PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO E DOUTORADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
LINHA DE PESQUISA CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO
Luiz Felipe Nunes
TEORIA E IDEOLOGIA DA SEGURANÇA NACIONAL E O ACESSO À
INFORMAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: DO REGIME AUTORITÁRIO
BRASILEIRO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Santa Cruz do Sul/RS, março de 2014
Luiz Felipe Nunes
TEORIA E IDEOLOGIA DA SEGURANÇA NACIONAL E O ACESSO À
INFORMAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: DO REGIME AUTORITÁRIO
BRASILEIRO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Dissertação apresentada à banca do programa de
Pós-Graduação em Direito – Mestrado, área de
concentração em demandas sociais e políticas
públicas da Universidade de Santa Cruz do Sul –
UNISC.
Orientador: Prof. Dr. Rogério Gesta Leal.
Santa Cruz do Sul, março de 2014
Luiz Felipe Nunes
TEORIA E IDEOLOGIA DA SEGURANÇA NACIONAL E O ACESSO À
INFORMAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: DO REGIME AUTORITÁRIO
BRASILEIRO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Dissertação apresentada à banca do programa de
Pós-Graduação em Direito – Mestrado, área de
concentração em demandas sociais e políticas
públicas da Universidade de Santa Cruz do Sul –
UNISC.
Orientador: Prof. Dr. Rogério Gesta Leal.
Prof. Dr. Rogério Gesta Leal
Orientador
Prof. Dr. José Filomeno Moraes Filho
Participante UNIFOR
Prof. Dr. João Pedro Schmidt
Participante UNISC
Diversas foram as pessoas que, de uma forma ou de
outra, contribuíram para a conclusão de mais essa
etapa em minha vida, por isso, dedico a estas o fruto
de meu trabalho, pois sem as quais não alcançaria
mais essa conquista.
Os buracos do esquecimento não existem. Nada
humano é tão perfeito, e simplesmente existem no
mundo pessoas demais para que seja possível o
esquecimento. Sempre sobra um homem para
contar a história. Portanto, nada pode ser
“praticamente inútil”, pelo menos a longo prazo.
Seria de grande utilidade prática para a Alemanha
de hoje, não meramente para o seu prestígio no
estrangeiro, mas para a sua condição interna
tristemente confusa, se houvesse mais dessas
histórias para contar. Pois a lição dessas histórias é
simples e está ao alcance de todo mundo.
Politicamente falando, a lição é que em condições
de terror, a maioria das pessoas se conformará, mas
algumas pessoas não,da mesma forma que a lição
dos países aos quais a Solução Final foi proposta é
que ela “poderia acontecer” na maioria dos lugares,
mas
não
aconteceu
em
todos
os
lugares.Humanamente falando, não é preciso nada
mais, e nada mais pode ser pedido dentro dos
limites do razoável, para que este planeta continue
sendo um lugar próprio para a vida humana
(ARENDT, Hannah, Eichmman em Jerusalém. São
Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 254).
RESUMO
A presente dissertação tem por escopo a análise da possibilidade de limitação ao
direito fundamental de acesso à Informação, na contemporaneidade, de fatos
ocorridos durante o regime militar brasileiro (1964/1985), em decorrência da
rotulação como segredo de Estado, amparado na Teoria e Ideologia da Segurança
Nacional. Contemporaneamente, sabe-se que, ideologicamente, a “Revolução de
1964” surge para salvaguardar a “Segurança Nacional” do Brasil, sua “lei”, “ordem” e
seu “povo”. Tomados pela “ineficiência política” os militares assumem o poder e com
eles se inicia o restabelecimento da ordem social e econômica. A fim de
consubstanciar o projeto militar, cria-se toda uma infraestrutura necessária a tal
finalidade bem como uma estrutura para ocultar da grande parcela da sociedade civil
a verdadeira natureza da revolução. A “revolução” torna-se golpe. Com o golpe
militar de 1964 inicia um período de grande turbulência para a sociedade brasileira,
repressão, violência e atos brutais passam a serem práticas comuns nessa nova
realidade. Serviços de inteligência e a Polícia Federal ganham papel de destaque no
combate à proliferação de ideias “anticomunistas”, tendo por papel o poder de
permitir a disseminação de informações tão somente aprovadas pelo regime.
Tomados pelo equivocado emprego da Teoria de Segurança Nacional elevada a um
grau de ideologia, a sociedade civil passou a ver a utilização excessiva da
Segurança Nacional como respaldo para a prática de inúmeros atos militares, que
acabaram por violar direitos humanos e fundamentais. Findo o regime e já com a
nova ordem Constitucional posta, questiona-se a possibilidade de abrir os livros
negros que relatam as atrocidades cometidas pela Ditadura Militar que ainda estão
mantidos em segredo. Direito de acesso à informação x segredos de estado, qual
deve prevalecer?. A fim de responder ao questionamento proposto, foram
desenvolvidos três capítulos, e em cada um, são tratadas questões relevantes para
o tema. No intuito de analisar a possibilidade de restrição, amparou-se no método de
abordagem hipotético-dedutivo. Quanto à técnica, foi utilizada a de pesquisa
bibliográfica. Vinculada à linha de pesquisa do Constitucionalismo Contemporâneo,
a pesquisa tem por objetivo compreender o fenômeno constitucional do acesso à
informação em seu aspecto de consolidação jurídica, visto que este tema teve seu
início com a Justiça transicional, no caso brasileiro, e hoje adquiriu autonomia que
lhe é própria. Conclui-se o estudo apontando-se para a possibilidade de restrição do
acesso à informação de fatos que ocorreram durante o regime militar que possam
colocar em risco à Segurança Nacional do país, bem como, em razão do exagero da
atuação do Estado em “defesa da Segurança Nacional” durante o período, a
impossibilidade de restrição ao acesso a informações rotuladas como secretas que
não dizem respeito a Segurança Nacional e consequentemente, sua revelação não
ensejaria perigo à Nação, tendo em vista o advento do Estado Democrático de
Direito e a função sócio-democrática da informação, onde o acesso à informação
deve ser concedido em nome da verdade, da memória e da justiça.
Palavras-chave: Ditadura Militar. Acesso à informação. Censura. Segurança
Nacional. Estado Democrático de Direito.
ABSTRACT
The scope of this dissertation is the analysis of the possibility of limitation to the
fundamental right to information access, contemporaneity, of facts that occurred
during the brazilian military regime (1964/1985), that were labeled as State secret
backed by the theory and ideology of the National Security. Nowadays, it is known
that, ideologically, the revolution of 1964 arose to safeguard the National Security of
Brazil, its laws, order and people. Due to the political inefficiency of part of the civil
elite, the military took over the power and started to establish their social and
economic order. A whole infrastructure was created to help achieve the military
project as well as a structure to hide the true nature of the revolution from most of the
society. The revolution became a coup. With the military coup of 1964, started a
period of turbulence to brazilian society. Repression, violence and brutal acts were
common in the new reality. Intelligence Services and the Federal Police played an
important role against the proliferation of anti-communist thoughts, having the power
to censor the type of information that could be spread. Fostered by the mistaken
usage of the National Security Theory, promoted as an ideology, the civil society saw
the excessive employment of National Security to back up many of military acts that
ended by violating humans and fundamental rights. Once the regime was over and
the new Constitution took place, requests of the possibility of opening the black
books that report acts made by the Military Dictorship arose. The right of information
access x state secrets, which one should prevail? In order to answer this question,
three chapters were developed and, in each of them, relevant issues to the theme
are discussed. The hypothetic-deductive approach has been used to develop this
analysis as well as bibliographic research on Contemporary Constitutionalism. The
research aims to understand the constitutional information access phenomenon in its
juridical consolidation. Finally, the possibility of information access restriction to facts
that occurred during the Military Regime, that could put at risk the National Security
as well as how the State acted to protect the National Security during that period and
the impossibility of information access restriction given the Democratic State of
Rights and the socio-democratic information, where information access must be
allowed on behalf of truth, memory and justice.
keywords: Military Regime, Information Access, Censorship, National Security,
Democratic State of Rights.
RESUMEN
Esta tesis es el alcance para examinar la posibilidad de limitar el derecho
fundamental de acceso a la información, en la época contemporánea , los hechos
ocurridos durante el régimen militar de Brasil (1964/1985) , debido a las letras como
secreto de Estado , apoyado en la teoría y ideología de la Seguridad Nacional.
Contemporáneamente, se sabe que , en lo ideológico , la "Revolución de 1964 "
aparece para proteger la "seguridad nacional" en Brasil, su "ley " , "orden" y su
"gente " . Tomado por los militares tomaron el poder político ineficiencia y empezar la
restauración del orden social y económico. Con el fin de corroborar el proyecto
militar, se crea toda una infraestructura necesaria para tal fin y una estructura para
ocultar gran parte de la sociedad civil de la verdadera naturaleza de la revolución. La
"revolución " se convierte en golpe de Estado. Con el golpe militar de 1964 se inicia
un período de gran turbulencia para la sociedad brasileña, la represión, la violencia y
los actos brutales son ser una práctica común en esta nueva realidad. Los servicios
de inteligencia y la policía federal ganan papel importante en la lucha contra la
proliferación de ideas "anticomunista", con el papel de la facultad de permitir la
difusión de información solamente como aprobado por el régimen. Tomado por el
mal uso de la Teoría de la Seguridad Nacional y el más alto grado de la ideología, la
sociedad civil ha venido a ver el uso excesivo de la Seguridad Nacional como el
apoyo a la práctica de numerosas acciones militares, que en última instancia, que
violan los derechos humanos fundamentales. Después de que el régimen y ahora
con el nuevo orden constitucional colocado , ponemos en duda la posibilidad de abrir
los libros negros que informan de las atrocidades cometidas por la dictadura militar
que aún se mantiene en secreto. Derecho de acceso a la información x de secretos
de Estado , que debe prevalecer ?. Con el fin de responder a la pregunta propuesta,
se desarrollaron tres capítulos, y en cada una, se abordan cuestiones relacionadas
con el tema. Con el fin de examinar la posibilidad de restricción, que se basó en el
método de enfoque hipotético- deductivo. En cuanto a la técnica, se utilizó para la
búsqueda bibliográfica. En relación con la línea de investigación del
constitucionalismo contemporáneo , la investigación tiene como objetivo comprender
el fenómeno del acceso constitucional a la información en su aspecto legal de la
consolidación, ya que este tema se inició con la Justicia Transicional en Brasil, y
adquirió hoy la autonomía él mismo es . Estudio de hacer frente a la posibilidad de
restringir el acceso a la información de los acontecimientos que se produjeron
durante el régimen militar y que si relevados , puede poner en peligro la seguridad
nacional del país , así , debido a la exageración del papel del Estado se llegó a la
conclusión de defensa de la seguridad nacional durante el período , la imposibilidad
de restringir el acceso a algunos de estos datos , teniendo en cuenta el
advenimiento de un Estado democrático de derecho y la función social-demócrata de
la información, donde se debe conceder el acceso a la información en nombre de la
verdad, la memoria y la justicia.
Palabras clave: Dictadura Militar. El acceso a la información. Censura. Seguridad
Nacional. Estado Democrático.
LISTA DE ILUSTRAÇÔES
Figura 1 - Literatura infantil de Monteiro Lobato ou comunismo para crianças. Um
libelo contra a literatura infantil de Monteiro Lobato ................................................. 51
Figura 2 - Passeata de artistas contra a censura .................................................... 58
Figura 3 - Edição da Revista Veja, de dezembro de 1969, que foi apreendida pelo
governo militar .......................................................................................................... 65
Figura 4 - Ciclo da Informação. A informação na segurança interna ....................... 71
Figura 5 - Organograma do SNI (Serviço Nacional de Informações) . ..................... 72
Figura 6 - Estrutura de divisão do Exército após reorganização da Defesa Interna . 76
Figura 7 - Organograma do SISNI (Sistema Nacional de Informações). .................. 78
LISTA DE ABREVIATURAS
AI
Ato Institucional
ASI
Assessoria de Segurança e Informações
CEMCFA
Curso de Estado Maior e Comando das Forças Armadas
CEN
Conceito Estratégico Nacional
CENIMAR
Centro de Informações da Marinha
CF/88
Constituição Federal de 1988
CGI
Comissão Geral de Investigação
CIE
Centro de Informações do Exército
CIEX
Centro de Informação de Pessoas no Exterior
CISA
Centro de Informações e Segurança Aeronáutica
CODI
Centro de Operações de Defesa Interna
CSN
Conselho de Segurança Nacional
DCDP
Divisão de Censura e Diversões Pública
DFSP
Departamento Federal de Segurança Pública
DIP
Departamento de Imprensa e Propaganda
DOI
Departamento de Operações Internas
DOPS
Departamento de Ordem Pública e Social
DPF
Departamento de Polícia Federal
DSG
Doutrina de Segurança Nacional
DSI
Divisões de Segurança e Informações
ESG
Escola Superior de Guerra
EUA
Estados Unidos da América
FAB
Força Aérea Brasileira
FEB
Força Expedicionária Brasileira
FMI
Fundo Monetário Internacional
IBAD
Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IPES
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
MDB
Movimento Democrático Brasileiro
OBAN
Operação Bandeirante
OEA
Organização dos Estados Americanos
ONA
Objetivos Nacionais Atuais
ONP
Objetivos Nacionais Permanentes
ONU
Organização das Nações Unidas
OTAN
Organização do Tratado do Atlântico Norte
PAEG
Programa de Ação Econômica do Governo
PCB
Partido Comunista Brasileiro
PIB
Produto Interno Bruto
SCDP
Serviço de Censura e Diversões Públicas
SFICI
Serviço Federal de Informações e Contrainformação
SISNI
Sistema Nacional de Informações
SNI
Serviço Nacional de Informação
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12
1 TEORIA E IDEOLOGIA DA SEGURANÇA NACIONAL ............................................ 16
1.1 Fatores históricos, políticos e econômicos que antecedem a “revolução de
1964” .................................................................................................................................. 17
1.2 Teoria e Ideologia da Segurança Nacional: a defesa do país contra a
“subversão interna e externa do comunismo” ................................................................ 23
1.3 O golpe militar de 1964: a ideologia e seus enunciados narrativos ............. 29
2 O REGIME MILITAR E O ACESSO À INFORMAÇÃO .............................................. 47
2.1 O cerceamento ideológico das ideias .............................................................. 48
2.2 A censura e a construção de seu arcabouço legal ........................................ 53
2.3 O cerceamento da informação como forma de legitimação do regime: a
censura prévia e autocensura.......................................................................................... 62
2.4 O quadro burocrático encarregado de exercer a censura e a vilania: o
Sistema Nacional de Informações (SISNI) e a sua “Comunidade de Informações” .. 69
3 TEORIA E IDEOLOGIA DA SEGURANÇA NACIONAL E O ACESSO Á
INFORMAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE .............................................................. 81
3.1 Teoria e Ideologia da Segurança Nacional: a garantia de segurança e a
utilização do aparato repressivo na integração do território econômico ao projeto
econômico, político e ideológico proposto pelo regime................................................. 82
3.2 O advento do Estado Democrático de Direito e o fortalecimento da noção
de dignidade da pessoa humana e da preservação dos direitos humanos e
fundamentais ..................................................................................................................... 92
3.3 Constitucionalismo Contemporâneo e a função sócio-democrática
fundamental da informação: mudanças de paradigmas ............................................. 102
3.4 Teoria e Ideologia da Segurança Nacional e os segredos de Estado frente
ao acesso à informação na contemporaneidade ......................................................... 117
CONCLUSÃO ................................................................................................................. 125
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 129
12
INTRODUÇÃO
A fim de cumprir às disposições da Carta Constitucional de 1946, que
outorgavam às Forças Armadas a missão de defender o país, a lei e a ordem, os
militares se levantam contra a ameaça “comunista” e dão à luz a “Revolução de
1964”. Ideologicamente,1 fez-se a “revolução” para proteger o país do “comunismo”,
para salvaguardar a “democracia”, “crenças” e “ideais”. Com sua assunção ao
governo, os militares passam a restabelecer o crescimento econômico e lutar com os
graves problemas sociais enfrentados pelo Brasil, bem como, passam a enfrentar e
expurgar a ameaça “comunista” já “instalada” nos três Poderes, sindicatos, escolas,
rádios, jornais.
Durante o período do governo militar (1964-1975) foram praticados inúmeros
atos atentatórios a direitos humanos e fundamentais. Esse momento negro da
história brasileira está repleto de censura, repressão e atos brutais, que foram
realizados com a alcunha da Segurança Nacional. Na tentativa de eliminar qualquer
tipo de contestação ao novo regime, os militares passam a controlar e censurar as
grandes mídias na tentativa de filtrar a disseminação de informação que pudesse
expor a verdadeira natureza golpista. Nesse período passam também a combater os
opositores que persistiam em condenar o regime, através de atos atentatórios a sua
integridade física e mental. Como tinha por meta o desenvolvimento e o crescimento
econômico do país, o Estado utilizou-se de diversos meios afim de construir a
infraestrutura necessária para atingir sua finalidade, assim como o fez para construir
uma infraestrutura para ocultar tal finalidade. Surgem, com mais afinco, a atuação
dos serviços de inteligência, da política censória e de diversas operações militares,
bem como mecanismos legislativos que acudiram o regime e o blindaram contra
qualquer tipo de contestação atual e futura.
Em 1988, já findo o regime militar e a retomada do regime democrático, com o
Estado Democrático de Direito, supera-se o aspecto jurídico do acesso à informação
e este adquire uma função sócio-democrática, onde passa a adquirir aspectos
1
Dentro da ideologia propagada pelo regime militar, tanto no período pré-golpe (1961-1964) até no
período pós-golpe (1964-1985), tentou-se em uma linha simples e direta, alienar a consciência da
população civil através de veiculações de conteúdos distintos, onde o um falso discurso foi propagado
afim de manipular tanto o campo da manipulação consciente como a inconsciente. Sobre o assunto,
ver item 1.3, a partir da página 38 e seguintes.
13
políticos e sociais dentro da nova matriz democrática Constitucional que se instala
no Brasil. Sabe-se, na contemporaneidade, que o golpe de 1964 buscou legitimidade
popular para realizar sua ação democrática revolucionária, ocultando da grande
parcela civil sua natureza golpista. Assim, na tentativa de salvaguardar o país da
ameaça comunista, o Brasil assiste a uma revolução que primeiramente depõe João
Goulart da Presidência e depois vivencia um golpe que deflagra uma enorme
repressão nos diversos setores da sociedade.
A temática que pretendemos analisar é a possibilidade de restrição do direito
fundamental de acesso à Informação, na contemporaneidade, de fatos ocorridos
durante o regime militar brasileiro (1964/1985) que se encontram rotulados como
segredos de estado, abarcados pela Teoria e Ideologia da Segurança Nacional.2 Por
esta razão questiona-se no trabalho se, na contemporaneidade, é possível a
restrição do direito fundamental de acesso à Informação – individual e social – de
fatos que ocorreram durante o regime militar brasileiro em razão da carga axiológica
trazida pela Teoria e Ideologia da Segurança Nacional, chegando-se a elaborar duas
hipóteses na tentativa de responder a tal questionamento: a primeira em favor da
possibilidade de restrição, em razão de que tais fatos foram realizados visando à
defesa do segurança do Estado e da sociedade brasileira contra forças subversivas
que ainda se encontram presentes no mundo, pois a revelação dessas informações
poderia trazer consequências nefastas desestruturando toda à sociedade brasileira e
mundial; e, a segunda hipótese, que caminha em direção à impossibilidade de
restrição do direito de acesso à informação tendo em vista o advento do Estado
Democrático de Direito e da função sócio-democrática do direito de acesso à
informação, sendo que os fatos ocorridos durante o regime militar devem vir à tona
em nome desse direito, em nome da verdade, da memória, da preservação do
patrimônio histórico e da justiça.
Na tentativa de corroborar alguma dessas hipóteses, estipulou-se um objetivo
geral para o trabalho, onde pretendeu-se analisar a possibilidade ou não da restrição
do direito de acesso à informação de fatos ocorridos durante o regime militar em
razão da Teoria e Ideologia da Segurança Nacional que vigorou durante o período,
2
Utilizamos o termo “teoria” de Segurança Nacional uma vez que entendemos não ser adequado
utilizar o termo “doutrina” de Segurança Nacional em razão do emprego ideológico da Segurança
Nacional como forma de “defesa” tanto interna como externa do “comunismo”, ou seja, a criação
doutrinária foi tão distorcida em sua origem, definição e limites, que não pode mais ser considerada
como tal, sendo necessário uma nova nomeação, a saber, uma teoria.
14
diante do advento do Estado Democrático de Direito. Auxiliando tal objetivo, foram
propostos objetivos específicos, tais como: a realização do confronto entre os dois
blocos paradigmáticos, Teoria e Ideologia da Segurança Nacional e o direito
fundamental de acesso à informação, na atualidade e na época ditatorial; verificar
quais foram os marcos normativos criados durante o regime militar para limitar o
acesso à informação; e, apresentar os fundamentos do Direito à Informação no
Estado Democrático de Direito.
No intuito de analisar a possibilidade de restrição, amparou-se no método de
abordagem hipotético-dedutivo, visto que este verifica preposições lógicas e
verdadeiras para o problema, o qual consiste em solucionar-se o problema de
pesquisa mediante a formulação de diversas conjecturas. Após a construção destas,
as mesmas serão confrontadas e em não ocorrendo seu falseamento ou
refutamento, serão corroboradas. Quanto aos métodos de procedimento, foram
utilizados os métodos de pesquisa histórica e comparativa, tendo por objetivo
propiciar meios objetivos de precisão na tentativa de explicar alguns fenômenos
sociais de forma menos abstrata. Quanto à técnica a ser utilizada, foi realizada a de
pesquisa bibliográfica, que foi utilizada para explicar o problema a partir de
referências teóricas já publicadas, constituídas principalmente de obras literárias,
artigos, revistas e periódicos científicos. Pretendeu-se com a utilização desta
técnica, conhecer e analisar as principais contribuições teóricas existentes a fim de
se utilizar destas contribuições para solucionar o problema posto.
A presente pesquisa vincula-se à linha de pesquisa Constitucionalismo
Contemporâneo, linha esta que tem por objetivo compreender o fenômeno
constitucional em seu aspecto de consolidação jurídica de garantias próprias de uma
sociedade altamente complexa, em razão da pluralidade normativa que lhe é
própria. Trabalhada desde 1945, a teoria constitucional moderna serve como ponto
de referência para a Constituição Federal brasileira de 1988, a qual, em seu âmago,
contempla o Constitucionalismo Contemporâneo. O tema que se desenvolve possui
grande relevância social pois o Brasil deu o seu primeiro passo frente a
transparência dos atos da administração pública com a Justiça Transacional,
instituindo a Comissão da Verdade, assim como a criação da nova lei de acesso à
informação pública, lei nº 12.527/11. O estudo, portanto, está de acordo com os
elementos presentes na linha de pesquisa na qual está inserida, pois busca
compreender o acesso à informação em seu aspecto de consolidação jurídica de
15
garantias próprias, sendo que a abertura dos livros secretos do regime militar e o
estudo sobre os acontecimentos dessa época visam resgatar a verdade e trazer a
tona o ocorrido, sendo essencial para a construção de uma memória, individual e
coletiva, recuperando-se o passado antes perdido e caminhando-se para um futuro de
preservação de direitos.
Estruturalmente o trabalho apresenta-se em três capítulos e seus respectivos
subitens. No primeiro capítulo aborda-se a temática da Teoria e Ideologia da
Segurança Nacional, onde analisar-se-á fatores históricos, políticos e econômicos
que antecedem a dita revolução de 1964 e a influência desses fatores na construção
de uma teoria – doutrina – de Segurança Nacional. No segundo capítulo, por sua
vez, será abordado o acesso à informação no período ditatorial, a construção do
arcabouço legal da censura e o cerceamento ideológico da informação, culminando
na construção do quadro burocrático que era encarregado de exercer tanto censura
quanto os atos de terror e vilania. Por fim, no terceiro e último capítulo, aborda-se a
mudança de paradigmas enfrentado pelos atos da Administração Pública diante da
função sócio-democrática da informação, onde confronta-se essa mudança
paradigmática com a possibilidade de restrição do acesso à informação, em nome
da Segurança do Estado e da sociedade, de fatos ocorridos durante o regime
ditatorial, na contemporaneidade.
16
1 TEORIA E IDEOLOGIA DA SEGURANÇA NACIONAL
Foi graças à expansão capitalista gerada principalmente pelas grandes
potências mundiais no pós-Segunda Guerra Mundial que o desenvolvimento
industrial teve um novo sentido com a adoção de um sistema de gestão abrangente
denominado Guerra Fria. Com esse sistema de gestão, as grandes potências da
época se redimensionam e redesenham suas políticas externas a fim de buscar uma
maior abrangência de promoção, sustentação e expansão de seus mercados, o que
acabou por fomentar a criação de uma infraestrutura necessária para absorver tal
expansão também nos países aliados. Em razão da possibilidade de um novo
conflito armado emerge o elemento fundamental para a formulação de uma Teoria
de Segurança Nacional, a ideologia.
No Brasil, a ideologia abrolha com a herança deixada por Juscelino
Kubitschek de Oliveira, que teve como perspectiva básica para o desenvolvimento
do país um projeto gigantesco de modernização nacional que foi capaz de abrir o
país ao capital externo. Foi através do capital externo que Juscelino pegou
emprestado cifras voluptuosas e financiou uma expansão infraestrutural nunca antes
sonhada no Brasil, o que além de produzir uma diversificação capitalista, acabou por
endividar sobremaneira o país, deixando aos seus sucessores a herança do milagre
gerado nos “50 anos em 5”, a saber: altas taxas inflacionárias, diversas questões
sociais não resolvidas ou mal resolvidas e uma população insatisfeita (BARROS,
1990, p. 44-51).
Com a crise da renúncia de Jânio Quadros e com o receio da ameaça
“comunista” personificada em João Goulart – Jango –, os militares assumem o
controle do país passando a reestabelecer a ordem social e o crescimento
econômico. Com este restabelecimento também surge à necessidade de se
assegurar a segurança – Segurança Nacional. São baixadas diversas medidas para
a proteção do “país” contra o “comunismo”. Ideologicamente, a Revolução de 1964
depõe o Presidente João Goulart em nome da democracia, da ordem, da
governabilidade e em nome dos valores cristãos, no entanto, é em 1964 que o país
assiste a deposição de Goulart e, posteriormente, a uma intensa repressão nos
diversos setores da sociedade, isso porque a partir do golpe toda oposição é
combatida intensamente pelo regime militar, tirania e vilania são marcas desse
período que está repleto de violações a direitos humanos e fundamentais, pois foi
17
em nome da “Segurança Nacional”, “democracia”, “ordem”, “governabilidade” e em
nome
dos
“valores
cristãos”
que
censura,
homicídios,
sequestros,
desaparecimentos, tortura e violência, foram praticados.
1.1 Fatores históricos, políticos e econômicos que antecedem a “revolução de
1964”
Desde o ciclo das grandes descobertas – colonização – até as primeiras
décadas do século XX, o Brasil insere-se numa relação de dependência para com as
grandes potências mundiais (MEDEIROS, 1978, p. 04-05). Durante o século
dezessete, foram as exportações de açúcar para a Europa que tornaram o país
relativamente próspero. No século dezoito, as exportações agrícolas foram
substituídas pela exportação de ouro e diamantes. Na segunda metade do século
dezenove surge o café como grande produto de exportação brasileiro (SKIDMORE,
1976, p. 64). Com a unificação e expansão do capitalismo nas últimas décadas do
século XIX, a economia cafeeira brasileira assume posição de destaque dada a
demanda crescente do mercado internacional. O carro chefe da economia brasileira
foi o café, depois, por certo período, a borracha. Nada, além disso. No entanto,
estávamos inseridos em um sistema econômico dinâmico e inovador, onde
industrialização e avanço tecnológico eram sinônimos de civilização. O Brasil inserese no mercado internacional como uma nação atrasada – exportadora de bens
primários, produtos exóticos, matérias primas, importador de bens manufaturados,
bens não duráveis e de capitais – frente às economias civilizadas – nações
industriais (MEDEIROS, 1978, p. 04-05). Sob o regime da República Velha, o Brasil
foi liderado por uma oligarquia agrário-comercial, onde predominavam elites rurais
do nordeste, plantadores de café de São Paulo e interesses comerciais exportadores
(DREIFUSS, 1981, p. 21). Economicamente, o país era totalmente dependente de
seus produtos agrícolas como o café, cacau, algodão e a borracha (SKIDMORE,
1976, p. 64).
Com Getúlio Vargas o país sai da hegemonia oligárquica exportadora e
comercial e inicia um processo de aceleração industrial – através da substituição de
importações, expansão do mercado interno e diversificação da economia (SADER,
1990, p. 09). A coexistência entre os interesses industriais e agroexportadores foi
18
marcada por um difícil período de crises a partir de 1932, o que acabou por
estabelecer o Estado Novo, em 1937. Foi assim, sob a égide do Estado Novo, que
industriais e proprietários de terras tornaram-se aliados políticos. No entanto, os
interesses comuns não dirimiram suas identidades de interesses, marcando esse
relacionamento com diversos conflitos e competição, que tornou necessário o
aparelhamento burocrático-militar do Estado Novo para que este tivesse um papel
de intermediário, passando a interferir continuamente na vida política da nação,
garantindo a coesão do sistema político (DREIFUSS, 1981, p. 22-23). Assim, as
Forças Armadas acabam percebendo efetiva e potencialmente que a modernização
e o aprimoramento delas mesmas, e consequentemente a proteção da Segurança
Nacional,
estava
na
dependência
do
desenvolvimento
industrial
do
país
(MEDEIROS, 1978, p. 04-05).
Tem-se o início do primeiro estágio para a nacionalização formal da
economia, através da criação de empresas estatais, autarquias mistas e o
estabelecimento do controle nacional sobre certas áreas de produção –
consideradas estratégicas, como por exemplo, mineração, aço e petróleo. Assim, o
Estado torna-se um importante produtor de bens e serviços, abrindo espaço para o
desenvolvimento industrial no Brasil (DREIFUSS, 1981, p. 23).
Com o início das confrontações globais entre Estados Unidos (EUA) e União
Soviética, o país começa a sentir os efeitos da Guerra Fria. O processo de
industrialização que tinha seu futuro mais ou menos incerto e duvidoso até a
Segunda Guerra Mundial, passa a ter termos mais definitivos após o término desta,
isso porque o desenvolvimento industrial teve um novo sentido em razão da
promoção, sustentação e expansão da expansão capitalista gerada pelas grandes
potências mundiais no pós-Segunda Guerra Mundial. Do mesmo modo que foi uma
fase de expansão, também o foi de crise, pois a superprodução industrial dessas
potências não encontrava absorção em seus territórios nacionais, gerando uma
expansão sem precedentes no comércio internacional. Deste modo, o capital
financeiro assume uma posição hegemônica dentro dos grandes conglomerados,
buscando a unificação e ocupação em todo o globo, pelo capitalismo. Como todo
movimento de unificação, este não foi pacífico. Em meados de 1870 tal movimento
inicia-se e consolida-se daí para frente com guerras de colonização, recolonização e
de conquista de áreas de influência e de territórios econômicos (MEDEIROS, 1978,
p. 01-06). Esse período histórico que vai de 1870 a 1914, bem como em período
19
posterior, entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial (1914 a 1945), pode ser
sintetizado da seguinte forma:
a) o sistema econômico, já hegemônico à escala mundial, passa a ser
estruturado não mais ao nível de um capitalismo atomizado, mas sim pelo
capitalismo financeiro monopolista, que se mostrava mais capacitado para
operar em economia de escala, dentro da concorrência internacional em
busca de mercados, de matérias-primas e de realização lucrativa de capital;
b) este predomínio de economias de escala no sistema econômico global
provoca e estimula, de modo dinâmico e progressivo, as novas técnicas de
administração e de organização do trabalho social; ao empirismo sucede o
planejamento; ao institucionismo, a racionalização; a Universidade começa
a se transformar, a fim de tornar-se apta a servir às novas condições de
vida;
c) com a acentuação do desequilíbrio indústria-agricultura em favor da
industria, as nações industriais assumem uma posição nitidamente
hegemônica sobre as nações agrícolas; culturalmente, civilização passa a
ser sinônimo de industrialização; intensifica-se, de modo extraordinário, o
processo de urbanização; a sociedade urbano-industrial define-se como
uma categoria histórica;
d) industrialização e urbanização provocam o aparecimento, no cenário
político e social, das grandes massas populares; define-se o conceito de
sociedade de massas; [...] ao lado de ideologias otimistas, utilitárias,
pragmáticas e reformistas surgem, também, doutrinas apocalípticas da
civilização ocidental; a revolução socialista torna-se uma realidade histórica,
com a Revolução bolchevique de 1917, assim como rebelião das massas,
concretizada na Revolução mexicana nos anos 10; a I Guerra Mundial para
a frente; guerras e revoluções sociais se entrelaçam e se condicionam;
e) o nacionalismo econômico e político, o militarismo e o livre-cambismo
passam a ser, simultaneamente ou sucessivamente praticados por todas as
nações, dependendo de suas posições de força dentro do sistema mundial;
as grandes potencias, que em geral haviam atingido este status pelos
caminhos do nacionalismo e do protecionismo, mais ou menos dentro dos
postulados do Sistema Nacional de Economia, passam a defender, nas
relações mundiais de mercado, o livre-cambismo; as demais nações oscilam
entre o protecionismo e o livre-cambismo, muitas vezes tentando conciliálos com maior ou menor êxito relativo, dada a situação de economias
reflexas e dependentes em que haviam sido colocadas;
f) crise generalizada e progressiva, mas desigual ao nível das nações, do
Estado liberal; suas instituições, como o sufrágio universal, o sistema de
partidos políticos, a divisão dos poderes do Estado, o Parlamento, as
liberdades públicas e as garantias individuais, assim como o próprio
conceito de democracia passam a ser reavaliados criticamente, procurando
dar-se-lhes novos conteúdos; buscam-se formas de institucionalizar-se o
amplo intervencionismo estatal, o autoritarismo, o totalitarismo, a
“democracia social”, o corporativismo etc (MEDEIROS, 1978, p. 01-04).
Com o término da Segunda Guerra Mundial as superpotências de então
adaptaram-se a um sistema de gestão abrangente denominado Guerra Fria. Com
este sistema de gestão abrangente, cada uma utilizava-se da iminente ameaça do
inimigo para justificar seus atos de violência, subversão, terror e agressividade
dentro de seus domínios (CHOMSKY, 1989, p. 116).
20
O mundo de hoje é fragmentado por uma grande disputa; e não apenas
uma disputa, mas uma batalha inescrupulosa pela dominação do mundo.
Muitos ainda se recusam a acreditar que existem apenas dois lados, que a
única escolha situa-se entre a conformidade ao outro (MILOSZ, 2010, p.
13).
O mundo viu-se dividido em dois blocos, sendo que os países efetivamente
tinham que tomar partido entre uma das duas superpotências. De um lado estava a
OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e de outro lado estava o Pacto
de Varsóvia, que fragmentou a Europa em dois campos inimigos: a Europa do Oeste
e a do Leste, cuja divisão foi marcada pelo muro de Berlim, levantado em 1961
(PAES, 1995, p. 05-06).
No continente americano, a Guerra Fria ganhou novo impulso com a
Revolução Cubana (1959-1960), a primeira revolução socialista da América.
O clima tornou-se tenso sobretudo quando, em 1962, os EUA descobriram
bases soviéticas para lançamentos de mísseis instaladas em Cuba. Depois
desse fato, a enorme pressão que já se fazia sobre Cuba culminou com a
sua expulsão da OEA (Organização dos Estados Americanos), surgida no
pós-guerra justamente para alinhar os países americanos ao lado dos EUA.
Na esteira dessa luta, as diplomacias americanas fixaram diretrizes para
reger as relações continentais. Por um lado, estruturou-se a política de
defesa integrada do continente, que deixava de lado os princípios de nãointervenção e de soberania das nações. Essa política justificou, sem dúvida
nenhuma, a invasão da República Dominicana, em 1965, por tropas
militares de vários países americanos, inclusive o Brasil, comandadas por
um general brasileiro. A invasão era apresentada como uma ação defensiva
dos países do continente contra o perigo vermelho. Outras formas de
intervenção dos EUA recebiam ainda o rótulo de missões técnicas ou
missões de cooperação. Por outro lado, consagrou-se o lema segurança e
desenvolvimento”. Isto é, o crescimento econômico era visto como uma
arma para evitar a expansão do comunismo nos países americanos (PAES,
1995, p. 09).
Com a transformação do mundo em um lugar fragmentado por uma grande
disputa pela dominação mundial, os Estados Unidos redesenharam sua política
externa para criar e manter uma ordem internacional aberta, onde seus interesses
pudessem prosperar, onde poderia haver expansão de seus mercados, atividades
lucrativas, exportação, exploração de recursos minerais e humanos, ou seja, uma
ordem internacional aberta, aberta ao ingresso e exploração econômica, político e
militar, dos Estados Unidos.
[…] la política exterior de Estados Unidos está diseñada para crear y
mantener un orden internacional, en el cual los intereses económicos
estadounidenses puedan prosperar; un mundo de «las sociedades
abiertas», en el sentido de sociedades abiertas a inversiones lucrativas, a la
expansión de mercados de exportación y de transferencia de capitales, y a
21
la explotación de recursos materiales y humanos por parte de compañías
estadounidenses y subsidiarias locales. «Sociedades abiertas», en un
sentido verdadero del término, son sociedades que están abiertas a la
penetración económica y al control político de Estados Unidos (CHOMSKY,
1989, p. 12).
