MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotoria de Justiça da Cidadania Campo Grande – MS _____________________________________________ EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO SEGUNDA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA CAMPO GRANDE – MS. DA DE “Pode parecer, até mesmo, estranho que a Lei Maior haja se ocupado com tão insistente reiteração em sublinhar a inteireza do princípio da legalidade. Fê-lo, entretanto, a sabendas, por advertida contra a tendência do Poder Executivo de sobrepor-se às leis. É que o Executivo, no Brasil, abomina a legalidade e tem o costumeiro hábito de afrontá-la, sem ser nisto coartado, como devido. Daí a insistência constitucional, possivelmente na expectativa de que suas dicções tão claras e repetidas ad nauseam encorajem o Judiciário a reprimir os desmandos do Executivo”. 1 (Prof. Dr. CELSO BANDEIRA DE MELLO) ( Ação p r i nc ip a l d o s Au to s nº 2 0 0 1 .0 0 1 2 5 3 6 -0 ) O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL , pelo seu representante infra firmado, nos autos em epígrafe, no uso de suas atribuições institucionais, com fundamento no artigo 806, do CPC c/c os dispositivos legais das Leis nºs. 7.347/85 e 8.625/83, vem à d. presença de V. Exa. aforar a vertente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de: 1 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, Sâo Paulo, Malheiros: 10ª ed., 1998, pág. 205/6. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ I - MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE, ente jurídico de direito público interno, estabelecido no Paço Municipal, sito à av. Afonso Pena, nesta Capita; II – “AUTÓDROMO INTERNACIONAL DE CAMPO GRANDE LTDA”, inscrita no CNPJ/MF sob nº 02.389.196/0001-83, estabelecida na rodovia 262, km – 12, Zona Rural, com escritório à rua Liberdade, 433, nesta Capital; III – PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A, sociedade de economia mista, inscrita no CNPJ/MF sob nº 34.274.233/0001-02, com sucursal e endereço comercial nesta Capital, sito à av. Afonso Pena, 2240, sala 103, Centro; IV - AUTO POSTO KELLY LTDA, inscrita no CNPJ/MF sob nº 03.602.227/0001-03, com sede à rua Ernesto de Fiori, BR-080, Canteiro Marginal, nesta; V - LOPES E CANUTO LTDA, CNPJ/MF nº 03.711.814/0001-22, sitiada à av. Cel. Antonino, altura do nº 4500, canteiro central, Mata do Jacinto, nesta; VI - ALVENIR DA SILVA NETO, inscrita no CNPJ/MF sob nº 03.711.814/0001-22, sito à av. Costa e Silva, em frente ao Centro Operacional da Enersul, Bairro Universitário, nesta; VII - POSTO SAGITARIUS LTDA, CNPJ/MF nº 26.833.293/0002-62, estabelecida à av. Mato Grosso, s/n, em frente ao prédio do extinto Previsul, nesta, e; VIII - AUTO POSTO SHIRAISHI LTDA, com CNPJ/MF nº 03.625.767/0001-02, estabelecida à av. Manoel Oliveira Gomes, s/n, entrada do Parque Residencial Maria Aparecida Pedrossian, nesta Capital, pelos seguintes fatos e fundamentos adiante alinhavados: I – DA CAUTELAR AJUIZADA: 1 Como medida preparatória, atendendo o apelo preventivo do Direito Ambiental, O Autor ajuizou Ação Cautelar Inominada em desfavor do Município de Campo Grande/MS e dos Postos acima mencionados, ora co-Requeridos, porque o primeiro, sob o pálio da figura jurídica de “Concessão de Direito Real de Uso”, CONCEDEU ÁREAS PÚBLICAS, caracterizadas como BENS DE USO COMUM DO POVO, por tratar-se de canteiros e praças, para a construção de postos de combustíveis. 2 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ 2 Em sede Monocrática não restou obtida a liminar pleiteada, porém, em Agravo de Instrumento, o Egrégio Tribunal de Justiça/MS concedeu a cautela, estando as obras paralisadas até Decisão Judicial em contrário, tendo sido a Municipalidade regularmente intimada em 10.07.2001 (cf. feito cautelar preparatório), de modo que o ajuizamento da ação principal está sendo feito muito antes do prazo fatal estabelecido no art. 806, da Lei Adjetiva. 3 Por outro lado, conforme restou apurado em autos de Procedimento de Investigação Preliminar – PIP nº 015/2000, que estava em trâmite na Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social (passando pela Promotoria de Habitação e Urbanismo), objetivando investigar as circunstâncias e condições em que estava sendo construído o AUTO POSTO KELLY, ora quarto Requerido (obs.: a citada investigação foi encaminhada à Promotoria de Justiça da Cidadania logo depois do ajuizamento da Ação Cautelar), é que se descobriu, integralmente, como foi feito o arranjo jurídico supostamente legal para entregar ao Segundo Requerido, EMPRESA AUTÓDROMO, as áreas de uso comum do povo para, em seguida, locá-las à PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A, que, por sua vez, firmou contrato de mútuo com os postos, ora elencados como Requeridos, para a ocupação dos canteiros e praças especificados na Lei Municipal nº 3.401/97 (cf. documentos anexos). 4 Assim, a Cautelar aforada, fazendo jus ao espírito do art. 4º, da Lei Federal nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), como medida essencialmente preventiva que é, não arrolou a PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A no polo passivo porque cuidase de litisconsórcio facultativo, nada impedindo, portanto, que nesta oportunidade, a referida empresa seja demandada, como responsável solidária e indiretamente, segundo iterativa jurisprudência dominante na matéria em deslinde, “in verbis”: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSÁVEL DIRETO E INDIRETO PELO DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE. SOLIDARIEDADE. HIPÓTESE EM QUE SE CONFIGURA LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO E NÃO LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. I – A ação civil pública pode ser proposta contra o responsável direto, contra o responsável indireto ou contra ambos, pelos danos causados ao meio ambiente. Trata-se de caso de responsabilidade solidária, ensejadora do litisconsórcio facultativo (CPC, art. 46, I) e não do litisconsórcio necessário (CPC, art. 47). 3 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ II – Lei 6.898, de 31.08.1991, arts. 3º, IV, 14, § 1º, e 18, parágrafo único. Código Civil, arts. 896, 904 e 1.518. Aplicação. III – Recurso especial não conhecido. ( Res p. 37 .3 5 4- 9/ S P – j . 3 0. 0 8. 1 99 5 – r e l . M i n. A n tô n io de Pá d ua Ri b e ir o) . 5 Por outro lado, ainda que fosse a hipótese de litisconsórcio necessário, é cabível a nomeação do terceiro Requerido no polo passivo, diante do contido no parágrafo único do art. 47, da Lei Adjetiva, assim explicado pelo mestre Humberto Teodoro Júnior: “Ao juíz, todavia, cabe evitar que o processo se desenvolva inutilmente. Por isso, deparando-se com caso da espécie, ‘o juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo (art. 47, parágrafo único)” 2 6 Ao final, arremata professor das Minas Gerais: com propriedade o festejado “A NECESSIDADE DE CITAÇÃO DE TODOS OS LITISCONSORTES NECESSÁRIOS PARA VALIDADE DA SENTENÇA É REQUISITO APENAS DOS JULGAMENTOS DE MÉRITO” 3 7 Por conseguinte, a PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A pode e deve fazer parte da relação processual, na ação meritória ora inaugurada. 8 Por outro lado, adiantando-se sobre eventual alegação de incompetência desse e. Juízo, para o desate da questão, trazse à baila precedentes jurisprudenciais da Corte Federal, que firmou competência estadual, quando a PETROBRAS for ré: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETENCIA. AÇÃO POPULAR EM QUE FIGURA COMO REU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. 1. Sociedade de economia mista não possui foro especial. 2. Conflito conhecido, declarado competente o juízo de direito da 8a. vara da fazenda pública de Salvador - BA, o suscitado". 4 2 3 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil, RJ, Forense, 37ª ed., 2001, pág. 99. Obra cit., nota de rodapé, pág. 99. 4 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ 9 Reforçando o julgado anterior, em que figurava no polo passivo a ora Requerida Petrobras S.A, mais de uma vez já se pronunciou a Excelsa Corte Federal: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUIZO ESTADUAL E FEDERAL. PETROBRAS. A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA, COMO E O CASO DA PETROBRAS, NÃO TEM EXCLUSIVIDADE DE FORO NA JUSTIÇA FEDERAL, POR NÃO ESTAR ELENCADA NO ART. 109, I, C.F POR UNANIMIDADE, CONHECER DO CONFLITO E DECLARAR COMPETENTE O JUIZO DE DIREITO DA 4ª. VARA PRIVATIVA DE PROCEDIMENTOS SUMARISSIMOS DE FORTALEZA - CE, O SUSCITADO”. 