Sociedade
ESCOLA. HÁ CADA VEZ MAIS MIÚDOS A PROCURAR A AJUDA DE PSICÓLOGOS
MARISA CARDOSO
DÓI-ME ABARRIGASÓ DE PENSAR NO
6ano
O
LETÍCIA SILVA
11 ANOS
Tem exames nacionais de Português e Matemática em Maio.
Consegue descontrair quando
pratica patinagem artística
L
etícia Silva, 11 anos, está preocupada. Há uma semana começaram as
aulas do terceiro período do 6.º ano,
naEscolaSalesianadeManique,efalta pouco para os exames nacionais.
“O de Português é no dia19 e o de Matemáticaa21 de Maio”, diz cabisbaixa.
As férias daPáscoaforampassadas aestudar. “Trouxe tantos trabalhos de casaque eu
questionei se teria tempo para fazer tudo”,
contaamãe, MariaAparecidaSilva.
As provas deixamLetíciaainda mais enervada. Na véspera,
fica maldisposta, com dores de
cabeçaedebarriga. “Atélhefaço
uma massagem para relaxar”,
conta a mãe.
Comotesteemcimadasecretária, não consegue pensarnemrespondera
todas as perguntas. “Jáfuiàpsicólogadaescola pedir conselhos”, confessa a rapariga.
“Eladisse-mepararespirarfundocincovezes
seguidas,assimchegamaisoxigénioaocérebro e fico mais calma.”
Há cada vez mais crianças com crises de
stress escolar. “É muito frequente”, diz apsicóloga Joana do Carmo. “Os pais só percebemquando as notas descem.” Acausapode
estar na pressão exercida em casa, mas as
mudanças na escola também influenciam.
“A exigência é maior com os exames de 4.º
, 6.º e 9.º anos”, defende a psicóloga Maria
do Céu Salvador. “Isso desencadeou mais
casos deansiedadeemmiúdos vulneráveis.”
O stress escolar afecta as crianças que não
conseguem lidar com a ansiedade provocadapelosexamesepelasexpectativasdospais.
A ansiedade é uma resposta natural aos desafios difíceis, o problemaéquando setorna
desproporcionada.Hácasosextremosdeadolescentesquetentamosuicídioporcausadisto. Foio queaconteceucomumaluno do secundário, filho único de umafamíliadaclasse alta. Quando recebeu pela primeira vez
“A psicóloga disse-me para
respirar fundo cinco vezes
seguidas – e fico mais calma”
notas negativas,nofimdoprimeiroperíodo,
foi ao armário dos medicamentos e engoliu
umamão cheiadecomprimidos. Uns meses
antes,quandoviuas notas negativas nos testes,játinhapensado ematirar-separaafrentedeumcomboio. Chegouapassearjuntode
umaestaçãoferroviária,masdesistiu.Porsorte, os comprimidos que engoliu não foram
mortais. Vomitoue passouumatarde sonolenta.
Os pais queriam que o filho fosse médico ou engenheiro e ficaram furiosos com
os seus resultados. Apesar de ser aluno de
mais de 15 valores, o rapaz tinha os dias
preenchidos comexplicações de Português
71
t
NOS TESTES
Apressão dos testes e das notas causa ataques de
ansiedade extremos em crianças e em adolescentes.
Depois de recebera primeira negativa, um aluno
do secundário tentou suicidar-se. Por Susana Lúcio
SOCIEDADE
8ano
O
t
e Matemática. “Era muito introvertido, só
sabia estudar e não fazia amigos”, conta o
psicólogo Nuno Cristiano de Sousa.
Nos dias de teste tinhaataques de pânico.
Sentiafaltadearevia-seobrigadoasairdasala
de aula. Aaproximação dos exames de acesso à universidade piorou os sintomas. “Tinhamedodenãocorresponderaoqueospais
esperavam dele”, continuao especialista.
Os pais castigaram-no – ficouproibido de
usar o computador – e o rapaz revoltou-se,
“tornou-se agressivo”, como conta o psicólogo. Aofimdeumanodeterapia,aansiedadediminuiu. O jovemnegocioucomos pais,
conseguiumais tempo livre e fez amigos. As
notas subiram, mas nuncaatingiramo nível
anterior. Agorafrequentaumcurso superior
de informática.
RUI MINDERICO/A-GOSTO
ANA RAQUEL
15 ANOS
Sente-se enervada e
já pensa nos exames
nacionais do 9º ano,
porque diz que os
professores têm
insistido para os
alunos começarem
a preparar-se.
Quer ser educadora
de infância
nãoprestamparanada,mastambémtêmexe as notas melhoraram.