Criando uma ordem internacional aberta o principal inimigo que pode se
levantar é geralmente a população nativa, que tem a infeliz tendência de sucumbir
diante das ideia inaceitável de utilizar seus recursos próprios para suas próprias
finalidades. Assim, a maior preocupação dos Estados Unidos quanto a sua política
externa, é garantir a liberdade de roubar e de explorar (CHOMSKY, 1989, p. 13-16).
[…] el significado del termino «comunista»: la amenaza principal del
«comunismo» observó el equipo, es la transformación económica de las
potencias comunistas «en formas que disminuyen su voluntad y su
capacidad de complementar las economías industriales occidentales» allí
donde el «Occidente » incluye al capitalismo japonés. Se entiende que
dichas economías capitalistas industriales deben seguir firmemente dentro
del «marco del orden global» manejado por Estados Unidos, como dijo
Kissinger. Esta es un buena definición del término «comunista» tal y como
es empleada actualmente en el discurso político de Estados Unidos. En
síntesis, los «comunistas» son aquellos que intentan utilizar los recursos
para sus propios fines, interfiriendo así con el derecho de robar y explotar.
Esta es la doctrina central de la política exterior. Naturalmente, Estados
Unidos es, consecuentemente, «anticomunista» mientras que sólo es
selectivamente antifascista (CHOMSKY, 1989, p. 17).
A política exterior dos Estados Unidas está moldada para assegurar um
ambiente favorável a indústria, ao comércio, às instituições financeiras dos próprios
estadunidenses. A vontade das empresas privadas estadunidenses, das quais uma
grande parte controla o Estado, é manter uma área livre que permitiria a
manutenção das políticas criadas na guerra fria, a saber, intervenção e subversão,
alimentando o capitalismo (CHOMSKY, 1989, p. 123).
O capitalismo já existia desde o século XIX no Brasil, no entanto, devemos ao
imperialismo dos Estados Unidos a implantação do capitalismo como forma de
acesso às massas de suas benesses. Poderíamos ser iguais às fantasias nos
passadas desde 1930 pelos filmes hollywoodianos. O capitalismo assim ingressou
em nosso país de forma clássica, “importando barato e exportando caro”. Na
segunda metade do século XVIII, quando iniciou a Revolução Industrial na
Inglaterra, o Brasil estava entregue às vacas (FRANCIS, 1986, p. 71-83).
Não já dúvida de que o Brasil se secularizou e que, ao menos desde a
Velha República, o pensamento das elites se volta para soluções materiais
22
dos problemas brasileiros. O Positivismo é a ideologia dominante, o
progresso, de cima para baixo, autoritário e imposto pelo mecanicismo
científico, às vezes refinado com livros-textos que são orelhas de métodos
de administração de empresas dos EUA; mas é progresso o que se quer
(FRANCIS, 1986, p. 77).
Nos primórdios de 1960 ninguém mais reconhecia as cidades brasileiras de
1945. Nossas forças produtivas refletiam a expansão industrial. Finalmente,
entrávamos no século XX. Juscelino, através da ajuda externa, financiou uma
expansão infraestrutural nunca antes sonhada no Brasil, imprimiu e pegou
emprestado ou inflacionário a cifras voluptuosas, o que além de endividar
sobremaneira o país, produziu uma diversificação capitalista (FRANCIS, 1986, p.
84).
Nossa história não registra nada semelhante às revoltas ocorridas em Roma,
Europa da Reforma ou Contrarreforma, em nosso país nunca houve sequer algo
semelhante. Desde nossa “colonização”, fomos influenciados pelo que havia de mais
retrógrado na Europa, e até meados do século XX, mantínhamos entranhado em
nossa cultura seus hábitos e maneira de pensar. Acabamos por ignorar os impulsos
industriais do século XVIII. Foi tão somente em 1950-1975, que o Estado, graças a
empréstimos externos e aos programas de ajuda dos Estados Unidos, teve o papel
de criar uma infraestrutura necessária para nos dar a revolução industrial (FRANCIS,
1986, p. 89-95). A assistência econômica por parte dos Estados Unidos é um dos
principais instrumentos da política externa do país (PARKER, 1977, p. 116). Ora,
essa “ajuda”, geralmente está implicitamente uma finalidade política implícita, por
isso,
Criou-se um padrão, a partir dos programas de ajuda dos Estados Unidos
ao Brasil, durante a década de sessenta, de negar assistência a quem se
percebesse estar alinhado com a esquerda racial, ou com os comunistas,
canalizando-a mais amiúde para os governadores e instituições que
sobressaíssem como protetores de uma sociedade não-comunista
(PARKER, 1977, p. 117).
A política estadunidense tem como objetivo assegurar um ordem internacional
aberta favorável a suas indústrias, comércios, instituições financeiras, etc., ou seja,
favorável à ela. Nos países em desenvolvimento, a preocupação dos Estados
Unidos é com os seus nativos, sendo que a política da Segurança Nacional está
orientada, é dirigida para as mesmas finalidades. Nesses países sua preocupação é
com a proteção e defesa desses contra o inimigo, assim, a política da Segurança
23
Nacional está voltada para o mesmo fim, proteger o sistema capitalista, proteger a
existência do próprio país (Estados Unidos). Não obstante a isso, se faz necessário
criar todo um sistema ideológico para assegurar que a população nativa se
mantenha indiferente, apática (CHOMSKY, 1989, p. 17).
1.2 Teoria e Ideologia da Segurança Nacional: a defesa do país contra a
“subversão interna e externa do comunismo”
Concebida em um momento histórico onde ocorrem diversas e profundas
transformações na sociedade e no contexto internacional, enfrentando a até então
neutralidade do governo brasileiro, a Segurança Nacional funda-se sobre os pilares
dos Objetivos Nacionais Permanentes (ONP) e dos Objetivos Nacionais Atuais
(ONA), propugnando o envolvimento incondicional do Brasil ao Bloco Ocidental,
dando ênfase para a defesa do continente americano contra as agressões do bloco
comunista - agressões externas (OLIVEIRA, 1976, p. 26). Os Objetivos Nacionais
Permanentes consistem em “objetivos políticos que resultam da interpretação dos
interesses e aspirações nacionais <<que motivam, em dada época histórica, toda
manifestação de um povo como Nação>>”, e os Objetivos Nacionais Atuais, por sua
vez, são “derivados da análise conjuntural dos impedimentos ou oposições à
realização dos ONP” (OLIBEIRA, 1976, p. 29). Ou seja, a Segurança Nacional,
aplicada aos ONP, produz os ONA. Para a criação da Política de Segurança
Nacional, utilizou-se da geopolítica, cuja fundamentação se faz nos princípios de
espaço político e posição geográfica (OLIVEIRA, 1976, p. 31). No Brasil foram
utilizadas três características geopolíticas fundamentais para a criação da Política de
Segurança Nacional, a saber:
1) o espaço político, que compreende as características gerais do território
(extensão; forma; regiões físicas, demográficas e econômicas; fronteiras;
regiões culturais, étnicas e lingüísticas, etc.).
2) A posição do Brasil, situada à margem dos principais rotas do comércio
mundial e das geodésicas <<segundo as quais se tem manifestado até hoje
(...) as tensões mais fortes e perigosas dos antagonismos internacionais>>.
3) Os blocos continentais de poder que definem as probabilidades de
ocorrência de conflitos com o Brasil, definidas nas hipóteses de guerra
(OLIBEIRA, 1976, p. 31).
24
Com base nessas características geopolíticas, o Conceito Estratégico
Nacional (CEN) estabeleceu diversas diretrizes para a política de Segurança
Nacional, analisando os ONP a luz de toda uma conjuntura nacional e internacional,
tendo como valor, todos os recursos diversos e possíveis de mobilização, bem como
todos os recursos utilizáveis para obstruir a realização dos ONP, como por exemplo,
pressões dominantes (OLIVEIRA, 1976, p. 30-31).
Em resumo, podemos dizer que:
[...] estabelecidos os Objetivos Nacionais Permanentes, a Política de
Segurança Nacional (conjunto de planos, regulamentos, leis e programas da
área de Segurança Nacional) aciona o poder nacional (<<expressão
integrada dos meios de toda ordem de que dispõe efetivamente a Nação,
numa época considerada, para promover, sob a direção do Estado, no
âmbito interno e externo, a consecução e a manutenção dos Objetivos
nacionais>>) – que compreende os poderes Político, Psicossocial,
Econômico e Militar para a realização daqueles Objetivos, através de
<<grau relativo de garantia>> que o Estado oferece à Nação. Em outras
palavras: <<a Política comanda a Estratégia, fixando-lhe Objetivos. O
Estado é o agente na condução da estratégia; o Poder Nacional é o
instrumento da ação da estratégia>> (OLIVEIRA, 1976, p. 34).
Nesse contexto de política e estratégia, influenciada diretamente pela
experiência da National War College, surge a Escola Superior de Guerra (ESG).3
Sua criação foi Intimamente associada a dois fatores: a participação na Segunda
Guerra Militar – através da Força Expedicionária Brasileira (FEB) – e o debate
político acerca da exploração do petróleo brasileiro (OLIVEIRA, 1976, p. 19).
A Escola Superior de Guerra foi criada com base no modelo do National
War College, quando os militares brasileiros que integraram a Força
Expedicionária Brasileira (FEB), antes de retornarem ao Brasil após terem
participado da Segunda Guerra Mundial, foram enviados aos Estados
Unidos para entrar em contato com suas instituições militares de ensino. Ali,
os oficiais brasileiros perceberam a demonstração da superioridade militar3
Foi a partir do êxito da Revolução Cubana que os EUA alteraram sua política externa, adotando
uma nova estratégia, a contrainsurreição, que passou a ser difundida pelas escolas de guerra a partir
de 1961. No plano militar passou-se a readequar as instituições para o treinamento de oficiais latinoamericanos segundo as novas orientações da doutrina de Segurança Nacional, desenvolvida desde
1946, pela National War College, com objetivo de criar uma doutrina para estudar e aperfeiçoes a
política externa dos EUA no contexto da Guerra Fria, principalmente a partir da perspectiva da
segurança coletiva. As ditaduras civil-militares instauradas no Brasil, Bolívia, Uruguai, Chile e
Argentina foram marcadas pela aplicação das diretrizes da doutrina de Segurança Nacional
(FERNANDES, 2009, p. 835-836). Sobre o assunto, ver: SANTOS, Boaventura de Sousa [et al.]
(Org.). Repressão e Memória Política no Contexto Ibero-Brasileiro: estudos sobre Brasil,
Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal. Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia;
Coimbra (Portugal): Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, 2010, PADRÓS, Enrique
Serra (org.); [et. al.]. Memória, verdade e justiça: as marcas das ditaduras do Cone Sul. Porto
Alegre: Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2011.
25
bélica norteamericana e o clima da Guerra Fria. A ESG teve dois
nascimentos. O primeiro ocorreu em 1948, sendo a continuidade do projeto
lançado em 1942, que consistia em um curso de Alto Comando a ser
freqüentado por generais e coronéis e, posteriormente, por altos oficiais das
três armas; o segundo foi em 1949, quando o projeto de 1942 foi
rapidamente atropelado pelo contexto da Guerra Fria, momento em que os
Estados Unidos enviaram uma missão de assessoria. Assim, pela Lei nº.
785, de 20 de agosto de 1949, surgia a ESG [...] (FERNANDES, 2009, p.
841).
Opostamente à escola estadunidense, a brasileira se propõe a incluir civis
dentro de seus quadros, assim, através da Escola, estabelece-se vínculos políticos e
ideológicos entre a instituição militar e elites civis, 4 preparando esses segmentos
para examinar questões referentes à Segurança Nacional, surge assim, a Doutrina
de Segurança Nacional. A ESG, antes de ser considerada uma parte do aparelho
repressivo das Forças Armadas contra as ameaças à Segurança Nacional brasileira,
é uma escola, e como escola, possui objetivos técnicos e político-ideológicos. Possui
objetivos técnicos na medida em que oferece cursos para formação dos altos
militares - Curso de Estado Maior e Comando das Forças Armadas (CEMCFA) – e
objetivos político-ideológicos, na medida que seus demais cursos possuem a
intenção de garantir um tratamento básico e uniforme, tanto a civis como a militares,
que estejam ligados a questões envolvendo a Segurança Nacional do país –
Doutrina de Segurança Nacional (DSN) (OLIVEIRA, 1976, p. 25).
[...] a DSN sustenta implícita e explicitamente que a definição e
implementação do interesse coletivo, expresso nos Objetivos Nacionais, se
torna possível somente pela atuação de uma <<contra-elite>> localizada no
aparelho do Estado, que é exatamente o setor militar. Esse caminho (o do
interesse coletivo), parece-nos, estabelece os elos ideológicos entre a DSN
e as classes sociais (OLIVEIRA, 1976, p. 40).
Em razão da possibilidade de uma nova guerra entre Ocidente e Oriente é
que surge o elemento fundamental na etapa para a formulação de uma Segurança
Nacional, a ideologia. Assim, em decorrência das transformações que ocorriam tanto
intermanete como externamente, a Escola Superior da Guerra difundiu entre elites
civis e militares uma determinada concepção dos problemas relativos ao país, mais
especificamente ao desenvolvimento econômico, instituições políticas e vinculações
4
Por elites civis entendemos parte do empresariado brasileiro e de representantes de multinacionais
instalados no país. Segundo Dreifuss, as elites civis devem ser entendidas como o núcleo de uma
elite orgânica empresarial cuja visão era a de vanguarda, um grupo muito preparado, sofisticado e
bem equipado. Sobre o assunto, ver: DREIFUSS, René Armand. 1964, a conquista do Estado: ação
política, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Vozes, 2006.
26
do Brasil ao campo das relações (econômicas, políticas e ideológicas) internacionais
(OLIVEIRA, 1976, p. 28), problematizando entre outros, os seguintes temas:
a) a conveniência ou inconveniência da industrialização do País; indústrias
naturais versus indústrias artificiais; livre-cambismo versus protecionismo;
destino agrário e futuro industrial do País; [...]
b) o alinhamento ou realinhamento do País no contexto das grandes
potências econômicas e militares; novo mundo e velho mundo. A Doutrina
Monroe; nacionalismo; ufanismo; pan-americanismo; pan-germanismo;
comunidade luso-brasileira;
c) a necessidade e os caminhos para orientar o País no sentido de uma
inevitável modernização institucional face ao impacto da emergente
sociedade urbano-industrial-tecnológica e de massas, com o mínimo
possível, ou mesmo sem nenhum risco para o tradicional esquema de elites
do Poder; a crise de degenerescência do caráter nacional”, a Liga de
Defesa Nacional, a campanha do serviço militar obrigatório, o retorno do
campo; a organização do Estado Nacional; a unidade política e social do
País; a superação das autonomias regionalistas e dos particularismos e
facciosismos político-partidários; o nacionalismo paulista; o fortalecimento
do Poder Central; o Estado forte; revisionismo constitucional;
tradicionalismo, autoritarismo e liberalismo;
d) a necessidade e os meios de integrar nossas massas urbanas
proletárias, então emergentes, no processo político nacional; a conversão
do ex-escravo, do mestiço alforriado e do imigrante em matuto e em
operário urbano; [...] investigação da personalidade do brasileiro;
superioridade e inferioridade racial;
e) o transplante de ideias e de doutrinas europeias e norte-americanas para
o Brasil e a crítica ao mesmo; cosmopolitismo e cultura nacional; a imitação
como defeito, o equivoco ou ingenuidade de nossas elites intelectuais; o
ceticismo; ensaios de confronto crítico dos modelos estrangeiros com a
realidade brasileira [...] através da postulação do “abrasileiramento” dos
mesmos (MEDEIROS, 1978, p. 07-08).
Não se pode, no entanto, atribuir exclusivamente a Escola Superior da Guerra
à criação desse pensamento político-ideológico, tão somente sua difusão, pois no
pensamento político brasileiro há elementos de etapas históricas anteriores
(OLIVEIRA, 1976, p. 24).5
Foi propriamente na concepção política que a Segurança Nacional visou
promover a internalização da segurança, passando da proteção contra agressões
externas para a criação de uma barreira interna contra a proliferação dos ideais
comunistas - agressões internas. Foi após uma reflexão sob a Guerra da Coréia,
que o conceito de Segurança Nacional sofre uma mudança substancial, refletida na
internalização desse conceito, isso porque o comunismo poderia manipular e
potencializar
5
as
tensões
sociais
brasileiras
em
decorrência
da
fase
do
Esse pensamento político-ideológico vem sendo desenvolvido muito antes do período pré-ditatorial
(1946-1964), já com Vargas – Revolução de 1930 – surge esse zelo reformista com o sistema político
e com a estrutura administrativa que continuará sendo explorado pelos seus sucessores presidenciais
(SKIDMORE,1976, p. 42).
27
desenvolvimento em que nos encontrávamos (OLIVEIRA, 1976, p. 27), pois se
verificava:
a) O despreparo e ineficiência das elites políticas.
b) A inadequação das estruturas políticas e instituições governamentais ao
encaminhamento das questões de desenvolvimento econômico e
Segurança Nacional.
c) A ingenuidade política e as características culturais do povo brasileiro,
que o tornam <<presa fácil>> da ação comunista.
d) Infiltração do movimento comunista internacional em todas as áreas,
setores e instituições sociais, numa ação que caracteriza uma agressão
interna (OLIVEIRA, 1976, p. 22-23).
Foi ao julgar as elites e as massas despreparadas para enfrentar o real
inimigo, que a Doutrina de Segurança Nacional se propõe a habilitá-las para a
interpretação e implementação dos Objetivos Nacionais, sendo que as Forças
Armadas apareciam como um instrumento para a manutenção da fronteira interna
ao comunismo. Essa intervenção passa a ocorrer de duas formas, diretamente, pela
alteração do quadro político-institucional, e, indiretamente, através da alteração e
controle de outros aparelhos – como por exemplo, imprensa, escolas, igrejas, etc
(OLIVEIRA, 1976, p. 41-55).
Com o espaço vazio deixado pelo presidente – crise da renúncia de Jânio
Quadros até a deposição de João Goulart – e com o medo gerado pela ameaça
comunista as classes sociais, os militares assumem o controle do país (FRANCIS,
1986, p. 43). Em 9 de abril de 1964, o poder militar institucionaliza a Segurança
Nacional do país contra a ameaça interna do comunismo, através do Ato
Institucional nº 1 (COUTO, 1999, p. 436). Em razão de sua fácil manipulação, são
retiradas das massas a plenitude da cidadania e a participação direta no processo
eleitoral de escolha dos governantes, que é considerada a primeira vinculação
ideológica da Doutrina da Segurança Nacional. Posteriormente, surge a segunda
vinculação ideológica da Doutrina da Segurança Nacional, que difundia a ideia de
que “o sacrifício do bem-estar poderia vir a ser uma pré-condição da realização dos
Objetivos Nacionais, especialmente da Política de Segurança Nacional” (OLIVEIRA,
1976, p. 42).
Da propositura da revolução foram reforçados no decorrer do período, o
autoritarismo, a impunidade e a censura, que vão desde o AI (Ato Institucional) nº 1,
em 1964, até o governo do Presidente Figueiredo, iniciado em 1979. Na tentativa de
eliminar o vírus comunista da sociedade brasileira buscou-se eliminar todo tipo de
28
contestação comunista contra a “revolução democrática”, através de prisões,
cassações, etc. “Em termos ideológicos, significava reprimir os dissidentes e suas
formas de organização como germens introduzidos de fora para dentro, pela
subversão internacional, sendo considerados como ‘inimigos internos’” (SADER,
1990, p. 19). Protestos organizados
por estudantes e intelectuais comunistas
valeram-se como justificativa para o AI-5, que fortificou o combate contra a ameaça
virulenta do comunismo (FRANCIS, 1986, p. 47).
Os Atos Institucionais foram promulgados após a “Revolução de 64” para
legitimar diversas ações tomadas pelo militares brasileiros contra a ordem
constitucional. A Constituição de 1964, vigente na época da revolução, não
autorizava as práticas legitimadas pelos Atos Institucionais, por esta razão a
necessidade dos Atos (decretos). Entre o início da revolução até seu término, foram
impostos diversos Atos Institucionais, dentre eles, destacamos: o AI nº 1, que
cassou os direitos políticos e os direitos dos cidadãos da oposição ao regime, que
marcou as eleições de 1965 – este ato ia desde limitações às garantias individuais,
passava por cassações políticas, sequestro, tortura e alcançavam até a morte; o de
nº 3, que estabeleceu eleições indiretas para os governos dos estados, prefeitos das
capitais da Federação e para os municípios que eram rotulados como vitais para a
Segurança Nacional; e o AI nº 5, que fechou o Congresso Nacional, suspendeu as
garantias previstas na Constituição e que outorgou plenos poderes ao Poder
Executivo para legislar sobre as mais diversas áreas.
O AI nº 5 promoveu a suspensão dos direitos do cidadão, como o habeas
corpus, a liberdade de ir e vir, direito a greve, livre associação sindical, proibição de
frequentar determinados lugares, etc. Com posse do Presidente Costa e Silva e a
decretação do AI nº 5, em dezembro de 1968, diversas manifestações culturais e a
imprensa
foram
censuradas.
Movimentos
que
se
opunham
ao
governo
anticomunista eram reprimidos. Políticos comunistas foram cassados, prisões e
torturas
foram
necessárias
para
salvaguardar
nossa
Segurança
Nacional
(RODRIGUES, 1990, p. 03).
Fez-se a “revolução” para salvaguardar nossa “Segurança Nacional”, nossa
“democracia”, “nossos ideais”, “crenças”, fez-se a “revolução” para salvar o país do
comunismo. Para salvar o país dessa ameaça houve a necessidade de se
restabelecer a ordem social e retomar a expansão econômica, foram necessários
atos mais fortes e intensos – Atos Institucionais – para eliminar a ameaça
29
“comunista” já instalada em nosso Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como nos
sindicatos, escolas, sistemas de difusão (rádio, televisão e jornais, por exemplo),
dentre outros, pois caracterizavam uma ameaça interna a Segurança Nacional.
Surge assim, no contexto de preservação da estrutura sobre a qual está assentada a
sociedade brasileira o principal elemento para a formulação de uma Teoria de
Segurança Nacional, a ideologia (OLIVEIRA, 1976, p. 28).
1.3 O golpe militar de 1964: a ideologia e seus enunciados narrativos 6
O mundo, principalmente no pós-Segunda Guerra Mundial, vive uma alta
conflituosidade econômica, política e social. No intervalo entre os anos de 1946 e
1964, no período do pré-golpe militar, no Brasil não é diferente, pois esse período
também é marcado por uma alta desordem, tanto no espaço econômico, quanto na
esfera social e política, que demandaria a necessidade de uma alteração das bases
da comunidade brasileira. Assim, abastecidos pelas ideias populistas de Getulio
Vargas, a sociedade brasileira inicia um processo de auto-organização democrática
que,
entretanto,
viria
a
ser
afetado
drasticamente
nos
anos
seguintes
(ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 1985, p. 12-13). Durante este período, o
embrião do golpe militar já germinava em algumas esferas da comunidade brasileira,
aguardando o momento adequado para revelar.
Quando da inesperada renúncia à Presidência da República em 25 de agosto
de 1961 por Jânio Quadros, seu Vice-Presidente, João Goulart estava fora do País,
cumprindo suas obrigações diplomáticas oficiais nas nações orientais, China
6
Por definição do direito público moderno, define-se como ditadura o período decorrente da adoção
de regimes autoritários por parte dos Estados diante das crises das democracias depois da Primeira
Guerra Mundial, e não como estado de exceção. Terminologicamente, estado de exceção tem suas
origens no iustitium Romano. Em Roma, quando houvesse notícia de algo que poderia por em perigo
a República, o Senado emitia um senatus consultum ultimum, onde pedia aos seus cônsules,
pretores, tribunos e até mesmo aos cidadãos, para que tomassem qualquer medida a fim de salvar o
Estado. Era com base na declaração do tumultus (situação de emergência provocada, por exemplo,
por uma guerra externa, insurreição ou guerra civil) que se proclamava o iustitium. Este termo
significa, literalmente, “interrupção, suspensão do direito”. Ou seja, com sua declaração, acarretava a
suspensão, não apenas da administração da justiça, mas a suspensão do próprio direito, produzindose um vazio jurídico. Efetuava uma interrupção e uma suspensão de toda a ordem jurídica. Por esta
razão, não se pode interpretar o estado de exceção sob o paradigma de uma ditadura.
Modernamente, o estado de exceção e ditadura é tido como sinônimos, o que contribui para a
interpretação do instituto e forma equivocada. Estado de Exceção não se confunde com ditadura, pois
esta se configura através da plenitude de poderes, e aquele, pela interrupção do direito (AGAMBEN,
2004, p. 67-74).
30
Comunista, Polônia, URSS. De regra, com a renúncia do presidente, seu posto
deveria ser assumido pelo vice, João Goulart, porém, ao tempo de sua ausência do
país dada sua missão diplomática, os ministros militares se opõem a sua posse
(FIORIN, 1988, p. 26).
Em razão das relações políticas de Goulart, os lideres militares eram
contrários a Goulart,7 especialmente os três ministros militares, General Odílio
Denys, Brigadeiro Grun Moss e Almirante Sílvio Heck, que agiram vigorosamente
para impedir o regresso de Goulart como Presidente. No entanto Goulart possuía
apoio de alguns governadores (Rio Grande do Sul, Goiás, Santa Catarina e Paraná),
de facções do exército (especialmente o III Exército) e de populares, que se
pronunciaram a favor da posse de Goulart. Ora, impedir que Goulart assumisse o
poder era ilegal, uma vez que o mesmo tinha sido eleito para tal pela população
(PARKER, 1977, p. 20-21).
Tal ato inflama movimentos populares no Brasil denominados Movimentos da
Legalidade – composto por operários, estudantes e aliados ao progressismo –, que
buscavam a posse de João Goulart. No Rio Grande do Sul, as manifestações foram
intensas e encabeçadas pelo governador do Estado do Rio Grande do Sul, Leonel
Brizola. Temerosos de uma eventual guerra civil, os ministros militares aceitam a
solução aprovada pelo Congresso, anuindo com a posse de João Goulart, com uma
série de restrições advindas do sistema parlamentarista (BARROS, 1990, p. 58).
Aconselhado a aceitar a diminuição de seus futuros poderes presidenciais como
uma forma de evitar uma possível guerra civil – principalmente entre o Rio Grande
do Sul e o Governo Federal – João Goulart acaba anuindo à proposta, colocando um
fim ao perigo imediato de guerra. Assim, no dia 2 de setembro de 1961, chega-se a
um meio-termo, estabelecendo-se um sistema parlamentarista modificado no Brasil,
e no dia 7 de setembro de 1961, João Goulart foi empossado como Presidente do
Brasil sob esse regime parlamentarista modificado (PARKER, 1977, p. 20-21).
7
Quando retornou à Presidência em 1951, Getúlio Vargas convidou seu afilhado e fiel colaborador
político João Goulart para assumir o Ministério do Trabalho. A parcela antigetulista do governo via em
Jango um “demagogo sindicalista”, “admirador do justicialismo peronista”. Goulart era visto pelos
círculos militares de maior influência com sendo, no mínimo, esquerdista. Em razão de sua viagem a
China, defendia uma política econômica externa aberta com países comunistas, e como apoiava a
revolução cubana, ficou ainda mais rotulado (LABAKI, 1986, p. 35-56). Sobre o manifesto dos
Ministros Militares, de 30 de agosto de 1961, contra a posse de João Goulart na Presidência da
República quando da renúncia de Jânio Quadros, ver: ANDRADE, Auro Moura. Um congresso
contra o arbítrio: diários e memórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
31
A reforma constitucional determina que um presidente, eleito pelo
Congresso, nomearia um primeiro-ministro com a aprovação da Câmara dos
Deputados; o primeiro-ministro, como presidente do gabinete,
desempenharia os poderes executivos anteriormente exercidos pelo
presidente; o Congresso poderia destituir o primeiro-ministro; um plebiscito
seria realizado em 1965 para que o povo decidisse se o regime
parlamentarista continuaria a existir no Brasil o não (FIORIN, 1988, p. 26).
Assim, foram atribuídos ao Congresso Nacional parte dos poderes
presidenciais. Somente no dia 06 de janeiro de 1963 houve a sanção negativa por
parte da população brasileira, que votou contra o regime parlamentar, assim, voltouse novamente ao regime presidencialista. Foi em 1963, após um plebiscito
questionando a população sobre a permanência ou não do sistema parlamentarista,
que os plenos poderes presidenciais foram “restituídos” a Goulart. Goulart torna-se,
enfim, Presidente. De um total de 12.773.260 votos, 9.457.448 foram pelo retorno ao
presidencialismo e 2.073.582 pela manutenção do parlamentarismo. 935.072 votos
foram nulos e 307.158 em branco (BARROS, 1990, p. 60-61).
Quando de sua posse, o Presidente Goulart herdou uma economia muito
enfraquecida, em parte, pela política de crescimento muito rápido realizada pelo exPresidente Juscelino Kubitschek – “cinquenta anos de progresso em cinco” –, e em
parte pelas consequências imediatas das medidas econômico-financeiras colocadas
em prática pela administração de Jânio Quadros (PARKER, 1977, p. 31). A realidade
brasileira enfrentava diversos problemas sociais ligados principalmente ao
crescimento da população nas metrópoles que exigiam do governo políticas públicas
nas áreas da saúde, habitação, educação, transporte e saneamento básico. No
campo, os trabalhadores rurais enfrentavam uma verdadeira miséria, isto porque
foram deixados à margem das políticas desenvolvimentistas, crescendo também a
mobilização em defesa da reforma agrária (BARROS, 1990, p. 60).
No governo, Goulart adotou uma política interna independente que visava
controlar a inflação e manter o crescimento, evitando eventuais pontos de
estrangulamento no sistema, os quais introduziram medidas de reforma tributária e
agrária. O plano projetava um alto nível de investimento para dar continuidade ao
crescimento econômico, que seria financiado através da criação de novos tributos
impostos aos setores mais ricos da população e pela redução de subvenções
governamentais às indústrias. Externamente, a política adotada por Goulart
depreciava as alianças comprometedoras e dava certa recomendação a uma
abertura para com os países do bloco comunista, por serem potenciais parceiros
32
comerciais do Brasil (PARKER, 1990, p. 28-55). Já as relações com os EUA eram
mantidas diplomaticamente com muita cautela e habilidade, ainda mais quando
sobrevieram as crises de 61 e 62, envolvendo Cuba (BARROS, 1990, p. 60).
Enfrentando crises atrás de crises, o governo pouco realizava. Assim como o
executivo, o legislativo pouco apresentou em 1963, sendo considerado um de seus
maiores períodos de improdutividade legislativa. O ano terminou com grandes
impasses no governo. Dentro do plano econômico, pretendia-se estabilizar a inflação
e reduzi-la em 30%, no entanto a inflação que já era de 60% em 1963 agravou-se
ainda mais. O Produto Interno Bruto (PIB) atingiu sua taxa mais baixa, 1,5%. O
déficit do Tesouro Nacional atingiu 500 bilhões de cruzeiros, enquanto que a
previsão era de no máximo 300 bilhões negativos. As despesas com pagamentos
cresceram 65%, enquanto estava estabelecido previamente um total de 34%
(BARROS, 1990, p. 61-64).
A administração federal tornara-se ineficaz, cada vez mais cresciam as
dificuldades estruturais para a implantação das Reformas de Base, tensões nas
relações econômicas internacionais, o alto custo de vida – decorrente da inflação –,
tornava obscuro o futuro do país. O governo de Goulart passa a sofrer pressões
realizadas por movimentos populares organizadas, pela esquerda em geral e
também pela violenta oposição dos setores civis e militares. Na tentativa de buscar o
apoio popular, Goulart, através de sua assessoria sindical e do Comando Geral dos
Trabalhadores, organiza, no dia 13 de março, o Comício das Reformas, na Central
do Brasil (BARROS, 1990, p. 65).
[...] no dia 13 de março, num grande comício na praça em frente à Central
do Brasil (ao lado do Ministério da Guerra), anunciou sua disposição de
lançar o governo na campanha pelas reformas de base. Assinou dois
decretos. Um desapropriava as terras ociosas das margens das rodovias e
açudes federais. Outro encampava as refinarias particulares de petróleo. No
palanque, o líder do governo no Senado disse que “se o Congresso
Nacional não aprovar as reformas, perderá sua identidade com o povo”. Era
um governo em crise, com a bandeira das reformas hasteada no mastro da
intimidação. À tensão política somava-se um declínio econômico. O
presidente dizia que “o vertiginoso processo inflacionário a que estamos
submetidos irá fatalmente arrastar o país à bancarrota, com todo o sinistro
cortejo de um desastre social de proporções catastróficas”. Os
investimentos estrangeiros haviam caído à metade. A inflação fora de 50%
em 1962 para 75% no ano seguinte. Os primeiros meses de 1964
projetavam uma taxa anual de 140%, a maior do século.Pela primeira vez
desde o fim da Segunda Guerra a economia registrara uma contração na
renda per capita dos brasileiros. As greves duplicaram, de 154 em 1962,
para 302 em 63. O governo gastava demais e arrecadava de menos,
33
acumulando um déficit de 504 bilhões de cruzeiros, equivalente a mais de
um terço do total das despesas (GASPARI, 2002a, p. 48).
Após a realização do Comício, setores representantes das classes médias –
grandes proprietários e políticos de direita
–, erguendo a bandeira do
anticomunismo, fé religiosa e da moral, saem às ruas para pedir o impeachment de
Goulart. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, realizada no dia 19 de
março, em São Paulo, reuniu cerca de 500 mil pessoas (BARROS, 1990, p. 65).
Era propagado pelas mídias que o governo de Jango atentava para toda a
propriedade privada do país e que sua campanha comunista colocava em risco o
direito de propriedade, à integridade da família, às escolas privadas, direito de
expressão e de organização. Março passou a ser o mês do golpe. Tem início as
articulações de grande parte da cúpula civil e de parcela da oficialidade militar
(SADER, 1990, p. 15-16).
Entre os grupos que preparavam a derrubada de Jango, o mais importante
e mais bem organizado era o que reunia, sob o comando do general
Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército, militares da Escola
Superior de Guerra e civis do Ipes. Muito mais do que uma sólida
consciência golpista, esses oficiais possuíam um projeto de governo,
formando a ideologia de que representavam a retomada nacional de ‘ideais
modernizantes’, cultivados desde a década de 1920 (BARROS, 1990, p. 6667).
No dia 31 de março de 1964 os militares colocam seus equipamentos e tropas
na rua. É o golpe. O movimento é fulminante. Não houve resistência. O presidente é
deposto em nome do “anticomunismo”, da “democracia”, da “governabilidade” e da
“ordem” (COUTO, 1999, p. 435).
Surge assim, um acordo historiográfico entre os vencedores e vencidos, onde
foi estabelecido que Jango fora derrubado pela vontade geral do povo e das Forças
Armadas (GASPARI, 2002a, p. 84), conforme demonstrado pela capa do editorial O
Globo, do dia 2 de abril de 1964, apud Barbosa (2007, p. 185):
Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas,
independente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre
problemas isolados para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a
ordem. Graças a decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que
obedientes a seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam
destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo
irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários a sua
vocação e tradições.
34
O discurso propagado atinge sua finalidade. As Forças Armadas acendem ao
poder e inicia-se o expurgo da ameaça “comunista”. Foi graças ao discurso
propagado, mais acentuadamente a partir de 1961, que se manifestaram na
sociedade brasileira formações ideológicas. Foi graças às representações
elaboradas a partir da realidade, que se manifestou na falsa consciência popular, a
manipulação dessas pelo novo regime que iria se instalar. Em 1961 tem início a
campanha
ideológica
civil-militar
que
resultaria
na
“Revolução
de
1964”.
Compreendendo atividades que objetivavam efeitos a longo prazo, com reflexos
sociais, econômicos e políticos, foram colocadas em prática duas modalidade de
ações: primeiramente uma ação ideológica e social, e posteriormente, uma ação
político-militar (DREIFUSS, 1981, p. 231).
Na ação ideológica e social, a doutrinação geral tinha como finalidade
apresentar ao público em geral algumas abordagens realizadas pela elite orgânica
visando infundir e fortalecer nessas pessoas atitudes e pontos de vista mais
tradicionais – direita –, e concomitantemente, estimular de forma negativa, pontos de
vista mais popular-reformista – comunista. Essa doutrinação geral foi realizada pela
mídia, através de uma “ação encoberta e ostensiva, de forma defensiva e defensivoofensiva”, constituindo-se de uma medida neutralizadora do pensamento que estava
sendo propagado no país desde a era Vargas. Com base nessa infusão e
fortalecimento de atitudes e pensamentos mais tradicionais, foi-se modelando
diversas frações da sociedade em prol da mobilização popular (DREIFUSS, 1981, p.
231-232).
Os canais de persuasão e as técnicas mais comumente empregadas
compreendiam a divulgação de publicações, palestras, simpósios,
conferências de personalidades famosas por meio da imprensa, debates
públicos, filmes, peças teatrais, desenhos animados, entrevistas e
propaganda no rádio e na televisão (DREIFUSS, 1981, p. 232).