5 ASSIM, vencidas estas formalidades, insta adentrar nos fatos e fundamentos do pedido. II – DOS FATOS QUE ANTECEDERAM A CONCESSÃO DE BENS DE USO COMUM DO POVO 1O mencionado PIP nº 015/2000 apurou que partiu do Poder Legislativo Municipal, através de um dos seus membros, o vereador MATOZINHOS, a iniciativa da Lei Municipal nº 3.401/97 , em cujo art. inicial autoriza o Poder Executivo Municipal a conceder 05 (cinco) áreas de domínio público. Acontece que a Justificativa do Projeto de Lei, assentou em doutrina que não foi interpretada adequadamente, pois, confundiu a natureza dos bens de uso comum do povo, como sendo dos bens dominicais, quando justificou que (cf. fls. 339 do PIP 015/2000, em apenso).: “Quando a LOM fala que cabe à Câmara dispor sobre a concessão de direito real de uso dos bens municipais, esta referência diz respeito a propositura de leis que efetivamente concedem o direito de serem utilizados bens do município que não tenham destinação já definida, ou seja, tais bens estão à disposição do poder público para realização de obras, sejam de urbanização, industrialização, edificação, cultivo, etc..., conforme expressa o Dec-Lei 271 de 28.02.67, que instituiu esta concessão”. 4 Ac. C C nº 1 8 9 0 8 /B A; DJ d e 2 4 /1 1 /1 9 9 7 S ANT I AG O ( c f. www. s t j .go v.b r ) . P G:6 1 0 9 7 – R e l. M i n . ANS E LM O 5 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ 1.1 – Na folha seguinte, a Justificativa já indicava a ilegalidade da gestação legislativa quando citou trecho doutrinário, da lavra da Profa. MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, sobre a possibilidade de concessão somente de bem público dominical: “CONCESSÃO: Outro instrumento de utilização de bem público dominical por particular...” (cf. fls. 340 - PIP). 2 Ora, ruas e praças não são bens dominicais e estes espaços já possuem destinação específica. Assim, sem muito esforço, conclui-se que os atos praticados com base em lei que concede direito real de uso sobre os bens de uso comum do povo, como se fossem bens públicos dominicais, deve ser invalidados pelo Poder Judiciário, conforme será adiante fundamentado. 3 Inobstante este vício, o Município de Campo Grande, ora primeiro Requerido, pelo chefe do Executivo local, baixou então Concorrência Pública, sagrando-se vencedora a EMPRESA AUTÓDROMO INTERNACIONAL DE CAMPO GRANDE LTDA, ora Segunda Requerida, advindo, por conseguinte, o Contrato Administrativo nº 012, de 15.04.98, pelo qual o concessionário pagou o preço de R$ 10.500,00 (Dez mil e quinhentos reais) pela concessão de 20 (vinte) anos – cf. extrato publicado no Diário Oficial do Município, nº 66, de 16.04.98 (fls. 347 do PIP anexo). 4 – Como se já não bastasse a ilegalidade apontada, por dispor sobre áreas impassíveis de concessão, a Empresa Autódromo, maliciosamente, após a assinatura do contrato, em razão de haver cláusula proibitiva (nº V, item “b”), em data não informada, formulou consulta à Procuradoria Geral do Município de Campo Grande/MS, fincada na seguinte indagação: “PODERÁ A EMPRESA CONCESSIONÁRIA FIRMAR CONTRATOS DE CONVÊNIOS E OU PARCERIAS COM EMPRESAS DETENTORAS DO DIREITO DE EXPLORAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA CLASSIFICADA COMO VENDA DE COMBUSTÍVEIS, PARA A CONSTRUÇÃO, INSTALAÇÃO E EXPLORAÇÃO DE POSTOS DE REVENDA DE COMBUSTÍVEIS?” 5 – Em resposta, o então consulente obtém sinal verde do Exmo. Sr. Procurador-Geral do Município, Dr. Sérgio Fernandes Martins, após homologar parecer do Dr. Marcelo Pereira dos Santos, Diretor do Depto. de Assuntos Jurídicos – Proju, 5 Acórdão:CC 7451/CE – DJ :09/05/1994 - PG:10795 – Rel. Min. CLÁUDIO SANTOS (cf. www.stj.gov.br) 6 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ ressaltando, porém, a necessidade de anuência da Municipalidade, concluindo, em 18.08.98: “Isto posto, entendemos que para cumprimento da obrigação contratual assumida pela empresa requerente, será necessário a parceria com empresas detentoras de Bandeiras, fato que, especificamente, não implica na proibição contida na cláusula quinta, letra “b” do contrato nº 12, firmado em 15.04.98.” (cf. fls. 356 do PIP cit.). 6 Em seguida (13.11.98), foi efetuado o primeiro Termo Aditivo ao Contrato nº 012/98, alterando a Cláusula Quinta, letra “b”, passando a permitir a celebração de convênios com “Companhias Distribuidoras de Petróleo”, sob o manto de “contratos particulares para a construção e exploração de postos de combustíveis” (D.O do Município nº 213, de 19.11.98), conforme esbanja o doc. de fls. 51, do PIP nº 015/2000, ora anexado. 7 Leia-se que estava sendo desenhada a figura de subconcessão, quando, então, a Empresa Autódromo, como locadora (sic!) celebra “CONTRATO DE LOCAÇÃO DE ÁREAS PÚBLICAS” com PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A, como locatária (sic!), pelo prazo de 220 (duzentos e vinte) meses e treze dias, pelo preço certo e ajustado em R$ 1.500.000,00 (HUM MILHÃO E QUINHENTOS MIL REAIS) – cf. fls. 55 do PIP cit. sob a complacência e chancela da Municipalidade que anuiu a esta “locação”, incentivando e autorizando, de forma ímproba, o enriquecimento sem causa da empresa “locadora”, vilipendiando as normas mais elementares do administrador público, expressadas nos princípios constitucionais que norteiam a Administração Pública. 8 – COMO SE VÊ, NEGÓCIO DESTA NATUREZA, CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, pagando a irrisória quantia de pouco mais de de z mil reais e sub-locar, f igura totalmente estranha ao Direito Administrativo, POR QUASE DOIS MILHÕES DE REAIS, a preço atual, constitui, no linguajar popular, “negócio da china”, “galinha morta” etc, condenável sob todos os aspectos, quando o avalista desta operação é o próprio Poder Público, merecendo a mais rápida e providencial declaração de invalidade ou anulação judicial, por ferir preceitos do dever de agir do agente público, delineados na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), passíveis de aplicação em leito próprio e adequado, com as conseqüências de ordem administrativa, cível e penal. 7 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ 9 – Porém, para amenizar a situação, a EMPRESA AUTÓDROMO encarregou-se de construir a pista de corrida em área rural, nas imediações desta Capital, em imóvel que seria de propriedade do Automóvel Clube de Campo Grande – MS (fls. 342 – PIP incluso) bem como a construir uma escola em terreno patrimonial da Prefeitura local (EM BEM DOMINICAL?), no valor de R$ 600.000,00 (Seiscentos mil reais), quantia esta fixada em critérios desconhecidos, para, ao final da concessão (20 anos), essa Escola, a pista do Autódromo e os cinco postos de combustíveis serem incorporados ao Patrimônio do Município (Cláusula Quarta, item 4.4, “a”, “e” e “f”, respectivamente, do Contrato nº 012/98 cit. – fls. 361/2, em anexo). 10 O estabelecimento de ensino, por sinal, já teria sido entregue, segundo afirmação da EMPRESA AUTÓDROMO, além de que a pista será inaugurada brevemente, sobre a qual a Municipalidade receberá 5% (cinco percento) sobre os eventos ali realizados até o prazo final da concessão - fls. 331 e 362, respectivamente, anexas. 11 Ora, ainda que o AUTÓDROMO INTERNACIONAL DE CAMPO GRANDE, construído sabe lá de que forma, o que deve ser apurado pela Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social, além da Escola Municipal, e o percentual sobre os eventos, a verdade é que os bens de uso comum do povo, discriminados no anexo I do mencionado Contrato Administrativo (fls. 366 anexa), jamais poderiam prestar-se à finalidade pretendida, vez que a atividade econômica neles inserida não atende o interesse público e social, logo não se admitindo a concessão de direito real de uso, além de serem impassíveis de locação, bem como atentar contra o meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. 12 Por outro lado, os postos deveriam ser construídos pela Empresa Autódromo, em dois anos, a contar de 03.12.97 – Cláusula Quarta, item 4.1, alínea “a” (fls. 361), porém, tardiamente, houve a superveniência de Lei Municipal írrita (Lei nº 3.715, de 10.03.2000), quando prorrogou por mais dois anos um contrato já considerado sem nenhum efeito, face à configuração da caducidade, caracterizando, assim, mais um ato de improbidade administrativa – cf. texto integral da lei à fls. 221. ESTA a resenha dos fatos demonstrados e comprovados na investigação anexa, que embasa esta exordial coletiva. 