Cercade25 a40% dascriançaspodemma- pectativas irrealistas, querem ter 20 a tudo.”
O STRESS PODE SURGIR logo no primeiro ciclo do ensino básico. “Lembro-me de nifestaransiedadeduranteoperíododostes- Apsicólogacriametas acurto prazo. “Prepaumameninade6anosquedesenvolveuuma tes, afirma a psicóloga Carolina Champali- ro uma tabela dos três períodos com o valor
dos testes paraeles veremqueas
úlcera”,contaapsicólogaAnaCardosoOliveinotas sobem gradualmente.”
ra. Acriançaganhouummedo exagerado de
No 9.º ano, quando é preciso
não conseguir ter sempre Excelente nos tesescolher uma área de estudo, o
tes. “Havia uma familiar que era professora
stressaumenta. Tiago,de15 anos,
primária, fazia-lhe muitas perguntas e essa
era muito perfeccionista e no 9.º
pressão foi demasiadaparaela.”
ano jásentiamedo denão entrar
Durante os anos da escolaridade obrigatóriaháalturas críticas. “No5.ºanoexisteum maud. A especialista responsabiliza a carga nafaculdade. Queriaseguirumacarreiraacapico de casos de crianças com stress escolar”, horária intensa de aulas e explicações, mas démica,comoados pais,enãodormiaànoiexplicaapsicólogaMariade Jesus Candeias. tambémapercepçãonegativaqueascrianças tecommedo deos desiludir. O receio eratão
“É uma mudança grande: hámais professo- têm de si mesmas. “Os miúdos dizem que grande que não conseguia estudar e desenvolveu pensamentos obsessivos: quando tireseváriasdisciplinas.”Osmiúdossonha 12 anos convenceu-se de que estava infremde insónias, vomitame perfestado com piolhos e aos 15 tinhamedo de
demoapetite. Ospaislevam-nos
descobrirqueerahomossexual–nãoera. Soao pediatrae, quando não hárafriaaindapelofactodeoirmãomaisnovoser
zões físicas paraos sintomas, são
HÁ FORMAS E ESTRATÉGIAS
melhoraluno do queele. “Não posso ficar
enviados paraum psicólogo.
PARA REDUZIR A ANSIEDADE
atrás”,dizia. AansiedadefoicontroEraassim que um rapaz de
ESTUDO
lada quando ganhou mais auto10 anos se sentia quando ia É fundamental preparar- NA ALTURA DOS EXAMES
TESTES
E TER BOAS NOTAS
confiança.
para a escola. Os pais pedi- -se. Para isso é preciso ter
No dia dos exames
Ana Raquel, de 15 anos, coram ajuda quando recebe- um método de estudo: fazer
deve-se chegar à hora
ram as notas do primeiro os trabalhos de casa e reexacta para não se ficar meçouasentirstressnos testes
período. “O miúdo tinha
ver a matéria do dia
nervoso com as dúvidas deste ano. “Os professores faMOTIVAÇÃO
lam muito dos exames naciosido um excelente aluno na
através de esquee as perguntas
Estabelecer metas
nais do9.º. Achoqueéporcauprimária e, no 5.º ano, as notas
mas.
dos colegas.
realistas para melhorar
sa disso que ando mais nernão iam para além do 3”, conta Maas notas. Criar uma tavosa”, diz aalunado 8.º ano,
riade Jesus Candeias. Tinhaumquocienbela com as notas dos
emSetúbal. Ossintomasrepete de inteligênciaacimadamédia, mas
testes pode motivar
tem-se em todas as disciplinas.
bloqueava nos testes. “Há muitas
o aluno.
CALMA
“Não consigo dormir durante a
crianças que são boas nas aulas e têm
Fazer exercícios de
noiteenodiadotestetenhogranresultados baixos nos exames”, diz.
respiração, pensar em
Assustado com a escola nova, o miúimagens positivas e fazer des dores de barriga”, conta. TamESCAPE
do ficou ainda mais ansioso por causa dos
Dedicar-se a activida- alongamentos muscula- bém não é capaz de se recordar da
matériaque estudou.
pais. “As crianças precisam de aprovação e
res ajuda a manter a
des extracurriculares
Desde o início do ano que aadolestêm medo de perder o amor dos pais.” Com
calma.
ajuda a descontrair da
cente,quequersereducadoradeinfância,
o apoio da psicóloga, sentiu-se mais seguro
pressão escolar e é uma
forma de se ter êxito
em outras áreas.
72
30 ABRIL 2014
No 5º ano as crianças stressam
com a mudança de escola e
com o número de professores
Sem
stress
PUB
está a ser acompanhada por uma psicóloga.