Começou assim a ser articulado amplas campanhas publicitárias e de
propaganda a fim de se manipular a opinião pública. Graças a seu relacionamento
“especial” com os mais importantes jornais, rádios e televisões brasileiras, o
complexo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) / Instituto de Pesquisas e
35
Estudos Sociais (IPES) – IPES/IBAD –, passa a gerar influências na opinião pública
sobre assuntos de seu interesse.8-9
A propaganda ideológica permite disseminar, de forma persuasiva, para
toda a sociedade, as idéias de determinado grupo. Depois de emitida
através dos diversos meios e suportes de comunicação, elas passam a ser
retransmitidas, direta ou indiretamente, no seio das diversas instituições
sociais, ampliando e reforçando o processo de difusão. A ideologia, dessa
forma, se espalha e impregna todas as camadas da sociedade. Na família,
na escola ou no trabalho, em todas as partes e por todos os meios, todos
passam a ser orientados para os mesmos fins e enquadrados dentro dos
mesmos princípios (GARCIA, 1984, p. 78).
Foi assim, através de uma guerra psicológica propagada, principalmente,
através da rádio e da televisão, que a elite orgânica influenciou seus militantes
contra o Executivo de Goulart.
O IPES conseguiu estabelecer um sincronizado assalto à opinião pública,
através de seu relacionamento especial com os mais importantes jornais,
rádios e televisões nacionais, como: os Diários Associados (poderosa rede
de jornais, rádio e televisão de Assis Chateaubrind, por intermédio de
Edmundo Monteiro, seu direitor-geral e líder do IPES), a Folha de São
Paulo (do grupo de Octavio Frias, associado do IPES), o Estado de S. Paulo
e o Jornal da Tarde (do Grupo Mesquita, ligado ao IPES, que também
possuía a prestigiosa Rádio Eldorado de São Paulo). Diversos jornalistas
influentes e editores de O Estado de S. Paulo estavam diretamente
envolvidos no Grupo de Opinião Pública do IPES. Entre os demais
participantes da campanha incluíam-se: J. Dantas, do Diário de Notícias, a
TV Record e a TV Paulista, ligadas ao IPES através de seu líder Paulo
Barbosa Lessa, o ativista ipesiano Wilson Figueiredo do Jornal do Brasil, o
Correio do Povo, do Rio Grande do Sul e O Globo, das Organizações Globo
do grupo Roberto Marinho, que também detinha o controle da influente
Rádio Globo, de alcance nacional. Eram também ‘feitas’ em O Globo
8
O IBAD, fundado em 1959, tinha como finalidade o combate às políticas desenvolvimentistas
propostas pelo governo Juscelino Kubitscheck, planejando a inserção das grandes empresas e do
capital internacional no Brasil, onde se utilizava de ações publicitárias para influenciar os debates
econômicos, políticos e sociais do país. Era patrocinado por empresários brasileiros e
estadunidenses. O IBAD criou a Ação Democrática Popular, desviando recursos para financiar
candidatos contrários ao governo de João Goulart, nas eleições de 1962. O IPES foi criado logo após
João Goulart assumir a presidência, em 1961. Assim como o IBAD, era patrocinado por grandes
empresários brasileiros e pelo capital estrangeiro. Dedicava-se ao estudo e ao mapeamento do
comportamento das classes médias e financiava instituições que eram formadoras de opinião. Tanto
IBAD como IPES eram marcados pelo seu forte anticomunismo e apoiavam economicamente jornais
e revistas da grande imprensa para desgastar a imagem do governo de Goulart (FERNANDES, 2009,
p. 843-844).
9
Sobre o assunto, ver: CHAUI, Marilena; FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. Ideologia e mobilização
popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra: Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, 1978; BROWN.
James A.C. Técnicas de persuasão. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971; TCHAKHOTINE, Serge.
A mistificação das massas pela propaganda política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967;
DOMENACH, Jean-Marie. A propaganda política. São Paulo: DIFEL, 1963; GARCIA, Jahr Garcia. O
que é propaganda ideológica. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984; e, MUCCHIELLI, Roger.
Psicologia da publicidade e da propaganda. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora,
1978.
36
notícias sem atribuição de fonte ou indicação de pagamento e reproduzidas
como informação fatual. Dessas notícias, uma que provocou grande
impacto na opinião pública foi que a União Soviética imporia a instalação de
um Gabinete Comunista no Brasil, exercendo todas as formas de pressões
internas para aquele fim (DREIFUSS, 1981, p. 233).
Essa influência anti-Goulart e a ação eminente do “comunismo” no país
causou uma reação quase histérica, principalmente da classe média, que acabou
por fortalecer a necessária intervenção militar. Aliada a essa influência a elite
orgânica propagava a mensagem da necessária reformulação social, econômica e
política brasileira – ideologia nacional-reformista – dentro das classes trabalhadoras.
Afastado da notoriedade pública, o IPES deixava ao IBAD e a ADEP/Promotion S.A
a publicidade (DREIFUSS, 1981, p. 244-245). Assim o complexo IPES/IBAD montou
uma importante rede de influência ideológica tanto na comunicação como na
propaganda, utilizando-se de diferentes e variadas mídias de difusão para propagar
seus ideais e sua ideologia contra o governo.
Especial destaque merece a utilização da guerra psicológica pelos
golpistas. Esta consistiu em, a qualquer preço, veicular notícias –
independentemente de sua veracidade – que desenhassem para a opinião
pública (e é importante salientar que esta é formada tanto por civis como
por militares) um quadro de vitória do movimento contrário à posse de
Jango, além de também minimizar a resistência e taxá-la de ‘liderada por
comunistas’ (LABAKI, 1986, p. 59).
Aliada a toda a disseminação ideológica realizada pelo complexo IPES/IBAD,
a Igreja também exerceu um importante papel contra o governo de Goulart,
exercendo um dos mais influentes canais para a doutrinação golpista. Desde nossa
“descoberta”, a ideologia dominante no Brasil é a da contrarreforma da Igreja
Católica. Ainda está presente em nosso meio o espírito autoritário, anti-individualista,
absolutista. A ideia de algo que não seja imposto de cima para baixo é totalmente
contrária a essa ideologia (FRANCIS, 1986, p. 71-72). Nossas elites compartilhavam
dessa mentalidade – contrarreforma.10
10
Nossa colonização se processou pela ideologia da Contrarreforma que “[...] negava o próprio
conceito de nação, no que resite, por definição, à autoridade supranacional da Igreja, ainda que
obviamente tenha se ajustado à soberania de países e grupos que permaneceram fiéis a ela”. A
igreja sempre foi multinacional. Sua ideologia, gerou uma dependência com os grandes centros
estrangeiros, e apesar se nunca ser chamada de imperialista, estrangeira ou romana, sempre
adquiriu uma nacionalidade junto aos outros países, ou seja, o catolicismo é brasileiro, assim como a
Petrobrás. Atualmente, ela perdeu quase todo seu poder político – exceto em alguns países como
Espanha, Portugal e Irlanda, por exemplo. É considerada partícipe de todos os regimes autoritários
brasileiros até 1964, quando passou a ser considerada uma oposição tolerada. “É extraordinária a
relativa imunidade que a Igreja gozou todos esses anos na demonologia dos nossos nacionalistas e
37
A única divergência real dessas elites é sobre a forma que esse poder
deve assumir, se é do Estado-empresário, ou do Estado-militartecnocrático que financie o capital privado, ou do Estado Novíssimo, que
seja pai, irmão, professor e médico do povo. Todos são nacionalistas, se
definirmos esta palavra como o conceito de uma nação soberana e rica
(FRANCIS, 1986, p. 94).
Como se demonstrava papel fundamental para a elite orgânica, o clero –
orientação conservadora – proporcionava a comunicação com as bases sociais
populares, através de posições reformistas realizadas pela Juventude Operária
Católica, Juventude Estudantil Católica, Juventude Universitária Católica e pela
Ação Popular (DREIFUSS, 1981, p. 254), propagandeando contra a tentativa de
Goulart de tocar nos latifúndios e na propriedade privada. Assim, foram envolvidos
nessa propaganda ideológica da direita os proprietários de terra, os colégios
católicos, as famílias de classe média e baixa, dentre outros (SADER, 1990, p. 1516), sem os quais, não seria possível a ação político-militar, conforme transcrição do
dizer do General Golbery do Couto e Silva, apud Labaki (1986, p. 144):
Os movimentos que visam depor um presidente precisam da opinião pública
para ajudar a convencer os próprios militares. Assim, ocorreu em 1945, 54 e
64. Em 1961, os chefes militares agiram contra a opinião pública e tiveram
de retroceder . (...) Nós decidimos (em 1964) que só tentaríamos derrubar
Goulart quando a opinião pública estivesse claramente a nosso favor’.
A ação ideológica e social preparou o caminho para a ação político-militar, a
tal ponto que a queda do governo ocorreu em razão do movimento ideológico-social
civil-militar e não em razão do golpe das Forças Armadas contra o governo de
Goulart, pois este só ocorreu após sua queda, a fim de se consolidar a derrota
daquele que já estava caído.
Dentro dessa manifestação ideológica, a população é levada a uma falsa
consciência da realidade, a uma racionalização desejada pela elite civil, ou seja, a
ideologia é considerada como uma falsa consciência, a racionalização do que foi
desejado, conscientes disse ou não. A manifestação ideológica ocorre no nível
discursivo, no nível da semântica discursiva, assim as formações ideológicas se
manifestam. O campo onde se determina o discurso é complexo, pois existe uma
esquerdistas . Até críticos positivistas, na abertura ao secularismo, no século XIX, se concentravam
mais no obscurantismo cultural dos padres do que na influência diretamente política que exerciam”
(FRANCIS, 1986, p. 73-79).
38
manipulação consciente e uma determinação inconsciente, sendo que é através do
discurso que as representações elaboradas a partir da aparência do real (ideologia)
justificam aquela determinada visão do mundo – cosmovisão (FIORIN, 1988, p. 1113).11
O discurso não é um amontoado de frases, mas é regido por leis de
estruturação, para que ganhe sentido. Esses mecanismos de estruturação
discursiva, sua sintaxe, são dotados de uma relativa autonomia em relação
às formações sociais. Mecanismos como o discurso direto, o discurso
indireto, o discurso indireto livre, uma vez criados, podem veicular
conteúdos de distintas formações ideológicas. Isso significa que o lugar por
excelência da manifestação ideológica é o nível semântico do discurso
(FIORIN, 1988, p. 07).
Veiculando conteúdos distintos de formações ideológicas, o discurso torna-se
por demais complexo, manifestando sua manipulação tanto no campo da
manipulação consciente como no da inconsciente. No campo da manipulação
consciente – sintaxe discursiva – o anunciador utiliza-se de ferramentas
argumentativas para criar efeitos de verdade e realidade, a fim de convencer o
interlocutor de seu discurso. Organizando uma estratégia discursiva o anunciador
molda a imagem da realidade. Já o campo das determinações inconscientes é
composto de diversos temas e figuras que visam explicar os fatos do mundo,
oriundos de outros discursos. Este é, propriamente dito, o campo da determinação
ideológica, que pode ser também, consciente, embora seja primeiramente
inconsciente (FIORIN, 1988, p. 11-12).
Marx mostra, em O Capital, que já no real um nível de essência e um nível
de aparência. No modo de produção capitalista, a aparência do real é vista
como o próprio real. O capitalismo engendra formas que mascaram sua
essência. Assim, por exemplo, no nível da circulação (aparência), todos os
homens aparecem como iguais, pois todos são detentores de mercadorias,
que são trocadas. Alguns vendem seu trabalho, livres de quaisquer vínculos
de dependência pessoal; são livres para estabelecer relações contratuais
com outros homens e em troca recebem um salário. Aprofundando-se, no
entanto, a análise, nota-se que eles não vendem seu trabalho, mas sua
força de trabalho. Com isso, observa-se que a jornada de trabalho divide-se
em tempo de trabalho e tempo de trabalho não pago. O capitalista apropriase do trabalho não pago, constitutivo de mais-valia. O salário, que não é
senão o elemento destinado à reprodução da mão-de-obra, apaga a
distinção entre tempo de trabalho necessário à reprodução da força de
trabalho e tempo não pago. O salário, no nível da aparência, aparece como
o pagamento do trabalho e não da força de trabalho (FIORIN, 1988, p. 12).
11
Sobre o assunto, ver: CHAUI, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2001; e,
MARX, Karl; Engels, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Hucitec, 2002.
39
Em O Capital, Marx demonstra que no nível da aparência as relações sociais
aparecem como relações entre indivíduos livres e iguais, no entanto, na essência,
são relações entre classes sociais e não relações entre pessoas. Em Marx
entendemos que a ideologia, aplicada ao presente trabalho, não se entende
simplesmente como uma visão do mundo – cosmovisão –, mas como o ponto de
vista de uma classe social. Criando-se um conjunto de representações mais
elaboradas a partir da aparência do real, a ideologia apresenta um conjunto de
racionalizações que justificam a sociedade burguesa (FIORIN, 1988, p. 11-13). A
ideologia propagada é, senão, uma visão de mundo, o ponto de vista de uma classe
social, a burguesa.
Ideologicamente, a intervenção militar assume duplo significado, em um
primeiro momento, voltou-se a impedir a continuidade da ascensão dos movimentos
populares e, posteriormente, passou a contestar as antigas alianças da burguesia –
que estavam em crise desde o Estado populista – garantindo-se a permanência do
Estado capitalista brasileiro, garantindo, a acumulação de capital.12
Quando da eleição de Goulart para a Vice-Presidência, houve uma série de
enunciados narrativos prejudiciais ao golpe, que devem ser analisados. Primeiro
temos uma eleição legítima, um contrato entre o povo (destinador) e Goulart
(destinatário). É o destinador que escolhe seu destinatário e não determinada classe
(os militares, por exemplo), assim, em qualquer enunciado narrativo, é fundamental
que exista uma relação entre a posse e o desapossamento, alternância ou não
alternância no poder, alterações em alíquotas de impostos, supressão de direitos,
dentre outros. Assim, o ideologia propagada menciona que o país está a beira do
abismo, sendo que
no fundo deste abismo estaria o comunismo – teoria do
discurso. Goulart havia se aliado aos comunistas e estaria levando a nação ao caos.
O discurso, na ideologia, tentou demonstrar que, quando da aliança entre Goulart e
o comunismo, houve uma ruptura do contrato que foi realizado entre ele e a
população brasileira, e teria sido firmado um novo contrato, desta vez entre Goulart
e o comunismo. Houve uma traição por parte de Goulart – discurso – que,
posteriormente de verifica como a justificação para sua deposição como Presidente.
A partir desse discurso e da ideologia propagada, o povo reconhece a traição de
Goulart. A imprensa, a igreja e outros atores executam o papel de informar a
12
Sobre o assunto, ver: ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Rio de
Janeiro: Graal, 1985.
40
sociedade da verdade. São realizadas marchas (por exemplo, a marcha da família
com Deus pela liberdade) e são realizados diferentes pronunciamentos por diversos
segmentos da sociedade (FIORIN, 1988, p. 27-35).
No golpe de 64, tudo que não se queria era rotular o movimento como sendo
um golpe de estado, por esta razão, buscou-se na legitimidade popular a
qualificação de que a ação foi um movimento revolucionário em prol da democracia
e do povo.
Ora, uma das preocupações dos que tomaram o poder em março foi
justamente qualificar o seu movimento como ‘revolucionário’. Para isso, o
movimento precisaria de legitimidade popular. O discurso centra, por isso,
seu objetivo na constituição de um destinador capaz de dar legitimidade à
deposição de Jango e à instauração do regime militar. Poderíamos, então,
dizer que o discurso da ‘revolução’ é a narrativa do estabelecimento do seu
destinador (FIORIN, 1988, p. 33).
Como o movimento revolucionário se levanta para salvaguardar a democracia
e o povo, quem seria o sujeito capaz de dar legitimidade à deposição do Presidente
Goulart evitando-se que ele leva-se a nação ao fundo do abismo (comunismo)? A
Constituição confiava aos militares à missão de “defender o País e garantir os
poderes constitucionais, a lei e a ordem”. Foi nesse espírito que os Militares se
levantam contra o “comunismo”, em defesa da “democracia”, em defesa do “povo”.
Fez-se a ‘revolução’ para salvar a democracia e, em nome dessa salvação,
fecha-se o Congresso, cassam-se mandatos, aposentam-se e demitem-se
funcionários públicos, institui-se a censura à imprensa, não se respeitam os
direitos individuais inscritos na Constituição, legisla-se por decretos, retiramse as garantias de inamovibilidade e vitaliciedade da magistratura (FIORIN,
1988, p. 49).
Assim, em 1964, o discurso instaura as Forças Armadas como o sujeito capaz
de fazer o querer popular, graças à ilusão referencial da “revolução” (FIORIN, 1988,
p. 37). O Brasil diante disso assiste a um golpe que primeiramente depõe o
Presidente da República, e posteriormente deflagra uma intensa repressão social.
Para cumprir os Objetivos Nacionais, que são considerados a representação
dos interesses da Nação, o Estado dependia da superação de todos os
antagonismos internos (nacionais) e externos (internacionais). O regime político –
democrático – nem sempre oferece garantias de que esses Objetivos serão
cumpridos e, por esta razão, passou-se a subordinar a segurança ao poder, pois
sem poder não há segurança (OLIVEIRA, 1976, p. 43-46).
41
Poder expressa a energia capaz de conseguir que a conduta dos demais se
adapte à vontade própria. É uma influência sobre outros sujeitos ou grupos
que obedecem por haver sido manipulados ou atemorizados com uma
ameaça de emprego da força. Mesmo que em algumas ocasiões não seja
necessário exercer o Poder, pois que o possui consegue seus objetivos
apelando à sua autoridade ou à sua capacidade de persuasão, em outras é
preciso recorrer à força para fazer valer sua posição (CRUZ, 2001, p. 55).
Para poder governar, é indispensável controlar as situações sociais, ou seja,
possuir capacidade de obter dos outros, obediência. É através do poder que o
indivíduo/grupo de indivíduos consegue que outro indivíduo/grupos de indivíduos
faça ou deixem de fazer o que ele/eles desejam. Esta capacidade de obter
obediência deriva basicamente de três fontes: coerção, persuasão ou a
retribuição/recompensa. Em outras palavras: força, ideologia e utilidade (CRUZ,
2001, p. 57).13
Estas fontes de Poder se encontram interrelacionadas em todas as
situações, mas a preponderância de algumas delas, em cada caso ou
situação, realça um tipo de Poder predominantemente coercitivo, persuasivo
ou retributivo, aplicado ao Governo daquele momento (CRUZ, 2001, p. 5758).
Assim, em decorrência de uma instabilidade político-institucional que
acometeu os primeiros anos da década de 60, nossa história ofereceu, diversas
respostas “satisfatórias” aos principais questionamentos do por que da intervenção
militar (OLIVEIRA, 1976, p. 43-46).
A nova ordem do movimento de março de 1964 como vinculado à
contenção dos movimentos populares e representando, em última instância,
a contestação de um tipo de dominação política que se mostrava débil na
preservação dos fundamentos do Estado capitalista brasileiro (OLIVEIRA,
1976, p. 55).
Dentro do sistema ideológico pregado em nome da salvaguarda da
Democracia e do povo, são encontrados erros e fracassos realizados em nome da
manutenção de altos valores morais. A ideologia permite esses erros e fracassos,
assim como violência e hipocrisia (CHOMSKY, 1989, p. 19), isso porque a “[...] a
13
A relação entre o Estado e seus cidadãos é um exemplo do poder coercitivo/força, uma vez que
aquele detém o monopólio da coerção, visto que deve constituir-se como o soberano na sociedade.
Por sua vez, um exemplo de persuasão/ideologia é o que as igrejas ou partidos políticos exercem
sobre seus fiéis/afiliados. Por fim, a retribuição/utilidade é o que acontece, por exemplo, entre
empresários e trabalhadores (CRUZ, 2001, p. 58-59).
42
ideologia é dotada de força para manter-se, uma vez que, por um estranho
paradoxo, tal força lhe vem da negação do real” (CHAUÍ; FRANCO, 1978, p. 121).
Surgem diversos personagens e instituições sombrias, cuja atuação era
dirigida àqueles que se opunham ao regime, sendo submetidos a atos de tirania e
vilania, como a prática do homicídio, sequestros, desaparecimentos forçados,
violência e tortura. Estes fatos e inúmeros outros foram praticados em nome da
Segurança Nacional.
A flexibilização do conceito de comunismo, ou seja, a sua amplitude, é a
base ideológica para fundamentar um dos conceitos-chave da DSN: o do
“inimigo interno”. Partindo da premissa de que o comunismo não seria
estimulado via uma agressão externa, mas, sim, insuflado dentro das
fronteiras nacionais de cada país, esse conceito é fundamental para explicar
e legitimar as medidas tomadas pelos governos ditatoriais (FERNANDES,
2009, p. 838).
Opor-se ao governo, era estar contra a nação brasileira e porque não, contra
a aliança dos países democráticos. Estar contra a democracia era jazer a favor dos
inimigos comunistas (FIORIN, 1988, p. 43).
Quando as pessoas são divididas em ‘leais’ e ‘criminosas’, um prêmio é
dado a qualquer tipo de conformista, covarde e servil, enquanto entre os
‘criminosos’, podemos encontrar uma porcentagem singularmente alta de
pessoas discretas, sinceras e verdadeiras consigo mesmas (MILOSZ, 2010,
p. 209).
O discurso propagado possuía a função de ocultar os verdadeiros fatos por
detrás da ditadura militar, assim, para o governo, todas as diligências realizadas
(atos institucionais, leis, sequestros, etc.) foram realizados para salvaguardar a
democracia, a liberdade e a segurança (FIORIN, 1988, p. 45).
É bem verdade que a operação ideológica encontra limites, pois as
contradições não desaparecem pelo simples fato de permanecerem
soterradas sob as representações e as normas de sorte que malgrado as
“essências”, o discurso ideológico é forçado a “reparos” periódicos (CHAUI;
FRANCO, 1978, p. 122).
Dentro do discurso ideológico, toda oposição a qualquer medida Estatal é
uma oposição à democracia e constitui crime de lesa-pátria. Em razão de seu poder
originário e autônomo, o Estado (como expressão da coletividade) prevalece sobre
os sujeitos individuais em todos os diversos setores da vida. Por isso, todos os
crimes comuns praticados durante o regime são considerados crimes contra o
43
Estado, crimes contra a Segurança Nacional (FIORIN, 1988, p. 100). Assim, toda a
ação criminosa gera uma punição ao se perpetrador, portanto,
A tortura é justificada porque o sujeito precisa penetrar no meios inimigos.
Precisa obter informações. O fim justifica o meio. A obtenção de
informações faz-se pelo exercício da força bruta (tortura) ou pela persuasão
segundo o poder, seja a tentação, seja a intimidação (FIORIN, 1988, p. 73).
O discurso propagado relata que existe um confronto ideológico entre
democracia e comunismo. No entanto,
A oposição / democracia / vs. / capitalismo / não pode ser estabelecida
porque, embora esses lexemas apresentem diferenças, não revelam
nenhuma semelhança que possa servir de base a essa oposição, uma vez
que ‘comunismo’ corresponde à infra-estrutura econômica, enquanto
democracia está relacionada ao nível jurídico-político da superestrutura. O
antônimo de comunismo é capitalismo; o de democracia é ditadura (FIORIN,
14
1988, p. 110).
Atuando nos campos econômico, político e psicológico, a Guerra Fria evita
confrontos armados e na medida que mobiliza o Estado para uma guerra fantasma,
se militariza todas as ações estatais e se recategorizam os papéis sociais pois todos
se tornam responsáveis pela Segurança Nacional, que se torna abrangente em
razão da estratégia formulada (FIORIN, 1988, p. 113).
Segurança é a Segurança Nacional, que é a ‘capacidade que o Estado dá à
nação de impor os seus objetivos permanentes’ (vontade única) a todas as
forças antagônicas. Assim, a segurança é a ‘capacidade moral, espiritual e
material de um povo’ para sobrepor-se aos oponentes. Tudo, portanto, é
objeto de Segurança Nacional e ela passa a ser responsabilidade de todos.
As Forças Armadas são apenas um dos meios de segurança. Nesse caso, a
segurança é a totalidade do poder do Estado, encarnado pelo governo.
Tudo e todos, sendo fatores de segurança, passam a ser adjuvantes do
governo. Nesse caso, os imperativos da Segurança Nacional confundem-se
com os ideais do governo e os oposicionistas podem ser rotulados de
traidores da pátria (FIORIN, 1988, p. 100).
Diante da ideologia propagada, cabe também ao povo, sobrepor-se ao
comunismo, pois esta também é sua função, sua responsabilidade. Na tentativa de
propagar novamente os ideais de democracia no Brasil e no mundo, os brasileiros
combatem o comunismo como combateram o nazismo, visando restabelecer a
14
“Democracia é uma palavra tão banalizada e vulgarizada que é preciso anunciar logo que não
estou falando de voto, direito ou indireto, e, sim, de acesso social, do direito de acesso, do qual em
toda nossa história as elites sempre tiveram um monopólio de mínima porosidade, o que talvez
explique a paixão adesiva ao convencional dos poucos conseguirem realizar a longa e perigosa
viagem de baixo para cima” (FRANCIS, 1986, p. 104).
44
autodeterminação dos povos, alcançar a paz universal, etc. Comunismo e nazismo
não são mais antônimos, mas agora, sinônimos.
À medida que todos são mobilizados em torno do mito de uma guerra
fantasma, anula-se a oposição entre atividades militares e não militares e
militarizam-se todas as ações. A política interna gira ao redor da política
externa. Todos os conflitos sociais desaparecem, assim como todos os
problemas da política interna, pois qualquer conflito interno não é senão
manifestações de confronto entre ‘nações livres’ e ‘nações totalitárias’. A
política é assimilada à guerra imposta pelo comunismo. Assim, anulam-se
duas oposições semânticas: / civil / vs. / militar / / política / vs. / exército /.
Toda a nação está engajada numa única estratégica e, por isso, todas são
adjuvantes comandados pelo ‘governo’. [...] Assim recategorizados em seu
papel, todos se tornam responsáveis pela Segurança Nacional. O conceito
de Segurança Nacional torna-se bastante abrangente, porque todas as
tarefas da sociedade estão em função de uma estratégica bélica. Além
disso, como o inimigo está dentro do país anula-se a oposição entre polícia
e exército, a quem tradicionalmente cabiam, respectivamente, as tarefas de
manter a ordem interna e defender a pátria das agressões externas. Por
isso, assistimos ao engajamento do exército nas tarefas de repressão
política (FIORIN, 1988, p. 113).
O discurso é dirigido sobremaneira às classes médias, sendo que invoca
nessas classes os valores tradicionalmente imputados a elas. O discurso demonstra
que a classe média urbana e rural devem se tornar numerosas, pois são elas o fator
de estabilidade do regime democrático (FIORIN, 1988, p. 122-123).
Graças aos excelentes meios de popularização, pessoas despreparadas
(aquelas cujas mentes trabalham com dificuldade) são ensinadas a
ponderar. Seu treinamento as convence de que o que está acontecendo nas
democracias populares é necessário, ainda que temporariamente ruim.
Quanto maior for o número de pessoas que ‘participam da cultura’ – isto é,
passam pela escola, leem livros, frequentam teatros e exposições -, mais
longe a doutrina alcança e menor se torna a ameaça de liderança da
filosofia (MILOSZ, 2010, p. 202).
Assim, a classe dominante em seu objetivo de conter as classes subalternas
e modernizar economicamente o país, diante da “ameaça”, leva essas classes a
uma prática política contrarrevolucionária, leva essas classes a um desejo de retorno
ao status quo, ao desejo de volta à “normalidade” (FIORIN, 1988, p. 122-123).
O discurso contém, assim, em seu componente narrativo, a seguinte situação:
a) Existe uma ordem inicial, baseada na propriedade privada dos meios de
produção, de hegemonia burguesa e de exclusão das classes populares
das decisões políticas. A ordem é vista como natural, pois se fundamenta
no ‘caráter nacional brasileiro’. Essa situação é, segundo a narrativa, um
estado de equilíbrio e de justiça.
45
b) Ocorre uma ruptura da ordem inicial, um ano, conforme a denominação
proppiana das funções narrativa. O dano leva a uma situação de
desequilíbrio.
c) Surge um ‘herói’ (Forças Armadas) que restabelece a ordem rompida. O
equilíbrio se dá, novamente, quando o ‘herói’ vence o ‘vilão’ (Goulart) e
repara o dano (FIORIN, 1988, p. 65-66).
É com base no discurso, no restabelecer a ordem rompida que os brasileiros
abraçam a ideia de que os benefícios do desenvolvimento do país reverterá em
benefício de todos, sendo que o objetivo último do desenvolvimento é o bem-estar
de todos os brasileiros.
O discurso ‘revolucionário’ concebe o poder-fazer do Estado como o
‘conjunto de meios de ação dos quais o Estado pode dispor para impor a
sua vontade’. Assim, o poder nacional abrange todas as ‘capacidades e
disponibilidades do Estado, ou seja, recursos humanos, naturais, políticos,
econômicos, sociais, psicológicos e militares’ (FIORIN, 1988, p. 46-47).
Um exemplo de insanidade coletiva propagada por uma ideologia é a do
regime nazista. A Alemanha enfrentava uma grande crise econômica e social, que
posteriormente deu à luz ao nazismo. Muitos consideraram insano o que Hitler
estava realizando, mas o seguiram por razões psicológicas profundas (MILOSZ,
2010, p. 137).
O discurso exerce um fazer interpretativo sobre os fatos. A interpretação
dos fatos, feita pelo discurso ‘revolucionário’, é dedutiva e, por isso, é
correta, mas não verdadeira, porque se fundamenta em axiomas
ideológicos e seu valor de verdade depende inteiramente da aceitação dos
enunciados axiomáticos como verdadeiros. Os axiomas básicos da
interpretação dedutiva são a existência de uma ordem natural e de um
destino histórico que constituem a nação, a iminência de ruptura dessa
ordem e a resolução dos problemas do país somente pela via do
desenvolvimento capitalista. Negar a validade dos axiomas é destruir a
lógica interna do discurso (FIORIN, 1988, p. 104).
Ligado ao fator persuasivo, o fazer interpretativo busca fundar um saberverdadeiro a fim de que este possa ser comunicado e aceito como verdadeiro pelo
destinatário (FIORIN, 1988, p. 104). Noam Chomsky (1989, p. 114) menciona:
En un estado basado en la violencia interna, basta controlar lo que la
gente hace (lo que piensan es asunto de poca importancia), siempre y
cuando ésta pueda ser controlada por la fuerza. Pero donde la violencia
estatal es más limitada, es necesario controlar también lo que la gente
piensa. En síntesis, existe una conexión entre la ausencia de control en
Estados Unidos y la extraordinaria eficacia del sistema de control del
pensamiento.
46
Assim, em 1964, o Brasil assiste a um golpe que primeiramente depõe o
Presidente da República, e posteriormente deflagra uma intensa repressão em
diversos setores da sociedade. Dentro do sistema ideológico pregado em nome da
salvaguarda da democracia e do povo, são encontrados erros e fracassos realizados
em nome da manutenção de altos valores morais. A ideologia permite esses erros e
fracassos, assim como violência e hipocrisia (CHOMSKY, 1989, p. 19).
O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a
instauração, por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que
permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também
de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não
integráveis ao sistema político. Desde então, a criação voluntária de um
estado de emergência permanente (ainda que, eventualmente, não
declarado no sentido técnico) tornou-se uma das práticas essenciais dos
Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos
(AGAMBEN, 2004, p. 13).
Dentro do sistema ideológico o Regime Ditatorial Militar foi conduzido por
duas formas que se complementam: num primeiro momento tentou-se ocultar da
sociedade, através da censura, a verdadeira natureza do golpe, e em um segundo
momento buscou-se eliminar a contestação ao regime (FIORIN, 1988, p. 01). É
nesse contexto que surgiram personagens sinistros e instituições sombrias, cuja
atuação era dirigida àqueles que se opunham ao regime, sendo submetidos a atos
de tirania e vilania, como a prática do homicídio, sequestros, desaparecimentos
forçados, violência e tortura (FRANCIS, 1986, p. 47). Estes fatos e inúmeros outros
foram praticados em nome da “Segurança Nacional”.
47
2 O REGIME MILITAR E O ACESSO À INFORMAÇÃO
Com a institucionalização do regime militar, a partir do golpe de 31 de março
de 1964, o governo militar interrompeu o ciclo democrático que estava sendo
instaurando a partir de 1946, resultando em um momento muito difícil para as
liberdades civis e de acesso à informação. Na tentativa de combater à contestação
ao regime, acaba-se por bloquear a formação heterogênea de pensamento,
silenciando aqueles sujeitos e mídias potencialmente perigosos, utilizando-se para
tanto, da ameaça do inimigo comunista para legitimar práticas repressivas. A partir
desse cerceamento, passa-se a hierarquizar ideias e submeter às demais a um
processo seletivo do que é aceitável disseminar a população brasileira, submetendo
todo o material a um processo de censura preventiva e punitiva, na tentativa de
impedir a circulação de ideias contrárias à ideologia propagada pela Doutrina de
Segurança Nacional. Cabe assim a imprensa em geral o papel de domesticação das
massas, incumbindo àqueles contrários a tal cerceamento de tal liberdade a
contraposição a esse tipo de repressão. Com o crescente medo e tensão,
reduziram-se eventuais críticas a atuação do governo militar bem como a
possibilidade de conflitos. O governo passou a por em prática o saneamento
ideológico em nome da democracia, da ordem, da governabilidade e da Segurança
Nacional (CARNEIRO, 2002, p. 20-50), dando início a um período muito difícil ao
acesso à informação.
A partir de 9 de abril de 1964 inicia-se a construção do arcabouço legal do
regime, com a decretação do primeiro Ato Institucional que continuou sendo
desenvolvido no decorrer dos anos pelo regime. Em 1968 baixa-se o AI nº 5, onde o
regime entra em uma fase de endurecimento sob pretexto de proteção à Segurança
Nacional contra o comunismo, silenciando ainda mais a sociedade civil
(ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 120). Desde o golpe, a fim de viabilizar a retomada
do crescimento econômico e social do país sem contestação por parte da sociedade
civil, cria-se uma complexa máquina repressiva, a denominada comunidade de
informações, que envolvia organismos militares, policiais e civis, no controle político
e ideológico de posições contrárias às propagadas pela Doutrina de Segurança
Nacional (JORGE, 1992, p. 188). Foi somente com o esgotamento do modelo de
desenvolvimento proposto ao país que o regime dá inicio ao período denominado de
48
“abertura”, onde a informação readquire sua importância democrática e se recupera
a possibilidade de disseminar informações sem censura.
2.1 O cerceamento ideológico das ideias
No dia 1º de abril, João Goulart ruma para Porto Alegre e o presidente do
Senado declara vago o cargo de presidente da República. Ranieri Mazzilli,
presidente da Câmara, assume provisoriamente a presidência. Com o golpe,
interrompe-se o ciclo democrático instaurado a partir de 1946, dando início a um
período muito difícil para o acesso à informação (ROMANCINI; LAGO, 2007, 118).
A atitude de ingerência governamental nos órgãos de divulgação sempre foi
mais ou menos institucionalizada no Brasil. Entretanto, entende-se que, na
história republicana do país, somente em dois momentos a ação da censura
política pôde ser considerada contínua, exercida de maneira constante
durante um período determinado: no primeiro governo Vargas,
particularmente no Estado Novo, e no regime militar instaurada após 1964
(AQUINO, 1999, p. 205).
A censura não foi uma invenção do período militar, já no período de governo
do presidente Getúlio Vargas (1930-1945) a censura, através da purificação de
ideias, atinge o país nacionalmente. Com o intuito de purificar o país de influências
maléficas, foram apreendidos alguns títulos “nocivos”, dentre os quais, Capitães de
Areia – Jorge Amado e Luar – Luiz Martins. Em outro título apreendido, Tarzan, o
Invencível, por empregar diálogos com a expressão camarada, e como este
vocábulo representava os partidários do comunismo, o mesmo também foi
censurado (CARNEIRO, 2002, p. 30).
Tanto o medo como a censura funcionavam como poderosos instrumentos
de controle social emanando, cada qual ao seu modo, energia que, por sua
vez, colaborava para a sustentação do sistema autoritário. O medo faz
calar, tem energia para isso. E, instalado pelo pânico (de propagação
rápida) o medo sufoca (CARNEIRO, 2002, p. 30-31).
No contexto de propagar rapidamente o medo e consequentemente o calar,
surge o Departamento de Ordem Pública e Social (DOPS), da Polícia Federal, que
assumiu um importante papel no processo de domesticação das massas,
bloqueando a forma heterogênea de pensamento e silenciando os potencialmente
49
perigosos, utilizando-se, para tanto, do conceito de inimigo-objetivo,15 seja ele real
ou imaginário, para legitimar sua prática repressiva (CARNEIRO, 2002, p. 31).