8 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ III – A CONSTRUÇÃO E OPERAÇÃO ILEGAL DO AUTO POSTO KELLY 1 O demandado que abre o presente título teve contra si, indiretamente, instaurado o mencionado PIP nº 015/2000, quando a população do Conjunto José Abrão, tendo à frente a “Comissão de Luta pela Rotatória”, provocou o MPE, ora autor, com vários abaixo-assinados, pedindo providências quanto à construção do posto em área verde, que separa a rodovia MS-080 do bairro residencial, sob a alegação de que: “A área verde em questão, é de extrema importância para o conjunto residencial e sua população, tanto por aspectos ambientais, quanto de estética, e até prevenção, pois o espaço estava gramado, com árvores, que os próprios moradores plantaram e cuidaram para que se desse um belo aspecto à frente das casas que estão construídas ali. A obra pretendida, não trará qualquer benefício aos moradores, muito pelo contrário, haverá um risco enorme às famílias, principalmente àquelas que residem próximas, a menos de 10 (dez) metros do local, onde serão instalados os tanques reservatórios de combustíveis, causando um real dano estético, comprometendo sensivelmente a paisagem defronte às residências. Destaque-se que sequer foi apresentado pela Prefeitura, aos moradores do Conjunto Habitacional a implantação da obra, ficando evidenciado um total desrespeito à comunidade, que assistem estarrecidas a desenfreada degradação do meio em que vivem e a ocupação de um espaço benéfico às crianças que o aproveitam para o seu lazer. Temos consciência de que cabe ao Poder Público Municipal zelar eficazmente pela população, que paga seus impostos em dia, trazendo-lhe benef ícios, sem prejuízos ao meio ambiente. Quem garante que não haverá riscos?” (cf. fls. 84 do PIP) 2 Isto porque naquele local há muito vinha sendo reivindicada a construção de uma rotatória para amenizar o tráfego intenso no local, sendo que já teriam ocorrido vários atropelamentos fatais, até meados de maio de 2000, conforme fez chegar ao conhecimento de inúmeras autoridades estaduais, municipais e federais – cf. fls. 80 acostada – alertando que: 9 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ “O local do posto é impróprio, o terreno, estreito, tem rede de esgoto e rede de alta tensão” 3 Não é que se realizou a profecia da denúncia...Em 04 de julho de 2000, dois operários que trabalhavam na construção do ilegal posto de combustível foram eletrocutados na rede de alta tensão, inobstante os inúmeros apelos para que isto não ocorresse, em total desrespeito a duas vidas humanas que se foram, que ceifaram, então, diante da sanha criminosa da PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A e do AUTO POSTO KELLY, em conluio com a EMPRESA AUTÓDROMO e sob o aval ímprobo e irresponsável do MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE, que autorizou, autoritária e ilegalmente, a construção, a todo custo, ainda que fosse previsível o fato trágico, conforme era do seu pleno conhecimento, preferindo-se omitir do que prevenir, o que seria suficiente para atender o apelo da comunidade e determinar, unilateralmente, como é próprio da Administração Pública, e por motivo plenamente justificado, a paralisação e rescisão do estranho e injustificável contrato administrativo (cf. matéria jornalística anexa – Correio do Estado, ed. De 05.07.2000, pág. 8 A – fls. fls. 205 do PIP incluso). 4 É o que relata o depoimento prestado por ALTINO LIMA DA SILVA, “in verbis”: “Questionado sobre a construção do citado posto, respondeu que já está com as obras adiantadas, sendo que a estrutura metálica já foi erguida bem como algumas paredes de alvenaria da estrutura que ouviu dizer que será uma loja de ‘conveniências’. Que as obras foram paralisadas uns tempos em razão de um acidente de trabalho que aconteceu, mas que já foram retomadas. Que está tudo envolto em um ‘tapume’, e que tudo tem sido feito “às escondidas” da comunidade e os seguranças não deixam ninguém entrar. Que tentou entrar para ver as obras mas foi barrado” ( f ls . 19 9 ) . “Por isso, diante desse acontecimento, os moradores do conjunto habitacional José Abrão, encaminharam um ofício ao Prefeito de Campo Grande/MS solicitando as explicações dessa mudança, pois foi feita sem a consulta da comunidade. Contudo, não obtiveram nenhuma resposta. Recentemente, para a surpresa dele, vieram as máquinas e os caminhões pertencentes à Prefeitura de Campo Grande/MS, retomando a construção do posto, arrancando árvores e destruindo o gramado. Questiona sobre a falta de respeito ao meio ambiente, aos moradores e à própria vida humana, haja vista que ausência da rotatória evitaria o atropelamento de pessoas” ( c f . f ls . 12 8) . 10 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ 5 relatou: DIVINO MANOEL DO ESPÍRITO SANTO, inquirido, “Que a construção do posto de gasolina (situado na Rua Ernesto de Fiori, na altura da Rua Marcos Ferres) será prejudicial ao meio ambiente, haja vista a existência de uma nascente próxima a ela, ou melhor, perto do Tênis Clube de Campo Grande/MS. O dano ocorrerá devido a possível contaminação da nascente através de resíduos químicos provenientes do posto, como por exemplo, óleos e detergentes. Acrescenta que estão construindo o referido posto numa área verde localizada dentro do Conjunto José Abrão. Afirma que estão cortando as árvores e destruindo os gramados. Que, a instalação de tanques de gasolina naquele local é inadequado e, assim, comprometerá a tubulação de esgoto da comunidade. Que, a construção desse posto prejudicará a comunidade porque está substituindo a tão esperada rotatória, a qual evitará tantas mortes por acidente de trânsito”. (cf. fls. 129 – PIP) 6 Construção ilegal e autoritária porque o suposto licenciamento da atividade não ocorreu previamente, segundo determina a CFB, a Lei Federal nº 6.938/81, a Lei Estadual nº 090/80 e respectiva Resolução SEMA nº 001/89, pois as fotos de fls. 162/66, datadas, por sinal, além de farta documentação e prova testemunhal, comprovam que a invasão da praça, a cerca de tapumes e escavação do local aconteceu bem antes da expedição da LICENÇA PRÉVIA, expedida somente em fins de agosto de 2000, conforme certifica a cópia anexa. 7 Inobstante a expedição das demais licenças, expedidas de forma irregular, como já salientado, além da inexistência do licenciamento estadual, a SEMA/MS, órgão estadual, também foi omissa, não embargando a obra, pois tinha o dever de agir em defesa do meio ambiente, possuindo, inclusive, polícia militar ambiental para exercer seu direito/dever de polícia administrativa. 8 Demais, consta que o Requerido AUTO POSTO KELLY Ltda e a PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A, autorizados pela Prefeitura Municipal, teriam invadido ÁREA PÚBLICA ESTADUAL, ou seja, a faixa de domínio da rodovia MS-080, administrada pelo extinto DERSUL, que, acionado, notificou o mutuário da PETROBRAS S.A, em 01.09.2000, conforme consta colacionado à fls. 375, do PIP. Em seguida, em atendimento a requisição ministerial, o Chefe da Unidade de Planejamento Viário, da Secretaria Estadual de Habitação e Infra Estrutura, informou que: 11 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ “A CONSTRUÇÃO DO AUTO POSTO KELLY LTDA NÃO FOI AUTORIZADA PELO DERSUL, NA FAIXA DE DOMÍNIO DA RODOVIA MS-080 (Campo Grande - Rochedo). A ÁREA, LOCAL ONDE ESTÁ SENDO CONSTRUÍDO O REFERIDO POSTO, ESTÁ RESERVADA PARA DUPLICAÇÃO DA RODOVIA MS-080 (Campo Grande – Rochedo)”. ( c f . f ls . 37 8, do PI P em a p ens o) 9 É, a sociedade civil tem que contar com um Ministério Público, bem como com um Poder Judiciário, Social, Democrático e Autônomo para fazer valer a justiça e os ditames do Estado de Direito para barrar atentados, como o ora noticiado, aos direitos de terceira geração da coletividade, no caso, atingida no seu bem estar social ao ter que conviver com tamanho acinte ao seu direito inalienável de sadia qualidade de vida, paradigma constitucional, magistralmente insculpida no art. 225, da Carta Política. Porém, esta tarefa seria em vão se não fosse o Poder Judiciário, guardiãomor da CFB, ora acionado para retificar a imoralidade e a ilegalidade da sinistra operação prejudicial aos interesses primários da coletividade. 