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Hydro • Abril 2012
Especial
Reúso na indústria têxtil
e lavanderias
Letícia Passos Resende, da Redação da Hydro
A
A escassez de recursos
hídricos e a cobrança
pelo uso da água têm
estimulado a prática de
reúso nas indústrias têxteis
e lavanderias. Embora o
efluente gerado nessas
instalações seja de alta
complexidade, tecnologias
adequadas de tratamento
possibilitam o retorno
da água consumida ao
processo, com diversos
benefícios econômicos
e ambientais.
s indústrias têxteis e as lavanderias têm a água como um de
seus principais insumos, utilizada em
grandes volumes. Estima-se que, para
produzir 1 kg de tecido, sejam necessários 80 L de água.
Com a tendência de crescimento
das duas atividades, a captação também deverá aumentar. Pesquisa da
Abit – Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção apontou alta
de 16,5% ao ano, em média, entre
2006 e 2010. Segundo a entidade,
existem hoje no país 23 empresas
de fibras, 4725 indústrias têxteis e
26 176 confecções. Já o último levantamento da Anel – Associação Nacional
das Empresas de Lavanderia, de 2009,
mostrou faturamento anual de mais
de R$ 2,5 bilhões e previsão de 25%
de crescimento para os cinco anos seguintes. Como não é possível eliminar
o uso da água na cadeia produtiva,
muitas empresas estão investindo em
estações de tratamento com finalidade
de reúso.
Nos processos das indústrias têxteis
e lavanderias, grande parte da água consumida não é incorporada ao produto
final e cerca de 80% se torna efluente altamente heterogêneo e poluente.
As têxteis geram em média 50 m³ de
resíduos por hora na produção de
4,25 milhões de metros de tecido em
um mês. Esse número pode alcançar
300 m³ por hora em uma empresa
de grande porte, para fabricar 8,5 milhões de metros de tecidos no mesmo
período. Já uma lavanderia de jeans,
por exemplo, consome de 50 mil a
300 mil litros de água em 30 dias. Se
considerarmos que há 6200 lavanderias no país, pode-se calcular o impacto
ambiental que elas representam.
No Brasil não há leis ou resoluções
que determinem a prática de reúso na
indústria, contudo, existe a obrigatoriedade de tratamento antes do descarte,
prevista na Resolução 430/2011 do
Conama – Conselho Nacional do Meio
Ambiente, que estabelece os parâmetros de qualidade para lançamento do
efluente em corpos receptores. Há
também a Lei Ambiental 9605/1998,
que dispõe sobre as sanções penais
e administrativas aos responsáveis por
atividades prejudiciais ao meio ambiente. A iminente escassez de recursos hídricos e a adoção de cobrança
pelo uso da água (Lei 9433/97 - Política Nacional de Recursos Hídricos),
no entanto, têm estimulado a prática
de reciclagem de água para usos não
potáveis e em processos industriais.
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Abit
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A indústria têxtil consome até 80 L de água para produzir 1 kg de tecido
Sem a remoção de sais, é possível
reduzir a captação entre 50% e 60%.
Com tecnologias de polimento final
da água, quase 100% do efluente poderia voltar ao processo fabril.
No geral, a água utilizada na indústria têxtil e lavanderias precisa apresentar pH próximo ao neutro, não
conter substâncias que possam provocar espuma, manchas ou prejudicar
o beneficiamento, como ferro, manganês, magnésio e cloro, além de evitar
danos nas tubulações e máquinas.
De acordo com Joana Leão, coordenadora de projetos da UmWelt, empresa de biotecnologia ambiental de
Blumenau, SC, com clientes como a
Karsten, a Hering e a Fiobrás, desde
que os resíduos tratados atendam às
exigências de qualidade, a água de
reúso pode ser destinada a qualquer
atividade das empresas. Outras aplicações são em torres de resfriamento, irrigação de jardins, descarga de bacias
sanitárias, lavagem de pisos, sistema
de combate a incêndio e para caldeira.
Características do efluente
As características comuns dos
efluentes da indústria têxtil e de lavanderias são a difícil degradabilidade, a
alta carga de DBO e DQO, o pH alcalino e a diversidade de contaminantes.