Torna-se comum nos discursos de esquerda o apelo às dicotomias,
contraponto a idéia do Bem ao Mal, subterfúgio também usado pela
propaganda anticomunista. Segundo os intelectuais da resistência ao
Estado varguista, cabia a eles alertar a população para os perigos dos
regimes totalitários encabeçados por Hitler e Mussolini, identificados como a
“peste que atingiu a Europa”. Os lideres da classe operária, por sua vez,
procuravam conscientizá-la da necessidade de se “fazer a revolução” a
partir de decisões fundamentadas na realidade. Em contrapartida, os
anticomunistas colocavam no front o seu arsenal literário que demonializava
e animalizava os perigos que rodavam o país: o judeu estrangeiro, os
anarquistas, os comunistas, os trotskistas, etc. Um conjunto de obras
nacionais e estrangeiras somavam forças com o conteúdo nacionalista dos
artigos publicados pela grande imprensa incentivando a delação e
alimentando o mito do complô internacional. Dentre as obras produzidas por
intelectuais brasileiros durante as décadas de 30 e 40, muitos dos quais
representavam o pensamento conversador da Igreja católica, cumpre citar:
O Communismo Russo e a Civilização Cristã, do Bispo Dom João Becker; A
Sedução do Comunismo, de Everardo Backheuses; A Questão Social e a
República dos Soviets, de Alberto de Britto; A Bandeira de Sangue
(Combatendo o Comunismo), de Alciades Delamare; A Rússia dos Soviets,
de Vicente Martins; Tempestades. O Bolchevismo por Dentro, de Pedro
Sinzig; As Falsas Bases do Communismo Russo, de Alfredo Pereira; Contra
o Communismo, de Alfredo Câmara; Direito de Família dos Soviets, de
Vicente Rao, então Ministro da Justiça (CARNEIRO, 2002, p. 33-34).
Vemos no decorrer da história que nossa cultura, portuguesa e brasileira, se
viu amordaçada durante séculos pela atuação da Santa Inquisição – caça à literatura
sediciosa. Antes mesmo de se instituir a Inquisição em Portugal, vê-se no Estado a
preocupação com certas ideias, por serem perigosas ao regime. Afonso V, em 18 de
agosto de 1451, já no século XV instituía a censura real, mandando “queimar livros
falsos e heréticos”, e ordenando que esses livros non fossem mais achados em os
nossos reinos” (apud CARNEIRO, 2002, p. 37).
Depois de certo tempo, a liberdade de pensamento foi sendo cada vez mais
cerceada e reprimida, tornando-se modelo na Europa. Em 1540 e 1541 –
posteriormente a Inquisição –, o Cardeal D. Henrique, Inquisidor Geral, nomeou uma
15
Arendt utiliza o termo quando aborda símbolos do totalitarismo como forma de governo e
dominação, resultando na organização burocrática das massas através da ideologia e do terror. A
utilização do termo no presente estudo não se aplica, por óbvio, a mesma utilização dada pela autora
frente à banalidade do genocídio, onde os judeus absorvem toda a ira de uma sociedade civil. Nossa
intenção com o termo é chamar a atenção para que, assim como os judeus, o comunista e seus
ideais devia ser caçado e exterminado. Sobre o assunto, ver: ARENDT, Hannah. Origens do
totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
50
comissão que além de examinar as obras existentes em Lisboa e as vindas de fora,
examinara os textos de livros antes de sua publicação (CARNEIRO, 2002, p. 37-38).
Tanto em Portugal como no Brasil Colônia foram efetuadas devassas junto
às sociedades literárias. Fiscalizava-se todo e qualquer tipo de ajuntamento
que pudesse levantar suspeitas de conspiração contra o Império. Possuir
livros de autoria de Rosseau, Montesquieu, Diderot, Condorcet, Roynal, por
exemplo, era comprometedor pelo seu conteúdo “corrosivo” (CARNEIRO,
2002, p. 41).
Foi somente em 28 de agosto de 1821 que, ao ser proclamada a liberdade de
imprensa no Brasil, foi liberado o acesso aos livros com conteúdo “corrosivo”, onde
suas ideias passaram a circular livremente. Essa liberdade era necessária para a
construção de um novo pensamento em razão de modernidade, para a construção
de um Estado mais liberal. No entanto, mesmo coma chegada desse novo Estado,
persistiu a prática da censura e continuaram a existir elementos “subversivos” na
República (CARNEIRO, 2002, p. 43).
A Constituição monárquica foi por demais liberalizante frente às imposições
do período colonial e assim como a Constituição monárquica foi liberalizante frente
ao período colonial, a Constituição republicana o foi frente ao período imperial
(KUSHNIR, 2004, p. 85). Com a Revolução de 1930, por seu teor liberal, ansiava-se
pela extinção da censura, porém a revolução não revogou as leis compressoras da
liberdade do pensamento. Em 1934, com a nova Constituição, já se deixou claro que
não seria tolerada propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a
ordem política e social (art. 113, item 9 da Constituição Federal de 1934). Com a
propagação comunista, a partir de 1935, aumentou-se o clima de tensão e censura,
quando decretou-se o estado de sítio e a censura à imprensa, que só foi admitida
constitucionalmente em 1937 e oficializada com a criação do Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), em 1939 (CARNEIRO, 2002, p. 47).
Os seguidores do credo vermelho tornaram-se os alvos centrais da atenção
do DOPS e do DIP que, através de suas sessões estaduais, multiplicaram
as ordens repressoras, mutilando a cultura nacional [...]. Tanto o DIP como
o DOPS funcionavam como engrenagens reguladoras das relações entre o
Estado e o povo; verdadeiras máquinas de filtrar a realidade, deformando os
fatos e construindo imagens (CARNEIRO, 2002, p. 47-48).
Com o aumento do medo e da tensão da ameaça comunista e a sonegação
das informações, reduziam-se os riscos de críticas a atuação do governo e da
51
possibilidade de conflitos. A censura oficial e a repressão aos intelectuais não era
aleatória, na tentativa de homogeneizar o pensamento, diminuía-se os riscos de
contestação em razão da construção do consenso. Dominando à força e definindo
fronteiras entre o lícito e ilícito, o regime alcança seus objetivo: o saneamento
ideológico em nome da nação, em nome do povo, em nome da Segurança Nacional
(CARNEIRO, 2002, p. 48).
O pós-1945 e o período de redemocratização nele inscrito poderiam
anunciar uma legislação de ações mais liberais. O que se constatou,
entretanto, foi a acomodação de antigas estruturas a esses “novos tempos”.
Dentro desse panorama de ajustes, à Censura caberia zelar pela “moral e
pelos bons costumes” e esses procedimentos estariam vinculados às
questões policiais. Retirando dessa seara qualquer vestígio de uma
conotação política (KUSHNIR, 2004, p. 99).
Em 1946 o DIP modifica-se. Com o decreto nº 20.493/46, cria-se o Serviço de
Censura e Diversões Públicas (SCDP), subordinado à Divisão de Censura e
Diversões Públicas (DCDP) do Departamento de Política Federal (DPF) (KUSHNIR,
2004, p. 208).
“Literatura infantil de Monteiro Lobato ou comunismo para
crianças. Um libelo contra a literatura infantil de Monteiro
Lobato. Livro de propaganda anticomunista de autoria do Padre
52
Sales Brasil, publicado em 1957, Coleção Tucci”. Fonte:
CARNEIRO, 2002, p. 156.
Passada a Era Vargas, a censura ganha novo fôlego no período pré-golpe
militar, a partir de 1961. Foram aprendidos diversos jornais de Guanabara que
manifestaram sua oposição aos militares – publicando em suas mídias o Manifesto
do marechal Lott em prol da legalidade –,16 dentre eles foram aprendidos Jornal do
Brasil, o Dia e Diário de Notícias, que passaram a circular posteriormente sem o
manifesto. Todos os jornais cariocas foram investigados. Assim como os jornais,
rádios e a televisão foram fiscalizados e censurados pelos militares (LABAKI, 1986,
61).
Tornou-se rotina a apreensão de edições inteiras de jornais que tentavam
burlar a censura; muito comum também foi circularem com grandes espaços
em branco. No dia 29 o Jornal do Brasil não foi publicado; 90% de suas
páginas foram censuradas (LABAKI, 1986, p. 61).
Por mais que a censura tivesse como finalidade o combate à proliferação
interna de ideias e ideais comunistas, constitucionalmente, a mesma era ilegal. A
mesma só teria legalidade dentro do estado de sítio. Mário Martins, ao ver sua sala
de redação interditada pelos militares – jornal A Noite –, teve impetrado um
mandado de segurança, conseguindo imediatamente uma liminar pelo Poder
Judiciário, suspendendo a interdição a seu jornal. Poucos horas depois, o jornal
Última Hora era invadido (LABAKI, 1986, p. 61-62).
Durante o período do regime militar, obras de intelectuais de esquerda eram
apreendidas. Títulos que ilustravam o comunismo, a Rússia, bem como aqueles que
versavam sobre a Revolução Francesa, continuavam sendo proibidos. Ideias
marxistas e preceitos morais do Partido Comunista Brasileiro (PCB) eram a “menina
dos olhos” do DOPS (CARNEIRO, 2002, p. 163).
Portanto, todo intelectual que procurasse “fazer a revolução” através da
palavra escrita, impressa ou falada, corria o risco de tornar-se um bandido,
sendo apontado como um homem “sem caráter” e de “maus sentimentos”
[...] Até os anos 80, o intelectual ativo – aquele que escrevia e divulgava
idéias “revolucionárias” – sempre foi considerado pelas instituições vigentes
16
Sobre o Manifesto do marechal Lott em prol da legalidade da assunção de João Goulart como
Chefe de Estado, ver: PALMAR, Aluizio. Manifesto legalista do Marechal Lott. In: BRASIL.
Documentos revelados: espaço de referencia histórica com disponibilização de acervos
documentas. Disponível em: <http://www.documentosrevelados.com.br/geral/manifesto-legalista-domarechal-lott/>. Acesso em: 22 out. 2013.
53
como um “herege”, um homem “maldito”, um “bandido”. Por ultrapassar os
limites entre o permitido e o proibido, era repreendido, julgado e punido. Os
livros apreendidos como “arma do crime político” transformavam-se em
prova material da trama articulada contra o regime e que, segundo os
homens do poder, poderiam desequilibrar a ordem imposta. O fato dele ter
se afastado das regras – desvio este comprovado através de suas idéias e
comportamentos – o colocava em constante evidência, alimentado os atos
de investigação policial que, geralmente, culminavam com a prisão do autor,
e a apreensão e/ou a eliminação das publicação encontradas em seu poder
(CARNEIRO, 2002, p. 22).
Os militares assumem o poder e com eles inicia-se um período em que tanto
as liberdades civis como as liberdades de informação são cerceados. Preocupados
com a circulação de ideias antirrevolucionárias, os militares impõem limites a essa
disseminação. Tem-se início a construção do projeto censório (CARNEIRO, 2002, p.
21).
2.2 A censura e a construção de seu arcabouço legal
Em 9 de abril de 1964 é baixado o primeiro Ato Institucional, alterando a
estrutura institucional do país. O AI-1 nasceu para ser o único Ato, foi apenas o
primeiro. Seu objetivo era fortalecer o Executivo, realizando um verdadeiro expurgo
dos “maus elementos”, para isso, suspendeu imunidades parlamentares, abriu
caminho para suspensões e cassações de direitos políticos, tanto nos órgãos
públicos, como nas empresas estatais, universidades e no próprio Exército
(KUSHNIR, 2004, p. 81). Foi através desse Ato que, indiretamente, o general
Humberto de Alencar Castelo Branco foi eleito presidente do Brasil (ROMANCINI;
LAGO, 2007, p. 122).
Existiu por pouco mais de dois meses, mas essa ferramenta permitiu ao
estado que cassasse 378 políticos, reformasse 122 oficiais, exonerasse
cerca de 10 mil funcionários públicos e interrogasse aproximadamente 40
mil pessoas. Cerca de um ano e meio depois, em 27/10/1964, o foco voltouse para o cerceamento do Judiciário, bem como para a extinção dos
partidos políticos (KUSHNIR, 2004, p. 81).
Quando assumiu a presidência, Castelo Branco e seu grupo político-militar
tinha como objetivo modernizar o sistema capitalista brasileiro, combater a inflação
que atingia altos índices e controlar o déficit orçamentário herdado dos governos
anteriores. Economicamente, o governo Castelo Branco foi muito impopular. Lançou
54
o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), que, através de medidas
ortodoxas conservadoras, visava restaurar o equilíbrio financeiro do Estado e
diminuição da inflação. Para tanto, esse Programa implementou uma série de
medidas, tais como o reajuste salarial que não garantia a reposição da inflação, o
fim da estabilidade no emprego após dez anos e limitações severas ao direito à
greve. Graças ao acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao PAEG, as
finanças públicas começam a se restaurar, gerando a diminuição da inflação que no
ano de 1964 foi de 92% para 34,5% no ano seguinte. Os militares passaram a
utilizar da imprensa para divulgar a imagem do país grande (ROMANCINI; LAGO,
2007, p. 122-124).
Em outubro de 1965 o eleitorado foi chamado às urnas para eleição do
governo dos estados. Como grande parte dos eleitos estavam ligados a João
Goulart e identificavam-se com Getúlio Vargas ou com Juscelino Jubitschek, os
militares da extrema direita pressionam Castelo Branco para que o mesmo fechasse
ainda mais o sistema político evitando que esses ascendessem ao governo. Uma
vez que os governadores dos Estados tinham sido eleitos, seus mandatos não foram
interrompidos, no entanto, a medida para fechar ainda mais o governo foi proposta.
Surge nesse contexto o AI-2, que estabeleceu eleições indiretas para presidência da
República e extinguiu os partidos políticos já existentes, instituindo o bipartidarismo
– Arena e Movimento Democrático Brasileiro (MDB) (ROMANCINI; LAGO, 2007, p.
125).
Vigorando até 15/3/1967, o AI-2 baixou 36 atos complementares e puniu
309 políticos. Alterando a Constituição vigente, a de 1946, ampliou o
conceito de subversão e a esfera de atuação da censura em um momento
em que essa seara ainda se estruturava para agir diante do novo panorama
pós-31 de março/1º de abril de 1964 (KUSHNIR, 2004, p. 81).
A partir do AI-2 não era mais tolerado qualquer tipo de “propaganda de
guerra, subversão da ordem ou de preceitos de raça ou de classe” (artigo 12 do
Ato), ou seja, qualquer publicação que contivesse ideias “subversivas” podia e
deveria, ser proibida. Assim, o governo passou a proibir qualquer tipo de veiculação
de ideias que fossem contrárias à ordem imposta pelo regime. A principal
preocupação do regime era salvaguardar os postulados já conquistados através do
movimento civil-militar, assim, a legislação buscava, principalmente, o cerceamento
das opiniões contrárias ao regime (COSTELLA, 1970, p. 134).
55
O AI-2 foi baixado para conter a reação dos militares de uma nova linha
dura, capitaneada pelo general Costa e Silva, à vitória de candidatos
populistas nas eleições para governadores, em Minas Gerais e na
Guanabara. Decretado em outubro de 1965, instituiu o estado de sítio,
suspendeu garantias constitucionais, dissolveu partidos políticos e cassou
direitos políticos, não só de lideranças populistas, mas também da corrente
civil do movimento golpista. Mudou totalmente o clima político [...]. Tudo isso
ocorreu em meio ao aprofundamento da recessão econômica, eliminação
da garantia de emprego, através da criação do Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS), e abertura do mercado de capitais do Brasil ao
sistema financeiro internacional através da resolução 63 (KUCINSKI, 1991,
p. 20).
O Ato Institucional n° 2 veio para transferir ao Congresso o poder de eleger o
presidente e para reabrir o ciclo punitivo extinto em 1964. Com este ato foi retirada
das massas o poder de eleger o presidente da República, no entanto, não foi
somente isso. Foi graças ao AI-2, que todos os processos políticos foram
transferidos para a Justiça Militar. Iniciou-se assim o primeiro passo para o processo
de militarização da ordem política nacional (GASPARI, 2002a, p. 240-255).
Em fevereiro de 1966, é editado o AI-3 e estabelece-se eleições indiretas para
os governantes dos estados. Cabia assim ao presidente a nomeação dos
governantes e a estes a dos prefeitos das capitais e municípios. Todo o território
nacional foi transformado em uma área de Segurança Nacional, cabendo ao Exército
o controle das polícias estaduais (KUSHNIR, 2004, p. 82).
A partir do golpe desencadeou-se inúmeras e vastas reformas legislativas.
Com a criação de uma enxurrada de leis, o novo governo teve de se reestruturar,
uma vez que a Constituição de 1946 estava entrecortada pelos Atos Institucionais e
Complementares baixados pelos militares.
Surge o AI-4, de 7 de dezembro de
1966, que convocava o Congresso Nacional para discutir e votar o projeto para uma
nova Constituição (COSTELLA, 1970, p. 131-135).
Pelo AI-4, de 7 de dezembro de 1966, o Congresso Nacional é chamado para
“elaborar” e aprovar uma nova Constituição. No quesito liberdade de imprensa, a
nova Carta não cerceou, pelo menos não no papel, essa liberdade, bem como
garantiu uma espécie de cidadania política mantendo o habeas corpus (KUSHNIR,
2004, p. 82). Durante o período de discussão e votação da nova Constituição, o
Executivo envia para o Congresso Nacional um projeto de lei que regularia a
imprensa brasileira. Como continha penas excessivamente mais pesadas e
drásticas, os representantes da imprensa imediatamente demonstraram seu repúdio
56
a nova lei. Formaram-se comissões de jornalistas com o intuito de propor emendas,
posteriormente, apresentadas aos congressistas durante a tramitação do projeto. O
projeto foi singelamente alterado e convertido em lei – Lei nº 5.250, no dia 9 de
fevereiro de 1967 (COSTELLA, 1970, p. 136-137).
Pouco tempo depois de baixada a nova Lei de Imprensa, no dia 13 de março
de 1967, é baixado o decreto-lei nº 314, que dizia respeito a Segurança Nacional do
país, trazendo matérias, como as disciplinadas pela Lei de Imprensa, para sua
competência. Qualquer tipo de divulgação de notícias falsas que fossem capaz de
por em risco o nome, a autoridade, o crédito ou o prestígio do Brasil, bem como
ofensa à honra do presidente ou de qualquer dos Poderes da União, incitação de
guerra ou subversão da ordem político-social, desobediência coletiva às leis,
animosidade entre as Forças Armadas, luta entre classes sociais, paralisação dos
serviços públicos, ódio ou discriminação racial, propaganda subversiva, incitamento
à prática de crimes contra a Segurança Nacional, dentre outros, passou a ser de
competência da Justiça Militar, em razão das disposições de competência da Lei de
Segurança Nacional (art. 45 do respectivo decreto-lei) (COSTELLA, 1970, p. 139140).17 Decretava em seu artigo 39, com nova redação dada pelo Decreto-Lei nº
510, de 1969:
Art. 39. Constituem propaganda subversiva:
I - a utilização de quaisquer meios de comunicação social, tais como jornais,
revistas, periódicos, livros, boletins, panfletos, rádio, televisão, cinema,
teatro e congêneres, como veículos de propaganda da guerra psicológica
adversa ou de guerra revolucionária;
II - o aliciamento de pessoas nos locais de trabalho ou ensino;
III - o comício, reunião pública, desfile ou passeata;
IV - a greve proibida;
V - a injúria, a calúnia ou difamação quando o ofendido fôr órgão ou
entidade que exerça autoridade pública, ou funcionário, em razão de suas
atribuições;
VI - a manifestação de solidariedade a qualquer dos atos previstos nos itens
anteriores.
Pena: Detenção, de 6 meses a 2 anos.
Parágrafo único. Se qualquer dos atos especificados neste artigo importar
ameaça ou atentado à Segurança Nacional.
17
O Brasil teve duas leis de Segurança Nacional anteriores ao período ditatorial, a primeira lei, a de
nº 38, de 4 de abril de 1935, e a lei nº 1.802, de 5 de janeiro de 1953. Durante o regime ditatorial foi
baixado o Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967. Posteriormente ela foi revogada pelo DecretoLei nº 898, de 29 de setembro de 1969. Em 17 de dezembro de 1978, surge uma Lei de Segurança
Nacional mais branda. Por fim, a ainda em vigor, Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983, que foi
promulgada durante o governo do presidente João Figueiredo. Principalmente durante o regime
militar, a Lei de Segurança Nacional favoreceu o arbítrio, a injustiça e a prepotência do governo.
Conforme mencionava o artigo 16, § 1º do decreto-lei 898/69, era proibido veicular qualquer tipo de
notícia que viesse a expor “[...] a perigo o bom nome, a autoridade, o crédito ou o prestígio do Brasil”
(JORGE, 1992, p. 168).
57
Pena: Detenção, de 1 a 4 anos.
Quanto à tentativa dos atos descritos no art. 39 da Lei de Segurança
Nacional, esta era punida com uma pena de um a dois terços da pena prevista para
o crime consumado, conforme redação dada pelo decreto-lei nº 510/69 (KUSHNIR,
2004, p. 109). A Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional são irmãs,
repressivas, intolerantes e de ranço autoritário, exemplificam um regime que utilizou
da tortura, perseguições e intimidações, como seu instrumento de desenvolvimento
(JORGE, 1992, p. 112).
As sucessivas leis de imprensa nunca visaram a dar garantia aos
jornalistas, mas limitar praticamente o exercício da liberdade de imprensa.
Como jornalistas tínhamos, antigamente, um foro especial. Já não existe.
Atualmente, deveríamos, pela Lei de Imprensa, ser julgados pelos tribunais
comuns, o que raramente acontece, porque a maior parte das vezes somos
processados exatamente porque denunciamos abusos de poder, e a Lei de
Segurança Nacional estabelece a sacralidade da pessoa que exerce o
poder. Não podemos dizer que o presidente da República manca de uma
perna, porque ele pode achar isto ofensivo. Não podemos dizer que o
Ministro da Aeronáutica fala demais. Não podemos dizer, em suma,
coisíssima alguma que possa afetar uma autoridade (Hélio Silva apud
JORGE, 1992, p. 167).
No governo de Castelo Branco aprovou-se a nova Constituição Federal – que
consolidava constitucionalmente os Atos Institucionais já decretados –, criou-se a Lei
de Imprensa – que cerceava a atividade jornalística – e aprovou-se a Lei de
Segurança Nacional – lei que passou a restringir diversas liberdades civis em nome
da Segurança Nacional (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 125).
Algumas centenas de políticos, militares e dirigentes sindicais foram
destituídos de seus direitos políticos e muitos passaram por humilhações ou
tiveram que se exilar. Mas, foram poucos os mortos e torturados na primeira
fase do regime, em sua maioria sargentos e dirigentes sindicais de regiões
afastadas (KUCINSKI, 1991, p. 13).
O ano de 1968 é marcado por diversos fatos que acentuam a oposição entre
o regime, legislativo e sociedade civil. Nesse ano são realizadas várias mobilizações
pela democratização – por exemplo, a passeata dos “cem mil” –, greves são
realizadas em Belo Horizonte e Osasco (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 126).
58
Figura 2 - “Passeata de artistas contra a censura, Rio de
Janeiro, 12/2/1968. Da esquerda para direita: Tônia Carrero,
Eva Wilma, Odete Lara, Norma Benguell e Cacilda Becker”.
Fonte: KUSHNIR, 2004, p. 209.
Aliada a essas e outras manifestações populares e a posição tomada pelo
Legislativo – que não autorizou o levantamento da imunidade do deputado Márcio
Moreira Alves –,18 o regime militar instituiu o AI-5, o também denominado “golpe
dentro do golpe” (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 126).
Em um panorama de crescente manifestação de oposição pelos estudantes,
de ações das esquerdas armadas, de fortes críticas vindas de membros do
Congresso e do Senado e da atuação desafiadora do Legislativo, impedindo
o Executivo de processar o deputado Marcio Moreira Alves, o AI-5 foi
imposto (KUSHNIR, 2004, p. 82).
Dando início à fase mais repressiva da ditadura militar, os famosos “anos de
Chumbo”, o AI-5, diferentemente dos outros atos, não tinha prazo de vigência e,
dentre suas medidas, estabelecia poderes ao presidente para fechar o Congresso,
intervir nos estados e municípios, e suspender o habeas-corpus (ROMANCINI;
18
Em discurso do deputado Márcio Moreira Alves, pouco tempo antes do dia 7 de setembro, incitava
a população a boicotar a parada militar comemorativa da Independência, bem como que às mulheres
não namorassem militares envolvidos na repressão. Tal discurso teria causado ofensa às Forças
Armadas e por esta razão, setores interessados exerceram pressões sobre o presidente para que
tomasse medidas mais drásticas sobre o deputado. Como gozava de imunidade, o pedido de
levantamento dessa imunidade foi levado ao Congresso Nacional, que por votação, negou a
solicitação de punição. Menos de 24 horas depois, o Executivo publicou o AI-5 (AQUINO, 1999, p.
206).
59
LAGO, 2007, p. 126-127). Aperfeiçoando o mecanismo jurídico-político, o AI-5 tinha
como
objetivo
a
proibição
de
que
indivíduos
ou
grupos
comunistas
–
antirrevolucionários – pudessem conspirar, trabalhar ou simplesmente atentar contra
a ordem e a segurança. O Ato ainda permitiu que o presidente da República além de
suspender os direitos políticos de qualquer cidadão, intervir nos estados e
municípios e possibilitar a decretação de recesso das casas representativas, a
violação das garantias constitucionais da estabilidade, vitalicidade e inamovibilidade
de servidores públicos (JORGE, 1992, p. 188).
Alguns dias antes da decretação do AI-5, o então ministro da Justiça, Gama e
Silva, edita a lei de nº 5.536, de 21 de novembro de 1968, que especificava novas
regras de censura às obras teatrais e cinematográficas e que criou o Conselho
Superior da Censura (artigo 15 da referida lei), diretamente ligado ao Ministério da
Justiça. O artigo 3º da Lei nº 5.536/68 mencionava que nenhuma manifestação
poderia ser contrária a questões de política e de Segurança Nacional, bem como
contrária a elementos de moral e bons costumes. Tal lei expõe a censura como um
ato político não restrito somente a questão das diversões públicas, razão pela qual,
livros, filmes, jornais, música, teatro, eram objetos de censura – avaliação,
aprovação ou proibição (KUSHNIR, 2004, p. 103-106). Pouco depois foi decretado o
AI-5, que acabou endurecendo as políticas estatais e tornando mais clara a censura.
Assim como a tortura era negada, a censura aos meios de comunicação, por mais
que institucionalizada, era negada ou disfarçada (ROMANCINI; LAGO, 2007, p.
127).
Mesmo não havendo um decreto oficial de estado de sítio, até porque o
governo pós-AI-5 desejou construir uma auto-imagem que negasse a
existência de situações arbitrárias, a ausência de um pleno estado de direito
vivido permitiu que tudo o que o parágrafo 2º estabelecia ocorresse. Assim,
para muitos juristas, o AI-5 foi uma decretação não-oficial de estado de sítio
(KUSHNIR, 2004, p. 105).
A edição de Lei nº 5.536/68, bem como do AI-5, expõem um projeto legislativo
político muito maior que ainda estava em andamento. Ainda não estava pronto o
arcabouço legal (KUSHNIR, 2004, p. 107).
No governo do presidente Emílio Garrastazu Médici, é baixado no dia 26 de
janeiro de 1970, o decreto-lei nº 1.077, que reprimia publicações e exteriorizações
consideradas “obscenas”. Menciona seu artigo 1º que “não serão toleradas as
60
publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes, quaisquer
que sejam os meios de comunicação” atribuindo ao Ministro da Justiça, através da
Política Federal, verificar, quando necessário, antes da divulgação desses materiais,
a existência desse tipo de matéria (conforme artigo 2º do decreto-lei nº 1.077). Tal
disposição encontra suas raízes em parcela da oficialidade do Exército que buscava
incluir, entre os objetivos nacionais permanentes fixados pela Escola Superior de
Guerra, a projeção de valores espirituais e morais ocidentais cristãos (COSTELLA,
1970, p. 142-143).19 O decreto nº 1.077/70, ao mesmo tempo que instituía a censura
prévia, justificava sua não existência. O decreto, em seu artigo 2º, referia que
competia ao ministro da Justiça “[...] verificar, quando julgar necessário, antes da
divulgação de livros e periódicos, a existência de matéria infringente”. Por
infringente, entende-se infringente à moral e aos bons costumes (KUSHNIR, 2004,
p. 115-117).
Com a edição do AI-5 e posteriormente do decreto-lei nº 1.077, uma
blindagem se formou. Inicialmente, no pós-AI-5, a intromissão nas salas de redação
se dava pelas Forças Armadas. Com o passar do tempo, essa intromissão passouse a se dar pelo Departamento da Política Federal. Com o decreto nº 1.077/70, o
ministro da Justiça torna-se o “comandante das ordens, seu mentor, legislador,
executor e juiz” (KUSHNIR, 2004, p. 119).
Em razão da intolerância e da busca de nexo, travou-se uma série de debates
em torno da censura. Mesmo o chefe da censura, Souza Leão, ponderou que existia
uma caduquice na legislação censória, uma vez que tal legislação era de um período
anterior à própria criação do DPF – que foi instituído em 1964, pela lei nº 4.483 – e
que foi criado para substituir o Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP).
Essa caduquice também se somou ao período de transferência da capital brasileira
para Brasília, bem como a reestruturação das instituições federais, Constituição de
1967 e demais leis esparsas. Com a preparação da máquina administrativa para
executar as políticas do governo a partir de 1967, diversos órgãos do Ministério da
19
Na Constituição de 1946 aboliu-se a educação moral e cívica em nome dos princípios liberais que
derrubaram o Estado Novo, que utilizou essa educação para consolidar seu poder até 1945. Quando
do golpe, os militares com receio da entrega das “ideologias exóticas”, reinstituíram a educação moral
e cívica nas escolas para preencher o “vácuo ideológico” para que a mente dos jovens não fosse
contaminada com ideais materialistas e esquerdistas, formando nos “educandos e no povo geral o
sentimento de apreço à Pátria, de respeito às instituições, de fortalecimento da família, de obediência
à Lei, de fidelidade ao trabalho e de integração na comunidade, de tal forma que todos se tornem, em
clima de liberdade e responsabilidade, convictos e fiéis no cumprimento de seus deveres” (CUNHA,
1999, p. 73-78).
61
Justiça foram reestruturados, recebendo necessários ajustes legais. O Ministério da
Justiça se reordena em 1969 e, efetivamente, cria-se a Polícia Federal (KUSHNIR,
2004, p. 124-125).
Em 1969 o presidente Costa e Silva é vítima de um derrame que impossibilitao de continuar no governo. Seu sucessor, o vice-presidente Pedro Aleixo, foi
impedido de suceder – para alguns, em razão de ter se oposto ao AI-5 –, violando a
regra constitucional de sucessão presidencial. Assim, assume uma junta composta
pelos três ministros militares que passa a conduzir o país. A junta militar baixou
uma série de atos repressivos, principalmente contra grupos armados de esquerda,
como o AI-13 – que criou a pena de banimento do território nacional para cidadãos
nocivos à Segurança Nacional – e o AI-14 – que estabeleceu pena de morte para os
agentes subversivos do comunismo (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 135-136).20
Ao longo do regime, os militares foram tentando dar respaldo jurídico aos
instrumentos de censura, elaborando uma legislações específicas e interpretando a
legislação existente de forma repressiva. Aliado a esse respaldo jurídico, foi
estruturado um quadro burocrático encarregado de exercer a censura (ROMANCINI;
LAGO, 2007, p. 128-129).
Neste sentido, reformular o Serviço de Censura e atualizar a legislação
vigente foi sempre uma preocupação, o que não quer dizer que este, ao ser
transformado, deixou o campo das intenções. No esteio dessas metas, o
ministro Gama e Silva realmente editou, em 1968, uma lei censória, a de nº
5.536. O seu instrumento mais “ousado”, a criação do Conselho Superior da
Censura (CSC), entretanto, levou onze anos para sair do papel (KUSHNIR,
2004, p. 26).
Em razão de que o eixo de apreciação das novas leis acabou sendo ancorado
onde apenas um pequeno grupo de pessoas participava das decisões, muitos dos
que posteriormente combateram essas legislações acabaram desempregados,
encarcerados, perseguidos e mortos. Todos aqueles que desempenhavam certa
militância de esquerda padeceram por suas atitudes. No entanto, da mesma forma
que existiram aqueles que lutaram contra o regime, houve outros que colaboraram
com ele (KUSHNIR, 2004, p. 27). É nesse período que civis e membros da imprensa
20
Oficialmente, a pena de morte nunca foi aplicada, no entanto, execuções sumárias, tortura, dentre
outros, foram praticados indiscriminadamente por diversos órgãos oficiais do governo militar
(ROMANCINI; LAGO, 2007, p.136).
62
– imprensa geral ou alternativa –,21 foram duramente combatidos e reprimidos, pois
continuavam lutando na tentativa de sobreviver à situação imposta pelo governo
cerceador (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 119).
Com o objetivo de purificar a sociedade, os militares hierarquizam suas ideias
e submetem-na a um processo seletivo do que é admissível disseminar. Tal
cerceamento ideológico processa-se na sociedade brasileira através da censura
preventiva e punitiva, cujo objetivo era o de impedir a circulação de ideias contrárias
a ideologia propagada pela Doutrina da Segurança Nacional – que levariam o
Estado à destruição na mão do comunismo (CARNEIRO, 2002, p. 21).
2.3 O cerceamento da informação como forma de legitimação do regime: a
censura prévia e autocensura
Muitos setores da sociedade civil apoiaram a “Revolução de 1964”, dentre
eles, setores das classes médias e grupos conservadores, parcelas religiosas, e
também, a grande imprensa em geral, que dificilmente acreditaram que dela
resultaria em um período autoritário de violações que se estenderia por mais de
duas décadas.22 Quando o regime militar entrou em uma fase de endurecimento,
sob pretexto de assegurar a Segurança Nacional contra o comunismo, combater a
corrupção, houve diversas resistências por parte da sociedade civil que foram
silenciados quando o regime consumou-se, calando os dissidentes, através da
edição do AI-5 (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 120).
Com o golpe, o estado passou a assumir um papel mais central no controle
das atividades econômicas do país, houve favorecimento a certos grupos de
comunicação, com aporte de grandes recursos financeiros e tecnológicos por parte
21
Com o regime, e principalmente com agravamento dele, através do AI-5, particularmente a partir
dos anos 70, devido ao próprio momento histórico de dura repressão aos meios de comunicação,
surge com maior força à chamada imprensa alternativa, que continha em seus periódicos,
publicações de oposição ao regime militar, denuncias e protestos. “Em contraste com a complacência
da grande imprensa para com a ditadura militar, os jornais alternativos denunciavam
sistematicamente as torturas e violações dos direitos humanos e faziam a crítica do modelo
econômico. Inclusivo nos anos de seu aparente sucesso, durante o milagre econômico, de 1968 a
1973, destoando, assim, do discurso triunfalista do governo ecoado pela grande imprensa, gerando
todo um discurso alternativo” (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 140).
22
Salientamos o mea culpa da CNBB, com D. Helder Câmara. No entanto, merece destaque a
importante presença desses setores, em especial o da igreja católica, em diversas frentes de ação
política e social, de cunho democrático.
63
do Estado, a fim de efetuar uma política de integração nacional visando utilizar,
principalmente através de meios de comunicação ligados à televisão, o caráter
estratégico de influência desse meio (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 120-121).
[...] à televisão fora reservado papel mais destacado entre os meios de
comunicação. Convém lembrar que desde os primeiros anos da ditadura, na
década de 60, os governos militares empreenderam profundas
transformações no setor de comunicação, especialmente nos sistemas de
telefonia, telex e televisão. Grandes investimentos foram feitos para
implantar as bases de um sistema amplo e eficiente de telecomunicações:
extensão das redes elétricas na cidade e no campo, instalação do sistema
de satélites Intelsat, criação de órgãos como a Embratel, a Telebrás e o
Ministério das Comunicações. Além disso, as décadas de 60 e 70 assistiram
a um grande desenvolvimento tecnológico da engenharia eletrônica, que
também modernizou enormemente a TV (HABERT, 2001, p. 23).
Através do Regime Militar, retoma-se o crescimento econômico do país de
forma gradual. Indiretamente, a imprensa é beneficiada por esse crescimento
econômico e ganha papel relevante nesse novo contexto, o que acaba por resultar
em um ambiente repressivo por parte do governo militar, que tenta controlar a
imprensa brasileira e através da informação, legitimar-se (ROMANCINI; LAGO,
2007, p. 121).23
Além de encurtar distâncias, a expansão do sistema de telecomunicações
combinou duas funções básicas e entrelaçadas: instrumento para ampliar e
unificar o mercado consumidor; e veículo de controle político e de
propaganda ideológica sob o signo da “Segurança Nacional” e da
“Integração Nacional” (HABERT, 2001, p. 23-24).
No entanto, foi necessário manter certo controle sobre a imprensa em razão
de sua forte influência sobre a população, colocando esse forte meio de
disseminação de informação a serviço do Estado e da Nação (HITLER, 1932, p.
246). A censura à imprensa teve seu expoente máximo durante o Estado Novo, com
a existência do DIP. No pós-1964 esse papel foi desempenhado por um órgão de
exceção do qual eram emanados bilhetinhos – “De ordem superior, fica proibida a
divulgação...” – às salas de redação de diversos meios de imprensa (KUSHNIR,
2004, p. 123).
23
Como forma dessa legitimação, são exemplos a propaganda disseminada – “Ninguém segura esse
país” – que explorava somente os fatos positivos do país, a economia em pleno desenvolvimento e as
realizações do governo e eventos circunstanciais – como é o caso da vitória do Brasil na Copa do
Mundo de 1970 (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 139).
64
Quando o nazismo se instalou na Alemanha, tal fato provocou o
desaparecimento, entre os anos de 1934 e 1935, de 4.600 jornais. Episódio
significativo. [...] na pátria de Gabriele D’Annunzio, o fascismo reduziu o
número de jornais, de 157 para cerca de 50. Liquidou sumariamente, com a
fúria de um terremoto, todas as folhas que não liam pela mesma cartilha
(JORGE, 1992, p. 179).