10 Percebe-se, claramente, na atitude dos réus, uma maliciosa forma de causar lesão à comunidade e ao próprio Poder Público, posto, como ficou cristalino em relação aos postos de combustível em razão das proibições legais e constitucionais, não haveria nenhuma compensação futura para a Administração Municipal e, por conseqüência, para a comunidade. O que ocorreria, após longos anos de exploração, é que o próprio administrador ímprobo criaria uma outra forma, inconstitucional também, para que o explorador continuasse com a exploração ilegal, sem que nada fosse feito contra a inicial ilegalidade praticada. Dessa forma, vê-se que a correção da ilegalidade original só poderia ocorrer por outra ilegalidade e assim por diante, formando uma cadeia interminável de ilegalidades e de lesões aos direitos sociais do cidadão. ASSIM, por este motivo, conjugado com os demais fundamentos adiante alinhavados, deve ser imposta a obrigação de fazer a demolição das obras efetuadas naquele local, no prazo de trinta (30) dias, sob as penalidades cabíveis, restaurando-se o local depredado ao seu “status quo ante”, sem prejuízo de outras cominações legais. 12 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ IV – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA PREFEITURA EM INCORPORAR OS POSTOS DE REVENDA DE COMBUSTÍVEIS COMO ATIVIDADE ECONÔMICA ESTATAL A- 1 Como se depreende dos autos, compulsando o citado Contrato Administrativo, dentro de vinte (20) anos (dois anos já se foram), os cinco postos de combustíveis reverterão ao patrimônio municipal (Cláusula Quarta, item 4.1, letra “e”), previsão esta que já constava no art. 5º, da Lei Municipal 3.401/97, “in verbis”: “Findo o prazo da concessão, é restituído ao PODER CONCEDENTE os imóveis objeto da presente outorga, com todas as benfeitorias neles edificadas, que são imediatamente incorporadas ao patrimônio do Município, bem como o Autódromo Internacional de Campo Grande”. 2 Ora, aqui está, com escusa pelo linguajar popular, a primeira “furada” do inválido instrumento, pois, A ATIVIDADE “REVENDA DE COMBUSTÍVEL” NÃO ESTÁ RESERVADA, constitucionalmente, ao PODER PÚBLICO, conforme promana do art. 238, da CFB: “A LEI ORDENARÁ A VENDA E REVENDA DE COMBUSTÍVEIS DE PETRÓLEO, ÁLCOOL CARBURANTE E OUTROS COMBUSTÍVEIS DERIVADOS DE MATÉRIAPRIMAS RENOVÁVEIS, respeitados os princípios desta Constituição” 3 O diploma normativo, por sua vez, define o que seja “revenda” (cf. LEI Nº 9478, DE 06 DE AGOSTO DE 1997, que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo): “Art. 6°. Para os fins desta Lei e de sua regulamentação, ficam estabelecidas as seguintes definições: (....) XXI - Revenda: atividades de venda a varejo de combustíveis, lubrificantes e gás liquefeito envasado, 13 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ exercida por postos de serviços ou revendedores, na forma das leis e regulamentos aplicáveis”; 4 Em seguida, a Agência Nacional de Petróleo baixou a Portaria nº 116, de 05.07.2000, (cf. texto integral em anexo) disciplinando que: “ Art. 3º - A atividade de revenda varejista de combustível automotivo somente poderá ser exercida por pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras que atender, em caráter permanente, aos seguintes requisitos: I - possuir registro de revendedor varejista expedido pela ANP; e II - dispor de posto revendedor com tancagem para armazenamento e equipamento medidor de combustível automotivo” . 5 Ora, desta forma, jamais a Municipalidade poderá exercer esta atividade econômica, por expressa vedação constitucional, conforme dispositivo supracitado, além de ser-lhe defeso pela ordem econômica e social, segundo o art. 173, da Carta Federal, reproduzido na Carta Estadual (art. 163), ambos infra citados: “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. “art. 168. Não será permitida a exploração de atividades econômicas pelo Estado, salvo quando motivadas por relevante e justificado interesse coletivo, na forma da lei”. 6 Assim, ao intérprete é dada a conclusão que estes postos não reverterão jamais à Municipalidade, que, se foi enganada, tinha a obrigação de refutar este autêntico golpe contra o patrimônio público, pois é manifesto a ilegalidade da lei e do respectivo contrato de concessão, anulação esta que pode ser decretada pelo Poder Judiciário, em sede de Ação Civil Pública, de acordo com fundamentação ora esposada. 7 Essa atividade, consistente na revenda de combustível de petróleo, como já verberado, não está reservada ao poder estatal, conforme disciplina a Carta de 1988, porém, isto não 14 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ ocorre com a pesquisa e o refinamento, que aliás são monopólio do Poder Público – diga-se da “União” (art. 177, I e II). 8 Percebe-se, claramente, na atitude dos réus, uma maliciosa forma de causar lesão à comunidade e ao próprio Poder Público, posto, como ficou cristalino em relação aos postos de combustível em razão das proibições legais e constitucionais, não haveria nenhuma compensação futura para a Administração Municipal e, por conseqüência, para a comunidade. O que ocorreria, após longos anos de exploração, é que o próprio administrador ímprobo criaria uma outra forma, inconstitucional também, para que o explorador continuasse com a exploração ilegal, sem que nada fosse feito contra a inicial ilegalidade praticada. Dessa forma, vê-se que a correção da ilegalidade original só poderia ocorrer por outra ilegalidade e assim por diante, formando uma cadeia interminável de ilegalidades e de lesões aos direitos sociais do cidadão. ASSIM, diante da manifesta impossibilidade do exercício de atividade econômica pelo Requerido Município de Campo Grande/MS, consistente na revenda de combustíveis de petróleo, e da manifesta impossibilidade de se fazer uma compensação futura à comunidade com a reversão dos postos de gasolina para o Poder Público municipal, impõe-se a declaração de ilegalidade da Lei Municipal nº 3.401/97 e, consequentemente, do Contrato Administrativo nº 012/98 e respectivos aditamentos. DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE DESTINAÇÃO DE CANTEIROS E PRAÇAS PÚBLICAS PARA ATIVIDADE SEM INTERESSE SOCIAL E POR VILIPENDIAR SUA DESTINAÇÃO ORIGINÁRIA B– 1O Código Civil, no art. 66, define as espécies de bens públicos, quando diz: “I – Os de uso comum do povo, tais como os mares, rios, estradas, ruas e praças; II – os de uso especial, tais como os edifícios ou terrenos aplicados a serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipal. III – Os dominicais, isto é, os que constituem o patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios, como objeto de direito pessoal, ou real de cada uma dessas entidades.” 15 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ 2Assim, no caso em apreço, percebe-se que a natureza dos bens dados em concessão pela Municipalidade classifica-se com os de uso comum do povo, com a seguinte natureza jurídica capitaneada pelo saudoso Prof., Themístocles Brandão Cavalcanti, ao explicar a teoria adotada pelo autor do vetusto, porém atual, diploma privado: “A última teoria, finalmente, é aquela que considera o uso pelo povo da coisa pública mera conseqüência de fato, do próprio destino que lhe foi atribuído pela lei, dependendo, assim, o exercício desse direito da circunstância de ter sido a coisa destinada pela lei ao uso comum. Estão implícitas nesta concessão legal as restrições que a própria lei pode impor aos indivíduos. O destino dos bens públicos de uso comum sofrem, assim, limitações impostas pela lei e que correspondem à própria natureza da coisa e da utilização normal a que se destinam.” 6 3 Logo, o Art. 7º, do Decreto-Lei nº 271/67, que criou o instituto de concessão de direito real de uso entre nós, ao dispor sobre esta figura jurídica... “É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social .... Está fazendo remissão aos BENS DOMINICAIS, quando usa a expressão terreno público, jamais sobre ruas e praças, como quis o legislador municipal, que, felizmente, na Constituinte Local previu esta figura na Lei Orgânica Municipal, adiante citada, lidando com a essa hipótese, ou seja, somente os bens dominicais poderão servir a tal finalidade, e mesmo assim, diga-se de passagem, para empreendimentos com manifesto interesse público e social. 4 Neste sentido o ensinamento do festejado Prof. HELY LOPES MEIRELLES: “O que caracteriza a concessão de uso e a distingue dos outros institutos afins – autorização e permissão de uso – é o transpasse contratual da utilização de um bem público para que o concessionário o explore consoante a sua destinação originária.” 7 6 CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Curso de Direito Administrativo. 10ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977, p. 320-1. 7 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 64-5. 