Os resíduos líquidos têxteis dependem do tipo de fibra processada e da
tecnologia aplicada no processo fabril.
Em particular, essas empresas têm de
lidar com óleos, graxas, altas temperaturas e corantes.
A característica da cor varia com o
tipo de produção industrial e o tipo de
pigmento usado. “Acredita-se que existam cerca de 2 mil tipos de corantes
disponíveis para o setor. No entanto,
esse número pode ser muito maior”, diz
o professor do Departamento de Saneamento e Ambiente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo,
José Roberto Guimarães, da Unicamp
– Universidade Estadual de Campinas.
Os de remoção mais simples são
os orgânicos, como clorofila, urucum
e açafrão. Os sintéticos têm cadeias
mais longas e, por isso, não se degradam com facilidade.
Segundo ele, também são usados
vários produtos auxiliares, como detergentes, amaciantes, sal, barrilha, permanganato de potássio, peróxido de
hidrogênio, antioxidantes, enzimas e
ácidos. “Muitos deles estão presentes
em altas concentrações, resultando
em efluentes de difícil tratamento”, diz
Guimarães, que possui diversas pesquisas na área de química sanitária e
ambiental e no tratamento de efluentes potencialmente tóxicos.
Nas lavanderias que realizam operações de desengomagem, estonagem
e tingimento em roupas novas, por
exemplo, as características dos efluentes são semelhantes às dos têxteis.
O pH é alcalino, há presença de sabões
e detergentes sintéticos, carga orgânica,
fibras de tecido, sujidades e corantes.
Já nas empresas que realizam apenas
a lavagem de roupas e uniformes industriais, por exemplo, o efluente é
contaminado por sabões, detergentes
sintéticos, alvejantes, removedores de
manchas, amaciantes e outros produtos químicos que conferem ecotoxicidade e carga orgânica ao efluente.
Tratamento
O diretor da empresa de engenharia e gerenciamento de obras MFS,
de São Paulo, Marco Minerbo, define
como incalculáveis os prejuízos ao
meio ambiente causados pelo descarte sem tratamento adequado. “Os
resultados são graves problemas estéticos, eutrofização, baixa degradabilidade do corpo aquático e, como consequência, elevadas taxas de toxicidade crônica e aguda do corpo hídrico”.
Contudo, para ele, atualmente é
mais vantajoso reutilizar água tratada a
descartá-la. “Além do compromisso com
o ambiente, se a fábrica construir sua estação ‘do zero’, é mais interessante que
seja para reúso, pois não sabemos se
a legislação sobre a cobrança pela captação se tornará mais rígida no futuro”.
A MFS presta consultoria na área
de engenharia há 20 anos. No final de
2010 instalou, em Blumenau, SC, um
sistema de pré-tratamento e osmose
reversa com capacidade de tratamento de 100 m³/h para uma grande confecção brasileira.
O que determina a tecnologia de
reúso a ser adotada é o fim planejado
para a água e a qualidade do efluente.
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Para Joana, da UmWelt, “é importante lembrar que as máquinas e
os processos exigem determinado
tipo de água, que não provoque
danos físicos ou químicos às tubulações, ou às peças de equipamentos, nem prejudique a qualidade do produto final”. Segundo O uso de membranas resulta em maior qualidade
ela, a água terá de ser descartada da água de reúso
para a ETE após alguns ciclos. Não
sidade de testes em escala industrial
há legislação específica que determine
poderiam comprometer a eficácia do
a qualidade final da água de reúso para
tratamento. “Poucos são os trabalhos
a indústria têxtil, mas existem referêncom resultados notáveis envolvendo
cias de limites de tolerância e restrições
efluentes reais e em grande escala”, diz.
para a água utilizada nesse processo.
