TUDO AO MESMO TEMPO AGORA (1)
A partir do século XIX, quando os valores e o modo de vida burguês se
consolidam, a idéia de progresso estaria umbilicalmente ligada ao projeto de sociedade
desta classe e ao modo de produção capitalista, sendo a Europa o modelo de civilização
a ser seguido pelos países periféricos. No entanto, se o século XIX trouxe a estrada de
ferro e o telégrafo, o século XX revelou ao mundo as consequências mais desastrosas do
“progresso”, com a eclosão das duas maiores guerras já vistas pelo homem, em que a
“tecnologia da morte” (gases letais, aviões bombardeiros, armas de fogo poderosas e,
sobretudo, a bomba atômica) renovou a barbárie.
Falar em progresso, a partir de Marx, é compreender que se trata de um processo
descontínuo, caracterizado pela desarmonia e por “saltos”, discrepâncias de uma
sociedade para outra, que ocorrem basicamente através da luta de classes
(BOTTOMORE, 2001, p. 303). A teoria do desenvolvimento desigual e combinado
(LÖWY, 1998), desenvolvida por Trotsky, uma perspectiva antievolucionista,
antieurocêntrica e que refuta a idéia do progresso linear, representa uma das
contribuições teóricas mais caras ao marxismo. Trata-se de um instrumento analítico
que defende que o capitalismo é um sistema de alcance mundial, que assume formas
diferentes nos centros industriais avançados e nos países capitalistas dependentes, sob o
domínio econômico imperialista. O desenvolvimento desigual destes países combina
formas modernas (semelhantes às dos países industriais do “primeiro mundo”) e
arcaicas num só processo sócio-econômico, numa união dialética do mais “avançado”
com o mais “atrasado”. O Brasil representa um exemplo clássico, pois ainda hoje
convivem em sua sociedade o “novo” e o “velho”, como o agronegócio capitalista que
utiliza trabalho semi-escravo. Outro exemplo importante é a Índia, referência na
tecnologia de ponta em microinformática, com a grande maioria de sua numerosa
população vivendo em condições de vida subumanas.
A tira de Quino toca exatamente nesta questão, com Mafalda afirmando, com
pesar, que naquela época (décadas de 1960 e 1970), o progresso ainda estava bastante
atrasado, com quase um terço da população mundial (que no período, ultrapassava 3
bilhões de habitantes) de analfabetos (hoje, cerca de um sexto da população é de
analfabetos). A imagem do garoto indiano, Harish, reforça esta idéia do “progresso
atrasado” e o que dissemos anteriormente, uma vez que mostra o enorme contraste do
laptop (presente de uma ONG inscrita no programa OLPC: One Laptop per Child) com
o local onde vive (Khairat, Mumbai).
O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo tem relação direta com
os discursos da inclusão/exclusão (em vez de expropriação e exploração do trabalho) e
do atraso/progresso, “destinados” aos países periféricos (também chamados de
emergentes, ou em desenvolvimento) como parâmetros de desenvolvimento.
“Linkando” estes dois pares estão as tecnologias, que em diferentes discursos são postas
como a solução para todos os problemas sociais, educacionais, promovendo a
modernização (sobretudo da escola), democratizando o acesso à informação, incluindo
os “excluídos” e transformando o atraso em progresso (BARRETO & LEHER, pp. 4856).
O capitalismo continua se expandindo de maneira desigual e combinada, com o
progresso dos de “baixo” sendo um híbrido de avanço e atraso, sem, no entanto,
existirem “dois mundos”, “dois Brasis”, como muitos insistem em afirmar. E retomando
o velho Marx, é fundamental compreender que pobreza e riqueza, abundância e
escassez, atraso e progresso, novo e velho, mantêm entre si uma relação dialética, e que
o real, que é histórico, concreto e complexo, é a síntese de múltiplas determinações, não
sendo possível modernizar e/ou democratizar uma sociedade apenas através das
tecnologias, sem o agenciamento humano, sem outros caminhos.
Autor: Carlos Eduardo Rebuá: Mestrando do Proped; Bolsista CNPq; Integrante do Grupo
de Pesquisa Educação e Comunicação.
1
Título do sexto álbum da banda brasileira de rock Titãs, lançado em 1991.
Referências:
BARRETO, R.G. & LEHER, E. M. T. O discurso da inclusão. In: BARRETO, R. G.
Discursos, tecnologias, educação. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2009, pp. 39-58.
BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2001.
LÖWY, M. “A teoria do desenvolvimento desigual e combinado”. Revista Outubro, nº 1, maio
de 1998, pp. 73-80. Disponível em: http://www.revistaoutubro.com.br/.
MARX, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Editora Expressão
Popular, 2007.
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