“Soumuito desatentanas aulas, estouatentar concentrar-me com a ajuda da doutora
Bárbara Ramos Dias.” Agora, na véspera do
teste, toma um calmante e dorme melhor à
noite. Sente-se mais bem preparadae as dores de barrigaquase desapareceram.
EM ALGUNS CASOS, o stress até pode provocar aversão à escola. Um rapaz de Lisboa começou a sofrer ataques de pânico depois de
reprovarno 11.ºano. Não dormiabemànoite e de manhã sentia-se maldisposto e com
tonturas. Por vezes, quando estava na escola, quase desmaiava e voltava para
casa. “Ossintomaspioravamnofim
dos períodos deférias”,contaapsicólogaMárciaFontinha.
Os ataques de ansiedade começaramno 8.º ano. “Ele queriateras
melhores notas e quando isso não
aconteciaficavaangustiado”, revelaaespecialista. No 11.ºano os sintomas pioraram e as notas baixaram. O rapaz isolou-se: deixou de
estar com os amigos e abandonou o basquetebol, que adorava. Acabou por chumbar. “Associou àquela escola tudo o que tinhacorrido mal”, contaapsicóloga. Depois,
mudou de estabelecimento de ensino, fez
novos amigos e, com terapia, reduziu o nível de ansiedade.
Apressão sobre os alunos é maior no ensino secundário. E esteano aindafoipior. “O
segundo período foi muito longo e os miúdos estão muito cansados”, diz a professora
de matemática Cláudia Mendes. Na Escola
SecundáriaLuísdeFreitasBranco,emPaçod’
Arcos, a docente está habituada a ver alunos
Um rapaz do 11º
ano isolou-se
dos amigos da
escola porque
teve notas
negativas
NA COMPRA
DE UM BILHETE,
O SEGUNDO É GRÁTIS.*
João Lima
08/2014
Com o Cartão Cultura Sábado, na compra de um bilhete, o segundo é sempre gratuito. Por apenas 7.50€, vai
poder viver um ano de espectáculos a dois e usufruir das vantagens exclusivas deste cartão. Adquira o seu
em www.cartao.sabado.pt ou através do preenchimento do cupão na Revista Sábado. Informações pela
Linha de Apoio, 219 169 487 (dias úteis das 9h30 às 12h30 e das 14h30 às 18h00).
Vai ver que a dois faz muito mais sentido.
* Deverá adquirir um bilhete para o evento e enviar copia do mesmo juntamente com o seu Cartão Cultura
Sábado para [email protected], numero limitado de bilhetes para membros do Cartão Cultura Sábado.
PARA ADERIR, ENVIE-NOS ESTE CUPÃO
Preencha, recorte e envie num envelope para: Remessa Livre 14200 - EC 5 de Outubro, 1064-960 Lisboa
(não necessita de selo)
Nome a constar
no cartão
t
Morada
_
Código Postal
Telefone
11ano
O
Telm.
E-mail
Formas de pagamento
Cheque nº
LETÍCIA
Envio cheque nº
16 ANOS
Quer ser médica mas ainda não tem média para
entrar no curso. Sente-se
stressada com a carga
horária e toma calmantes antes dos testes para
estar mais concentrada
à ordem de Presselivre, S.A.
Transferência bancária.
Efectuo transferência bancária para a conta da Presselivre, S.A.: NIB 0010 0000 3801 0040 007 44
(juntar comprovativo da transferência)
Data
/
/
Preencher, no caso de o pagamento não ser efectuado pela mesma pessoa
que será detentora do cartão
Nome
(pessoa ou entidade)
Nº de Contribuinte
(no caso de entidade)
Morada
Código Postal
SÁBADO
_
Os dados recolhidos são tratados informaticamente e destinam-se ao envio com a sua encomenda respetiva, respetivas
operações, administrativas, estatísticas e eventual apresentação de outros produtos e serviços próprios da nossa
representação. O subscritor tem garantido o acesso aos seus dados e respetiva retificação. Se desejar que os mesmos não
sejam facilitados a terceiros, assinale com um x no espaço ao lado
Opinião
SOCIEDADE
ALEXANDRE PAIS
Jornalista www.alexandrepais.pt
Observador
Há alunos que têm resultados fracos nos
testes, mas são bons na sala de aula
t
a chorar nos dias dos testes. “Vivem para a
média de entrada na faculdade. Quando os
testescorremmal,achamquenãovaleapena
continuar aestudar.”
