que poderiam ajuizar as suas reclamações regularmente. Os juízes de direito receberam a incumbência de processar e julgar as reclamações trabalhistas nas comarcas em que não havia juntas trabalhistas. O Conselho Nacional do Trabalho, instituído em 1923 (Decreto nº 16.027, de 30.04), sofreu transformações posteriores. Pelo Decreto n. 24.784, de 14.7.1934, o órgão passou a ter função administrativa, consultiva e deliberativa, além de atuar no âmbito trabalhista e previdenciário. Recebeu competência, como órgão arbitral de instância única, para algumas questões consideradas mais importantes, tais como: dissídios sobre estabilidade no emprego, dispensas de empregados estáveis (autorização), recebendo inquéritos judiciais para essa finalidade (competência esta transferida para as JCJs pelo Decreto-lei nº 39 de 3.12.37); questões previdenciárias envolvendo caixas de pensões. Pelo referido decreto de 1937, foi subdividido em 3 câmaras especializadas e o seu pleno passou a exercer funções consultivas e de tribunal de embargos. O CNT começava a despontar como órgão de segunda instância mas sofria concorrência do ministro do trabalho que continuava com algumas funções de natureza judicante, tais como avocar processos às JCJs para fins de julgamento e dirimir dissídios coletivos não conciliados pelas comissões mistas. O CNT era considerado, porém, órgão de cúpula da jurisdição trabalhista, até que se instituiu a estrutura atual com a criação do Tribunal Superior do Trabalho. Inspirados ao que tudo indica na necessidade de descentralizar e ampliar as funções do CNT, constava da organização da Justiça do Trabalho os Conselhos Regionais do Trabalho, também de formação paritária: cada conselho compunha-se de um presidente nomeado pelo MTIC, que deveria ser um jurista especializado em legislação social; de 2 representantes classistas indicados pelas organizações sindicais; e de 2 membros independentes, alheios aos interesses das classes representadas e que deveriam ser especialistas em questões econômicas e sociais, sendo nomeados pelo Presidente da República. Os participantes como membros tinham mandato de 2 anos e recebiam uma gratificação para cada seção, até 12 mensalmente. A competência dos conselhos era de dupla natureza: recursal, para as decisões oriundas das JCJs; e originária, para os dissídios coletivos, além da competência para os inquéritos judiciais para o fim de apuração de falta grave. Os conselhos eram em número de 08, sediados nas principais capitais e, assim, tinham jurisdição em mais de um Estado da federação. Organizou-se também a Procuradoria da Justiça do Trabalho, funcionando junto ao CNT, e as Procuradorias Regionais, junto aos Conselhos Regionais do Trabalho, com atribuições para oficiar nos respectivos processos e requerer medidas geralmente de interesse público. TERCEIRA FASE: DE CONSOLIDAÇÃO Esta classificação dos períodos por que passou a jurisdição laboral é meramente didática. O ciclo ainda não se completou, pois sempre se busca algo novo a fim de atender às exigências hodiernas e resolver os problemas que se vão sucedendo, decorrência inexorável das mutações e pressões sociais. A Consolidação das Leis do Trabalho, sem embargos das suas falhas naturais, estabeleceu importante marco na evolução da legislação laboral no Brasil. Pela portaria nº 791, de 29.1.1942, o então Ministro do Trabalho Marcondes Filho nomeava comissão de laboralistas para estruturar a legislação trabalhista. A comissão denominou seu trabalho de consolidação, não obstante houvesse, à época, outros dois entendimentos como código (Cesarino Jr.) e nem uma coisa nem outra (Orlando Gomes). A comissão, no entanto, justificou sua escolha, dizendo que entre a mera coleção de leis e o código existe a consolidação, que coordena textos legislativos e princípios. Do ponto de vista técnico, entretanto, havia controvérsias como, por exemplo, as afirmações da terceira corrente (Orlando Gomes) de que não se tratava de consolidação, pois inovava, alterando a legislação vigente; mas também não era código, pois para isso lhe faltava estrutura lógica, sistema e coerência, com repetição, contradições, omissões, regulamentarismo. Terminado o trabalho da comissão, foi aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho pelo Decreto- lei nº 5.452, de 1º.5.1943. A CLT mantém a sua estrutura original com 11 títulos subdivididos em capítulos e estes em seções. O seu Capítulo VIII – Da Justiça do Trabalho, trata das juntas e tribunais em todos os seus níveis, da estrutura dos seus órgãos e funções; o Título IX – Do Ministério Público do Trabalho; e o Título X – Do Processo Judiciário do Trabalho, em que são tratadas as normas processuais do trabalho em geral, a partir da postulação, passando pela instrução e a sentença, incluindo-se os recursos e a execução trabalhista. A CLT estabelece a subsidiariedade do direito processual comum para os casos omissos (art. 769), exceto naquilo em que for incompatível com as normas do processo judiciário do trabalho. Em face da intensificação da legislação nas últimas décadas há um fenômeno moderno a que não escapou: há leis esparsas regulando determinadas matérias trabalhistas, as quais são insertas, pelas editoras, nas sucessivas edições da CLT, para facilitar as consultas. *Estudante do 10 período de direito [email protected] Disponível em: < http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=649&idAreaSel=8&seeArt=ye s >. Acesso em: 04 out. 2007.