GESTÃO AMBIENTAL Ciclo de Vida da Água As tecnologias consagradas para tratamento de água Raymundo André Quezada Doria(1) e Carla Valdetaro Pierre(2) A s tecnologias de tratamento de água para abastecimento de indústrias de alimentos são bastante consagradas pois a necessidade de água de boa qualidade é uma realidade que interfere diretamente na qualidade do produto final, daí seu desenvolvimento ter ocorrido junto com o desenvolvimento da indústria alimentícia. Essa tipologia industrial é caracterizada pelo uso intensivo de água. A maioria das indústrias de alimento utilizam água 28 no processo de produção (cozimento, lavagem, limpeza, higienização, dentre outras etapas), para incorporação ao produto, ou ambos. Por isso essas empresas são conhecidas como indústrias úmidas. Quando falamos de indústrias com uso muito intensivo de água na elaboração do produto, como é o caso da indústria de bebidas, a qualidade da água pode ser fundamental para a viabilidade do produto. Por isto o seu tratamento é tão seriamente considerado. A primeira variável a influenciar essa qualidade e o tipo de tratamento é a fonte de abastecimento. De maneira geral, as fontes mais comuns são: A rede pública, cuja água já vem tratada para a indústria, necessitando, em alguns casos, apenas uma melhoria nas suas condições, como: ajuste em termos de filtração e retirada do cloro, quando este é problema para o processo em questão; BRASIL ALIMENTOS - nº 16 - Setembro/Outubro de 2002 GESTÃO AMBIENTAL Águas de subsolo (poços), que têm sua qualidade fortemente relacionada com o tipo de solo da região e que, quando a qualidade apresenta algum componente indesejável ao uso no processo, precisa de correção, como ajuste de pH, retirada de dureza, ou de qualquer elemento químico carreado do solo. Finalmente, a captação de águas superficiais, que é aquela que exige maiores cuidados no tratamento, pois essas Aquário experimental com diversas plantas aquáticas águas estão normalmente mais carregadas de materiais dissolvidos e em ser feita com um grande número de prosuspensão, já que os rios e lagos têm dutos disponíveis no mercado, variando maiores fontes de aporte de matéria, so- de acordo com as características da água bretudo em regiões que recebam efluen- a ser tratada e os resultados desejados (nível de exigência do tratamento). Os tes domésticos e industriais. De modo geral, o tratamento de águas flocos formados nesse processo podem para uso em indústrias alimentícias pas- flutuar e ser retirados na superfície do tanque de tratamento ou afundar, sendo sa pelos seguintes processos: Floculação química para retirada de separáveis em um decantador. Após o processo de floculação a água materiais em suspensão e seqüestro de materiais solúveis. Essa floculação pode será tratada por processos que a condi- BRASIL ALIMENTOS - nº 16 - Setembro/Outubro de 2002 cionem ao seu uso específico. A água pode ser filtrada em filtros de areia (mais grosseiros) e em seguida em filtros de celulose (com poros menores) e após isso desinfetada com cloro. Para certos usos o cloro é indesejável, sendo às vezes necessário realizar a cloração para limpar a água e, em seguida, fazer a decloração para ter água limpa e sem cloro. O processo mais comum de decloração é a passagem por um filtro de carvão ativado. Após o uso no processo, a água residuária passa a integrar o efluente da indústria e precisa, antes de poder ser lançada no ambiente, geralmente um rio, lago ou praia, de um tratamento para evitar impactos ambientais e danos potenciais à natureza e à saúde humana. Ao falarmos de tratamento de efluentes, é conveniente lembrar que toda geração de resíduo e emissão em uma indústria provém de alguma ineficiência, ou seja, poluição é desperdício de algum 29 GESTÃO AMBIENTAL insumo, quer de matéria prima, quer da água ou energia. Em alguns casos, a produção está o mais aperfeiçoada possível, dentro das tecnologias limpas de produção, e teremos que tratar algo que foi totalmente impossível de evitar a geração, mas a maioria das indústrias brasileiras precisa de