A prática da censura prévia deu-se em algumas redações entre os anos de
1968 e 1978. Muito embora tenha sido mais intensa durante esse período, não quer
dizer que não tenha ocorrido antes, como ocorreu nas vésperas do AI-5, e também
não quer dizer que não ocorreu depois (KUSHNIR, 2004, p. 43).24
Dando aparência de normalidade, o aparato repressivo sistemático era
realizado através do aviso, pela Polícia Federal, que o veículo de comunicação teria
de passar a submeter seus originais a um censor. São exemplos desse tipo de
procedimento editoriais como O Pasquim, O Estado de São Paulo, Opinião, Veja,
Movimento, Tribuna da Imprensa, dentre outros. Esse tipo de censura, prévia, muito
embora não atingisse o conjunto da imprensa brasileira, sinalizava aos demais,
através de certa relevância simbólica, a violência extrema a qual o regime estava
disposto a realizar. Na prática, os censores avaliavam o material que estava
preparado para a publicação no local em que o mesmo era produzido, onde
liberaram, vetavam ou liberavam com restrições os textos, imagens ou fotos
examinadas, a partir de instruções regulares que eram emanadas pela Polícia
Federal (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 129).
24
Mesmo após o fim da censura prévia institucionalizada, a imprensa continuava sendo admoestada,
como é o caso ocorrido na edição de novembro de 1978 do semanário Movimento, que por veicular a
vitória do MDB no pleito eleitoral do ano de 1978, foi apreendida (JORGE, 1992, p. 155).
65
Figura 3 - Edição da Revista Veja, de dezembro de 1969, que
foi apreendida pelo governo militar. Fonte: ROMANCINI;
LAGO, 2007, p. 128.
Em alguns casos, as matérias eram ou analisadas na própria sala de redação
pelo censor, ou ainda enviada a Polícia Federal da cidade ou para sua sede, em
Brasília (KUSHNIR, 2004, p. 43). Não muito raras às vezes, os cortes de material de
determinado editorial era tão drástico que praticamente inviabilizava a publicação de
certo número de determinado exemplar. Segundo o jornalista Hélio Fernandes, apud
Romancini e Lago (2007, p. 129-130), “[...] às vezes, era necessário “fazer três
jornais para sair um [...]. Quando a censura chegou, o jornal tinha 40 páginas –
acabou com 12”.
Dentre a ampla gama de assuntos vetados pela Polícia Federal estavam:
corrupção no governo, protestos estudantis, crises políticas, condições de vida dos
cidadãos comuns, citações a determinados indivíduos, existência de censura, dentre
outros (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 130).
Entre elas, merece destaque especial, pois correspondem à maior parte dos
cortes, as referencias às prisões arbitrárias, maus tratos, torturas,
desaparecimentos e ao esquema de incomunicabilidade para os presos
políticos. Além disso, aparecem vetos quando ocorrem alusões a partidos
clandestinos, bem como a elementos relacionados a eles e seus eventuais
pronunciamentos [...] São também sistematicamente proibidas notícias
relativas ao andamento dos inquéritos movidos contra elementos da luta
armada, assim como a solicitação de soltura de presos políticos, ou
comentários relacionados à questão da pena de morte para terroristas. Há
cortes nas matérias que veiculam informações sobre assaltos realizados por
grupos terroristas e ameaças de sequestro [...], ou mesmo, a narrativa da
66
morte de agente de segurança por organizações de esquerda [...] e críticas
ao terrorismo. As proibições atingem as menções à prisão e tortura de
estrangeiros no Brasil [...] e as alusões a desaparecimentos em países do
Cone Sul [...]. Vetos ao discurso oposicionista [...] postura crítica em relação
ao Estado autoritário brasileiro pós-64 [...]. Críticas desabonadoras advindas
de outras nações [...]. Admoestações contra a repressão política existente
no Brasil, bem como ao regime que mantém marginalizada a maioria da
população [...]. Opiniões políticas da Igreja Católica manifestando-se contra
prisões arbitrárias de seus auxiliares e torturas a presos políticos [...].
Críticas ao regime militar, no sentido do controle excessivo exercido pelas
Forças Armadas sobre a sociedade civil [...]. Crise no abastecimento de
carne envolvendo problemas de tabelamento imposto pelo governo [...]. A
proibição sistemática de veiculação de notícias que representem
possibilidade de comoção social, violência, crise [...]. Manifestações de
motoristas de taxi pelo aumento de tarifas [...]. Críticas sobre a insuficiência
de doses da vacina contra a meningite cuja responsabilidade de compra
competia ao governo federal [...]. Greve na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul contra a dispensa de professores [...].Críticas à repressão
política no Chile. Manifestações contrárias ao imperialismo brasileiro,
identificando a participação do Brasil no golpe que depôs o Salvador
25
Allende (AQUINO, 1999, p. 67-68).
Do semanário Movimento, foram suprimidas, 58 das 69 fotos, 283 das 305
laudas, do exemplar de nº 45 – maio de 1976. Ainda, três de suas edições não
puderam ser lançadas, pois previamente censuradas: uma que apresentava uma
extensa reportagem sobre a questão do trabalho da mulher, outra que denunciava
contratos de risco na área da exploração do petróleo, e por fim, uma que defendeu a
anistia, a liberdade e a instalação de uma Assembleia Constituinte. No caso do
semanário Movimento, este foi processado pela Lei de Segurança Nacional e sua
redação sofreu diversas pressões econômicas, bombas destruíram bancas de
jornais onde era vendido, jornalistas foram perseguidos, pelo simples fato de
denunciar casos de corrupção administrativa, uma vez que os líderes da “Revolução
de 1964” não admitiam a existência do crime de peculato e outros no Brasil (JORGE,
1992, p. 155-156).
Na tentativa de alertar seus leitores sobre a prática de censura nos meios de
comunicação, os jornais, por exemplo, publicavam anúncios, cartas paródicas e
receitas intragáveis em locais inusuais, na grande maioria, nos locais onde havia
sido censurado determinada coluna, outros, deixávamos espaços censurados em
branco. Alguns jornais utilizavam-se de trechos de Os Lusíadas e da Declaração
25
O autor referindo às matérias censuradas que ocuparam grande espaço do total de vetos pelos
censores do governo na publicação O Estado de São Paulo, enquadradas nos subtemas: repressão
política, críticas da oposição, críticas do exterior, relações estado/igreja, críticas ao regime, críticas à
política econômica, críticas a questões sociais – acidentes, questões indígenas –, reivindicações
sociais, críticas à política de saúde pública, questões educacionais e culturais – movimento estudantil
-, questões de política internacional – Chile (AQUINO,1999, p. 67-68).
67
Universal dos Direitos do Homem, que posteriormente a revisão pelo censor, deviam
ser alterados. A exemplo, a publicação O Pasquim era, segundo o governo,
associada à subversão da ordem, pois segundo ele, aquele através do deboche e da
licenciosidade, ironizava o milagre econômico e discutia temas proibidos, como
liberdade sexual, por exemplo. A publicação foi duramente perseguida. Uma bomba
caseira foi colocada no quintal da sede do jornal, mas não chegou a explodir. Foi
objeto de censura prévia e sua redação chegou a ser invadida por policiais, sendo
que todos os jornalistas presentes ficaram presos por 61 dias (ROMANCINI; LAGO,
2007, p. 130-146).
Aliado a censura prévia, outra técnica utilizada pelo governo para o controle
da informação era a chamada autocensura que foi mais geral que a censura prévia,
pois abrangia a totalidade da grande imprensa brasileira e consistia basicamente no
informe, pela Polícia Federal, de temas cuja veiculação era proibida, cabendo os
próprios jornalistas suprimir da pauta, assuntos com esses temas, sob pena de
represálias. Eram os conhecidos bilhetinhos. Estes bilhetinhos eram levados aos
meios de comunicação por um oficial policial de nível inferior que mostrava o bilhete
e aguardava para que o mesmo fosse copiado. Posteriormente, o jornalista assinava
um documento de que tinha ciência dos temas proibidos. O oficial ia embora
carregando o documento original da censura e não deixava provas de tais
documentos nas empresas (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 131-132).
Do ponto de vista da censura, era muito importante ocultar do público a sua
própria existência e, conseqüentemente, muito grande a preocupação em
não deixar provas concretas que pudessem vir a constituir elementos que
implicassem em ações judiciais contra a União, por parte dos órgãos de
divulgação afetados (AQUINO, 1999, p. 79).
A orientação geral da censura era dada pelo Ministério da Justiça, muito
embora não possuísse base jurídica. Órgãos como o Serviço Nacional de
Informação (SNI) e outros serviços de informação colaboravam na tarefa de dirigir a
repressão às temáticas jornalísticas (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 131-132).
No
dia 13 de dezembro de 1968, imprensas como a carioca e a paulista, recebem em
suas salas de redação o seguinte manual de comportamento jornalístico (KUSHNIR,
2004, p. 108):
68
Manual distribuído no Rio de Janeiro
1. Objetivos da censura:
a) obter da imprensa falada, escrita e televisiva o total respeito à Revolução
de março de 1964, que é irreversível e visa à consolidação da democracia;
b) evitar a divulgação de notícias tendenciosas, vagas ou falsas, que
possam vir a trazer intranquilidade ao povo em geral.
2. Normas:
a) Não poderão ser divulgadas notícias que possam:
- propiciar o incitamento à luta de classes;
- desmoralizar o governo e as instituições;
- veicular críticas aos atos institucionais;
- veicular críticas aos atos complementares;
- comprometer no exterior a imagem ordeira e econômica do Brasil;
- veicular declarações, opiniões ou citações de cassados ou seus portavozes;
- tumultuar os setores comerciais, financeiro e de produção;
- estabelecer a desarmonia entre as forças armadas e entre os poderes da
República ou a opinião pública;
- veicular notícias estudantis de natureza política;
- veicular atividades subversivas, greves ou movimentos operários;
4. Prescrições diversas:
a) a infração das normas do nº 3 implica a aplicação de sanções previstas
em lei;
b) os espaços censurados deverão ser preenchidos de forma a não
modificar a estrutura da publicação ou programa;
c) as presentes instruções entram em vigor no ato do recebimento,
revogando-se as disposições em contrário.
Ass.: General de Brigada César Montagna Souza.
Manual distribuído em São Paulo
1) Manter o respeito à Revolução de 1964;
2) Não permitir notícias referentes a movimentos de padres e assuntos
políticos referentes aos mesmos;
3) Não comentar problemas estudantis;
4) Não permitir críticas aos Atos Institucionais, às autoridades e Às FFAA;
5) As notícias devem ser precisas, versando apenas sobre fatos
consumados;
6) Não permitir informações falsas, supostas, dúbias ou vagas;
7) Não permitir notícias sobre movimentos operários e greves;
8) Não permitir aos cassados escrever sobre política;
9) Não publicar os nomes dos cassados a fim de não colocá-los em
evidência, mesmo quando se trate de reuniões sociais, batizados,
banquetes, festas de formatura. A prisão dos cassados poderá ser
noticiada, desde que confirmada oficialmente;
10) Não publicar notícias sobre atos de terrorismo, explosão de bombas,
assaltos a bancos, roubos de dinamite, roubos de armas, existência,
formação ou preparação de guerrilhas em qualquer ponto do território
nacional, ou sobre movimentos subversivos, mesmo quando se trate de fato
consumado e provado.
Ass.: general Silvio Correia de Andrade
Se, porventura, não houvesse o cumprimento dos temas proibidos por parte
dos setores midiáticos, seus jornais podiam sofrer auditorias contábeis, suspensão
69
de anúncios do governo, pressões sobre anunciantes, gráficas ou comerciantes, por
fim, poderia ainda ocorrer à apreensão dos jornais e a retirada do ar de emissoras
de rádio e televisão. Aliado à censura e os meios intimidatórios adotados pelo
regime, a imprensa ainda sofreu outras formas de repressão como atentados a
bomba, invasões a redações e bancas de jornal, prisões de editores e jornalistas,
inquéritos arbitrários, violência física, pressões contra os donos das empresas,
dentre outros (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 132-133).
Dentro de todo o sistema ideológico criado pelo Regime Militar para legitimar
e ocultar da sociedade a natureza golpista, bem como de eliminar a contestação ao
regime, cria-se todo um aparato burocrático denominado “Comunidade de
Informações”.
2.4 O quadro burocrático encarregado de exercer a censura e a vilania: o
Sistema Nacional de Informações (SISNI) e a sua “Comunidade de
Informações”
A fim de viabilizar o projeto ditatorial, cria-se uma complexa e ampla
máquina de repressão, denominada de “Comunidade de Informações”. Essa
máquina era encabeçada e centralizada pelo Serviço Nacional de Informações
(SNI), e envolvia diversos organismos militares e policiais no controle político e
ideológico de posições contrárias à Doutrina de Segurança Nacional, tais como o
Departamento de Operações Internas (DOI), o Centro de Operações de Defesa
Interna (CODI), o Centro de Informações do Exército (CIE), o Centro de Informações
da Marinha (CENIMAR), o Centro de Informações e Segurança Aeronáutica (CISA),
o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), a Polícia Federal e as polícias
civis e militares estaduais (JORGE, 1992, p. 188).26
O Sistema Nacional de Informações não é meramente um aparelho
repressivo sofisticado, no sentido policial da palavra. Ele faz parte de toda
26
Ainda no Sistema Nacional de Informação e Contrainformação, criou-se: o Conselho de Segurança
Nacional (CSN), que tinha como competência as cassações dos Partidos Políticos; a Comissão Geral
de Investigação (CGI), que cuidava dos casos de corrupção; o Centro de Informação de Pessoas no
Exterior (CIEX), pessoas exiladas. Sobre o assunto, ver: LEAL, Rogério Gesta. Verdade, memória e
justiça no Brasil: responsabilidades compartidas: morte, tortura, sequestro e desaparecimento
de pessoas no regime militar brasileiro: de quem é a responsabilidade?. Porto Alegre: Livraria
do Advogado Editora, 2012.
70
uma estratégia global, que nasce dos preceitos colocados pela Doutrina de
Segurança Nacional que, pelo menos teoricamente, inspira os rumos
políticos do país desde março de 1964 (LAGÔA , 1983, p. 13).
É na soma de diversos ingredientes – tais como, postulados positivistas de
progresso, tradição intervencionista, desenvolvimento da ciência, apelo pela
industrialização, experiências obtidas durante a Segunda Guerra Mundial com as
tropas estadunidenses, postulados geopolíticos – que se tem um conjunto de fatores
que propiciaram o surgimento de uma nova mentalidade militar no Brasil (LAGÔA,
1983, p. 13). Conforme o discurso de Castelo Branco na aula inaugural da ESG,
apud Lagoa (1983, p. 70):
A noção de segurança compreende a defesa global das instituições,
incorporando, por isso, os aspectos psicossociais, a preservação do
desenvolvimento e da estabilidade política interna. Além disso, o conceito
de segurança, muito mais explicitamente do que o de defesa, toma em linha
de conta a agressão interna, corporificando na infiltração e na subversão
ideológica, até mesmo nos movimentos de guerrilha, formas hoje mais
prováveis de conflito que a agressão externa.
Para o planejamento da defesa interna, a informação ganha um papel
essencial. Seja qualquer dado, fato, relato ou documento que possa contribuir para o
entendimento de algum determinado assunto – informe – ou ainda o conhecimento
de algum fato ou situação, mediante o processamento de todos os informes
disponíveis e relacionados sobre o assunto – informação. Para chegar-se a
determinada informação, percorre-se por várias etapas, tais como a “orientação,
produção,
planejamento,
coleta,
busca,
processamento,
integração, interpretação e difusão” (LAGÔA, 1983, p. 15-16).
exame
e
análise,
71
Figura 4 - “Ciclo da Informação. A informação na segurança
interna”. Fonte: Doutrina Básica – 1979 – ESG apud LAGÔA,
1983, p. 16.
Antes de 1964, cada uma das Forças Armadas possuía serviços secretos
setorizados, encarregados da espionagem clássica. Apenas a Marinha – CENIMAR
– possuía um centro de informações, cuja envergadura era pequena (LAGÔA, 1983,
p. 68). A idealização e a criação do sistema nacional de informações é atribuída ao
General Golbery do Couto e Silva que ainda na Escola Superior de Guerra defendia
a criação de um “Serviço de Informações, centralizado, bem dotado de meios e
recursos, valendo-se de agentes e órgãos de busca de toda espécie”. Defendido e
fundado por ele, surge, na ditadura militar a “4ª Delegacia”, o Serviço Nacional de
Informações (SNI), órgão de assessoramento ao processo decisório, que depois de
anos, viria a ser chamado de “monstro” por seu criador. O projeto do Serviço
tramitou em relativa paz no Congresso Nacional, com pequenas emendas
(GASPARI, 2002a, p. 153-157). Criado pela lei nº 4.341, de 13 de junho de 1964,
surge o Serviço Nacional de Informações (SNI), “uma CIA voltada para dentro”,
“funcionará como o FBI, ou o Intelligence Service, no interesse da Segurança
Nacional” (Laerte Vieira, apud GASPARI, 2002, p. 154).
72
Figura 5 - Organograma do SNI (Serviço Nacional de
Informações. Fonte: Jornal do Brasil, de 31 de janeiro de 1983,
apud LAGÔA,1983, p. 20.
Dentro
de
sua
organização,
cabia
à
secretaria
psicossocial
o
acompanhamento das atividades de sindicatos e atividades da igreja, cabendo a
esta detectar possíveis formações de lideranças bem como possíveis rumos dos
movimentos sociais. Já a secretaria econômica controlava as operações, compras,
dentre outros, das empresas privadas. Por sua vez, a secretaria política mantinha
controle
sobre
os
parlamentares,
possuindo
equipes
especializadas
para
acompanhar cada partido político, em todo o território nacional. Finalmente, a
secretaria subversiva, que se encarregava da subversão, dos movimentos
considerados subversivos, organizações clandestinas, ou ainda, órgãos que se
identificavam com o movimento comunista internacional (LAGÔA, 1983, p. 21).
O SNI, principal e originário órgão de informações do regime militar, foi
formalmente criado pelo Decreto-Lei n° 4341, de 13/06/64, como organismo
de assessoramento do Executivo (Conselho de Segurança Nacional e o
Presidente). Desde o início deteve a prerrogativa de manter em sigilo todas
as suas informações, podendo decidir inclusive quais seriam repassadas ao
presidente da República. Além das informações, toda a estrutura e
funcionamento do SNI podiam ser resguardadas, assim como a utilização
de serviços e colaboração de civis, militares, funcionários públicos ou
qualquer cidadão, remunerados ou não (FAJARDO, 1993).
73
Depois de instaurado o golpe de 1964, com a depuração da sociedade civil e
militar, a comunidade de informações surge com a missão de expurgar do país
elementos indesejáveis, envolvidos em corrupção e subversão. Essa comunidade foi
se fortalecendo com o passar dos anos. Uma vez que a sociedade civil e a militar
estavam limpas, essa comunidade continuou seus trabalhos. Passou a vigiar
constantemente o interior das Forças Armadas e da sociedade civil, um processo
que acabou desvirtuando o papel original da comunidade de informações. Surge o
medo como forma de manter a coesão do Sistema – “contra a contaminação das
Forças Armadas pelas forças sociais emergentes ou contra a ameaça comunista”
(LAGÔA, 1983, p. 105-106).
Com o crescimento e a forte influência do SNI, foram se podando as áreas de
atuação dos demais órgãos de inteligência – CIE, CENIMAR, CISA. O SNI vem para
garantir a coesão dos órgãos de informação, garantir a manutenção e a continuidade
desses serviços (LAGÔA, 1983, p. 109). Cada ramo das Forças Armadas tinha seu
próprio Centro de Informação – CIE, CENIMAR e CISA – que embora ligados ao
SNI, gozavam de certa autonomia. Suas missões específicas eram de controlar o
“público interno”, através das chamadas Segundas Seções. Essas Segundas
Seções de cada ramo eram responsáveis pelo controle dos membros de todos os
regimentos, batalhões e unidades do território que era submetido ao comando de
cada Força Armada. Aliado a essa operação interna, procediam também à vigilância
política e até mesmo repressão física do “público externo”, através dos DOI-CODIs
(ALVES, 1984, p. 173-174).27
O Serviço Nacional de Informações (SNI) tinha por competência legal produzir
informações para a orientação e uso do Presidente da República e do Conselho de
Segurança Nacional nas políticas nacionais. Para produzir essas informações, que
posteriormente orientarão as políticas nacionais brasileiras, o SNI dispõe das
Divisões de Segurança e Informações (DSI), que são subordinadas aos titulares de
cada ministério, e das Assessoria de Segurança e Informações (ASI), que
pertencem aos organismos e empresas ligadas ao Governo Federal. Essas
ramificações produziam informações dentro dos ministérios civis, organismos e
empresas federais (LAGÔA, 1983, p. 97-98). As DSI e as ASI nasceram de antigas
seções de Segurança Nacional dos ministérios que foram transformados para se
27
A imprensa chamava o órgão assim, mas na verdade era CODI-DOI, uma vez que o DOI era
subordinado ao CODI (LAGÔA, 1983, p. 97-98).
74
adaptarem ao novo sistema, através do decreto nº 60.940, de 4 de julho de 1967, e
deveriam “encaminhar à agência central do SNI as informações necessárias,
segundo a periodicidade estabelecida no Plano Nacional de Informações que, pelo
princípio da oportunidade, devem ser do conhecimento imediato dos clientes
principais do SNI” (conforme Decreto nº 75.640/75).28
O Sistema Nacional de Informação brasileiro (SISNI) era composto por 16
(dezesseis) órgãos especializados estruturados a partir de seu nível federal até os
mais descentralizados, como os locais, para os quais cabia a coleta e busca de
informações mais específicas, em nível local. Tal sistema era encabeçado e
centralizado no SNI (FAJARDO, 1993). Desde sua criação, o Serviço possuía
autonomia
administrativa
e
era
invulnerável
à
jurisdição.
Quanto
à
sua
operacionalidade, o SNI herdou a estrutura do Serviço Federal de Informações e
Contrainformação (SFICI), uma repartição de pouca expressão vinculada ao
Conselho de Segurança Nacional, e o arquivo do IPES. Contanto com cerca de 100
funcionários na data de sua criação, 82 efetivos, em pouco tempo esses se tornam
cerca de 6 mil, fazendo parte do que se denominaria posteriormente de
“Comunidade de Informações”. Nessa Comunidade se reuniram além do SNI, todos
os serviços secretos do Exército, Marinha e Aeronáutica, parte da Polícia Federal, as
divisões de informações montadas em todos os ministérios, delegacias estaduais Ordem Política e Social – e, os serviços de informações das polícias militares
(GASPARI, 2002a, p. 155-158).
Ao SNI cabia importante papel na coleta de dados e no controle das
informações das atividades de inúmeras pessoas e órgãos dentro do governo, em
todos os organismos estatais e no conjunto da sociedade. Para isso, um enorme
aparato foi montado, atuando de forma a obscurecer a realização dos programas
governamentais, utilizando para tanto, o critério da Segurança Nacional (SADER,
1990, p. 20).
A estreita ligação entre o SNI e o Exército permitiu a relação entre os
organismos civis e militares de espionagem e repressão política durante a
ditadura militar. Houve um processo de predominância cada vez maior do
28
Ver: BRASIL. Decreto nº 75.640, de 22 de abril de 1975. Aprova o Regulamento das Divisões de
Segurança e Informações dos Ministérios Civis e das Assessorias de Segurança e
Informações; revoga o Decreto nº 67.325, de 2 de outubro de 1970, e o Decreto nº 68.060, de 14
de janeiro de 1971. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto75640-22-abril-1975-424250-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 02 jan. 2014.
75
controle militar sobre essas atividades, mas sempre com o apoio material e
ideológico das elites civis (FAJARDO, 1993).
Através da experiência oriunda da OBAN (Operação Bandeirante),29 em 1970,
cria-se o Destacamento de Operações de Informações e o Centro de Operações de
Defesa Interna, os DOI-CODI, que muito embora atuassem de forma distinta,
trabalhavam em estreita colaboração, sendo responsáveis pelo combate às
organizações de esquerda e crimes políticos.30 Ambos os órgãos eram ligados ao
Exército e estavam presentes na maioria das capitais brasileiras. A partir da criação
dos DOI-CODIs centraliza-se no Exército um comando central que concentra as
demais Armas e as Polícias Federal e Estaduais, bem como o DOPS (JOFFILY,
2009, p. 60).
Além dos órgãos e organizações mencionados o Poder Executivo do Estado
de Segurança Nacional utiliza o Departamento de Política Federal (DPF),
diretamente subordinado ao Ministério da Justiça. O DPF coordena a
repressão física em épocas de mobilização nacional pela segurança interna,
e dedica-se especialmente à censura e controle da informação. Toda a
burocracia de censura está ligada ao DPF (ALVES, 1984, p. 175).
Em 1972, alterou-se a organização do Exército. O país passou a se dividir em
quatro grandes comandos, os quatro Exércitos (LAGÔA, 1983, p. 66). Conforme o
mapa:
29
Em razão da ineficiência das Forças Armadas no combate a luta armada, cria-se um novo meio –
mais eficiente – para exterminar as mobilizações de esquerda, a Operação Bandeirante (OBAN), que,
através de agentes especializados da Secretaria de Segurança, deu um novo sentido a criação de
estratégia de combate à luta armada. A OBAN era subordinada a 2ª Seção do Estado-Maior das
grandes unidades, sendo considerada uma anomalia na estrutura militar convencional. Foi lapidada
por meio de uma Diretriz para a Política de Segurança Interna que foi expedida pela Presidência da
República em julho de 1969. Essa unidade operava sob a coordenação do Centro de Informações do
Exército, centralizando as atividades repressivas nas grandes cidades. A OBAN contava com a
presença de elementos das Três forças Armadas, do Departamento de Ordem Política e Social
(DOPS), da Polícia Federal, da Polícia Civil, da Força Pública e da Guarda Civil (GASPARI, 2002, p.
60).
30
O DOI possuía como competência a ação direta contra os militantes de esquerda, ou seja, a
captura e o interrogatório. Por sua vez, cabia ao CODI o planejamento e a organização das
repressões políticas (JOFFILY, 2009, p. 260).
76
Figura 6 – Estrutura de divisão do Exército após reorganização
da Defesa Interna. Fonte: LAGÔA, 1983, p. 67.
É sobre esse novo plano setorial de segurança – demonstrado pela nova
organização do Exército no Brasil – que o sistema se montou e acabou formando
uma nova ordem de defesa interna, uma sobremalha. Ao chefe do Estado-Maior –
órgão operacional das Forças Armadas – era atribuída também à chefia do CODI.
Cada Exército tinha um CODI e cada CODI um ou até mesmo mais do que um
DOI.31 Toda essa sobremalha tinha a mesma estrutura operacional, metodologia e
técnica de funcionalismo. Operando nesse novo sistema, os órgãos de segurança
interna trabalhavam com maior rapidez e eficiência. O CIE coordenava uma rede de
CODIs e estes, uma rede de DOIs. Fisicamente, o CODI não existia, era meramente
um centro coordenador, personificado na pessoa do chefe do Estado-Maior que
comandava determinada área de defesa interna definida na organização territorial
dos Exércitos (LAGÔA, 1983, p. 71).
31
No Rio de Janeiro, por exemplo, por ser uma área de significativa importância, havia dois DOIs, um
na Vila Militar e outro na Rua Brarão de Mesquita, na Tijuca, onde se situava a sede da Polícia do
Exército (LAGÔA, 1983, p. 68).
77
Estes órgãos tinham, por sua vez, uma bem montada organização interna e
de procedimentos, envolvendo: a) Setor de Infiltração, responsável pela
investigação, infiltração e espionagem nos movimentos de oposição; b)
setor de Busca, responsável pela apreensão de documentos e materiais
tidos como subversivos e prisões de pessoas; c) Setor de Triagem, que
fazia a separação dos materiais apreendidos para lhes dar prioridade e
importância; d) Setor de Análise, que operava o rastreamento de
comunicações entre os opositores, avaliação dos documentos selecionados,
buscando desmobilizar os movimentos de oposição (ETCHICHURRY; [et.
al.], 2010, p. 48).
Com o desenrolar da guerra civil, todas as agências de informações e
segurança entraram em campo. Cada informação colhida pelos agentes de campo
eram enviadas ao escalão superior. Agentes da Força Aérea Brasileira (FAB)
enviavam seus informes à CISA, os da Marinha para o CENIMAR e os do Exército,
ao CIE. Agentes do DOI para o chefe respectivo do CODI e este para o CIE. Cada
um desses canais – CISA, CENIMAR, CIE e CODIs – tinham autonomia para
produzir, planejar e coordenar suas ações, sendo que todas as informações que
saíam desses órgãos eram submetidos e centralizados no SNI, que os coordenava
(LAGÔA, 1983, p. 71).
78
Organograma do SISNI
(Sistema Nacional de Informação)
Figura 7 – Organograma do SISNI (Sistema Nacional de
Informações). Fonte: LAGÔA, Ana. SNI: como nasceu, como
funciona. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 129.
Dentro da malha da comunidade de informações, os diversos órgãos do
Sistema Nacional de Informação se ligam, se entrelaçam, relacionam-se uns com os
outros. Muitos deles de relacionam em razão de uma ordem política-estratégica,
como os centros de informações e segurança, que se relacionam a respeito de
79
problemas referentes à subversão interna com ramificações externas (LAGÔA,
1983, p. 47).
As diretrizes, para o combate à subversão, eram basicamente policiais; as
informações provinham da Polícia Federal e as ações corriam por conta dos
Departamentos de Ordem Política e Social, os DOPS, subordinados às
Secretarias de Segurança Pública dos Estados (LAGÔA, 1983, p. 48).
Com a expansão cada vez maior do intervencionismo estatal e dos seus
aparatos administrativos, foi crescendo a quantidade de dados e informações, cuja
natureza é variada, recolhidos pelo Sistema no desempenho de suas funções e
missões (GONÇALVES, 2003, p. 40). Em algumas ocasiões, determinadas
informações disponíveis na malha da comunidade apareciam na imprensa brasileira,
principalmente durante os últimos anos do governo Geisel. Diante dessa
publicidade, a comunidade ficou exposta à curiosidade pública, como foi o caso da
morte do jornalista Wladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho, ambos, mortos
nas dependências do DOI de São Paulo (LAGÔA, 1983, p. 35).
Dentre os documentos colhidos pela malha, diversas são as definições e os
regulamentos que deveriam ser seguidos por todos aqueles que lidam com material
relacionado à informação – Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos.
Esses materiais passam então a, depois de colhidos, ser classificados em razão de
sua natureza ou finalidade em diversos graus: ultrassecreto, secreto, confidencial,
reservado.32
Em decorrência da classificação/graus de sigilo outorgados ao material, de
acordo com a necessidade de salvaguarda de sua revelação e “mediante estimativa
dos prejuízos que a divulgação não autorizada do assunto sigiloso poderia causar
aos interesses nacionais, a entidades ou indivíduos” (artigo 3º, § único do decreto nº
decreto nº 79.099/77), passa-se a blindar as informações.
32
Quando do início do regime militar, o regulamento vigente para a salvaguarda das informações que
interessavam à Segurança Nacional era o decreto nº 27.583, de 14 de dezembro de 1949, que
atribuía às “Informações que interessam à Segurança Nacional” graus diferenciados de proteção.
Quanto maior for à necessidade de salvaguarda de sua revelação, maior o grau de sigilo e vice-versa.
O documento mencionava que informação sigilosa era aquela que exigia salvaguarda contra a
divulgação e que, conforme seu grau de sigilo, recebia uma classificação/graus de sigilo: Ultrasecreto, secreto, confidencial e reservado (LAGÔA, 1983, p. 48). Sobre o assunto, ver: BRASIL.
Decreto nº 27.583, de 14 de dezembro de 1949. Aprova o Regulamento para a Salvaguarda das
Informações
que
interessam
à
Segurança
Nacional.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D27583.htm>. Acesso em: 09 nov. 2013.
80
Por outro lado, ciosa de sua hegemonia institucional, as forças armadas
sequer se preocupam em disfarçar que, ao fim e ao cabo, os assuntos
sigilosos veiculados por quaisquer documentos assim enquadrados seriam
classificados de acordo com o seu conteúdo, e não, necessariamente, em
razão de suas relações com outro assunto (art. 5º do Decreto), ou seja,
permitindo juízos discricionários a respeito do tema (LEAL, R. G., 2012, p.
107).
Uma vez permitido que juízos discricionários sejam realizados pelo agente
público catalogador da informação, vivenciou-se a catalogação de senão todo o
material produzido pelo regime militar, a grande maioria desse, tendo em vista a
atuação militar em prol da Segurança Nacional. Décadas após o Regime Militar
iniciado em 1964, passa-se a questionar a postura do Estado no trato da informação,
ensejando diversos questionamentos sobre a atuação do Regime Militar e o acesso às
informações produzidas durante o período que se estende de 1964 a1985.
81
3 TEORIA E IDEOLOGIA DA SEGURANÇA NACIONAL E O ACESSO Á
INFORMAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE
É no período do Pós-Segunda Guerra Mundial, principalmente em
decorrência das atrocidades praticadas pelos regimes ditatoriais do nazismo e do
fascismo, que a dignidade da pessoa humana e a proteção aos direitos humanos
ganham um novo apelo. Surgem legislações mais protetivas e atuantes a fim de
proteger o ser humano contra as arbitrariedades de governantes e de outros
integrantes da sociedade. O Estado passa a ter dentro de suas atribuições uma
atuação mais ativa na sociedade, abandonando sua até então neutralidade e
apoliticidade. Surge o Estado Democrático de Direito e com ele uma nova leitura dos
direitos humanos e fundamentais, cabendo a este o dever de transformar a
realidade, ultrapassando suas antigas fundações, cabendo à Constituição Federal
de 1988 (CF/88), no caso brasileiro, tal tarefa (LEAL, M., 2007, p. 64-65).
Com a CF/88 o Estado assumiu um compromisso com a sociedade brasileira
na concretização de direitos. Assentada sob uma nova matriz, a nova Constituição
parte da premissa da necessária participação social e de uma real cidadania ativa,
impondo para tanto padrões mínimos de inclusão e de informação sobre os atos da
Administração Pública. Assim, sob essa nova matriz constitucional, o acesso à
informação ganha destaque, sendo garantidos em diversos diplomas nacionais e
internacionalmente ratificados. Com a proteção do acesso à informação, a regra
torna-se a publicidade, a exceção, o segredo, sendo necessária sua justificação para
tal rotulação, uma vez que vai de encontro com os novos fundamentos da República
(GONÇALVES, 2003, p. 115).
Foi graças a uma ideologia fortemente disseminada pela Doutrina de
Segurança Nacional que a sociedade civil vivenciou inúmeras arbitrariedades
praticadas pelo regime militar. Houve o exagero na execução da política de
Segurança Nacional e com este exagero, inúmeros excessos, graças à elevação da
Doutrina de Segurança Nacional a um grau de ideologia (CONTREIRAS, 1998, p.
128-129). Hoje, é essa mesma Doutrina de Segurança Nacional que rotula grande
parte dos documentos ainda mantidos em segredos pelo governo, cabendo o
questionamento se tal bloqueio encontra legitimidade dentro da nova matriz
Constitucional, dentro dos novos fundamentos da República.
82
3.1 Teoria e Ideologia da Segurança Nacional: a garantia de segurança e a
utilização do aparato repressivo na integração do território econômico ao
projeto econômico, político e ideológico proposto pelo regime
Saímos do Brasil Colônia para o Brasil Império/Monarquia, sendo que o Brasil
República veio somente sete décadas depois, graças à independência. Por mais que
tenhamos superado o período colonial, o período imperial mantinha laços estreitos
com a velha potência colonial, pois conviveram, lado a lado, o liberalismo e a
exploração do trabalho escravo. Já no período de nossa independência, esta foi
mediada pela monarquia, que conseguiu abrandar os efeitos da transição brasileira
para uma República oligárquica, que acabou dando continuidade à velha hegemonia
dos exportadores e produtores de café, só que agora, com uma nova forma de
política (SADER, 1990, p. 03).33
É principalmente no período pós-Segunda Guerra Mundial que diversos
países do mundo vivem uma alta conflituosidade econômica, política e social. Em
decorrência dessa alta conflituosidade, passa-se a questionar a necessária alteração
das antigas bases sob as quais estava assentada a sociedade brasileira. Passa-se a
reestruturar esta base, dando início a um processo de auto-organização que foi
drasticamente afetado nos anos seguintes (ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO,
1985, p. 12-13).
No período de 1945 a 1964, surgiu um Estado que, à custa de incentivos
externos, criou e fomentou uma infraestrutura necessária para proporcionar ao país
uma adequação ao desenvolvimento industrial internacional, assim, nesse intuito, o
Estado acabou por dispensar qualquer tipo de consulta popular ou qualquer tipo de
pretensão de incluí-los nessa discussão, atribuindo-lhes unicamente os dividendos
por tal inserção na economia internacional. Com a necessidade de inserção do país
no desenvolvimento industrial internacional, a infraestrutura criada nesse período,
com progressos e retrocessos, não parou de se expandir, criando uma economia
muito diversificada, porém muito subdesenvolvida (FRANCIS, 1986, p. 95).
33
O poder político se identifica com o poder social na medida em que o poder social se deriva do
controle de determinados recursos, tais como a detenção de terras, riquezas, vínculos, conhecimento,
dentre outros. Uma vez que o poder social assuma suas funções básicas e determine objetivos
globais, os grupos com poder social dirigem suas pretensões ao poder político, ocupando-o
diretamente ou adquirindo influências sobre ele a fim de condicioná-lo a suas intenções globais
(CRUZ, 2001, p. 60-62).