LETÍCIA, DE 16 ANOS, quer ser médica e
nunca pensou desistir, mas o 11.º ano não
está a correr como queria. “Sinto que tudo
o que faço agora vai contar para o meu futuro”, diz. Tem uma média de 16 e percebe
que isso não é suficiente – a nota para MedicinaemLisboafoide17,6 valores. Porisso
tem explicações de Físico-Química e de Inglês eestudaquasetodos os fins-de-semana.
Mesmo assim, não consegue melhorar as
notas. “Fico muito nervosa nos testes, sinto que não posso falhar, mas não consigo
concentrar-me”, explica. Acabou por recorrer a uma psicoterapeuta. “Ensinei-lhe alguns exercícios respiratórios e nos dias dos
exames toma um calmante”, explica a psicóloga Bárbara Ramos Dias.
Foi nas férias da Páscoa que uma rapariga de 17 anos sofreu o primeiro ataque de
pânico. “Percebi que faltava pouco para os
exames deacesso àfaculdade,sentiumaperto no peito e comecei a tremer de medo no
quarto, à noite”, confessa a estudante. Não
tinhamotivos: queriaentrarno curso deRelações Públicas etinhamédiaparaisso. Mas
ainda assim, sentia-se aterrorizada.
Durante as aulas e nos testes começava a
chorar de forma compulsiva e tinha dificuldadeemrespirar. “Sentiaquenãoestavaàaltura das suas próprias expectativas”, explica
apsicólogaLúciaPaulino. Comaajudadaterapia, a rapariga aprendeu a evitar as crises
depânico. Fez os exames deacesso semproblemas, mas não conseguiu entrar na faculdade. “Fui-me abaixo, mas tinha preparado
umplano B comapsicóloga. Este ano trabalheinumaempresade organização de eventos e viajei. Agoravou tentar outravez.” �
74
O primeiro stress
Se tivesse concluído uma licenciatura, tirado o canudo como me martelaram
aos ouvidos durante séculos, acabaria talvez a dar aulas ou a trabalhar num
banco, e estive quase, ouaproveitariaaoportunidade que me surgiuparaemigrar. Ou seja, não me realizaria profissionalmente na carreira que o desamor
a um percurso académico me permitiu escolher, nem conseguiria meter-me
nas aventuras em que me meti, apaixonar-me e desfrutar tanto, errar e sofrer
tanto – se calhar demasiado – enfim, viver aquilo que a vida me ofereceu. Poderia ter sido tudo bom na mesma, é verdade, mas seria outra coisa e eu prefiro que tenha sido assim. Ou que esteja a ser assim porque ainda corro pela
estrada com a inquietação pelo que há-de vir e a alegria pela descoberta que
nos distinguem nos verdes anos.
Recordo a origem do mal: o meu primeiro momento de stress, no Jardim-Escola João de Deus, teria para aí 5 anos. Um teste final perante dezenas de
pais embevecidos deixou-me, envergonhado pela exposição, de
burro amarrado e a responder de
forma inadequada às expectativas criadas por meninos tão estudiosos e tão espevitados.
Não sei se fiquei marcado a
fogo como os bezerros, nesse fim de tarde na Av. Álvares Cabral. Sei que passei a sofrer horrores, não só com os pontos – como dantes se denominavam
os testes – e os exames, como comesse verdadeiro tormento que eramas chamadas ao quadro, uma escolha aparentemente aleatória mas que me calhava
mais a mim, que só estudava na véspera das provas e logo esquecia a dor.
Jálonge de Lisboa, os meus anos iniciais de escolaridade oficialforamigualmente penosos, pois os métodos pedagógicos eram obsoletos e os professores uns seres superiores que podiam fazer o que lhes apetecesse dentro das
quatro paredes dasalade tortura. Ao longo de manhãs intermináveis, as crianças eram sua propriedade e tudo lhes era consentido: de palmatoadas a puxões de orelhas, de gritos e bofetadas a castigos humilhantes que expunham
os alunos à crueldade infantil dos colegas – que chegavam a agir em substituição do mestre, assim recebendo mandato para baterem uns nos outros.
Impotente face às consequências deste curso irracional de desincentivo e
frustração, tomeicedo umadecisão paraavida: jamais obrigariaumfilho meu
a estudar, o castigaria por uma má nota ou o trataria de forma mais rude por
causa de um desempenho deficiente e por maior que fosse a decepção. Correu mal, azar, fica para a próxima. Felizmente que os tempos mudaram muito e existe hoje umanoção responsável daexigênciae, digam o que disserem,
melhor qualidade de ensino. Abril salvou-nos também dessa escuridão. �
Tomei cedo uma decisão
para a vida: jamais
castigaria um filho meu
por uma má nota
30 ABRIL 2014
Download

Como os miúdos lidam com o stress