16 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ 5 Aí Indaga-se, para tentar justificar a motivação do ato administrativo telado: QUAL O INTERESSE SOCIAL NA CONSTRUÇÃO DE UM POSTO DE GASOLINA? QUAL O RESPEITO QUE SE ESTÁ TENDO À DESTINAÇÃO ORIGINÁRIA DAQUELA ÁREA PÚBLICA, MELHOR DIZENDO, DAQUELE BEM PÚBLICO DE USO COMUM DO POVO? 6 Ora, nenhum, a não ser o atendimento ao projeto de expansão econômica da PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A e de seus Mutuários. Então, sem muito esforço, conclui-se que é manifesto o desvio de finalidade, o que fulmina de ilegalidade a concessão outorgada pelo Agravado. Não, não é “SUPERFICIAL A ANÁLISE MINISTERIAL...” como teria ironizado o Município Requerido, quando forneceu informações na Ação Cautelar Inominada. 7 Mas, a história seria outra, se se cuidasse de obras sociais e se a malfadada concessão do uso, no caso em desfile, fosse sobre bens dominicais da Municipalidade, que gerassem atividade de cunho essencialmente público e social, como um posto de saúde, um posto de assistência jurídica, uma creche e tantas outras atividades voltadas para o interesse social, MAS NUNCA, com licença pelo destaque, UM POSTO PARA VENDER DERIVADOS DE PETRÓLEO. 8 Neste sentido, aliás, o constituinte municipal cristalizou a preocupação com o uso de bens da Municipalidade (leia-se “dominicais”), ao delinear a finalidade com a qual pode ser onerada uma das três espécies de bens públicos (art. 66, do Código Civil), ao prever a figura de concessão de direito real de uso (cf. texto integral da Lei Orgânica Municipal, anexada), somente em casos de bens dominicais, como reza implicitamente, face à máxima de hermenêutica de que as leis não possuem palavras inúteis: “Art. 105 – Na disciplina da ordem econômica e social, o Município, atendendo aos ditames da justiça social, deverá obedecer os seguintes princípios: I – apoio às associações de moradores, clubes de mães e entidades de assistência social, mediante subvenções e concessão de direito real de uso de imóveis municipais, exceto daqueles que estejam sendo utilizados com atividades de caráter contínuo e dinâmico, impossibilitados, a bem do serviço público, de interrupção do fluxo normal de trabalho; II – destinação de áreas municipais, por concessão de direito real de uso a pequenos agricultores, para criação de um cinturão de abastecimento do mercado de hortifrutigranjeiros;” 17 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ 9 Como se vislumbra, o Município de Campo Grande, tendo a frente o Poder Legislativo, foi infeliz ao dispor sobre as áreas de uso comum do povo, vilipendiando, além de vários dispositivos legais colocados no patamar superior da verticalidade das normas (segundo a conhecida teoria de HANS KELSEN), a própria Lei Orgânica Municipal, que prevê, taxativamente, as hipóteses de concessão de bens dominicais, jamais os de uso comum, para atividades sociais. 10 Sobre o tema, empresta-se a mesma e oportuna lição do professor Helly Lopes Meirelles, lembrado pela própria Municipalidade, em suas informações às fls. 27 (do feito preparatório apensado), “in verbis”, com grifo nosso: “Concessão de direito real de uso – é o contrato pelo qual a Administração transfere o uso remunerado ou gratuito de terreno público a particular, como direito real resolúvel, para que dele se utilize em fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social. É o conceito que se extrai do art. 7º, do Decreto-Lei federal 271, de 28.2.1967 que criou o instituto entre nós. A Concessão de direito real de uso, tal como ocorre com a concessão comum, depende de autorização legal e de concorrência prévia, admitindo-se a dispensa desta quando o beneficiário for concessionário de serviço público ou entidade assistencial, ou, ainda, quando houver relevante interesse público (Decreto-lei 2.300/86, art. 15, § 1º)” 8. 11 - Outros inúmeros livros doutrinários poderiam ser colacionados, mas, por último veja-se a seguinte lição, em relação ao indevido uso comercial do bem público, in verbis: “Na realidade não só a venda como concessões privatizam os bens (públicos), colocando-os exclusivamente a serviço de uns poucos. A incomercialidade consiste na exclusão da esfera de relações jurídicas por inidoneidade não estrutural do bem, mas, funcional, em relação com o fim, como afirma Sabino Cassesse. Entre os (bens) absolutamente indisponíveis estariam os de uso comum do povo ou de uso especial, que, 8 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: RT,1990, p. 433. 18 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ enquanto vinculados a um interesse público não poderiam ser divertidos para outros fins, ensina Diogo de Fiqueiredo Moreira Neto” 9. 12 “Ad argumentandum”, o Município de Campo Grande parece que esqueceu o que seja interesse social. Eis, por sinal, a definição: “Interesse social não é interesse da Administração, mas sim da coletividade administrada. O interesse social ocorre quando as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da coletividade ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do Poder Público” 10. 13 Ora, qual a necessidade de amparar a PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A e seus Mutuários? Lamentável que isto esteja ocorrendo na Capital do Pantanal Sul, cidade que acolhe a diversidade do povo brasileiro em busca de melhor qualidade de vida, face à estagnação de outros centros urbanos, ou em razão do estrangulamento das vias urbanas e espaços verdes de grandes metrópoles, como é público e notório. 14 No caso em análise, percebe-se claramente que o interesse da coletividade não está sendo respeitado, tanto é que esta coletividade sequer foi consultada. Mas mesmo não tendo sido consultada, proferiu seu brado de repúdio e não foi ouvida. Demonstra isso as declarações feitas pelos moradores do Conjunto José Abraão, já transcritas acima. Valendo, entretanto, repetir os seguinte texto (f. 84 do PIP em anexo).: “A obra pretendida, não trará qualquer benefício aos moradores, muito pelo contrário, haverá um risco enorme às famílias, principalmente àquelas que residem próximas, a menos de 10 (dez) metros do local, onde serão instalados os tanques reservatórios de combustíveis, causando um real dano estético, comprometendo sensivelmente a paisagem defronte às residências. Destaque-se que sequer foi apresentado pela Prefeitura, aos moradores do Conjunto Habitacional a implantação da obra, ficando evidenciado um total desrespeito à comunidade, que assistem estarrecidas a desenfreada degradação do meio em que vivem e a ocupação de um espaço benéfico às crianças que o aproveitam para o seu lazer.” 9 10 MACHADO,Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: RT,1991, p. 245. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 554-555. 19 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ 15 Retomando o fundamento, há que questionar qual é a destinação originária dos bens de uso comum do povo? A jurisprudência responde: “MEDIDA CAUTELAR. LOTEAMENTO URBANO. FAIXA RESERVADA À UTILIZAÇÃO PÚBLICA. DESTINAÇÃO DIVERSA PELO MUNICÍPIO. INADMISSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. Nos loteamentos urbanos, o destino a ser dado à faixa de terreno reservada à utilização pública, subordina-se obrigatoriamente, ao que estabelecem os arts. 4º e 5º da Lei 6.766, de 19.12.1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo. Assim, não pode o Município, no que concerne a essas áreas que foram afetadas ao seu patrimônio por força de norma legal e com a finalidade de implantação de equipamentos públicos urbanos, de sistemas de circulação e para espaços livres, destinar parte das mesmas, mediante permissão de uso de terceiros, para construção de habitações, ainda que visando instalar programa de moradias para a população carente, sobretudo porque tais áreas nos termos do diploma legal antes referido, integram a parcela do loteamento non aedificandi”.11 (ApCiv 4.028/98 – 3ª CC – TJRJ – j. 01.09.1998 – Rel. Des. Antonio Eduardo F. Duarte. 16 Portanto, a Municipalidade não observou este regramento legal, desnaturando a natureza dos bens de uso comum do povo, pois, quando se fala em destinação originária, os bens devem se destinar “À UTILIZAÇÃO NORMAL A QUE SE DESTINAM”, motivo pelo qual a construção de terminais de ônibus coletivos, estacionamento em via pública, o fechamento provisório para desfiles e eventos festivos, colocações de trilhos, cabos etc, são limitações que não retiram esta particularidade do bem de uso comum do povo, PORÉM, JAMAIS ENTREGÁ-LO A TERCEIROS PARA EXECUÇÃO DE ATIVIDADE ESSENCIALMENTE PRIVADA, principalmente se a Prefeitura não pode ter posto de combustível, por vedação constitucional, conforme já fundamentado. 