83
Foi nesse momento histórico que surgiram condições materiais específicas –
conjugadas com condições objetivas e subjetivas – que oportunizaram ao discurso
da ideologia propagada pelos militares os enunciados narrativos necessários para a
“salvaguarda da Constituição e do povo”. Em 1964 tem início um período negro na
história brasileira onde em nome da “ordem”, da “Constituição” e do “povo”, foram
praticadas diversas violações à direitos humanos. Nesse período surgem diversos
personagens e instituições sombrias, que submetiam os opositores do regime a atos
de tirania e vilania, tudo, nome da “Segurança Nacional” (FRANCIS, 1986, p. 47).
A conspiração foi levada a efeito através de instituições civis de fachada,
em especial o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto
de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES). A Escola Superior de Guerra
coordenava as iniciativas de conspiradores civis e militares. A necessária
justificação ideológica da tomada do Estado e da modificação de suas
estruturas para impor uma variante autoritária foi encontrada na Doutrina de
Segurança Nacional e Desenvolvimento ministrada na Escola Superior de
Guerra (ALVES, 1984, p. 24).
No golpe de 64, tudo que não se queria era rotular o movimento como sendo
um golpe de estado, por esta razão, buscou-se na legitimidade popular a
qualificação de que a ação foi um movimento revolucionário em prol da democracia
e do povo. Os militares (aqueles a quem a Constituição dava a missão de defender
o país e garantir a lei e a ordem) se levantam contra o comunismo para salvaguardar
a democracia e o povo, e assim, em 1964, o Brasil assiste a um golpe que
primeiramente depõe o Presidente da República, e posteriormente deflagra uma
intensa repressão em todos os setores da sociedade, esta, em nome da Teoria e da
Ideologia da Segurança Nacional.
A Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento foi formulada pela
ESG, em colaboração com o IPES e o IBAD, num período de 15 anos.
Trata-se de abrangente corpo teórico constituído de elementos ideológicos
e de diretrizes para infiltração, coleta de informações e planejamento
político-econômico
de
programas
governamentais.
Permite
o
estabelecimento e avaliação dos componentes estruturais do Estado e
fornece elementos para o desenvolvimento de metas e o planejamento
administrativo periódico (ALVES, 1984, p. 35).
Tendo em vista a inevitabilidade da chamada guerra total, uma guerra
permanente, o General Golbery do Couto e Silva, já em meados da década de 50
discutia estratégias para uma contraofensiva, salientando a necessidade de se
desenvolver uma estratégia a fim de neutralizar a infiltração e a guerra psicológica
84
propagada pelo comunismo. Em decorrência da possibilidade de uma guerra fria
permanente, desenvolveu-se a Grande Estratégia ou Estratégia Geral, que
coordenava dentro de um Conceito Estratégico fundamental, todas as atividades,
políticas, econômicas, psicossociais e militares, visando à consecução dos Objetivos
Nacionais. Golbery sustentava a necessidade do governo organizar-se em função da
aplicação dessa estratégia, cabendo a um Estado central, dotado de plenos
poderes, a fim de propiciar a organização e a estruturação necessária à Segurança
Nacional – interna e externa – bem como de levar a efeito a Política de Segurança
Nacional (ALVES, 1984, p. 41-42).34
[...] não pode haver Segurança Nacional sem um alto grau de
desenvolvimento econômico. A segurança de um país impõe o
desenvolvimento de recursos produtivos, a industrialização e uma efetiva
utilização dos recursos naturais, uma extensa rede de transportes e
comunicações para integrar o território, assim como o treinamento de força
de trabalho especializada. Desse modo, estão entre os fatores mais
importantes para a segurança de um país sua capacidade de acumulação e
absorção de capital, a qualidade de sua força de trabalho, o
desenvolvimento científico e tecnológico e a eficácia de seus setores
35
industriais (ALVES, 1984, p. 48).
Foram praticadas inúmeras arbitrariedades por parte dos poderes públicos
que repercutiram drasticamente na sociedade brasileira, que se viu totalmente
desprotegida e submetida a uma onda de repressão nunca antes vista. Foram
diversas prisões, cassações, exílios, torturas, mortes. Houve alterações legislativas
no texto constitucional e edição de inúmeras leis a fim de se legitimar e estruturar o
regime. Todos esses atos praticados em nome da segurança e do restabelecimento
da ordem (LEAL, R. G., 2012, p. 205).
A “Operação Limpeza”, autorizada pelo Ato Institucional Nº 1, promoveu
expurgos nas burocracias civil e militar e valeu-se dos IPMs para neutralizar
qualquer cidadão que pretendesse opor-se organizadamente a políticas em
aplicação. Ela tinha alvos gerais e específicos de acordo com as estratégias
da Doutrina de Segurança Nacional, que dividia a sociedade em diferentes
compartimentos a serem individualmente controlados (ALVES, 1984, p. 78).
34
Sobre o assunto, ver: BRASIL. Escola Superior de Guerra. Fundamentos da Escola Superior de
Guerra. Rio de Janeiro: A Escola, 2009, e, BRASIL. Escola Superior de Guerra. Manual Básico da
Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro: A Escola, 2009.
35
O sistema capitalista convive com distintos regimes políticos, não somente com o democrático – no
entanto, essa pluralidade de regimes políticos é limitada a compatibilidade desse regime a estrutura
econômica capitalista. No entanto, o regime mais adequado à expansão capitalista, em razão da
facilitação dos fluxos de informação para o mercado, e também por possibilitar a contínua formação
de elites políticas é o democrático. Sobre o assunto, ver: DURIGUETTO, Maria Lúcia. Sociedade
civil e democracia: um debate necessário. São Paulo: Cortez, 2007.
85
Oriundo do pensamento político-ideológico da Escola Superior da Guerra, os
postulados da Doutrina da Segurança Nacional, que posteriormente foram fixados
na Lei de Segurança Nacional – 29 de setembro de 1969 – demonstram sua
incompatibilidade com qualquer tipo de regime que julga-se ou pretende ser,
democrático. In loco, essa lei demonstrou um extremo abuso de poder político, cuja
manifestação deu-se em cerceamento de diversos direitos – liberdade, integridade
física, integridade moral –, nas apreensões de edições inteiras de jornais e revistas,
criminalização de editores, redações, jornalistas, proprietários de jornais, dentre
outros (JORGE, 1992, p. 187).
Aliado a todos os problemas que o país enfrentava, estava o exagero na
execução da política de Segurança Nacional, que resultou nos diversos excessos
praticados pelo regime, em razão do conceito equivocado de Segurança Nacional,
que foi elevado a um grau de ideologia (CONTREIRAS, 1998, p. 128-129).36
E é nesse contexto que podemos compreender a ideologia da Segurança
Nacional: um instrumento utilizado pelas classes dominantes, associadas ao
capital estrangeiro, para justificar e legitimar a perpetuação por meios nãodemocráticos de um modelo altamente explorador de desenvolvimento
dependente (ALVES, 1984, p. 23).
Uma vez que a Segurança Nacional é elevada a um grau de ideologia, muitas
violações passam a ser realizadas em nome da “Segurança Nacional”, como por
exemplo, casos de jornalistas que foram processados por suas críticas a membros
do governo, que não afetava a Segurança Nacional (CONTREIRAS, 1998, p. 129).
[...] esta ênfase na constante ameaça à nação produz, no seio da
população, um clima de suspeita; medo e divisão que permite ao regime
levantar a cabo campanhas repressivas que de outro modo não seriam
toleradas. Dessa maneira, a dissensão e os antagonismos de classe podem
ser controlados pelo terror. Trata-se por isso mesmo de uma ideologia de
dominação de classe, que tem servido para justificar as mais violentar
formas de opressão classista (ALVES, 1984, p. 27).
No decorrer da década de 70 iniciam os primeiros sinais de esgotamento do
ciclo de expansão capitalista, com a queda da taxa de lucros, o déficit nas balanças
comerciais, a crise do sistema monetário, dentre outros (HABERT, 2001, p. 41).37
36
A expressão “segurança nacional” é por demais vaga e seu conteúdo tem tamanho conteúdo
elástico que podia significar qualquer coisa (BONAVIDES; ANDRADE, 1991. p. 430).
37
Um dos primeiros sintomas da crise capitalista se manifestou, aparentemente, na chamada “crise
do petróleo”, quando os países responsáveis pela maior parte da produção mundial de petróleo –
86
Garantir a continuidade do regime frente à situação de crise exigiu algumas
iniciativas políticas por parte dos militares e da burguesia que lhes
permitissem administrar a crise, os interesses dos vários setores da
burguesia, o desgaste de um governo que se mantinha à base da repressão
e da censura, e controlar o crescimento das insatisfações e manifestações
de oposição que começaram a surgir (HABERT, 2001, p. 43).
Com as crises econômicas, a ideia propagada que o Brasil marchava para
seu grande destino começa a desaparecer (RODRIGUES, 1990, p. 06). Com o
ingresso do capital internacional em um período recessivo longo, em decorrência da
crise do petróleo de 1973, todas as economias ocidentais sentem seus efeitos,
entrando em um período de recessão ou estagnação (SADER, 1990, p. 28-29). Com
a queda do crescimento econômico, surgem críticas e discordâncias acerca do
modelo de desenvolvimento adotado pelos militares.38 A burguesia, que até então
apoiava o regime, passa a dar os primeiros sinais de desaprovação, sendo que uma
parcela desta passou a reivindicar uma parcela maior nas decisões políticas,
somente possível pelo retorno da democracia (RODRIGUES, 1990, p. 06).
Já no fim do período ditatorial, tudo o que as elites queriam era sair sem
chamar atenção para si próprias, queriam uma saída discreta. Assim, garantiram aos
envolvidos em diversos crimes durante o período – peculato, tortura, assassinato,
dentre outros – total impunidade, através da Lei de Anistia (FRANCIS, 1986, p. 1112).39
É a partir da década de 1980 que são reatualizados os valores liberais, bem
como seus suportes políticos-ideológicos, a saber, a falsa equação existente entre
democracia, capitalismo e liberalismo. Com as crises enfrentadas pelos regimes do
Welfare State, as vertentes teóricas do liberalismo clássico incorporam e ampliam as
países árabes membros da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) –
suspenderam suas exportações em razão do apoio dado pelo ocidente a Israel, na guerra do Oriente
Médio (HABERT, 2001, p. 40).
38
“Quando a classe dominante ou seus intelectuais chegam a se dar conta de uma contradição (e,
em geral, isto ocorre menos pela percepção da contradição entre dominantes e dominados, e muito
mais pela apreensão da existência de um conflito de interesses no interior da própria classe
dominante), uma nova ideologia pode estar a caminho” (CHAUI; FRANCO, 1978, p. 122).
39
Sobre o assunto ver: PIOVESAN, Flávia. Direito Internacional de Direitos Humanos e a lei da
anistia: o caso brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da FMP, n.º 4, Porto Alegre: FMP, 2009;
CORREIA, Theresa Rachel Couto. Corte interamericana de direitos humanos: repercussão
jurídica das opiniões consultivas. Curitiba: Juruá, 2008; TIMM, Paulo. Uma breve história da
anistia: uma homenagem aos que por ela lutaram. Brasília, 2009. Disponível em:
<http://www.direits.org.br/index.php?option=com_ content&task=view&id=5377&Itemid=1>. Acesso
em: 30 dez. 2013.
87
formas
políticas
reivindicadas
e
conquistadas
pelas
massas
populares
(DURIGUETTO, 2007, p. 31-32).
Quando a classe dominante ou seus intelectuais chegam a se dar conta de
uma contradição (e, em geral, isto ocorre menos pela percepção da
contradição entre dominantes e dominados, e muito mais pela apreensão da
existência de um conflito de interesses no interior da própria classe
dominante), uma nova ideologia pode estar a caminho (CHAUI; FRANCO,
40
1978, p. 122).
Superado o período do golpe, em 1985, iniciam-se as formalidades para a
criação de uma nova Constituição. Com o advento da Constituição Federal de 1988,
além de país adotar a expressão “Estado Democrático de Direito”, procurou-se
adequá-lo a essa nova ordem democrática, buscou-se ressaltar a supremacia desta
sobre as demais normas jurídicas internas. Assim, buscando a efetivação dessa
nova ordem, o Estado passa a assumir um compromisso de concretização de
direitos, como o assumido durante as concepções liberal e social, de buscar efetivar
direitos, de concretizar o princípio democrático. É na Constituição Federal de 1988
que se encontra a primeira grande causa da judicialização, ou seja, o processo de
redemocratização do país, onde houve o fortalecimento e expansão do Judiciário,
que se transformou em um verdadeiro poder político, sendo capaz de fazer valer a
Constituição e as leis, bem como aumentou as demandas judiciais, em razão do
maior nível de informação e consciência de direitos pelos diversos segmentos da
população (BARROSO, 2009, p. 03).
Na visão construída pela geopolítica e pelo anticomunismo, que marcou as
Forças Armadas desde o pós-guerra, coube ao desenvolvimento à garantia de
segurança a fim de se garantir que o país se mantivesse perfilado com o mundo
ocidental capitalista. Assim, com a utilização de todo o aparato repressivo do
Estado, promoveu-se a integração do território nacional ao projeto econômico,
político e ideológico proposto pelo regime ditatorial (HABERT, 2001, p. 20).
Promover o Brasil a “Grande Potência” fazia parte dos objetivos contidos na
Doutrina da Segurança Nacional – sustentação ideológica de todos os
governos militares desde 1964 – que tina como lemas “Desenvolvimento
com segurança” e “Integração Nacional (HABERT, 2001, p. 20).
40
Sobre o assunto, ver: BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1999.
88
Nossa história não registra nada semelhante às revoltas ocorridas em Roma,
Europa da Reforma ou Contrarreforma, em nosso país nunca houve sequer algo
semelhante. Acabamos por ignorar os impulsos industriais do século XVIII e foi
somente em 1950-1975, que o Estado teve o papel de criar uma infraestrutura
necessária para nos dar a “revolução industrial” (FRANCIS, 1986, p. 89-95).
É com a bandeira da ideologia desenvolvimentista e do aparato institucional
corporativo que foram encobertas as relações entre Estado-sociedade na
década de 1950. Particularmente no Governo Kubitschek, e,
posteriormente, com a ditadura militar, temos uma sensível inflexão e um
profundo avanço no nosso processo de desenvolvimento econômico e, em
particular, da industrialização. O Estado manteve seu papel ativo na
regulação da economia, mas propiciando uma intensa e crescente abertura
ao ingresso de capitais estrangeiros, passando, assim, da criação das
condições que buscavam promover um desenvolvimento capitalista
relativamente autônomo e nacional (como nos dois governos Vargas) para
um de tipo dependente-associado (DURIGUETTO, 2007, p. 135-136).
No funcionamento do país como um todo, o Estado sempre teve papel de
destaque. Na Carta Constitucional de 1946 demonstra-se claramente a influência do
pensamento liberal no Estado populista. Com o advento das crises, as práticas
populistas deixam de responder às necessidades sociais, principalmente quando o
Brasil ingressa, como dependente, no sistema capitalista mundial. 41 O Estado que
nasce é um estado que apela por mecanismos mais ágeis e mais modernos para o
desenvolvimento industrial, resposta somente dada pela intervenção militar,
sobretudo, graças àqueles advindos da Escola Superior da Guerra, que passam a
alimentar um novo projeto político para o país. Surge a Doutrina de Segurança
Nacional, que patrocina a transição das velhas formas de administração de governo
para as novas, com o auxílio de diversos segmentos sociais, para o enfrentamento
das inevitáveis crises e momentos de extrema delicadeza para o equilíbrio do novo
regime, durante esse período de transição. Eliminando eventuais obstáculos que
poderiam impedir o novo desenvolvimento do país, conforme expressão dada pela
41
Ideologicamente, o populismo foi utilizado como forma de manipulação e satisfação das classes
populares, tornando-se uma alternativa política muito viável enquanto foi capaz de satisfazer a
aspectos do interesses dessas classes. “O termo populismo é utilizado para caracterizar uma série de
movimentos sociais e políticos ocorridos em épocas e países diferentes. Todavia, a generalidade do
conceito parece antes encobrir o significado que o fenômeno adquiriu no caso brasileiro,
especialmente ao nível de sua manifestação ideológica. O mito do povo-comunidade, o encobrimento
dos conflitos sociais, a identificação da vontade do povo com a justiça e a moral, a relação direta do
líder com a massa sem mediação de nenhuma instituição, são elementos presentes em grande
variedade de formas políticas, tanto na mística fascista como em certas teorias tidas como
democráticas” (DEBERT, 1979, p. 06-07).
89
Doutrina de Segurança Nacional, altera-se os mecanismos políticos e se fortalece
cada vez mais o Poder Executivo, a fim de atingir os objetivos propostos (LAGÔA,
1983, p. 75-76).
Até meados dos anos 70 o país mudou, e mudou muito. Saímos de uma
economia agrícola
para
uma economia
industrial, moderna,
civilizada.
O
desenvolvimento capitalista integrou o Brasil na sociedade de consumo, no entanto,
a condição de desfrutar desse privilégio restringiu-se somente as camadas médias e
altas da sociedade brasileira, especialmente situadas nos grandes centros urbanos
do sudeste e do sul do país (RODRIGUES, 1990, p. 05).
As cidades agigantaram-se e ganharam contornos de metrópole. Viadutos e
avenidas tomaram o lugar de pacatas ruas e residências, cortando bairros e
destruindo formas de convivência próprias dos grupos sociais que ali viviam.
A ocupação das áreas periféricas das cidades deu-se no mesmo ritmo que
a construção dos arranha-céus (RODRIGUES, 1990, p. 05-06).
Contrastando com o agigantamento das grandes cidades, a ocupação de
áreas periféricas sofria com a carência de rede de água, esgoto e de transportes.
Apesar da imensa desenvolvimento gerado pela riqueza produzida pelo país, os
trabalhadores ficaram cada vez mais pobres. A ideia propagada que o Brasil
marchava para seu grande destino começa a desaparecer (RODRIGUES, 1990, p.
06). Com o ingresso do capital internacional em um período recessivo longo, em
decorrência da crise do petróleo de 1973, todas as economias ocidentais sentem
seus efeitos, entrando em um período de recessão ou estagnação (SADER, 1990, p.
28-29). Com a queda do crescimento econômico, surgem críticas e discordâncias
acerca do modelo de desenvolvimento adotado pelos militares. A burguesia, que até
então apoiava o regime, passa a dar os primeiros sinais de desaprovação, sendo
que uma parcela desta passou a reivindicar uma parcela maior nas decisões
políticas, somente possível pelo retorno da democracia (RODRIGUES, 1990, p. 06).
Em 1974 toma posse o Presidente Ernesto Geisel, o homem que entrou para
a história brasileira como o nome que deu início a “abertura” democrática,
continuada posteriormente por seus sucessores, João Baptista Figueiredo e José
Sarney. Foi com a posse de Geisel que a facção moderada do Exército brasileiro –
castelistas – voltou ao poder. Defensores de uma democracia mais controlada, essa
facção visava uma democracia alcançada a longo prazo, uma “transição para a
democracia” de um modo mais “lento, gradual e seguro”. Para garantir essa
90
transição “lenta, gradual e segura” o governo adotou o autoritarismo como prática
política (RODRIGUES, 1990, p. 03-08). O receio de perder o controle do processo
de desenvolvimento do país por parte da linha-dura, fez com que esse processo –
abertura – tivesse diversos avanços e retrocessos (ROMANCINI; LAGO, 2007, p.
152).
O processo de “abertura lenta, gradual e segura” proposto inicialmente por
Geisel (1974-1979), que continuaria com Figueiredo (1979-1985), propugna a ideia
de uma transição do regime militar para uma dominação mais aberta, de cunho
conservador (HABERT, 2001, p. 45). Dando ênfase às mudanças institucionais,
como a suspensão da censura prévia à imprensa, fim dos atos institucionais, fim da
cassação de parlamentares e o fim do controle da ação dos órgãos de repressão –
DOI-CODI –, a “abertura” tem seu “início” (RODRIGUES, 1990, p. 08).
Com a reforma de algumas instituições, a centralização do poder na figura do
executivo, mais especificamente na figura do Presidente da República são
gradativamente substituídas ou amenizadas (RODRIGUES, 1990, p. 11). Em
outubro de 1978, pouco antes de findar o governo de Geisel, são aprovadas várias
medidas em prol da legalidade. Revoga-se o AI-5 e os demais Atos Institucionais
(ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 154).
Em 1979 surge a anistia política e se suspendem a maior parte dos poderes
excepcionais outorgados ao Executivo, por ele próprio. Com a aprovação da Lei de
Anistia, em agosto de 1979, a extrema direita sente-se ameaçada com o retorno da
“baderna comunista”, isso porque a lei possibilitara o retorno de antigos lideres de
esquerda e adeptos ao populismo (RODRIGUES, 1990, p. 10-11). As violações de
direitos humanos, o terror, o AI-5, os anos de chumbo, a cassação de direitos
políticos e civis, tornam-se passado com a decretação da Anistia em 1979. Não
houve retaliações, busca de culpa nem busca pelos culpados (KUSHNIR, 2004, p.
73).
Com a abertura democrática, o SISNI é extinto, altera-se o funcionamento dos
serviços de informações, reduzem-se seus gastos e quadros. Mesmo pertencendo à
comunidade, João Figueiredo dá prosseguimento à abertura. Cassados voltam ao
país, presos políticos são soltos, sindicatos voltam a organizar-se, a sociedade civil
volta a movimentar-se ostensivamente (LAGÔA, 1983, p. 97).
Em novembro de 1979, com a aprovação da nova Lei Orgânica dos Partidos,
é extinto o bipartidarismo. Com o fim do bipartidarismo surgem novos partidos, que
91
passam a defender pretensões de diversos setores sociais (RODRIGUES, 1990, p.
12). A possibilidade de eleger o presidente do Brasil, que deixou de existir a partir do
AI-2 – 27 de outubro de 1965 – voltava a existir com a proposta de eleições diretas
para o sucessor do presidente Figueiredo com as campanhas “diretas-já”. Dísticos
eram proferidos: “Um, dois, três, quatro, cinco, mil: queremos eleger o presidente do
Brasil!” (KUSHNIR, 2004, p. 71). No dia 25 de abril de 1984, a emenda foi votada
sob regime emergencial, onde não conseguiu obter os 2/3 dos votos necessários
para a sua aprovação e teve sua aprovação frustrada. Assim, em janeiro de 1985,
indiretamente, Tancredo Neves recebe de Ulysses Guimarães o plano de governo “A
Nova República”, que entre outras sugestões de governo, previa a convocação de
uma Assembleia Nacional Constituinte em 1986. No dia 21 de abril Tancredo Neves
vem a falecer e Sarney torna-se presidente da República (RODRIGUES, 1990, p.
14-15).
Prevista no plano de governo da Nova República, a convocação de uma
Assembleia Nacional Constituinte passa a ser cogitada entre alguns setores políticos
(SADER, 1990, p. 46). Assim, em 1º de fevereiro de 1987 o Congresso Nacional
Constituinte inicia os trabalhos para a elaboração da nova Constituição, que se
prolongam por 18 meses, graças a diversos debates e votações das emendas
propostas. Graças a divergências internas entre os partidos de centro e de direita –
Centrão – a esquerda, apesar de heterogênea – PCdoB, PCB e PT, aos quais se
aliou o PDT, de centro-esquerda – manteve-se unida e alcançou êxito na aprovação
de importantes medidas sociais para os trabalhadores (RODRIGUES, 1990, p. 15).
Assim, em 5 outubro de 1988 a Constituição da República Federativa do Brasil foi
promulgada e o país passa a ter uma nova Constituição Federal (SADER, 1990, p.
59).
No embate entre reformular o legislativo e retirar os rastros do “entulho
autoritário”, a nova Constituição, marcada pelo título de Constituição
Cidadã, definiu, na área dos direitos individuais, atribuir ao Serviço de
Censura um caráter classificatório e indicativo [...]. Na busca constante por
demarcar cortes nos processos históricos, o fim da censura, agora
decretado na Constituição, foi saudado como o suposto término de um dos
mais perversos instrumentos da repressão: a proibição da livre expressão.
As regulamentações jurídicas acerca da censura, contudo, recomeçaram
tão logo a Constituição foi promulgada. Por meio de decreto, o antigo
Conselho Superior de Censura foi transformado em Conselho Superior de
Defesa da Liberdade de Criação e Expressão, também vinculado ao
Ministério da Justiça. Este deveria elaborar uma jurisprudência de critérios e
normas para uma censura indicativa e classificatória da programação.
Caberia ao órgão apontar o melhor horário de apresentação e faixa etária
92
apropriada para assistir ao programa e nada mais (KUSHNIR, 2004, p. 147149).
Com a transição do regime burocrático-autoritário instaurado a partir de 1964,
para o democrático, a partir de 1985, surge o Estado Democrático de Direito,
consolidado através da Constituição Federal de 1988, que oportuniza a volta ao
Direito através da redemocratização no Brasil (BARROSO, 2008, p. 17).
3.2 O advento do Estado Democrático de Direito e o fortalecimento da noção
de dignidade da pessoa humana e da preservação dos direitos humanos e
fundamentais
Foi à crença de que o homem possui direitos que lhe são naturais, e que
devem ser respeitados pelo Estado, que serviu de combustível para as revoluções
liberais e para o fundamento das doutrinas políticas de cunho individualista que se
formularam para enfrentaram a monarquia absoluta (BARROSO, 2008, p. 20-21).42
Essa crença de inspiração filosófica originalmente cristã, tornou-se uma das
condições subjetivas para a luta de direitos, através da mensagem de liberdade e
igualdade inerentes a todos os seres humanos, afirmado através da dignidade da
pessoa humana, sendo o homem uma criatura formada à imagem e semelhança de
Deus, sendo que esta dignidade pertence a todos os homens sem distinção, em
razão da igualdade fundamental da natureza humana (SILVA, 2004, p. 173-174).43
Com a modernidade – séc. XVI – inicia-se o desenvolvimento de um ambiente
cultural não mais submisso à teologia cristã, cresce o ideal de conhecimento
fundado na razão, e a liberdade começa a confrontar-se com os ideais absolutistas
(BARROSO, 2008, p. 20).
A história nos conta que a conquista de direitos foi alcançada através de
inúmeras reivindicações, através do derramamento de sangue, sendo que foi
quando a sociedade alcançou condições materiais específicas, conjugando-se estas
42
Sobre o direito natural e as teses jusnaturalistas, ver: GORCZEVSKI, Clovis. Direitos humanos,
educação e cidadania: conhecer, educar, aplicar. 1. ed. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2009.
43
O cristianismo primitivo continha uma mensagem de liberdade e igualdade inerente a todo o ser
humano, afirmando isso através da dignidade da pessoa humana, sendo o homem uma criatura
formada à imagem de Deus, sendo que esta dignidade pertence a todos os homens sem distinção,
em razão da igualdade fundamental da natureza humana. Este diferia do cristianismo do século XVIII
que era favorável ao status quo vigente, pois apoiava a monarquia absoluta, oferecendo até mesmo
toda uma ideologia para a origem divina do poder (SILVA, 2004, p. 173-174).
93
com condições objetivas e subjetivas, as reivindicações, lutas e revoluções surgiram
(SILVA, 2004, p. 173).
[...] os direitos fundamentais não constituem entidades etéreas, metafísicas,
que sobrepairam o mundo real. Pelo contrário, são realidades históricas,
que resultam de lutas e batalhas travadas no tempo, em prol da afirmação
da dignidade humana (SARMENTO, 2004, p. 18-19).
Marco final do regime feudal e marco de ascensão do Estado Liberal, bem
como berço do constitucionalismo, a Revolução Francesa abriu espaço para a teoria
do contrato social. Viu-se não mais um Estado criado por Deus, regido por uma
ordem divina, mas um Estado que é resultado de um contrato, de um pacto, “um
pacto firmado por homens livres e iguais que a ele delegam a função de assegurar
as suas liberdades e seus direitos”. Um Estado que é resultado de uma comunidade,
que está a serviço dos interesses comuns dos indivíduos que pertencem a esta
comunidade (LEAL, M., 2007, p. 08-10). Foi assim, na Inglaterra do século XVII, que
a concepção contratualista da sociedade e a ideia de direitos que precedem o
Estado - naturais -, passam a adquirir relevância no plano teórico e prático,
demonstrado através das diversas Cartas de Direitos assinadas pelos monarcas
nesse período (SARLET, 2003, p. 43).
Sem embargo, as idéias dos pensadores iluministas permearam dois
grandes eventos no final do século XVIII, que foram absolutamente
decisivos para a consolidação e juridicização dos direitos do homem: a
Revolução Francesa e o movimento que culminou na Independência e na
fundação do Estado norte-americano. Estes episódios seminais da história
da humanidade marcaram o início de uma nova era (SARMENTO, 2004, p.
22).
Fundamentado em grande parte pelos princípios iluministas racionais e pelo
antropocentrismo, a serviço de diversos interesses – dentre eles os da burguesia em
ascensão – surge o Estado Liberal, fundamentado e regido por dois princípios
fundamentais: o princípio da distribuição, sendo a liberdade do homem é, via de
regra, ilimitada, de onde resulta a máxima que ao indivíduo é permitido fazer tudo
aquilo que não é proibido e ao Estado, somente o que é permitido, a liberdade é a
regra, e a intervenção a exceção; e o princípio da organização, que dá origem à
separação dos poderes, através da teoria dos freios e contrapesos (LEAL, M., 2007,
p. 10).
94
O Estado Liberal de Direito erige-se sobre as promessas de neutralidade e
não intervenção, a fim de viabilizar o desenvolvimento pleno dos indivíduos,
à margem da atuação dos poderes públicos. Nesse modelo de total
separação entre Estado e sociedade civil, o Direito Privado desempenha a
função de estabelecer as regras mínimas de convivência entre as pessoas,
que desfrutam da mais ampla liberdade no âmbito social. De outro lado, ao
Direito Público cabe disciplinar as relações entre indivíduos e o Estado, cuja
nota característica é a verticalidade (PEREIRA, 2008, p. 145).
Para se racionalizar e legitimar o poder, a fórmula utilizada pelos pensadores
iluministas e jusnaturalistas racionais foi à ideia de uma Constituição, considerada
uma lei escrita e superior às demais normas, que estabelecia a separação dos
poderes e garantia os direitos do cidadão, estes, oponíveis contra o Estado
(SARMENTO, 2004, p. 22).
Era necessário proteger o individuo do despotismo do Estado, garantindolhe um espaço de liberdade inexpugnável. Por outro lado, tornara-se
inadmissível a continuidade da discriminação fundada no nascimento, o que
exigia a abolição de privilégios estamentais desfrutados pela nobreza e pelo
clero (SARMENTO, 2004, p. 21-22).
Na busca por maior clareza, unidade e simplicidade, incorpora-se à tradição
jurídica romana-germânica a elaboração de documentos legislativos que passam a
agrupar e organizar normas que gravitam sobre determinado objeto – códigos. Esse
movimento de codificação teve, no século XVIII, sua maior realização. Com
influências do jusnaturalismo racionalista e do Iluminismo, surge o Código Civil
francês, que entrou em vigor em 1804 (BARROSO, 2008, p. 22).
No Constitucionalismo liberal, os direitos fundamentais são visualizados
apenas na sua perspectiva subjetiva, onde preza-se apenas pelas pretensões que o
indivíduo poderia exigir do Estado em razão de um direito positivado (SARMENTO,
2004, p. 133). Já os códigos, encampavam os interesses da classe emergente,
protegendo os valores que lhes eram importantes – propriedade, autonomia da
vontade, segurança jurídica –, e importantes para o desenvolvimento do capitalismo
(SARMENTO, 2004, p. 90).
A revolução francesa, a par de seu conteúdo originalmente liberal, fora
impregnada pelos ideais igualitários de Rousseau, dando origem ao modelo
de constituição como norma diretiva, o qual surge associados aos excessos
jacobinos. A ausência do mecanismo da rigidez constitucional, todavia,
fragilizou a obra jurídica revolucionária no que se refere à garantia dos
direitos. A idéia de constituição como norma jurídica dotada de supremacia
só veio a disseminar-se na Europa muito mais tarde, quando do processo
95
de reconstrução dos países egressos de regimes autoritários (PEREIRA,
2008, p. 128).
A primeira marca da transição das liberdades legais inglesas para os direitos
fundamentais constitucionais é a Declaração de Direitos do povo da Virgínia, de
1776. Antes desta declaração, não se pode atribuir a condição de direitos
fundamentais, com o sentido que hoje se atribui ao termo, muito embora tenha
ocorrido à limitação do poder monárquico, não vinculava o Parlamento, ocorrendo
uma fundamentalização, mas não uma constitucionalização de direitos e liberdades
individuais fundamentais (SARLET, 2003, p. 47).
As declarações americanas incorporaram virtualmente os direitos e
liberdades já reconhecidos pelas suas antecessoras inglesas do século
XVII, direitos estes que também tinham sido reconhecidos aos súditos das
colônias americanas, com a nota distintiva de que, a despeito da virtual
identidade de conteúdo, guardavam as características da universalidade e
supremacia dos direitos naturais, sendo-lhes reconhecida eficácia inclusive
em relação à representação popular, vinculando, assim, todos os poderes
públicos (SARLET, 2003, p. 47-48).
É nesse período histórico que o constitucionalismo moderno inicia sua
trajetória (BARROSO, 2008, p. 21).
O Estado absolutista, que praticamente se confundia com a pessoa do
monarca – recorde-se Luiz XIV: L’État s’est moi – convertera-se em
instrumento de arbítrio e opressão ilimitadas, o que criou uma atmosfera
favorável à cristalização do conceito de direitos do homem (SARMENTO,
2004, p. 21).
A partir do seu reconhecimento nas primeiras constituições, os direitos
fundamentais passam por diversas transformações em seu conteúdo, titularidade,
eficácia e efetivação (SARLET, 2003, p. 49-50).44 Na concepção dos filósofos
inspiradores do constitucionalismo, os direitos do cidadão valiam também no âmbito
das relações privadas, pois esses direitos eram naturais e precediam a criação do
Estado, sendo que podiam ser invocados para a proteção do homem em face de
44
Quando um paradigma deixa de responder às necessidades e anseios de uma comunidade, surge
uma crise que pode resultar numa mudança de paradigma, o que acaba ocasionando uma revolução
científica. Essa mudança de paradigma, em alguns casos, dá-se através de grandes rupturas ou
“saltos quânticos”, mas muitas vezes ocorrem de forma gradual, sendo que subsistem certos
aspectos do conhecimento acumulados no passado de forma intacta diante do novo paradigma
(SARMENTO, 2004, p. 18). Ainda, sobre os direitos fundamentais, suas gerações e a mudança de
paradigmas, ver: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2003.
96
seus semelhantes. Entretanto, a doutrina dos direitos do homem consolidou-se de
forma diferenciada. Nas relações entre Estado e individuo, valeria a Constituição,
capaz de limitar o poder do governante em face da liberdade individual. Nas
relações entre indivíduos o Código Civil desempenhava o papel regrador, visando
“[...] disciplinar todos os aspectos da vida humana, do nascimento ao óbito”
(SARMENTO, 2004, p. 91), sendo fundado nos postulados do racionalismo
jusnaturalista que tinha seu centro na ideia de autonomia da vontade (SARMENTO,
2004, p. 27).45
Com a transição do Estado Absolutista para o Liberal, passa-se a ter um
Estado com competências e atribuições delimitadas, deixando de manifestar a
vontade do soberano/monarca – “à margem da lei” – para passar a agir submetido a
ela – supremacia da lei, princípio da legalidade (CANOTILHO, 2002, p. 375).46
Tendo como objetivo central a pacificação social, a lei adquire às características da
abstração e a generalidade. A soberania do monarca – Estado Absolutista – é
substituída pela soberania da lei – Estado Liberal -, soberania esta que é apoiada e
sustentada pela soberania da nação, esta, representada por uma Assembleia (Poder
Legislativo) (LEAL, M., 2007, p. 13-16). O direito se levanta como uma forma de
impedir a utilização de atos excessivos por parte do poder (SANCHEZ RUBIO, 2010,
p. 17), que por sua vez, adquire um status de supervalor, entendimento este –
supervalorização da lei – que perdurou com algumas avanços e retrocessos até a
Segunda Guerra Mundial, quando as atrocidades praticadas pelo nazismo e pelo
fascismo trouxeram um novo apelo para o fortalecimento da noção de dignidade da
pessoa humana, preservação dos direitos humanos (LEAL, M., 2007, p. 64-65).47
Em conseqüência, as Constituições, a partir de então, firmaram suas
matrizes norteadas pelos direitos fundamentais, tendo a jurisdição
constitucional, que igualmente passou a ser uma realidade, dando eficácia
jurídica a estes direitos (REIS, 2007, p. 2033).
45
Essa dicotomia identifica-se nos interesses da classe burguesa, visto que era de seu interesse que
os direitos fundamentais fossem concebidos apenas como direitos públicos subjetivos, oponíveis
apenas em face do Estado (SARMENTO, 2004, p. 30).
46
Ou seja, buscava-se aquilo que ainda faltava alcançar, a inviolabilidade e a primazia da lei também
contra a ação da Administração Pública (BÖCKENFÖRDE, 2000, p. 24).