ajustes na produção, para que toda a geração de emissões passível de ser evitada, não vá sobrecarregar o sistema de tratamento de Peixes de diversas espécies vivendo em efluente tratado efluentes projetado. Esta atitude permite uma significativa economia ralmente um tratamento Biológico. Esse de recursos e uma vida útil maior à esta- tratamento é utilizado para remoção de mação de Tratamento de Efluentes Indus- terial coloidal, cor e turbidez, odor, ácitriais (ETEI) projetada. dos, álcalis, óleos e gorduras. Os procesAo pensar em projetar uma ETEI deve- sos de tratamento primário irão variar de mos realizar uma série de estudos com o acordo com a indústria na qual será instaobjetivo de escolher, entre diversos sis- lado o sistema. temas, a melhor opção de tratamento, de Algumas vezes, porém, esta etapa seracordo com os seguintes critérios: alta efi- ve como meio de recuperação de matéria ciência de remoção da carga poluente; prima que esteja se perdendo via efluárea disponível; custo de implantação; ente, ou de algum subproduto do procusto de operação (mão de obra, produ- cesso industrial que possa ser aproveitos químicos, energia elétrica); custo de tado. Por exemplo, óleos vegetais retimanutenção (equipamentos e instala- rados do efluente de uma fábrica de marções); segurança operacional. garina podem ser re-refinados para volExistem diversas maneiras de se clas- tar como matéria prima, causando redusificar os processos de tratamento de ção no custo de produção. Há casos, enefluentes. A mais simples é a classifica- tretanto, em que o efluente pode ser tração em função da eficiência na remoção tado diretamente por um sistema biolóde sólidos em suspensão e DBO (Deman- gico, não necessitando desta fase. da Bioquímica de Oxigênio), que divide Após o tratamento primário, o efluos processos em: Pré-Tratamento, Trata- ente pode ser tratado através de uma mento Primário, Tratamento Secundário, grande variedade de processos. chamaTratamento Terciário. dos de tratamentos secundários, pois leEsta classificação se aplica à efici- vam o efluente a um nível de remoção ência da remoção de poluentes da fase de poluentes mais avançado. Eles podem líquida do efluente, entretanto vários subprodutos sólidos ou semi-sólidos são gerados durante as operações unitárias de remoção, sendo, por isto, necessário considerar as operações de tratamento e condicionamento da fase sólida (lodo gerado) como parte integrante do sistema de tratamento de efluentes. O tratamento Primário, também chamado de Físico-Químico, compreende as operações necessárias para adequar o efluente ao tratamento Secundário, ge- Visão panorâmica do aquário da foto no alto 30 ser realizados na própria indústria, ou em uma estação de tratamento de esgotos da companhia de saneamento local. Os tratamentos biológicos têm como objetivo processar a matéria orgânica que se encontra no efluente, transformando-a em matéria degradada que pode ser facilmente assimilada por um corpo receptor. O tratamento secundário é recomendado para remoção de substâncias orgânicas dissolvidas, semidissolvidas e finamente divididas através da incorporação destas em microorganismos, por meio das reações metabólicas dos mesmos. Normalmente não é exigido um grau de eficiência de remoção além do secundário, a não ser em casos onde a disposição final do efluente tratado é realizada em corpos receptores problemáticos, ou quando há necessidade de se manter um padrão alto de qualidade de água., quer seja por critérios estéticos (áreas de turismo), ou de saúde pública. Outro caso em que se utiliza o tratamento terciário é quando se deseja reutilizar a água na própria indústria para diminuir o consumo. Todavia, na indústria alimentícia existem restrições da Vigilância Sanitária que impedem o reuso desta água diretamente no processo. Em uma breve descrição, os tratamentos mais comuns são os seguintes: Filtro Biológico Os filtros biológicos são dispositivos onde ocorre a aplicação uniforme dos efluentes sobre os meios de cultura biológica que se formam agregados aos sólidos inertes