16 O que é mais grave, vem atuando como se fosse loteador, não se importando com as normas de direito urbanístico, desnaturando os bens de uso comum do povo, em total desrespeito com a coisa pública e com os princípios insertos nas Cartas Políticas (CFB e CE), conforme é de clareza mediana a Constituição deste novel Estado fronteiriço (Art. 213, III, acrescentado pela Emenda Constitucional n.º 11, de 10.12.97 – DOMS de 22.12.97) – com destaque do Autor: 11 In: REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL. Janeiro/2000, pág. 307) 20 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ “Art. 213 – A política urbana, a ser formulada em conjunto pelo Estado e pelos Municípios, e executada por estes, estabelecerá as diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano e assegurarão: (...........) III – que as áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes, institucionais ou correlatas não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos alterados”. 18 Logo, a conseqüência jurídica criada pelos Requeridos deverá ser a anulação do Contrato de Concessão nº 012/98, com escólio na jurisprudência bandeirante, interpretando caso semelhante, como o ora deduzido, com o detalhe de que a própria norma especificou o beneficiário, único elemento distintivo do caso presente: “Vê-se cristalinamente que a Lei 2.717/90, do Município de Birigüi (lei sob o aspecto formal, ato administrativo sob o aspecto material) afastando-se das regras (de eficácia plena e autoexeqüíveis) estatuídas na Constituição Federal e na Lei Orgânica Municipal, incidiu em ilegalidade e inconstitucionalidade. Evidente, pois, que a Lei 2.717/90 (lei de efeitos concretos e substancialmente ato administrativo) padece de ilegalidade flagrante e, por conseguinte, pode e deve ser declarada nula. Como lei de efeito concreto que é, como ato administrativo em substância, sob o revestimento da forma legal, a Lei 2.717/90 é sujeita ao controle da legalidade e, portanto, anulável. In casu, como vimos, é nula por ferir o disposto na Constituição do Estado de São Paulo, art. 180, VI e, igualmente, a regra do art. 141, inc. VII da Lei Orgânica Municipal.”12 19 Isto porque o objeto da ação civil pública restou ampliado pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/94), assim reproduzido na Lei Orgânica Estadual (Lei Complementar nº 74/95), legitimando o “Parquet” a postular a declaração de nulidade lesiva ao patrimônio público em concomitância com a proteção do meio ambiente, em busca de preceito cominatório, o salutar binônimo desta ação principal, com grifo do Autor: “Art. 26. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: 12 COSTA FILHO, Leonino Carlos da. In: REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL. Abril/96, p. 260-1. 21 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ (...) IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei; a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos; b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado do Município, de suas administrações indiretas ou fundações ou de entidades privadas de que participem”; 20 Consequentemente, ainda que houvesse licenciamento ambiental por parte do Estado de MS, aliás o próximo fundamento, não havendo interesse social no caso telado, a concessão nunca poderia se realizar, ou seja, desde o seu início já estava contaminada pelo vício da ilegalidade, concretizando-se, desse modo, numa causa de Extinção da Concessão, que segundo a doutrina é a Anulação: “Anulação: é a invalidação do contrato por ilegalidade na concessão ou na formalização do ajuste. A anulação não se confunde com a rescisão, porque esta pressupõe um contrato válido, mas mal-executado (inadimplência) ou cuja execução pelo concessionário se tenha tornado inconveniente ao interesse público, ao passo que aquela (anulação) pressupõe um contrato ilegal, embora esteja sendo regularmente executado” 13. 21 O Poder Judiciário, finalmente, já enfrentou a questão posta nesta Ação Civil Pública para impedir o abuso por parte de distribuidoras de combustíveis, tendo assim se posicionado, recentemente, noutro Estado da Federação: “AÇÃO POPULAR – LIMINAR DEFERIDA, AD CAUTELAM PARA SUSTAR POR ORA OS EFEITOS DA CESSÃO DE USO PARA A CONSTRUÇÃO DE UM POSTO DE ABASTECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS EM PARTE DE UMA PRAÇA DE USO COMUM DO POVO – A CONCESSÃO DA LIMINAR, EMBORA NÃO SERVINDO PARA A PRESERVAÇÃO DE VEGETAÇÃO QUE EXISTIA NO LOCAL, OBJETIVA SUSTAR POR ENQUANTO A CONSTRUÇÃO DO REFERIDO 13 Idem, p. 364. 22 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ COMÉRCIO DE COMBUSTÍVEIS EM LOGRADOURO PÚBLICO, ATÉ MELHOR EXAME DA SITUAÇÃO JURÍDICA – RECURSO IMPROVIDO. (Ag. Inst. Nº 1999.002.13560, de 20/06/2000, 12ª VARA CÍVEL – RJ – Rel. TJRJ - Des. Gamaliel Q. de Souza). ASSIM, por mais este motivo, impõe-se a total procedência da presente Ação Civil Pública, decretando-se a anulação do malfadado instrumento de concessão de direito real de uso, incabível na espécie. C – DOS ELEMENTOS DE DIREITO AMBIENTAL POSTERGADOS PELOS REQUERIDOS C.1 – A INEXISTÊNCIA DE EIA-RIMA E AUDIÊNCIA PÚBLICA 1 O Licenciamento Ambiental tem regramento insculpido na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, Lei Federal nº 6.938/81, recepcionada pela Carta Política/88, que assim, disciplina o tema, com destaque a cargo do Autor: “Artigo 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente, integrante do SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças exigíveis. § 1° - Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal oficial do Estado, bem como em um periódico regional ou local de grande circulação” 2 Observe-se os destaques do Autor. Folheando o calhamaço de informações prestadas pelo Município Requerido, vislumbra-se a inexistência das respectivas licenças estadual, bem como da efetiva publicidade, com realização de audiência pública, conforme imperativo constitucional. Logo, como já salientado, a população não tomou conhecimento desses empreendimentos, que afronta os princípios mais elementares de cidadania, de meio ambiente e de urbanismo, tanto é que os moradores do Conjunto José Abrão fizeram este apelo em vários manifestos, conforme listas de assinaturas juntadas às fls. 80 e 84 do PIP, que instrui esta Inicial. 3 Mas, o absurdo aconteceu. Requisitada informações à Empresa Autódromo, esta, sem pudor, informou que não foi 23 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ realizada nenhuma consulta ou assembléia (juridicamente tratada em direito ambiental como Audiência Pública), porque a empresa não foi convidada, COMO SE O ÔNUS DESTA PUBLICIDADE AMPLA E EFETIVA ESTÁ ENTREGUE À COMUNIDADE AFETADA, não bastando a simples publicação na imprensa, quando o empreendimento é impactante, invertendo, maldosamente, as garantias colocadas como autênticos direitos subjetivos da coletividade. Disse, então, expressamente, o Requerido Empresa Autódromo Internacional: “DA PARTE DO AUTÓDROMO NÃO FOI FEITA, E NEM FOMOS CONVIDADOS PARA NENHUMA ASSEMBLÉIA” (cf. fls. 330 – PIP). 4 Ora, nos “considerandos” da Resolução CONAMA nº 273/2000, logo no primeiro parágrafo diz que.......: toda instalação e sistemas de armazenamento de derivados de petróleo e outros combustíveis, configuram-se como empreendimentos potencialmente ou parcialmente poluidores e geradores de acidentes ambientais ................Para logo, em seguida, exigir o prévio licenciamento ambiental, no primeiro artigo...... Art. 1o A localização, construção, instalação, modificação, ampliação e operação de postos revendedores, postos de abastecimento, instalações de sistemas retalhistas e postos flutuantes de combustíveis dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. ................Está dizendo que se faz necessário, como formalidade essencial para o ato administrativo vinculado, chamado Licença Ambiental, ser expedido, o respectivo e antecedente ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL – E.P.I.A, para avaliar os impactos do empreendimento, de acordo com a Lei Federal n.º 6.938/81, “in verbis”, com ressonância na Carta Política: “Artigo 9° - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: I - o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; II - o zoneamento ambiental; III - a avaliação de impactos ambientais; IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras” ...............Isto fez com que o Constituinte o levasse à paradigma constitucional, conforme esbanja o notável art. 225: “ART. 225 – todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado...impondo-se ao Poder Público ..... IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente poluidora de significativa degradação do meio 24 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”. 