47
“[…] un conjunto de facultades e instituciones que, en cada momento histórico, concretan las
exigencias de la dignidad, la libertad y la igualdad humanas, las cuales deben ser reconocidas
positivamente por los ordenamientos jurídicos a nivel nacional e internacional” (PEREZ-LUÑO, 1999,
p. 48).
97
Durante o período da Segunda Guerra Mundial, inúmeros arbítrios foram
realizados, inclusive pelo legislador, que se utilizou da lei para prática de injustiças.
Com a falha na proteção dos direitos, alguns países da Europa, após a Segunda
Guerra Mundial, na tentativa de preservação desses direitos, optaram pela
instituição de Cortes Constitucionais centralizadas e cuja responsabilidade era
assegurar a garantia dos direitos constitucionalmente garantidos (LEAL, M., 2007, p.
42-49).
[...] a decadência do positivismo é emblematicamente associada à derrota
do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Esses movimentos
políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade
vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais acusados
de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a obediência a ordens
emanadas da autoridade competente (BARROSO, 2008, p. 26).
Alemanha, Itália e Espanha, países que foram afetados grandemente pelos
conflitos e regimes totalitários, principalmente por vivenciarem tamanha barbárie em
face dos direitos humanos, tornam-se marcos referenciais, passando a desenvolver
jurisdições constitucionais mais atuantes e densas. Nesses países, inicia-se a
extensão do texto constitucional, que passa a atingir maiores parcelas na ordem
jurídica. A Constituição torna-se centro do universo jurídico e suas normas
constitucionais tornam-se marcos referenciais de valor e direção. Desse novo apelo
nascem constituições mais densas e atuantes que passam a atingir parcelas
maiores da ordem jurídica, através de irradiação normativa e principiológica,
passando a ser referenciais de valor e diretivas legais, e influenciando a criação de
uma nova dimensão a norma fundamental, construindo-se a ideia da dupla
dimensão dos direitos fundamentais (dimensão objetiva e subjetiva) (LEAL, M.,
2007, p. 64-65).48
Uma das mais importantes consequências da dimensão objetiva dos direitos
fundamentais é o reconhecimento da sua eficácia irradiante. Esta significa
que os valores que dão lastro aos direitos fundamentais penetram por todo
o ordenamento jurídico, condicionando a interpretação das normas legais e
atuando como impulsos e diretrizes para o legislador, a administração e o
Judiciário (SARMENTO, 2004, p. 155).
48
Sobre o marco para concepção dessa dupla dimensão dos direitos fundamentais, ver a decisão do
caso Lüth-Urteil, datada de janeiro de 1958, do Tribunal Alemão, In: SCHWAB, Jürgen. Cinqüenta
anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão. Trad: Leonardo Martins e outros.
Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung, 2006, p. 381-395.
98
Com a adoção dessa nova dimensão, os direitos fundamentais deixam de ser
concebidos como apenas limites à atuação do Estado, o Estado deve não apenas
abster-se de violar os direitos positivados, mas também deve proteger os titulares
desses direitos contra a lesões e ameaças de terceiros (SARMENTO, 2004, p. 160161). Passa-se, também, a conceber a incidência direta dos direitos fundamentais
nas relações interprivados, sendo considerada uma consequência lógica e natural
da adoção do modelo hermenêutico que é comprometido com o caráter normativo
da constituição (PEREIRA, 2008, p. 185). Completando a dimensão subjetiva, a
objetiva vem agregar a ela uma “mais valia”, reforçando os direitos já protegidos,
transcendendo a típica estrutura relacional dos direitos subjetivos. Os direitos
fundamentais deixam assim de ser concebidos exclusivamente como meros limites
para a intervenção estatal na vida privada se convertendo como norte do direito
positivo, seu “eixo gravitacional” (SARMENTO, 2004, p. 156).
Na lógica do Estado Liberal, a separação entre Estado e sociedade
traduzia-se em garantia da liberdade individual. O Estado deveria reduzir ao
mínimo a sua ação, para que a sociedade pudesse de desenvolver de forma
harmoniosa. Entendia-se, então, que sociedade e Estado eram dois
universos distintos, regidos por lógicas próprias e incomunicáveis, aos quais
correspondem, reciprocamente, os domínios do Direito Público e do Direito
Privado. No âmbito do Direito Público, vigoravam os direitos fundamentais,
erigindo rígidos limites à atuação estatal, com o fito de proteção do
indivíduo, enquanto no plano do Direito Privado, que disciplinava relações
entre sujeitos formalmente iguais, o princípio fundamental era o da
autonomia da vontade (SARMENTO, 2004, p. 28-29).
A passagem do Estado Absolutista para o Liberal representou um grande
avanço para a humanidade, no entanto, a realidade mostrou que o novo Estado se
mostrava insuficiente para assegurar e preservar a dignidade da pessoa humana.
Graças aos ideais do liberalismo, em especial o progresso econômico, o processo
de industrialização acabou por acentuar ainda mais o quadro de exploração do
homem pelo homem. Vinha se tornando evidente a necessidade de se criar
mecanismos para evitar esse tipo de exploração abusiva pelos agentes da
economia, pois as regras do mercado não conseguiam controlá-lo (SARMENTO,
2004, p. 34).49 Verificava-se a insuficiência das práticas estatais quanto à proteção
49
“O Estado ausentava-se da esfera econômica, que permanecia à mercê das forças do mercado,
limitando-se ao modesto papel de protetor da segurança interna e externa e da propriedade dos seus
cidadãos” (SARMENTO, 2004, p. 29).
99
da pessoa humana, elaboradas pelo direito privado – direitos de personalidade
(TEPEDINO, 2004, p. 62).
Com a grande crise do capitalismo em 1929, evidenciou-se a necessidade de
superar o modelo de Estado liberal, isso porque “a grande depressão, que se seguiu
à quebra da bolsa, tornou patente a necessidade de intervenção estatal no mercado,
para corrigir rumos e reduzir o desemprego” (SARMENTO, 2004, p. 34). Assim o
Estado passa a assumir um papel mais ativo na economia, revendo sua posição
anterior de abstenção na esfera econômica, crescendo o intervencionismo estatal
em prol das partes hipossuficientes das relações sociais, passando a adquirir um
papel central no controle da economia. Com o tempo consolidou-se a convicção de
que, para o ser humano desfrutar de seus direitos, cabia ao Estado, à garantia das
condições mínimas de vida para a população (SARMENTO, 2004, p. 31-35). O
Estado deixa de ser um expectador e passa a intervir mais diretamente nas
questões de cunho social, assumindo a responsabilidade de transformar a estrutura
econômica e social a fim de impedir a desigualdade de fato (LEAL, M., 2007, p. 3940). Surge assim, na virada do século XX, o Estado de Bem Estar Social – Welfare
State – e com ele, a consagração de uma constelação de direitos do homem, cuja
finalidade é a proteção da pessoa humana (SARMENTO, 2004, p. 33).
Todas estas alterações do perfil do Estado refletiram-se, como não poderia
deixar de ser, sobra as constituições. Estas, que no liberalismo se limitavam
a traçar a estrutura básica do Estado e a garantir direitos individuais,
tornam-se mais ambiciosas, passando a ocupar-se de uma multiplicidade de
assuntos, assumindo funções de direção das instancias políticas e da
própria sociedade. No afã de se conformaram a realidade social, as
constituições passam a valer-se com frequência de normas de conteúdo
programático, que traçam fins e objetivos a serem perseguidos pelo Estado,
sem especificar, de modo suficientemente preciso, de que modo os mesmos
devem ser atingidos (SARMENTO, 2004, p. 40).
Nessa nova realidade o Estado não mais se contenta com a igualdade formal
de seus cidadãos, passando a assumir uma tarefa impostergável de efetiva
promoção da igualdade no plano dos fatos (SARMENTO, 2004, p. 35). Com essa
transformação, a antes hegemônica posição do Código Civil começa a ser
ameaçada. Com a intensificação do intervencionismo estatal, multiplicam-se as leis
especiais, criando-se novos microssistemas legislativos, que por seus princípios e
valores, acabam se afastando daqueles que eram consagrados no Código Civil, o
que acaba gerando uma fragmentação do sistema de Direito Privado. Com essa
100
fragmentação, a Constituição passa a disciplinar as relações econômicas e privadas
e acaba por converter-se no centro unificar de toda a ordem civil, não apenas no
sentido lógico-formal, mas no substantivo, onde a Constituição passa a costurar e
alicerçar todas as normas do ordenamento jurídico (SARMENTO, 2004, p. 94-98). A
Constituição acaba assumindo uma função de interpretação principiológica aberta e
passa-se a aumentar a intensidade dada à ideia dos direitos humanos, direitos
fundamentais e da noção de dignidade da pessoa humana (LEAL, M., 2007, p. 3940).
[...] o advento do Estado Social, aliado à progressiva sofisticação nos
estudos do Direito Constitucional na Europa, sobretudo no período de
reconstrução que se seguiu ao fim da 2ª Guerra Mundial, importaram numa
mudança significativa na concepção dos direitos fundamentais
(SARMENTO, 2004, p. 133).
Com o desprestígio da lei e consequente desconfiança das assembleias, o
Judiciário torna-se apto para afastar a aplicação de uma lei (ato do legislativo) que
fosse contrário à Constituição (LEAL, M., 2007, p. 19-22). O Estado não é mais um
mero expectador, como era na era Liberal, mas deve, agora na era Social, intervir
mais diretamente nas questões de cunho social, abandonado sua neutralidade e
apoliticidade e assumindo a responsabilidade de transformar a estrutura econômica
e social a fim de impedir a desigualdade de fato. Em razão de sua constante e
necessária intervenção, este modelo de Estado entra em crise, dando lugar ao
Estado Democrático de Direito, onde a Constituição acaba assumindo uma função
de interpretação principiológica aberta, bem como um aumento da intensidade dada
à ideia dos direitos humanos e fundamentais, bem como da noção de dignidade da
pessoa humana (LEAL, M., 2007, p. 39-40).50
Assim, no Constitucionalismo Contemporâneo, a dignidade da pessoa
humana confere à hermenêutica constitucional um sentido próprio e propicia ao
50
Historicamente, a ideia de Estado Democrático de Direito como o conhecemos atualmente só
passou a ser desenvolvida durante o século XVIII. Para se chegar Estado de hoje, três foram os
movimentos político-sociais que, diretamente ou indiretamente, conduziram o Estado até a soberania
popular: a Revolução Inglesa, a Revolução Americana e a Revolução Francesa. A contribuição da
Revolução Inglesa, Bill of Rights de 1689, foi sua intenção em estabelecer limites ao poder absoluto
do monarca, passando este - governo - a assegurar a proteção dos direitos naturais dos indivíduos. A
Revolução Americana, através da Declaração de Independência das treze colônias americanas de
1776, por sua vez, elencou a garantia de supremacia da vontade popular, o direito de liberdade de
associação e a necessidade de se manter certo controle sobre o governo. Por fim, a contribuição da
Revolução Francesa foi à consagração e universalização de suas aspirações democráticas, focadas
nas premissas da liberdade, igualdade e fraternidade (DALLARI, 1998, p.147-150).
101
sistema jurídico moderno unidade e racionalidade ética, caracterizando-se como um
superprincípio da ordem jurídica (REIS, 2007, p. 2037).
Assim, é possível dividir a trajetória histórica dos direitos fundamentais na
Modernidade em duas grandes fases, que correspondem, reciprocamente,
ao Estado Liberal e ao Estado Social [...]. Atualmente, fala-se já em
esgotamento do modelo do Estado Social, e na emergência de um novo
paradigma, que poderíamos chamar de pós-social (SARMENTO, 2004, p.
29).
O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo para transformar a
realidade, ou seja, não se restringe tão somente a uma adaptação melhorada das
condições sociais existentes, ele tem como característica ultrapassar além da
formulação do Estado Liberal de Direito e do Estado Social de Direito (STRECK;
MORAIS, 2004, p. 93-94). No entanto, foi no decorrer desses modelos que inúmeros
fatos ocorreram, sendo que os mesmos foram necessários para chegar-se a atual
ideia de Estado Democrático de Direito. Para o surgimento deste novo modelo foi
necessário o surgimento de novos conteúdos e modificações no próprio conteúdo do
direito existente, isso porque o conteúdo para transformar a realidade – inerente ao
Estado Democrático de Direito - só foi possível quando da afirmação do princípio
democrático, que deve prevalecer sob toda e qualquer construção jurídica legal
(LOBATO, 1998, p. 144-145).
Foi a partir do entendimento de que a Constituição não é somente uma soma
de direitos e normas organizatórias, mas um todo de unidade e sentido, que se
percebe que, para se harmonizar direitos fundamentais, há a necessidade de se
limitar alguns desses direitos. Para tanto, se estabelece que esses direitos são
restringíveis por meio de outros direitos ou em face de princípios opostos, mas
também porque sua própria natureza é limitada (LEAL, M., 2007, p. 71).
Com a necessidade de concretização dos direitos previstos na carta magna, a
Constituição passa a depender de mecanismos que visem assegurar as condições
de possibilidade para a implementação do texto constitucional. O acesso à justiça
assume um papel fundamental para essa nova ordem. É a partir daí que a
Constituição passa a ser entendida como uma expressão máxima dos valores
eleitos por determinada sociedade, e não mais tão somente como um instrumento
de garantia contra o poder absoluto do Estado (período liberal clássico) ou como um
mecanismo de direção política (período social) (LEAL, M., 2007, p.29-31).
102
No Brasil, foi com o advento da Constituição Federal de 1988, que o país,
além de adotar a expressão “Estado Democrático de Direito”, buscou adequar a
realidade brasileira a essa nova ordem democrática. Assim, buscando a efetivação
da ordem democrática, o Estado passa a assumir um compromisso de concretização
de direitos, porém muito mais além daquele assumido durante as concepções liberal
e social, pois desta vez busca-se efetivar e concretizar o princípio democrático
(LOBATO, 1998, p. 144-145).
3.3
Constitucionalismo
Contemporâneo
e
a
função
sócio-democrática
fundamental da informação: mudanças de paradigmas
Modernamente, o direito constitucional vive um momento impar, sendo que
duas mudanças de paradigmas lhe deram uma nova dimensão: “a) de compromisso
com a efetividade de suas normas; e b) o desenvolvimento de uma dogmática da
interpretação constitucional”. Assim, passou a ser premissa de seu estudo o
reconhecimento de sua força normativa, bem como do caráter vinculativo e
obrigatório de suas disposições legais (BARROSO, 2008, p. 43-44).
Como advento do constitucionalismo contemporâneo, no Brasil mais
efetivamente a partir do advento da Constituição Federal de 1988, se fez uma
releitura de todo o ordenamento jurídico, preterindo as disposições Constitucionais
às demais, interpretando-se normas sob as lentes constitucionais, estimulando os
princípios da justiça, os direitos fundamentais e principalmente a dignidade humana.
Desta forma, todos os ramos do Direito “[...] integram-se à unidade estabelecida pela
Constituição, passando suas normas a serem interpretadas de acordo com as
normas constitucionais” (CARVALHO, 1999, p. 12).
No mesmo sentido, a unidade do ordenamento impõe a todos os ramos do
direito a observância dos objetivos traçados pela Constituição, e, no caso
brasileiro, impõe o respeito à dignidade da pessoa humana, ao valor social
do trabalho, aos objetivos de construção de uma sociedade livre, justa e
solidária
e
de
erradicação
da
pobreza,
provocando
uma
“despatrimonialização” do direito privado em razão da escala de valores
inserida no ordenamento pela Constituição (CARVALHO, 1999, p. 12).
103
A Constituição Federal de 1988 simbolizou a superação do autoritarismo
político instaurado pela ordem de 1964w e demonstra sua preocupação com a
liberdade (SARMENTO, 2004, p. 211).
[...] é flagrante no discurso constitucional a preocupação com a efetividade
da liberdade, com a garantia, enfim, das condições materiais indispensáveis
ao seu exercício, o que se evidencia diante do seu generoso preâmbulo, do
amplo rol de direitos sociais que ela consagra, e ainda dos princípios
norteadores da ordem econômica e da ordem social que ela acolhe
(SARMENTO, 2004, p. 212).
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 converteu todos os direitos do
homem – Declaração Universal dos Direitos do Homem – em direitos fundamentais,
bem como instituiu mecanismos processuais para dar-lhes garantias e eficácia
(CITTADINO, 2002, p. 25-30).51
Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas
concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional
positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em
sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas
da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade
formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser
equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento
na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo)
(SARLET, 2003, p. 85).
Com o constitucionalismo democrático busca-se resgatar a força do direito,
superando-se a velha cultura jurídica positiva. Busca-se um fundamento ético para a
ordem jurídica. Surge a constituição-dirigente, que conflita com a nossa cultura
positivista/privatista, que tem por objetivo preservar a esfera de atuação individual. A
visão democrática da liberdade positiva limita e condiciona a esfera da autonomia
individual ao coletivo (CITTADINO, 2002, p. 25-30).
No centro desta transformação está a afirmação da informação como
principal fonte de riqueza ou recurso estratégico na ‘sociedade pósindustrial’ ou ‘sociedade da informação’. Da necessidade de regular a
informação, isto é, de definir direitos e deveres sobre este novo recurso, de
delimitar o seu exercício, de clarificar as condições em que os novos
instrumentos técnicos devem poder ser utilizados, de defender a sociedade
e o indivíduo contra eventuais maus usos da informação, nasceu um campo
novo do direito, o Direito da Informação (GONCALVES, 2003, p. 07).
51
“A Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios
valores fundamentais na segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração
para o futuro: mas suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre” (BOBBIO, 1992, p. 34).
104
Com o advento do Estado Democrático de Direito, assenta-se a premissa da
participação social e da cidadania ativa. Nessa nova matriz Constitucional, o Estado
passa a depender da sociedade como cogestora dos interesses públicos, isso
porque a própria ordem constitucional impõe tal participação na gestão dos
interesses públicos - premissa da res publica. Para tal participação, a publicidade
dos atos da Administração Pública é pressuposto fundamental para participação
social, para a cidadania ativa. Por esta razão, o Estado deve garantir padrões
mínimos de inclusão e informação para que se proporcione à cidadania ativa a
possibilidade de criar, monitorar e acompanhar os projetos do governo nas políticas
públicas.
Reconhecido como um direito humano fundamental, o acesso à informação
pública está inscrito em diversas convenções e tratados internacionais
assinados pelo Brasil. Ao contemplá-lo, o País integra-se, ainda, a um
amplo grupo de nações que reconhece ser a informação sob a guarda do
Estado um bem público. Preceito que, como mostra a experiência
internacional, favorece a boa gestão e, fundamentalmente, fortalece os
sistemas democráticos, resultando em ganhos para (BRASIL. ControladoriaGeral da União, 2011).
A normativa legal sobre a matéria na nova ordem legal está configurada
através de diversos diplomas legais. Na esfera internacional diversos são os
mecanismos de proteção ao acesso à informação. Dentre os diplomas internacionais
assinados pelo Estado brasileiro reconhecendo o acesso à informação como direito
humano fundamental, destacamos o art. 19 da Declaração Universal dos Direitos do
Homem menciona que: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e
expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de
procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e
independentemente de fronteiras”, e o art. 13 da Convenção Americana de Direitos
Humanos de 1969 que do mesmo modo dispõe:
1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão.
Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e
idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente
ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de
sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito
à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser
expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para
assegurar:
a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
105
b) a proteção da Segurança Nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da
moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos,
tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de
imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos
usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios
destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o
objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da
infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda
apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à
discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
Também fazem menção ao tema os art. 10, 1, b e o art. 13 da Convenção das
Nações Unidas contra a corrupção, que respectivamente mencionam: “[...] cada
Estado Parte deverá, em conformidade com os princípios fundamentais de sua
legislação interna, adotar medidas que sejam necessárias para aumentar a
transparência em sua administração pública, inclusive no relativo à sua organização,
funcionamento e processos de adoção de decisões, quando proceder” e,
Cada Estado Parte adotará medidas adequadas, no limite de suas
possibilidades e de conformidade com os princípios fundamentais de sua
legislação interna, para fomentar a participação ativa de pessoas e grupos
que não pertençam ao setor público, como a sociedade civil, as
organizações não-governamentais e as organizações com base na
comunidade [...].
Essa participação deveria esforçar-se com medidas como as seguintes:
a) Aumentar a transparência e promover a contribuição da cidadania aos
processos de adoção de decisões;
b) Garantir o acesso eficaz do público à informação;
Ainda, o item 4 da Declaração Interamericana de Princípios de Liberdade de
Expressão: “O acesso à informação mantida pelo Estado constitui um direito
fundamental de todo indivíduo. Os Estados têm obrigações de garantir o pleno
exercício desse direito” e também o art. 19 do Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos: “Toda pessoa terá direito à liberdade e expressão; esse direito incluirá a
liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza
[...]”.
Já na esfera nacional o acesso à informação está previsto, particularmente,
no inciso XIV do art. 5º da Constituição Federal, onde a Carta menciona que “é
assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional”, bem como no inciso XXXIII do art. 5º da CF/88,
que dispõe:
106
[...] todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas
no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo
sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
Aliado a outras disposições Constitucionais, como é o caso das disposições
do próprio art. 5º e dos arts. 37 e 216, a legislação Constitucional busca efetivar o
direito de acesso à informação. Infraconstitucionalmente, já dentro do Programa
Brasil Transparente,52 citamos às leis nº 12.527/11, Lei Complementar nº 131/09, Lei
Complementar nº 101/00, Decreto nº 7.724/12, Decreto nº 7.185/10, Portaria nº
277/13 e Portaria nº 548/10 do Ministério da Fazenda.
Restou claro já com a nova Constituição (caput artigo 37, bem como art. 93,
incisos IX e X, da CF/88) e muito mais com o Programa Brasil Transparente que os
atos e negócios da Administração Pública são públicos. A Constituição Federal de
1988 demonstra o amadurecimento da democracia através da facilitação da difusão
da informação. Com a nova Carta, a informação ganha a “[...] natureza de
fundamentalidade constitucional individual e social, além de morfologia bidirecional,
ou seja, diz com o direito de dar e receber informação” (LEAL, R. G., 2012, p. 142).
O direito de informação ou de ser informado, então, antes concebido como
um direito individual, decorrente da liberdade de manifestação e expressão
do pensamento, modernamente vem sendo entendido como dotado de forte
componente de interesses coletivos, a que corresponde, na realidade, um
direito coletivo à informação (GODOY, 2001, p. 58).
Originalmente, esse direito – liberdade de informação – era considerado como
parte integrante da liberdade de expressão, proclamada amplamente como direito
fundamental pelas constituições ocidentais no final do século XVIII. Na óptica do
liberalismo vigente, a liberdade de informação era tida como uma condição de
participação política dos cidadãos nas sociedades democráticas, onde o povo
poderia avaliar e controlar as autoridades públicas. Assim, a liberdade de informação
passou a estar associada à liberdade de imprensa e de outros meios de
comunicação social, ou seja, essas liberdades - expressão e de informação – foram
interpretadas pelo liberalismo tanto como liberdades públicas – liberdades
52
Sobre o assunto, ver: Brasil. Brasil transparente: prevenção contra a corrupção. Disponível em:
<http://www.cgu.gov.br/PrevencaodaCorrupcao/BrasilTransparente/index.asp>. Acesso em: 02 jan.
2014.
107
fundamentais para o funcionamento das sociedades democráticas – como por
liberdades individuais – condições de realização e de emancipação dos cidadãos
enquanto coparticipes de gestão (GONÇALVES, 2003, p. 39).
É nesse contexto que se postula um reordenamento da denominada
liberdade de informação, inserindo-a em um novo ramo do direito, o Direito
de Informação, caracterizado, de um lado, pelo direito à informação e, de
outro, pela maior responsabilidade imposta aos órgãos informadores, pela
sua especial condição de atuarem exatamente na fronteira do público e do
privado, no cerne da controvérsia entre interesse público e interesse
privado, no ápice da discussão entre o que deve ser publicado e o que não
pode ser publicado (CARVALHO, 1999, p. 14).
Portanto, o direito de informação pode ser entendido como:
[...] o conhecimento de fatos, de acontecimentos, de situações de interesse
geral e particular que implica do ponto de vista jurídico, duas direções: a do
direito de informar e a do direito de ser informado. E a liberdade de
informação compreende a liberdade de informar e a liberdade de ser
informado. A primeira coincide com a liberdade de manifestação do
pensamento pela palavra, por escrito ou por qualquer outro meio de difusão;
a segunda indica o interesse sempre crescente da coletividade para que
tanto os indivíduos como a comunidade estejam informados para o
exercício consciente das liberdades públicas (SILVA, 2002, p. 244).
Assim, fazem parte do direito de informação a liberdade de informar, ou seja,
de se buscar e divulgar informações; direito de invocar o sigilo de sua fonte; a
liberdade de o público em geral ser informado adequadamente; e a liberdade de o
público em geral ter condições de buscar informação, isto é, de se informar
(OLIVEIRA, 2000, p. 93) - observados alguns limites, como é o caso de informações
que possuam um determinado sigilo.53
Portanto, o direito de informação possibilita a investigação, o dever e o direito
de informação, o direito de ser informado e a faculdade de se receber ou não
determinada informação, “[...] traduz-se na inexistência de qualquer obstáculo à livre
circulação da notícia e, especificamente, na proibição de censura prévia ou posterior
por parte do Estado” (CARVALHO, 1999, p. 104). Por mais que o ordenamento
jurídico proíba a censura, constatamos que o direito de informação não é absoluto,
pois a
53
Foi no liberalismo que o conceito abstrato e virtualmente absoluto dos princípios da liberdade
passaram a admitir a necessidade de se impor limites. Assim, a própria filosofia liberal passou a
admitir limites à liberdade de informação quando estivessem em confronto com esta, questões como
as da segurança do Estado, questões de ordem pública, interesses individuais ao nome e a
reputação, dentre outros (GONÇALVES, 2003, pg. 39-40).
108
[...] proteção constitucional à informação é relativa, havendo a necessidade
de distinguir as informações de fatos de interesse público, da vulneração de
condutas íntimas e pessoais, protegidas pela inviolabilidade à vida privada,
e que não podem ser devassadas de forma vexatória ou humilhante
(MORAES, 2000, p. 162).
A Constituição garante unidade ao sistema, não é somente uma soma de
direitos e normas organizatórias, mas um todo que dá sentido e unidade ao
ordenamento jurídico. Em razão da vasta carta de direitos previstos e na tentativa de
harmonizá-los com os direitos fundamentais, há a necessidade de se limitar alguns
desses direitos. Para se harmonizar as disposições em eventuais conflitos, se faz
necessário o sopesamento dessas normas (LEAL, M., 2007, p. 78).54
Na dogmática constitucional, não há direito que se possa conferir aplicação
de forma total ou incondicional, até mesmo contra o Ente Público, isso porque, o
caráter
relativo
e
limitado
dos
direitos
fundamentais
necessitam
dessa
relativização/limitação para concretizar a noção de unidade constitucional, de
harmonização dos valores que são constitucionalmente protegidos (PEREIRA, 2008,
p. 185-186).
Na atualidade, o Direito de Informação possui natureza individual e social.
Pode-se dizer que o direito à informação se caracteriza por ser um direito individual,
pois consiste no direito de poder se expressar e de manifestar opiniões, bem como
de obter e reter informações, por sua vez, quando ele se manifesta de forma mais
ampla, quando envolve a comunidade (enquanto sujeito de direito), e quando
projeta-se para os atos da Administração Pública, exigindo-lhes transparência,
publicidade, moralidade etc, a fim de se possibilitar um maior controle/fiscalização
dos atos do Estado por parte da comunidade objetivando cumprir seu papel na
democracia participativa (LEAL, R. G., 2012, p. 142), ele manifesta sua natureza
social, difusa, coletiva.55
54
Sobre normas, regras e princípio e o sopesamento entre eles, ver: ALEXY, Robert. Teoria dos
direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
55
“Assuntos de interesse público são aqueles assuntos que dizem respeito às escolhas que a pessoa
deve fazer, como membro de sua comunidade, que interessem às demais e nelas interfiram, bem
como que influenciem e interfiram no que pertine à sua organização política e social”, e “Os assuntos
de interesse privado de expressão coletiva são aqueles considerados importantes para o
desenvolvimento da sociedade” (CARVALHO, 1999, p. 149).
109
A palavra que nos interessa deve ser lida, antes de mais nada, separandose o seu prefixo inicial: in-formação. Compreende-se assim que ‘informação’
não é somente ‘o ato de informar’ como diz o vocabulário, mas em geral é
parte essencial do processo de formação de conhecimentos, de opiniões e,
portanto, da própria personalidade do indivíduo: a parte que age mediante a
interação do sujeito com o mundo externo. A falta de informação bloqueia o
desenvolvimento da personalidade, tornando-a asfixiada. Outrossim, uma
informação unilateral, advinda de uma só fonte, mesmo que
quantitativamente rica e qualitativamente sofisticada, direciona a
personalidade para canais preestabelecidos, limitando objetivamente a
oportunidade de escolha e a capacidade crítica do indivíduo, prejudicando
desta forma a sua participação nos processos democráticos (FERRARI,
2000, p. 165).
A fim de cumprir seu papel como cidadão, a lei estabelece uma série de
prerrogativas, como é o caso do direito de receber dos órgãos públicos informações
de seu interesse particular, coletivo ou geral (art. 5º, inciso XXXIII, da CF/88), o
direito a certidões para defesa de direitos e esclarecimentos de situações (art. 1º da
Lei nº 9.051/95). Não obstante os diversos mecanismos de acesso à informação
pública existente ainda foi promulgada a Lei de Acesso à Informação Pública (Lei nº
12.527/11) que estabelece uma nova relação entre governo e cidadãos, o que só
denota a preocupação do Estado Democrático de Direito com a publicidade e com a
função pública dos atos do Poder Público. Assim, essa nova lei, juntamente com os
demais preceitos sobre a matéria, acabam por manter aberto todos os registros
administrativos e atos de governo aos cidadãos, que poderão solicitar cópias de
qualquer informação contida em registros ou documentos, produzidos ou
acumulados pelos órgãos públicos, sob pena de sanções (LUCHESI, 2012, p. 172).
Os regimes democráticos foram [...] reconhecendo aos cidadãos o direito a
tomarem conhecimentos dos documentos e da informação detidos pelas
administrações públicas, tendo alguns estados consagrado, constitucional
ou legalmente, os princípios da administração aberta e do livre acesso aos
documentos administrativos (GONÇALVES, 2003, p. 40).
O
processo
de
concretização
da
Constituição
-
constitucionalismo
democrático - depende da atuação da comunidade no controle das omissões do
poder público, sendo o Poder Judiciário o regente republicano das liberdades
positivas (CITTADINO, 2002, p. 32).
Em face disso, resta claro que as limitações dos mecanismos criados pelo
Estado, a ineficácia das ações civis interpostas com o fim de aceder à
informação e das missões de busca empreendidas por ele, bem como as
medidas legislativas e administrativas sobre restrições de acesso à
informação sigilosa em seu poder, impediram a reconstrução dos fatos e,
110
consequentemente, da verdade, o que caracterizou violação aos direitos e
obrigações consagrados nos artigos 1.1, 2, 8, 13 e 25 da Convenção
Americana (LEAL, R. G., 2012, p. 141).
Não obstante as diversas disposições legais acerca do tema – nacionais e
internacionais – o direito de acesso à informação só passou a ser mais bem
discutido no país a partir do dia 24 de novembro de 2010, quando a ação ordinária
proposta perante a Justiça Federal brasileira, em 1982, por parte dos vinte e dois
familiares, representando vinte e cinco desaparecidos políticos na guerrilha do
Araguaia56 foi decidida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA,
onde esta declarou que:
1) As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e
sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a
Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir
representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente
caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco
podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de
graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção
Americana ocorridos no Brasil;
2) O Estado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela
violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à
integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos nos artigos 3, 4, 5
e 7, todos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos,em relação
com o artigo 1.1 desse instrumento, em prejuízo das pessoas indicadas no
§ 125 da Sentença, em conformidade com o exposto nos §§ 101 a 125 de
seu comando;
3) O Estado descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, contida em seu artigo 2,
em relação aos artigos 8.1, 25 e 1.1 do mesmo instrumento,como
conseqüência da interpretação e aplicação que foi dada à Lei de Anistia a
respeito de graves violações de direitos humanos. Da mesma maneira, o
Estado é responsável pela violação dos direitos as garantias judiciais e à
proteção judicial previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, em relação aos artigos 1.1 e 2 desse instrumento,
pela falta de investigação dos fatos do presente caso,bem como pela falta
de julgamento e sanção dos responsáveis, em prejuízo dos familiares das
pessoas desaparecidas executadas, indicados nos §§ 180 e 181, da
Sentença, nos termos dos §§ 137 a 182 da mesma;
4) O Estado é responsável pela violação do direito à liberdade de
pensamento e de expressão consagrado no artigo 13 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, em relação com os artigos 1.1, 8.1 e 25
desse instrumento, pela afetação do direito a buscar e a receber
informação, bem como do direito de conhecer a verdade sobre o ocorrido.
Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às
garantias judiciais estabelecidos no artigo 8.1 da Convenção Americana, em
56
Sobre a Guerrilha do Araguaia, ver: AQUINO, Rubim S. L.; CARVALHO, Regilena. Araguaia: da
guerrilha ao genocídio. Rio de Janeiro: Multifoco, 2011.
111
relação com os artigos 1.1 e 13.1 do mesmo instrumento, por exceder o
prazo razoável da Ação Ordinária, todo o anterior em prejuízo dos familiares
indicados nos §§ 212, 213 e 225, da Sentença, em conformidade com o
exposto nos §§ 196 a 225 desta mesma decisão;
5) O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pessoal,
consagrado no artigo 5.1 da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, em relação com o artigo 1.1 desse mesmo instrumento, em
prejuízo dos familiares indicados nos §§ 243 e 244 desta mesma decisão
(LEAL, R. G., 2012, p. 185-186).
Passados vinte e oito anos desde a propositura da ação na Justiça Federal,
em decisão, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA atribuiu
responsabilidade pelos fatos cometidos pelo Estado brasileiro no caso Araguaia e
atribuiu-lhe obrigações concretas.57 Na decisão se manifesta a ideia de justiça
transacional, conselho deixado pela Organização das Nações Unidas (ONU), para
que se superare períodos de exceção, onde, via de regra, inúmeras violações a
direitos humanos são realizadas. É de entendimento dos Tribunais Internacionais,
em razão desse conselho, que todos os países que passaram por regimes de
exceção devem implementar medidas e políticas públicas que se fundam na ideia de
justiça transicional, na tentativa de evitar que tais regimes se repitam no futuro, bem
como para consolidar o Estado Democrático de Direito. Uma das formas para se
abordar as violações de direitos durante regimes de exceção, segundo a ONU, é
através da Justiça Transacional, Justiça de Transição (LEAL, R. G., 2012, p.188).
[…] la justicia transicional comienza a ser entendida como extraordinaria e
internacional en el período de la posguerra después de 1945. La Guerra
Fría da término al internacionalismo de esta primera fase, o fase de la
posguerra, de la justicia transicional. La segunda fase o fase de la
posguerra fría, se asocia con la ola de transiciones hacia la democracia y
modernización que comenzó en 1989. Hacia finales del siglo XX, la política
mundial se caracterizó por una aceleración en la resolución de conflictos y
un persistente discurso por la justicia en el mundo del derecho y en la
sociedad. La tercera fase, o estado estable, de la justicia transicional, está
asociada con las condiciones contemporáneas de conflicto persistente que
echan las bases para establecer como normal un derecho de la violencia
(TEITEL, 2013, p. 10).
Essa Justiça tem por finalidade investigar os fatos durante o regime de
exceção, levantando o maior número de informações, buscar a verdade dos fatos
57
Sobre a decisão da Corte sobre o Caso Araguaia, ver: CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS.
Sentença
da
Corte
sobre
o
Caso
Araguaia.
Disponível
em:
<http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf>. Acesso em: 02 jan. 2014.
112
ocorridos,58 punir os perpetradores de violações a direitos, e, por fim, criar espaços
de memória, punindo seus perpetradores e estabelecendo espaços de memória. Na
tentativa de reconciliar o Estado e a sociedade com o passado antes esquecido,
surge à justiça transacional, consistindo da:
a) revelação da verdade, mediante a abertura de arquivos do período e a
criação de comissões da verdade imparciais; b) na responsabilização
pessoal dos perpetradores de graves violações de direito humanos,
entendendo que a situação de impunidade é fator de inspiração e dá
confiança a quem adota práticas violadoras de direitos; c) na reparação
patrimonial dos danos às vítimas, através de indenizações financeiras; d) na
reforma institucional dos serviços de segurança, expurgando de seus
quadros quem propagava a teoria do período; e) na instituições de espaços
de memória, para que as gerações futuras saibam que, no país, se praticou
o terror em nome do Estado (LEAL, R. G., 2012, p. 188).
Dando o primeiro passo para a transição, e seguindo orientações da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, o Brasil, em 18 de
novembro de 2011, aprova a nova lei de acesso à informação, a lei nº 12.527, de 18
de novembro de 2011, cujo objetivo é o de regulamentar o direito constitucional de
acesso às informações públicas dos três poderes, isso porque a Comissão “[...]
entendeu a Comissão que os Estados têm a obrigação positiva de produzir e
conservar informação, o que nos obriga a buscá-la e implementar medidas que
permitam a custódia, o manejo e ao acesso aos arquivos” (LEAL, R. G., 2012, p.
119).