Nas indústrias brasileiras, o sistema
Os custos das tecnologias empregade tratamento mais utilizado é o de
das para reúso podem ser equivalenlodos ativados com aeração prolongates ou, em alguns casos, superiores,
da, seguido de etapa físico-química.
como o sistema de MBR – biorreator
O professor do Departamento de Ena membrana. Entretanto, a relação cusgenharia Química, da UFSC – Univerto/benefício do novo sistema pode ser
sidade Federal de Santa Catarina, Anmais vantajosa. A economia depende
tônio Augusto Ulson de Souza, explica
da região onde a fábrica está instalada,
que esse tipo de processo prepara a
do custo local de captação e de deságua para ser descartada de acordo
pejo, da disponibilidade do insumo, da
com os parâmetros definidos pelo
legislação, dentre outros fatores. “MuiConama. Para reúso, no entanto, são
tas indústrias enfrentam períodos de
necessárias outras etapas.
estiagem durante o ano. Já houve ca“Como o efluente é heterogêneo, o
sos em que a produção parou de dois
que geralmente acontece nas estações
a três dias por falta de água. O custo
é a mistura dos diferentes efluentes, e
para manter uma fábrica durante esse
às vezes até o esgoto sanitário, em um
período sem produzir é, sem dúvida,
tanque de equalização”, explica Souza.
muito alto. No Estado de São Paulo, por
Quando as propriedades se homogeiexemplo, pode-se atingir economia de
nizam, o pH está neutro e a tempeaté 65% com o reúso”, afirma Joana.
ratura menor, o líquido segue para a
De acordo com o professor José
etapa biológica. Nessa fase acontece a
Roberto, da Unicamp, as pesquisas
degradação da matéria orgânica e dos
mais recentes envolvendo efluentes têxagentes tensoativos, como sabão, deteis têm sido realizadas com processos
tergente e amaciante. Após esse prooxidativos avançados e membranas.
cedimento, a carga orgânica já está re“Muitas vezes, conjugados com outros
duzida, mas pode haver resquícios de
processos, principalmente ozonização
corantes resistentes. A próxima etapa é
como tratamento terciário para remoo tratamento físico-químico. “O efluenção de cor”.
te já está praticamente adequado aos
Para ele, contudo, os estudos enparâmetros de descarte, faltando apevolvem um único tipo de composto
nas um polimento para remover espuem escala laboratorial. A heterogeneima, algum resquício de cor, sais, etc”.
dade desse tipo de resíduo e a neces-
Huber Technology
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Vantagens e desvantagens dos principais tipos de tratamento de efluentes têxteis e
de lavanderias
Especial
Tipo de tratamento Vantagens
Consumo de água na indústria têxtil (m³/tonelada de produto)
Processo produtivo
Volume
Preparação e fiação de fibras têxteis
10 a 100
Tecelagem sem tinturaria
10 a 30
Tecelagem com tinturaria
20 a 300
Acabamento em fios, tecidos e artefatos têxteis
60 a 200
· Remoção entre 75% e 90% de DBO
· Remoção de cor
· Baixo consumo de energia
· Baixo custo de implantação
· Atende às exigências legais para
descarte em mananciais e rede de
esgoto
· Grande variação na qualidade
do efluente produzido
· Difícil automação
· Pode liberar odores
· Pode apresentar problemas de
sedimentação do lodo secundário
· Necessita de pós-tratamento e
desinfecção para o reúso
MBR
· Qualidade de efluente final
homogênea, com 85% a 95% de
remoção de DBO5,20
· Mais eficiente na redução de cor
· Não libera mau odor
· Atende às necessidades de reúso em
termos de parâmetros orgânicos
e patogênicos
· Ocupa menos espaço
· Elimina a necessidade de decantador
secundário
· Dispensa a recirculação de lodo
· Facilidade de automação
· Mais tolerante a variações da
qualidade do efluente de entrada
no sistema
· Maior custo de implantação em
relação ao lodo ativado
· Maior consumo de energia
· Necessidade de procedimentos
operacionais diferentes do
convencional, como limpeza
química da membrana
· Não há fabricante nacional do
cassete de membranas
Ozonização
· Eficiência na remoção de cor e
matéria orgânica
· Alto custo
Neotex
Fonte: Sinditêxtil – Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em Geral
O MBR tem taxas de oxidação cinco vezes maior que o sistema de
lodo ativado
Para isso, o mais comum é o uso de
membranas de ultra ou nanofiltração
e osmose reversa. “O sal pode causar
problema no banho de tingimento e
mudar a tonalidade porque ajuda a
fixar a cor”, explica. Outros elementos
que devem ser retirados são o ferro,
para evitar desgaste do tecido durante
o alvejamento, e os compostos de enxofre, que causam odor. Corantes ópti-
Desvantagens
Lodo ativado
Fontes: Ivanildo Hespanhol (Cirra) e José Roberto Guimarães (Unicamp)
cos, usados em branqueamento, também devem ser retirados da água que
será usada na etapa de tingimento.