5 PERGUNTA-SE, então: cadê esse estudo? Ora, os Requeridos apresentaram mero projeto arquitetônico de cada obra, que NUNCA PODE SER CONSIDERADO como E.P.I.A, que, por conseqüência, gera o RIMA, ou seja, o Relatório de Impacto Ambiental. 6 Mas, poderia se objetar que posto de combustível não se cuida de atividade de significativa degradação ambiental. Porém, a Resolução nº 273/2000, ao considerar a atividade POTENCIAL ou PARCIALMENTE POLUIDORA quer justamente levar a cabo esta AVALIAÇÃO PRÉVIA, em forma de estudo sério e multidisciplinar, para, então, segundo as características próprias de cada local, expedir as licenças prévia, de instalação e de operação. 7 Porém, no caso corrente, o Município aceitou que os concessionários realizassem apenas Projetos arquitetônicos, para a expedição das Licenças, o que foi feito com base em simples Declaração firmada por Arquiteto (cf. fls. 58 dos autos da Cautelar), como se bastasse somente a ART – Anotação de Responsabilidade Técnica. Ora, não é este o ensinamento dos Especialistas: “A equipe multidisciplinar encarregada de elaborar os estudos de impacto ambiental será composta de quantos especialistas sejam necessários para cobrir todos os aspectos a serem estudados” 14 8 ISTO PORQUE HÁ RESOLUÇÃO ESPECÍFICA DO CONAMA NORMATIZANDO NESTE SENTIDO (cf. Resolução nº 001/86, inclusa): “Art. 7º - O estudo de impacto ambiental será realizado por equipe multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados”. 9 – ORA, SE ISTO NÃO RESTA DEMONSTRADO, logo os requisitos da Resolução 273/2000 não restaram satisfeitos, conjugado com outra Resolução, a de n.º 237, do CONAMA, que define o que vem a ser este Estudo. Veja-se (cf. texto integral inserto no feito Cautelar - art. 1º, III)....... 14 OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis. O LICENCIAMENTO AMBIENTAL, IGLU ed., SP, 1999, pág. 209. 25 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ “III- Estudos Ambientais: são todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da licença requerida, tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco ............... Para mais adiante disciplinar que: Art. 3º - A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação. 10 CADÊ A PUBLICIDADE? Uma vez que a expressão citada anteriormente “quando couber” não tem significado algum diante no contido no art. 225, IV, “in fine”, da CFB, acima transcrito, conclui-se, acertadamente, segundo o todo apurado e processado, que Requeridos não comprovaram que isto tenha sido feito. Logo, chega-se a mais uma flagrante ilegalidade, que rima com ausência de ampla PUBLICIDADE, como determina a Lei Federal. Tudo foi feito às escondidas, como já declarado por testemunhas (cf. transcrição supra) dentro do critério de “faça-se primeiro, depois licencia-se”, ou seja, do fato consumado, e não sobre critérios de prevenção e consulta à comunidade, como por exemplo, ao Conselho Municipal do Meio Ambiente (aliás, veja se no feito, o Município carreou Resolução Deliberativa do mencionado órgão. NÃO EXISTE, simplesmente). Esse atropelo, de forma consciente e até premeditado da lei, é sinônimo de improbidade administrativa que está a exigir as providências legais cabíveis. Afinal, administrar é aplicar a lei aos casos concretos. 11 Estranho, porque há dispositivo legal na Lei Orgânica que assim garante: Art. 137 – O Município exigirá, na forma da lei, para a instalação de obra de atividade causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio do impacto ambiental, a que se dará ampla publicidade. 26 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ 12 Esta a lição do tão falado, porém desconhecido Direito Ambiental, inobstante a obrigatoriedade de seu ensino, segundo Lei Complementar federal: “Estados e municípios só poderão proceder a licenciamento ambiental quando garantirem suficiente estrutura material e humana, em órgãos próprios, assegurando, ademais, participação pública adequada no procedimento. Determina a Res. Conama 237/97 que ‘os entes federados, para exercerem suas competências licenciatórias, deverão ter implementados os Conselhos de Meio Ambiente, com caráter deliberativo e participação social e, ainda, possuir em seus quadros ou a sua disposição profissionais legalmente habilitados’. Ausentes quaisquer desses pressupostos, como não poderia deixar de ser, fica vedado ao estado ou ao município licenciar, retornando a competência licenciatória, de modo residual, ao Ibama” 15. 13 E o pioneirismo do bandeirante EDIS MILARÉ, outro festejado ambientalista, como sempre, arremata brilhantemente: “Destarte, a falta da devida publicidade ou a sonegação indevida de informações durante o desenvolvimento do licenciamento ambiental tisna a legalidade do ato, que pode, em conseqüência, ser nulificado pela própria administração ou pelo Poder Judiciário, via ação popular ou ação civil pública” 16. 14 – Portanto, resta demonstrado cabalmente a total ilegalidade dos empreendidos autorizados pelo Agravado, pois, como já salientado, o licenciamento ambiental além de estar condicionado ao estudo prévio de impacto ambiental, este sempre antecede a expedição de qualquer licença ambiental. Não é outro o entendimento da doutrina, desta feita perfilhado pelo pioneirismo do Prof. PAULO AFONSO LEME MACHADO: “O estudo de impacto ambiental deve ser anterior à autorização da obra e/ou autorização da atividade. Assim, esse estudo não pode ser concomitante e nem posterior à obra ou atividade. 15 BENJAMIN, Antônio Herman V. Introdução ao Direito Ambiental Brasileiro (In. REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL RT, São Paulo, 1999, nº 14, p. 59. 16 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: RT, 2000, p.326. 27 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ A Constituição Federal quis evitar que esse instrumento de análise ambiental fosse utilizado, quando a obra ou atividade já estivessem se instalado. 17 15 No entanto, poderia ser argumentado que a Resolução do CONAMA nº 273/2000 não atinge os Requeridos, pois, cuidaria de norma posterior, notadamente à construção do Auto Posto Kelly Ltda, porém, o licenciamento estadual há muito vem sendo desrespeitado, seja por ineficiência do próprio órgão estadual, seja pela suposta titularidade do Município em chamar a si esta responsabilidade, o próximo fundamento por sinal, já que existia previsão legal neste sentido, segundo Resolução SEMA/MS nº 001/89, exigindo o prévio licenciamento de postos de gasolina, “in verbis” (cf. texto integral da mencionada Resolução no feito Cautelar): “Art. 3º - Estão sujeitas ao serviço estadual de Licenciamento de Atividades Poluidoras – LAP todas as pessoas físicas ou jurídicas, inclusive as entidades da administração pública, dieta ou indireta, responsáveis por atividades que possam, efetiva ou potencialmente, gerar poluição. Art. 4º - Para os efeitos do que menciona o artigo anterior, o LAP corresponde a expedição das licenças denominadas Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI), Licença de Operação (LO)e, ainda, o Certificado de Índice de Fumaça (CIF)”. “Art. 6º - São atividades sujeitas ao LAP: (...); III – Empresas que armazenam, distribuem e/ou movimentam produtos perigosos, tais como: - Gás liqüefeito de petróleo e de derivados do refino de petróleo” 15 Outro não era, e continua sendo, o entendimento da jurisprudência, segundo a seguinte ementa (Ap.Civ. 47.426-5/6 – 9ª Câm. – TJSP – j. 10.11.1999 – rel. Des. De Santi Ribeiro): “POSTO DE COMBUSTÍVEL EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. Nulidade do alvará de licenciamento da obra expedido pela Secretaria do Meio Ambiente. Ação popular. Construção de posto de venda de combustíveis em área de proteção legal do meio ambiente. Necessidade do estudo do impacto ambiental. Carência quanto ao pedido de anulação de parecer técnico. Ação acolhida para o fim de anular o alvará de licenciamento da obra. Decisão mantida. Recursos improvidos, considerado interposto o oficial”.18 17 18 Citado por Ant on i o I na gê d e As s is O l i v e ir a , c f . o br a c i t. p. 1 2 0/ 12 1) In. Revista De Direito Ambiental. Abril/00, p. 356-7. 