Em 18 de novembro de 2011, inicia-se uma nova fase relativa ao acesso a
informação na República Federativa do Brasil. Nesta data foi aprovada a lei de nº
12.527, que vem para regular “o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do
art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal;
altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei n o 11.111, de 5 de
maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras
providências” (BRASIL. Lei nº 12.527, 2011).
Agindo sob o princípio da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade
e eficiência (art. 37, caput, da CF/88), e tendo como sua imposição de princípio
constitucional a publicidade/transparência dos atos da Administração Pública, sendo
o segredo – exceção – aceito sob justificativa inexorável, cabe ao ente Estatal
58
A verdade a que nos referimos é a narração dos fatos como ocorreram, e não aquela verdade
“[...] escrita pelos vitoriosos” (FRANCIS, 1986, p. 41). Buscar a verdade como o “[...] derecho de los
familiares a conocer la suerte de las víctimas, y en la obligación de las partes en conflictos armados
de buscar a los desaparecidos” (NACIONES UNIDAS, 2006, p. 04).
113
fornecer a informação requerida de forma rápida e objetiva, clara e em linguagem de
fácil compreensão, uma informação transparente (art. 5º da lei nº 12.527/2011).
Visando assegurar o direito fundamental de acesso à informação, os procedimentos
publicizatórios devem ser executados com base nos seguintes princípios básicos e
com as seguintes diretrizes (conforme art. 3º da referida lei):
I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como
exceção;
II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de
solicitações;
III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da
informação;
IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na
administração pública;
59
V - desenvolvimento do controle social da administração pública.
O artigo 23 da lei em comento passa a delimitar, de forma mais pontual do
que suas antecessoras, a possibilidade de classificação da informação quanto a
Grau e Prazos de Sigilo (seção II), das informações que são consideradas
imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, que, portanto, devem ser
passíveis de classificação, em razão de que sua divulgação ou acesso irrestrito a
essas informações possam:
I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do
território nacional;
II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações
internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter
sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;
III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;
IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou
monetária do País;
V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das
Forças Armadas;
VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento
científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou
áreas de interesse estratégico nacional;
VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades
nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou
VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou
fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de
infrações.
59
Salientamos ainda a disposição do artigo 12 da lei, onde expõe a gratuidade ao acesso a
informação. “Em face disto dispõe a norma, em seu art. 12, que o serviço de busca e fornecimento da
informação é gratuito, salvo nas hipóteses de reprodução de documentos pelo órgão ou entidade
pública consultada, situação em que poderá ser cobrado exclusivamente o valor necessário ao
ressarcimento do custo dos serviços e dos materiais utilizados” (LEAL, R. G. 2012, p.122).
114
De acordo com o teor da informação e de acordo com sua imprescindibilidade
à segurança da sociedade e/ou do Estado brasileiro, a informação será classificada
em informação ultrassecreta, secreta ou reservada, cujos prazos máximos de
restrição da informação, são respectivamente, 25 anos para a informação
ultrassecreta, 15 anos para a informação secreta e 5 anos para a informação
reservada (art. 24 e §1º, incisos I, II e III, da Lei), utilizando o critério menos restritivo
possível, tendo por parâmetro “a gravidade do risco ou dano à segurança da
sociedade e do Estado; e o prazo máximo de restrição de acesso ou o evento que
defina seu termo final” (artigo 24, § 5º, incisos I e II da Lei).
Quando a informação contiver material personalíssimo, que possa violar a
intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como suas liberdades e
garantias individuais, tal informação consoante a disposição do art. 31, terá seu
acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo, pelo prazo de 100
anos a contar de sua produção. Seu acesso ou divulgação a terceiros poderá ser
realizada mediante o decurso do prazo ou através do consentimento expresso da
pessoa a que se refere tal informação (art. 31, §1º, II da Lei), salvo se as
informações forem necessárias para:
I - à prevenção e diagnóstico médico, quando a pessoa estiver física ou
legalmente incapaz, e para utilização única e exclusivamente para o
tratamento médico;
II - à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse
público ou geral, previstos em lei, sendo vedada a identificação da pessoa a
que as informações se referirem;
III - ao cumprimento de ordem judicial;
IV - à defesa de direitos humanos; ou
V - à proteção do interesse público e geral preponderante.
(BRASIL. Lei nº 12.527, 2011, art. 31, § 3º).
Salienta-se ainda que tal restrição ao acesso à informação – relativa à vida
privada, honra e imagem da pessoa –, “não poderá ser invocada com o intuito de
prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações
estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos
históricos de maior relevância” (§ 4º, do artigo 31).
É com a Constituição Federal de 1988 que se inicia um novo marco para a
sociedade brasileira, no entanto, foi preciso muita maturação para que a sociedade
alcançasse, através de inúmeras reivindicações e lutas sociais, condições materiais
específicas que propiciaram manifestações reais contra a arbitrariedade praticada
115
pelo Estado em nome da Segurança Nacional (SILVA, 2004, p. 173). Vive-se uma
nova fase no acesso à informação pública, que dá seus primeiros passos no pós1988 já sob o viés da publicização/transparência dos atos da Administração Pública
e busca, nos momentos históricos anteriores a este, a publicização/transparência
daqueles atos que foram classificados pelo Regime Militar, sua desclassificação,60
cabendo à sociedade civil tal exigência e fiscalização – artigo 39 da lei 12.527/11.
Qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso à informação aos
órgãos públicos, independentemente dos motivos – até porque a lei veda quaisquer
tipo de exigência relativa aos motivos determinantes da solicitação de informações
de interesse público (art. 10, § 3º) – devendo o pedido tão somente conter a
identificação do requerente e a especificação da informação requerida (art. 10,
caput). Tal desnecessidade de fundamentação para o pedido qualifica o direito
fundamental à informação tanto por sua natureza social, como por sua natureza
difusa, capacitando o cidadão a buscar qualquer tipo de informação sobre atos e
comportamentos públicos pelo simples fato de ter sido praticado em nome do Estado
enquanto gestor público (LEAL, R. G., 2012, p. 122-123).
Os regimes democráticos reconhecem hoje, inclusivamente [...], que os
cidadãos têm o direito de tomar conhecimento dos documentos da
administração pública, tendo alguns países adotado legislação especial com
esse fim. Segundo estas legislações, a liberdade de acesso não depende
da invocação de um interesse próprio na informação. Ela transcende,
portanto, o âmbito do tradicional acesso dos administrados à informação ou
documentação sobre questões que lhe dizem respeito. O âmbito das
liberdades e dos direitos de acesso têm tendido, de resto, a expandir-se nos
últimos anos como resultado da pressão social em domínios como o
ambiente e a saúde pública e do próprio desenvolvimento do direito da
informática: a ilustração mais evidente encontra-se no regime de acesso
aos dados pessoais. Se a garantia da liberdade de acesso acompanhou a
transição das políticas e das culturas da administração, num percurso que
tendeu do segredo para a abertura, já os direitos de acesso são um produto
recente do Direito da Informação (GONÇALVES, 2003, p. 114-115).
O acesso à informação administrativa é tido como uma condição de exercício
do direito de cidadania, o acesso a informações sobre a conduta da Administração é
parte integrante do funcionamento do sistema democrático (GONÇALVES, 2003, p.
115).
O conceito de informação administrativa abrange os dados e a informação
recolhidos e/ou tratados pelos governos e pelas administrações públicas no
60
Ver as disposições dos arts. 29 e 30 da Lei 12.527/2011.
116
exercício das respectivas missões. Dados estatísticos, dados económicos,
mas também dados de carácter pessoal, contidos nos registros da
população (decorrentes dos censos), no registro civil, ficheiros de nomes e
moradas dos funcionários públicos, dos beneficiários da segurança social,
das empresas inscritos no registro das pessoas colectivas, entre muitos
outros, constituem um manancial importante de informação [...]
(GONÇALVES, 2003, p. 112).
Em tempos não muito longínquos e infelizmente ainda vigente em alguns
territórios, a regra era o segredo enquanto ausência de informação e comunicação
administrativa, viabilizando autoritarismos e regimes ditatoriais das mais diversas
formas e modalidades (LEAL, R. G., 2012, p. 40). Com a nova Constituição, se
avança, a regra agora é a da publicidade, a exceção, o segredo. Se o segredo é
exceção, para se blindar determinada informação há a necessidade de se justificar,
há que se ter muita fundamentação, porque o segredo de Estado é uma exceção,
uma vez que vai de encontro a um dos novos fundamentos da República. Assim,
cabe ao próprio Estado o dever de assegurar a circulação livre da informação
(GONÇALVES, 2003, p. 115).
É verdade que há excepções ao princípio da liberdade de acesso à
informação, sempre que a confidencialidade desta seja justificada e
legalmente protegida. Mas estas excepções são necessariamente
tipificadas e devem ser interpretadas restritivamente: só a protecção da vida
privada, do segredo de Estado, do segredo de justiça, do segredo de fabrico
e de comércio ou outras formas de segredo protegidas por lei podem
fundamentar restrições ou limitações ao exercício do direito dos cidadãos de
terem acesso à documentação ou informação administrativas
(GONÇALVES, 2003, p. 115).
A relação entre democracia e informação é biunívoca, de coessencialidade,
ou seja, uma não pode existir sem a outra (FERRARI, 2000, p. 166-167). Por esta
razão, o caput do artigo 37, “[...] constitui, se não o principal, certamente um dos
parâmetros fundamentais para colocar à prova a maturidade do sistema como um
todo e verificar a possibilidade de afirmar e concretizar esta centralidade [...]” (LEAL,
R. G., 2012, p. 41-42), isso porque a “[...] a informação e o acesso a ela hoje se
afigura como condição de possibilidade da própria democracia, da igualdade e
liberdade, assim como da dignidade da pessoa humana” (LEAL, R. G., 2012, p. 42).
É da sabedoria mais antiga que a primeira vítima de qualquer guerra é a
verdade. Por isso, na análise posterior dos fatos, ainda quando
contemporâneos, o intérprete deve ter o maior cuidado, sobretudo na
audiência das partes que se envolveram no conflito, medindo, pesando e
cotejando os relatos (CONTREIRAS, 1998, p. 11).
117
Um dos objetivos fundamentais dos regimes totalitários é precisamente o
controle e limitação da informação. O que percebemos é que inexiste o acesso à
informação suficiente, que permita o debate de opiniões diferentes no período pré
1964 e durante o regime ditatorial (1964-1985), que foi tornado quase que
intransponível em razão da rotulação de diversos documentos como segredos de
Estado,
questionando-se
a
possibilidade
de
manutenção
dessas
restrições/limitações na contemporaneidade.
3.4 Teoria e Ideologia da Segurança Nacional e os segredos de Estado frente
ao acesso à informação na contemporaneidade
Na sociedade moderna – sociedade da informação –,61 a informação, e mais
do que isso, o acesso à informação, ganha destaque alterando a qualidade de vida
dos cidadãos, bem como interferindo na cultura e nas tradições. É a penetração
dessa informação na sociedade contemporânea uma das características mais
marcantes das novas tecnologias da informação e da comunicação, tanto na vida
social, como na vida econômica e política, aparecendo sob diversas formas e
conteúdos, tornando possível organizar e apresentar sob diversos formatos uma
diversidade de dados e/ou conhecimentos (GONÇALVES, 2003, p. 07-18).
Marcada por sua penetração na sociedade contemporânea, a informação
está afetando profundamente os modos pelos quais as relações sociais se
organizam, bem como as condições da realização de valores básicos das
sociedades modernas, como a liberdade e a democracia (GONÇALVES, 2003, p.
07). Por si só, a informação não garante nem constitui garantia de direitos –
democracia, igualdade, liberdade -, mas seus parâmetros – temporais e territoriais –
concede aos interlocutores uma nova interface, colocando-os diante de desafios
inéditos e imensas possibilidades (VELLOSO, 2008, p. 108). Assim, “na medida em
61
Sobre o assunto, ver: ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito da internet e da sociedade de
informação: estudos. Rio de Janeiro: Forense, 2002; CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede (a
era da informação, economia, sociedade e cultura) - vol. 1. 8. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
FERRARI, Vincenzo. Democracia e informação no final do século XX. In: GERMAN, Christiano [et.
al.]. Informação e democracia. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2000; GONÇALVES, Maria Eduarda.
Direito da informação: novos direitos e formas de regulação na sociedade de informação.
Coimbra: Livraria Almedina, 2003; LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.
118
que o avanço tecnológico permite uma inacreditável rapidez na sua circulação, ao
mesmo tempo em que massifica a sua divulgação, a informação passa a ter uma
relevância jurídica antes não reconhecida” (CARVALHO, 1999, p. 18).
Inúmeras são as possibilidades que a informação e o acesso à informação
nos permitem desfrutar de forma mais plena dos direitos e das liberdades
contemplados pelos regimes liberais e democráticos. O cidadão dispõe de mais e
melhores meios de expressão, criação, participação e interação na sociedade,
graças à informação, até certo ponto que o discurso político relativo á sociedade
pós-industrial ou sociedade da informação argumenta que a utilização das
tecnologias da informação e da comunicação é o molde capaz de criar as condições
necessárias que faltavam na sociedade industrial para o pleno exercício das
liberdades de expressão e de informação (GONÇALVES, 2003, p. 31-32).
A informação e o acesso a essa informação representa o poder para moldar
vidas, aprimorando a comunicação entre os indivíduos e a Administração Pública,
bem como reestruturando essas relações, organizando a vida social de forma mais
aberta, dinâmica e muito mais flexível. Assim, é necessário que o Estado crie
condições para que todos os seus cidadãos possam acessar essas informações,
criando políticas públicas para promoção da verdade, memória e da justiça (ACIOLI,
2013, p. 45-60).
Vivenciamos, nas últimas décadas, o aumento exponencial das oportunidades
para que os cidadãos contribuam cada vez mais com insumos direitos para a
democracia (PETERS; PIERRE, 2010, p. 19). Alguns especialistas sustentam que os
níveis de democracia da sociedade contemporânea dependem dos seus respectivos
índices de difusão das informações, outorgando ao cidadão a possibilidade de
conhecer o máximo de informações possíveis (LEAL, R. G., 2012, p. 41). O
fortalecimento da democracia burocrática não é algo fácil, a participação
democrática na formulação e implementação de políticas públicas é complexa e
varia muito e sempre surgem escolhas difíceis sobre como agir (SCHIMIDT, 2008, p.
2308). É dever da Administração Pública assegurar o livre acesso à informação
(GONÇALVES, 2003, p. 115). O acesso à informação se afigura como condição de
possibilidade da própria democracia, da igualdade e da liberdade, bem como da
dignidade da pessoa humana (LEAL, R. G., 2012, p. 42). É em decorrência dessa
prerrogativa democrática de acesso à informação que se fomenta questões centrais
da política pública (GONÇALVES, 2003, p. 207).
119
Estamos vivenciando profundas transformações na velha estrutura social em
razão
das
influências
geradas
pelo
constitucionalismo
contemporâneo.
A
transformação da velha, para a nova estrutura social – informacional –, foi marcada
por diversas tensões, isso porque uma das características da nova sociedade é sua
estreita interdependência das esferas sociais, políticas e econômicas. Nessa nova
formação estrutural social os diferentes âmbitos da sociedade se fazem mais
interdependentes e os mundos da economia e da tecnologia passam a depender
cada vez mais do governo, do processo político (CASTELLS, 1996, p. 30-31).
Una verdadera democracia ha de estar basada en una estructura
organizativa que permita a individuos aislados tener acceso al proceso
donde se toman las decisiones, reuniendo sus limitados recursos,
educándose a sí mismos y a los demás, formulando ideas y programas que
puedan llegar a formar parte del programa político y que puedan hacer algo
para que ésta llegue a cumplirse (CHOMSKI, 1989, p. 141).
Dentro de debate democrático, a transparência é tema recorrente e um dos
aspectos mais difíceis de se abordar é a relação entre o segredo governamental
(Segurança Nacional) e o controle das atividades de inteligência, que acaba por
demonstrar o dilema enfrentado pelo governo para institucionalizar a transparência
nessa relação. Grande parte dos governos justifica, tanto a necessidade, como as
funções dos serviços de inteligência, a partir da Segurança Nacional. Prioridades,
recursos, estrutura organizacional, missões, operações de inteligência e de
contrainteligência são estruturadas segundo uma escala de preferências adotada
pelos responsáveis na elaboração da Segurança Nacional (CEPIK, 2003, p. 137).
Nas áreas de atuação governamental relacionadas com a defesa nacional e
a política externa, a principal justificativa para a restrição da circulação de
informações produzidas ou mantidas pelo governo é o dano potencial que
sua apropriação por uma terceira parte poderia causar para a segurança
estatal e, por decorrência, para a segurança individual dos membros da
coletividade […] além de ser necessário por questões puramente
defensivas, o segredo muitas vezes também é decisivo para que os
governos possam planejar, implementar e concluir missões militares e
diplomáticas (CEPIK, 2003, p. 152).
Entretanto, a noção de Segurança Nacional é por demais problemática, e sua
legitimação está longe de ser autoevidente.
Por Segurança Nacional entende-se aqui uma condição relativa de proteção
coletiva e individual dos membros de uma sociedade contra ameaças à sua
120
sobrevivência e autonomia. Nesse sentido, o termo refere-se a uma
dimensão vital da existência individual e coletiva no contexto moderno de
sociedades complexas, delimitadas por Estados nacionais de base
territorial. No limite, estar seguro nesse contexto significa viver num Estado
que é razoavelmente capaz de neutralizar ameaças vitais através da
negociação, da obtenção de informações sobre capacidades e intenções,
através do uso de medidas extraordinárias e do leque de opções relativas
ao emprego de meios de força. A dupla face dessas ameaças, interna e
externa, implica algum grau de complementaridade e de integração entre as
políticas externa, de defesa e de provimento da ordem pública. A Segurança
Nacional, como uma condição relativamente desejável a ser obtida através
dessas políticas públicas, fornece a principal justificativa para o exercício da
soberania e o monopólio estatal do uso legítimo de meios de força (CEPIK,
62
2003, p. 139).
Por terem dentre suas preocupações a continuidade da sobrevivência de sua
população e a manutenção de sua independência em relação a outros governos, os
Estados, a quem o direito internacional público atribui primazia na defesa da
segurança, tendo em vista que sua existência é condição necessária para a
preservação de direitos individuais e coletivos, acabam por identificar Segurança
Nacional como segurança estatal. Assim, o provimento da ordem pública e defesa
nacional constitui um elemento mínimo a partir dos quais o Estado julga a lealdade e
a obediência de seus cidadãos, sendo que, em certas ocasiões, aquele Estado que
obtém legitimidade por ser o principal responsável pela Segurança Nacional é o
mesmo que se torna fonte de ameaça para a segurança dos indivíduos, grupos e até
mesmo, da própria nação (CEPIK, 2003, p. 142).63
A rotulação de informações como sigilosas por parte das instituições baseiamse muito na confiança de que determinada informação realmente é prejudicial à
Segurança Nacional. A utilização um tanto quanto excessiva da Segurança
Nacional, os abusos do recurso segredo governamental, acabou por conduzir ao
cinismo e a deslegitimação dessa ferramenta de proteção (CEPIK, 2003, p. 152).
As informações mantidas em segredo, em razão da Segurança Nacional,
justificam-se na medida que o segredo se baseia no risco potencial dessas
informações para os indivíduos, para a coletividade, para a nação e, por esta razão,
não é facultado aos atores privados seu conhecimento (CEPIK, 2003, p. 151). O
62
Acerca do exercício da soberania e do monopólio estatal no uso legítimo dos meios de força, ver:
WEBER, Marx. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. São Paulo:
Editora Universidade de Brasília, 1999.
WEBER, Marx. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1993.
63
Nas últimas décadas acrescentou-se uma nova categoria às ameaças transnacionais ou
transestatais à Segurança Nacional, como é o caso do crime organizado, o narcotráfico e o terrorismo
(CEPIK, 2003, p. 139).
121
segredo de estado é uma ferramenta importantíssima na proteção da população,
pois o acesso a determinadas informações por parte de terceiros – por exemplo um
governo estrangeiro – pode causar inúmeros danos – econômicos, sociais –, como
por exemplo,
[...] a questão dos sistemas de armas, planos de contingência e
mobilização, pesquisa científica e tecnológica de aplicação militar, intenções
de negociações de acordos internacionais, desempenho de capacidades
defensivas e outras coisas semelhantes, uma vez conhecidas por um
adversário ou inimigo, aumentam nossas vulnerabilidades e fornecem uma
vantagem comparativa crucial para os adversários nas interações conflitivas
(CEPIK, 2003, p. 152).
Por esta razão, a proteção dos segredos de Estado dependem de três
processos que se completam: o procedimento de classificação, os controles de
acesso e as punições em caso de vazamento de informação. No processo de
classificação, identifica-se determinadas informações que são sensíveis para a
manutenção da Segurança Nacional e aplicam-se à elas regras de classificação –
graus de sigilo – a fim de se criarem medidas de restrição física de acesso.
Dependendo do tipo de informação e da importância desta para Segurança
Nacional, são utilizadas as categorias: confidencial, secreto e ultrassecreto. No
entanto, não basta somente blindar essa informação, faz-se necessário vigiá-las,
cuidar de seu manejo, armazenamento e transmissão. Assim, é com os controles de
acesso que se evita que as informações sigilosas sejam interceptadas, alteradas ou
até
mesmo
destruídas
por
pessoas
não
autorizadas,
reduzindo-se
as
vulnerabilidades à manutenção da segurança (CEPIK, 2003, p. 153-154).
Com o advento da ordem nova Constitucional de 1988, houve uma maior
publicização dos atos de Estado. Na nova ordem constitucional vigente, questionase a compatibilidade entre o segredo de estado pautado na Segurança Nacional e o
direito de acesso à informação. Além disso, pergunta-se acerca de que tipo de
atos/fatos/documentos/etc., são considerados Segredos de Estado a fim de proteger
a Segurança Nacional brasileira? Quem os define, como os faz, quais os critérios
utilizados? (LEAL, R. G., 2012, p.112).64
64
O autor ainda chama a atenção para o esvaziamento do debate público sobre a matéria, que não
contou com a discussão pontual e específica no Parlamento – enquanto representante da vontade
popular - dos termos indicados à catalogação o que prestaria para “manipulações hermenêuticas
redutoras de possibilidades socioeficaciais atinentes à informação e conhecimento das questões que
veiculam” (LEAL, R. G., 2012, p.112).
122
Comenta Cepik (2003, p. 151) que “[...] os segredos são compatíveis com o
princípio de transparência dos atos governamentais somente quando a justificação
de sua necessidade pode ser feita, ela própria, em público”. Leal (2012, p. 41-45)
menciona que os argumentos a favor do Segredo de Estado não tem fundamento
nos regimes democráticos contemporâneos, aceitando-se essa rotulação, em
raríssimas e muito bem justificadas situações, quando tal documento representar
uma concessão objetiva e real (determinada informação é secreta em razão da
qualidade da informação que contém), e não sob o fundamento meramente subjetivo
e pessoal do segredo administrativo (o documento é secreto porque o Administrador
assim o entende). Especialistas nesta matéria sustentam que na sociedade
contemporânea, os níveis de democracia dependem dos respectivos índices de
difusão de informação, bem como na outorgado ao cidadão, a possibilidade de
buscar e conhecer ao máximo determinados assuntos. Com isso cria-se um
paradoxo, pois, se a democracia depende do acesso a informações, como fica a
questão das informações criadas e rotuladas como secretas, por dizer respeito à
Segurança Nacional brasileira? Se uma informação é imprescindível à segurança do
Estado e da sociedade brasileira, quem o assim define? Quais os critérios? Etc.
Na democracia contemporânea, negar-se a informação e o conhecimento não
só implica por si só violação de Direitos Fundamentais, como a impossibilidade do
exercício
autônomo e
crítico
da
cidadania,
isso
porque, na
democracia
contemporânea, os níveis democráticos dependem dos respectivos índices de
conhecimento e participação social da sociedade nas esferas de debate e decisão
política, bem como na difusão das informações que dizem respeito ao cotidiano, pois
essa informação propicia uma atuação do cidadão nos espaços públicos (LEAL, R.
G., 2012, p. 96).
Com a recorrente utilização da noção de Segurança Nacional como forma de
legitimação para a adoção de inúmeras práticas repressivas e autoritárias por parte
do regime militar, questiona-se a compatibilidade de tal noção com a concepção
democrática de governo. No entanto, é impossível reduzir-se a segurança coletiva à
segurança individual, não podendo simplesmente abandonar o conceito de
Segurança Nacional (CEPIK, 2003, p. 137).65
65
Sobre Problemas de Segurança Nacional ver considerações realizadas a partir da “teoria dos
complexos de segurança”. Sobre o assunto, ver: PROENÇA JR., Domício; DINIZ, Eugênio. Política
123
Não é segredo que durante o regime ditatorial houve diversas ações
abusivas. Nos últimos anos passa-se a perseguir maiores esclarecimentos sobre
esse período por parte daqueles que sofreram abusos, daqueles que tiveram algum
ente querido que sofreu abuso, ou ainda, por parte dos demais interessados, em
razão da natureza social/coletiva do direito à informação.
Assim,
desvendar
os
atos/fatos/documentos é proporcionar a reconciliação do Estado moderno com a
antiga República, da modernidade com o passado, realizando a racionalização do
período de exceção brasileiro, essa mancha negra em nossa história, desvelando as
fissuras perpetradas à Democracia que estava sendo instaurada em meados de
1946/1964, e que hoje rege nossa sociedade.
O estudo sobre os acontecimentos dessa época, resgatar a verdade e trazer
a tona o ocorrido, é essencial para a construção da memória, individual e coletiva.
Além do que, tais fatos contribuíram para o Estado que temos hoje, assim, conhecer
o passado e aprender com ele, nos leva a evitar que tais eventos ocorram no futuro
novamente.
No Brasil as violações de Direitos Humanos durante o regime ditatorial são
desconhecidas pela maioria da sociedade, principalmente pelos mais
jovens. Supõe-se que cerca de 50 mil pessoas foram presas somente nos
primeiros meses de 1964, 20 mil brasileiros torturados e cerca de 400
cidadãos foram mortos ou ainda estão desaparecidos. Ainda ocorreram
milhares de prisões políticas não registradas, 130 banimentos, cerca de 4
mil101 mandatos políticos e um número incontável de exílios e refugiados
políticos (BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República, 2010, p. 211).
O que começou com Justiça de Transição – acesso a informações, reparação
e punição dos responsáveis pelos atos de tortura, sequestro, desaparecimento e
mortes – tornou-se um instituto próprio. Com o acesso à informação dos atos, fatos,
documentos produzidos durante o período militar busca-se não somente a verdade,
o resgate da memória e a justiça, mas o resgate de uma memória até agora perdida,
busca-se a promoção da reconciliação nacional. Essa reconciliação, com o passar
do tempo, conectará o presente e o futuro, sendo que o acesso à informação não
resultará tão somente em ressarcimentos mais do que legítimos, mas alcançará uma
função de desvelamento das fissuras perpetradas à democracia brasileira (LEAL, R.
G., 2012, p. 62).
de defesa no Brasil: uma análise crítica. Brasília: UnB, 1998, e, PROENÇA JR., Domício; RAZA,
Salvador. Guia de estudos de estratégia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
124
Grande parte dos documentos rotulados até agora como secretos devem
perder sua classificação, pois tal classificação não possui fundamentação uma vez
que grande parte destes não envolvem efetivamente a Segurança Nacional ou
congênere. De fato, existem diversas explicações que só alcançaremos em
documentos oficiais, e tão somente de forma indireta (FRANCIS, 1986, p. 29), tendo
em vista a destruição de parcela do material produzido pelo regime militar, permitido
pelo governo através dos arts. 70 a 72 do decreto nº 79.099, de 06 de janeiro de
1977.66
Grande parte das informações rotuladas como “em nome da Segurança
Nacional” serão revistas, pois dentro da nova ordem constitucional deve-se
fundamentar, e bem fundamentado, a classificação das informações. A teoria e a
ideologia, criada e propagada em nome da Segurança Nacional, não mais sustenta
o segredo de Estado e como grande parte das circunstâncias que colocavam em
risco a Segurança Nacional do país durante o período militar não se fazem mais
presentes, hoje, o fundamento para classificação de determinadas informações
deixam de existir, restando a possibilidade de sua desclassificação. A abertura dos
documentos produzidos no período ditatorial permite-nos compreender a ideologia
propagada e que formava os envolvidos, sua formação, cursos realizados,
currículos, métodos de trabalho. Ou seja, permite-nos ver a história por outros olhos,
vê-la por dentro (KUSHNIR, 2004, p. 65).
66
Art. 70. À autoridade que elabora documento ULTRA-SECRETO, SECRETO ou CONFIDENCIAL,
ou autoridade superior, compete julgar da conveniência da respectiva destruição e ordená-la
oficialmente.
§ 1º Os documentos RESERVADOS não controlados serão destruídos por ordem da autoridade que
os tenha sob custódia, desde que, perdida a oportunidade ou a utilidade, sejam por ela julgados
desnecessários.
§ 2º A autorização para destruir documentos sigilosos constará do seu registro.
Art. 71. Os documentos sigilosos serão destruídos pelo responsável por sua custódia, na presença de
duas testemunhas.
Art. 72. Para a destruição de documentos ULTRA-SECRETOS e SECRETOS, bem como de
CONFIDENCIAIS e RESERVADOS controlados, será lavrado um correspondente "Termo de
Destruição", assinado pelo responsável por sua custódia e pelas testemunhas, o qual, após
oficialmente transcrito no registro de documentos sigilosos, será remetido à autoridade que
determinou a destruição e ou à repartição de controle interessada.
(BRASIL. Decreto nº 79.099, 1977).
125
CONCLUSÃO
Ignorando os impulsos industriais do século XVIII, o Estado brasileiro acabou
enfrentando grande dificuldade para construir a infraestrutura necessária para levar
o país ao século XX. É com Getúlio Vargas que o país sai de uma hegemonia
oligárquica exportadora e comercial e inicia seu processo de aceleração industrial,
expandindo o mercado interno e diversificando a economia nacional. Com o fim da
Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, as superpotências da época
passam a disputar zonas de influência. Reforçando a já tradicional dependência em
relação às potências capitalistas – principalmente EUA – Juscelino Kubitschek de
Oliveira inicia um projeto gigantesco de modernização nacional – “50 anos em 5”.
Foi graças à política econômica adotada por JK que financiou-se uma expansão
infraestrutural no país, criando-se uma diversificação ainda maior na economia
nacional, mas tendo como consequência o endividamento do país. Seu sucessor,
Jânio Quadros, enfrentou a ressaca econômica que acometeu o final do governo de
JK, e depois, como João Goulart, sentiu o peso da herança deixada pelos “50 anos
em 5”.
Em meados de 1960 o país enfrentava inúmeros problemas sociais, o país
crescia, mas com ele cresciam os problemas ligados à saúde, educação, transporte,
dentre outros. Inúmeras crises acometeram o governo de Goulart. A inflação
agigantou-se, o Produto Interno Bruto obteve sua taxa mais baixa, o país devia
bilhões e as despesas só aumentavam. Nesse período iniciam as pressões contra o
governo de Jango. A sociedade civil gritou pelo impeachment e as Forças Armadas
foram às ruas. O golpe com aparência de revolução ocorreu em 31 de março de
1964. Assume a Presidência Castelo Branco e seu governo inicia a luta pelo
restabelecimento do crescimento econômico através da ajuda do FMI e do capital
estrangeiro. A economia consegue avançar e os índices vão aumentando. O país
tornou-se industrial, moderno. Dificilmente o país conseguiria essa guinada através
das elites políticas brasileiras, em razão de seu despreparo e ineficiência. Assim,
coube a Teoria e Ideologia da Segurança Nacional importante papel no
desenvolvimento econômico do país, mas a que custo?.
A fim de manter grande parte da população apática, criou-se uma enorme
infraestrutura capaz de calar a opinião pública e ocultar da sociedade civil
126
importantes informações relativas a ela. Os militares criaram um regime censor
capaz de ocultar da sociedade civil a verdadeira natureza do golpe e garantir que
essa sociedade não contestasse sua atuação. Durante o período militar,
ideologicamente, inúmeros fatos foram praticados na “defesa do país”, do “Estado”,
da “população” e da “ordem”, estes, amplamente abarcados pelo rótulo “em nome da
Segurança Nacional”.
Com o advento da nova ordem constitucional de 1988, passou-se a
questionar a compatibilidade entre o segredo de estado e a publicização dos atos da
Administração, o acesso à informação. Dentro de qualquer debate democrático, a
transparência sempre será recorrente e um dos temas de mais difícil abordagem,
principalmente quando está em jogo a Segurança Nacional de um país. Toda uma
gama de serviços é estruturada a partir da Segurança Nacional, o que justifica a
posição tomada pelos governos em controlar o acesso a essas informações. Por
esta razão, o acesso à informação que dizem respeito Segurança Nacional está
longe de ser autoevidente e é por demais problemática. Muitos são os documentos
rotulados como sigilosos, em razão de que seu conhecimento pode colocar em risco
à segurança do país. Com o regime ditatorial imposto a partir de 1964, viu-se a
utilização um tanto quanto excessiva desse recurso, o que acabou criando um certo
cinismo e porque não, certa deslegitimação no uso dessa ferramenta.
Na contemporaneidade, motivada grandemente pela atuação dos militares
durante o regime golpista, houve um apelo maior a publicização dos atos do Estado.
O que antes, via de regra era segredo, hoje, é publico, sendo o segredo aceito como
forma excepcional desde que muito bem justificado. Os segredos em prol da
Segurança Nacional foram utilizados de forma abusiva durante o regime militar, pois
grande parte dos informes que hoje contém o rótulo de segredo de estado, não
afetavam efetivamente a Segurança Nacional. A eleição da Segurança Nacional a
um grau de ideologia proporcionou que toda a prática golpista fosse realizada “em
nome da Segurança Nacional”.
Diante dos rumos adotados pela nova ordem constitucional, muitos dos
documentos produzidos durante o período ditatorial devem ser revistos, isso porque
a maioria das circunstâncias que colocavam em risco a Segurança Nacional não se
fazem mais presentes caindo à justificativa para o segredo de inúmeros documentos
ainda blindados. Ainda, àqueles documentos que foram blindados em nome da
Segurança Nacional e que de fato, não a envolvem, devem ser revistos e
127
desclassificados, sendo que seu conhecimento deve ser tornado público e acessível
a todos. Por sua vez, os documentos que efetivamente envolvem a Segurança
Nacional continuarão preservados, sendo que sua manutenção com o segredo deve
ser justificada.
Dentro da temática proposta, da analise da possibilidade de restrição do
direito fundamental de acesso à Informação, na contemporaneidade, de fatos
ocorridos durante o regime militar brasileiro (1964/1985) que se encontram rotulados
como segredos de estado, abarcados pela Teoria e Ideologia da Segurança
Nacional, concluímos que ambas as hipóteses propostas para dar solução ao
problema posto encontram-se legitimadas, no mínimo de forma parcial.
A hipótese de que é possível a restrição do acesso à informação de fatos
ocorridos durante o regime militar, pois foram realizados visando à defesa do
segurança do Estado e da sociedade brasileira contra forças subversivas, pois a
revelação
dessas
informações
poderia
trazer
consequências
nefastas
desestruturando toda à sociedade brasileira e mundial encontra um fundo de
veracidade dentro de seu âmago.
A ideologia socioeconômica comunista não
afetaria o regime de governo – democrático – mas a forma como se estabelece a
sociedade, sem distinção de classes sociais, propriedade comum. O Brasil é um país
capitalista, onde predominam alguns poucos sobre a grande maioria. A ordem
Constitucional brasileira – 1946 – era pautada no capitalismo, endo que cabia às
Forças Armadas a defesa dessa estrutura econômica capitalista. Uma eventual
alteração nas bases da sociedade capitalista acabaria desestruturaria toda a
infraestrutura industrial que estava sendo criada, afastando investidores externos e
impossibilitando o crescimento econômico do pais. Quanto à questão da
manutenção de sigilo de informes em prol da Segurança Nacional, esta é legítima,
pois se a informação realmente diz respeito à Segurança Nacional e se seu
conhecimento pode colocar em risco o país, é legítima a manutenção desse rótulo.
No entanto, como visto, durante o regime militar viu-se o exagero da atuação do
Estado em nome da Segurança Nacional. Grande parte dos documentos rotulados
como secretos não mantém vinculação com a Segurança Nacional, assim, encontrase legítima parcialmente também a segunda hipótese proposta.
Na segunda hipótese, em favor da impossibilidade de restrição do direito de
acesso à informação, tendo em vista o advento do Estado Democrático de Direito e
da função sócio-democrática do direito de acesso à informação, sendo que os fatos
128
ocorridos durante o regime militar devem vir à tona em nome desse direito, em nome
da memória e da preservação do patrimônio histórico, também merece legitimidade,
pois dentro da nova matriz constitucional, a informação e mais do que isso, o acesso
à informação, ganha destaque a fim de efetivar um maior conhecimento por parte da
sociedade civil sobre a máquina pública, impondo ao gestor público a transparência
de seus atos e facilitando o acesso à informação pública. Cabe ao Estado, dentro
dessa nova matriz constitucional, rever a classificação de todos os atos praticados
durante o regime militar que ainda se encontram rotulados como sigilosos,
desclassificando os que não dizem respeito à Segurança Nacional e preservando
aqueles que o dizem, pois assim como não existe um direito absoluto, o acesso à
informação não o é, sendo impossível reduzir-se a segurança coletiva à segurança
individual.
129
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