e que compõem o meio filtrante. A matéria orgânica absorvida na camada biológica sofre degradação aeróbia nas camadas envolventes do material filtrante rica em organismos aeróbios. À medida que os organismos crescem, a espessura da camada biológica aumenta e o oxigênio não consegue penetrar em todas as camadas, sendo consumido antes de atingir as faces interiores que se comportam anaerobiamente. Esse sistema não é muito utilizado na indústria de alimen- BRASIL ALIMENTOS - nº 16 - Setembro/Outubro de 2002 GESTÃO AMBIENTAL manda de espaço, é provavelmente o sistema mais utilizado no setor alimentício, porém é um sistema com um custo de implantação e operação mais elevado. Lagoa de Estabilização Para finalizar, é bom lembrar A lagoa de estabilização é que certos materiais, que por um reator biológico dimensiovezes vão se juntar aos efluennado dentro de critérios técnites de indústrias do setor alicos e que recebe efluente brumentício devem ser segregados to e o submete à degradação na sua origem antes de irem biológica, de maneira a estabipara a massa líquida. Isto porlizar ou mineralizar o máximo que é muito mais fácil e barato possível de sua carga orgânica tratar o efluente sem sua pree reduzir o número de microorTanque de aeração de lodo ativado operando em indústria de be sença e eles podem ser destiganismos patogênicos nelas existentes. Consiste em lagoas de grande fundidos nos setores de cervejaria, be- nados de modo diferente sem precisar ir extensão onde o efluente é estabilizado bidas em geral e em fábricas de proces- para o efluente. Este é o caso do sangue e gordura em indústrias de alimentos de lentamente. Devido a sua elevada neces- samento de pescado. origem animal, assim como de pêlos e pesidade de espaço e por terem menores cusLodos Ativados nas. Nessa categoria também colocamos tos de manutenção e operação, são mais O Processo de Lodos Ativados é um os óleos vegetais e fibras de celulose, asempregadas em agroindústrias, que dispõem, em geral, de espaços amplos onde processo unitário biológico de remoção sim como qualquer componente espumande matéria carbonácea, onde o efluente te ou de baixa biodegradabilidade. instalar seu tratamento de efluentes. afluente é misturado, agitado e aerado com o lodo ativado por microorganismos, Reator Anaeróbio (1) Biólogo Marinho, Mestre em Engenharia de ProO reator anaeróbio é uma unidade de para em seguida ir para um decantador dução e Doutorando em Planejamento Ambiental pela alta eficiência na remoção de carga or- secundário, onde o lodo ativado é sepa- COPPE/UFRJ. Foi Professor do Instituto de Biologia da gânica, não necessitando de substrato rado do efluente tratado, retornando ao UFRJ e assessor da Presidência da FIPERJ. Atualmente é Diretor Técnico do INSTITUTO OLHO D’ÁGUA e Diretor da para a fixação de bactérias, como os re- tanque de aeração. HYDROAMBIENTE – Consultoria Ambiental Ltda. ConsulÉ o processo mais versátil de trata- tor em Meio Ambiente do SEBRAE-RJ e Indústrias como atores mais antigos. Estes reatores têm capacidade de tratar altas vazões e altas mento, podendo ser aplicado em mui- Coca-Cola Indústrias Ltda., Petrobras, entre outras. (2) Engenheira Química, Mestre em Engenharia de concentrações de carga orgânica em tem- tos tipos de indústrias diferentes, desProdução e Doutorando em Planejamento Ambiental pela po reduzido, bem como suportar perío- de que respeitados seus critérios bási- COPPE/UFRJ. Atualmente é Presidente do INSTITUTO OLHO dos sem alimentação, retornando depois cos e restrições. Por ser o sistema que D’ÁGUA e Diretora da HYDROAMBIENTE – Consultoria à atividade sem perda de eficiência. Es- melhor garante, na maioria dos casos, Ambiental Ltda. Consultora em Meio Ambiente do SEBRAE-RJ, Fundo Nacional do Meio Ambiente e Indússes sistemas têm sido amplamente di- uma boa eficiência com uma menor de- trias como Coca-Cola Indústrias Ltda. tos, por apresentar uma grande possibilidade de exalar odores desagradáveis, além de permitir a proliferação de insetos. BRASIL ALIMENTOS - nº 16 - Setembro/Outubro de 2002 31