Os sistemas MBR têm taxa de oxidação cinco vezes maior que as lagoas de lodo ativado e removem até
90% da cor, de acordo com Eduardo
Conchon, diretor da Neotex, empresa
de São Paulo, especializada em consultoria, projetos e serviços dedicados
à operação de estações de tratamento
de água e efluentes industriais.
“O efluente tratado com membranas
sai praticamente estéril, sem patógenos,
sem cor”, diz Marco Aurélio Silva, diretor
da Huber Technology, empresa alemã
com escritório em São Paulo desde
2011.
A Neotex tem instalado um sistema
de MBR, com membranas Huber, há
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Requisitos de qualidade de água para uso na indústria têxtil. Fonte:
Fiesp/Ciesp
Parâmetros
Cor CaCO3 Ferro Manganês
pH
SDT
Sólidos
(UH) (mg/L) (mg/L) (mg/L)
(mg/L) suspensos
(mg/L)
Engomagem
5
25
0,3
0,05
6,5-10 100
5
Lavagem
5
25
0,1
0,01
3,0-10,5 100
5
Branqueamento 5
25
0,1
0,01
2,0-10,5 100
5
Tingimento
5
25
0,1
0,01
3,5-10 100
5
dois anos na fábrica da
Coteminas de Montes
Claros, MG, com capacidade para tratar
150 m³ de efluente
por hora. Outra estação será montada
para a mesma empresa em João Pessoa, PA, com vazão de 300 m³/h. Há
cinco meses instalaram o MBR da Canatiba, de São Paulo e, até o final deste
ano, a planta da Cedro em Sete Lagoas, MG, dará a partida em uma estação
para tratar 150 m³ de efluente por hora.
O MBR também foi o sistema escolhido por um grande hotel da praia
de Copacabana, no Rio de Janeiro,
após um estudo de concepção e avaliação econômica de reúso da água da
lavanderia.
De acordo com o professor Ivanildo Hespanhol, pesquisador do Cirra
– Centro Internacional de Referência
em Reúso de Água, responsável pelo
estudo, a lavanderia existente não tem
capacidade para atender à demanda
total, por isso, conta com serviços de
terceiros. “Os administradores do hotel decidiram avaliar a possibilidade
de ampliar a lavanderia e investir em
reúso para reduzir custos e diminuir a
produção de efluentes”, diz.
A primeira parte do estudo, realizado
em 2010, consistiu em medir o consumo atual de água (total e por tipo de
roupa) e o consumo projetado em função da expansão da lavanderia do hotel.
A segunda, foi avaliar as características
operacionais das máquinas de lavagem
e caracterizar a qualidade dos efluen-
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tes, verificando parâmetros como
SDT – sólidos dissolvidos totais e
dureza.
O resultado das análises mostrou que mais de 50% dos poluentes tinha origem orgânica, por
isso, os processos biológicos, como o
de lodo ativado ou MBR, são os mais
adequados para o tratamento. Optou-se
por um sistema de MBR com nanofiltração, que retira 90% dos sais bivalentes
associados à dureza.
“Esta foi a melhor escolha para o
hotel, pois a estação ocupa uma área
menor, não forma odores, permite
automação e tem um período de retorno do investimento de dois anos.
Além disso, proporciona uma taxa
de reúso de 70% do efluente”, diz
Hespanhol. A execução do projeto
está inclusa no orçamento do hotel
para execução ainda em 2012.
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