28 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ ASSIM, por mais este flanco, ausência de prévio licenciamento ambiental, impõe-se a procedência da Inicial. C.2 – DA IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE LICENCIAMENTO EXCLUSIVO POR PARTE DO MUNICÍPIO 1 Ainda que fosse admitida a concessão de áreas de uso comum do povo para os Requeridos, ora particulares, poderem contrair direitos e obrigações com o Poder Público, no caso vertente, não tendo o ESTADO DE MS licenciado os empreendimentos, estes são passíveis de embargo judicial, ou até mesmo administrativo, por contrariar lei federal, lei estadual e as Cartas Políticas Federal, Estadual e Municipal, já que não foi entregue à Municipalidade esta atribuição legislativa exclusiva, BASTANDO CONFERIR O QUE DIZ O ART. 24, da CFB: “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VI – proteção do meio ambiente e controle da poluição” 2 Na esteira desta conclusão, trazendo-se à baila a RESOLUÇÃO CONAMA nº 237/97, com dispositivo infra transcrito (cf. texto anexo nos autos preparatório), base na qual o Município Requerido legislou e pretende licenciar com exclusividade as atividades poluidoras, que é o caso dos postos de revenda de derivados de petróleo, dizendo o seguinte....... Art. 6º - Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio. ...............Observando-se a expressão “NO QUE COUBER”, fez com que vários estudos e monografias saíssem a público, dizendo que, finalmente o Município pudesse prescindir das licenças estaduais, porque o interesse local estaria acima de qualquer outro. 29 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ 3 Ora, para afastar este engano técnico-científico, nada melhor do que trazer à baila, o magistério respeitoso do advogado Antônio Inagê: “O licenciamento ambiental visa a ordenar, em nível nacional, o aproveitamento racional dos recursos ambientais em prol do desenvolvimento sócioeconômico sustentável. Representa, portanto, uma intervenção do Estado (União) na ordem econômica e social, visando adequar a propriedade à sua função social. Assim, constitui-se em uma restrição ao livre aproveitamento da propriedade ou ao livre exercício das atividades econômicas. Como as restrições aos direitos individuais só podem existir por força de lei formal, há que haver uma lei especial que autorize sua aplicação. É de se consignar que o licenciamento ambiental é um instituto restritivo do exercício de direito em todo o território nacional, criado por lei federal, competindo, portanto, à mesma lei federal determinar quais as autoridades públicas com capacidade para a sua aplicação. Assim, fácil é concluir que os Municípios não têm competência para o licenciamento ambiental. Assim, qualquer distinção restritiva a esta competência expressa é ilegal” 19 4 – Mas, então o Município ficaria omisso e não teria nenhuma competência em matéria ambiental? Bem, a legislativa, de forma exclusiva, como já salientado, efetiva e constitucionalmente não possui. Mas, a suplementar, sim, em razão do contido no art. 30, II, da CFB: “Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local, e; II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”. 5 Isto porque a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel de Estados, Municípios e do Distrito Federal (art. 1º), pois, o novo pacto federativo instituído pela Carta de 1988, chamado pela doutrina de Pacto Cooperativo, fulmina de nulidade a exclusividade outorgada pelo art. 6º da Resolução 237/97, quando a própria Magna Carta diz expressamente (art. 23, parágrafo único): 19 OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis. O LICENCIAMENTO AMBIENTAL, IGLU ed., SP, 1999, pág. 108/10. 30 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ “Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional” ..........Logo, é certo afirmar que o Município não possui autonomia legislativa plena em matéria de licenciamento ambiental, cabendo suplementar, conforme o magistério do aplaudido Juiz Federal VLADIMIR PASSOS DE FREITAS: “Após muito meditar sobre o assunto, concluímos que a competência municipal existe e pode ser exercida, porém não com o alcance atribuído à União e aos Estados. Realmente, esta intenção não teve o constituinte, pois, expressamente, excluiu os Municípios do poder concorrente previsto no art. 24 da Lei Maior.” Assim, analisando a matéria, o constitucionalista CELSO BASTOS, em parecer sobre o assunto, concluiu que “ao Município só é dado o exercício da faculdade de legislar suplementarmente, é dizer, nos vazios da legislação federal e estadual, e, ainda assim, desde que satisfeita a cláusula constitucional que dispõe: ‘no que couber’.” Ainda há outra hipótese a merecer análise. É o caso do inc. II, ou seja, o Município suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Tal regra significa, em matéria de meio ambiente, que o Município não pode abolir as exigências federais ou estaduais sobre o assunto. Todavia, poderá formular exigências adicionais, atentando para seu interesse próprio no caso concreto. De resto, é de todo recomendável que os Municípios atuem em harmonia com os órgãos ambientais da União e dos Estados, somando forças em matéria que é do interesse geral.”20 6 – Para não ser voz isolada, vem a seu socorro, o magistério do experiente EDIS MILARÉ: “Se assim é, se a competência licenciatória dos três níveis de governo dimana diretamente da Constituição, não pode o legislador ordinário estabelecer limites ou condições para que qualquer um deles exerça sua competência implementadora na matéria. Daí a eiva de inconstitucionalidade da Resolução Conama 237 que, a pretexto de estabelecer critérios para o exercício da competência a que se refere o art. 10 da Lei 6.938/81 e conferir o licenciamento a um único nível de 20 FREITAS, Vladimir Passos de. Direito Administrativo e Meio Ambiente. Curitiba: Juruá Editora, 1993, p. 34-5. 31 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ competência, acabou enveredando por seara que não lhe diz respeito, usurpando à Constituição competência que esta atribui aos entes federados. Deveras, em um única penada, afrontou aquele ato normativo tanto o próprio art. 10, que pretendeu regulamentar, como o art. 8º, I, da Lei 6.938/81, que se referem ao licenciamento ambiental como atribuição precípua do órgão estadual integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente” (cf. obra cit. pág. 320). 7 Portanto, analisando-se tais dispositivos, resta evidente que a Municipalidade não está autorizada a emitir licenças ambientais, por simples conveniência ou oportunidade, de forma exclusiva, ou seja, o Estado de MS, segundo o princípio do pacto cooperativo, deve, obrigatoriamente, participar do processo de licenciamento ambiental. 8 Estranhamente, a própria Municipalidade descumpre, propositamente, dispositivo legal da LEOM, que assegura o pacto cooperativo, determinando o seguinte: Art. 134 – A legislação municipal, visando promover a preservação e a restauração de ambientes cuja integridade está assegurada nas Constituições Federal e Estadual, adotará as seguintes medidas: (....) VIII – o condicionamento à aprovação prévia por organismo estadual de controle ambiental e de gestão de recursos hídricos, dos atos de outorgar a terceiros, direitos que possam influir na qualidade das águas superficiais e subterrâneas. ASSIM, merece procedência a Inicial, determinando a imposição de obrigação de fazer o EIA-RIMA, se vencido o fundamento da impossibilidade de cessão de bens de uso comum do povo, bem como a impossibilidade de atuação estatal em atividade essencialmente reservada à iniciativa privada, que, sagrando-se acolhido(s), restará prejudicado o fundamento ora encerrado. 32 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ C.3 – DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE CONSTRUIR POSTO DE COMBUSTÍVEL NO ENTORNO DA RESERVA DO PARQUE DOS PODERES SEM ANUÊNCIA DA UNIDADE GESTORA 1 Dentre os locais definidos pela Administração Municipal, elegeu-se um situado no entorno da Reserva Ecológica do Parque dos Poderes, criada pelo Decreto Estadual nº 1.229/81 (cf. texto integral na Ação Cautelar). 2 Como se não bastasse a Resolução CONAMA 273/00, que exige o licenciamento de posto de combustível em qualquer local, existe a RESOLUÇÃO CONAMA 013/90 (em anexo, no feito principal) que diz o seguinte (CF. Art. 2º, parágrafo único). “O LICENCIAMENTO A QUE SE REFERE O CAPUT DESTE ARTIGO SÓ SERÁ CONCEDIDO MEDIANTE AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO RESPONSÁVEL PELA ADMINISTRAÇÃO DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO” 3 - Demais, o Estado de MS possui Resolução específica exigindo, muito antes da Resolução do CONAMA, o prévio licenciamento de postos de gasolina, conforme já citado e agora reprisado “in verbis” : “Art. 3º - Estão sujeitas ao serviço estadual de Licenciamento de Atividades Poluidoras – LAP todas as pessoas físicas ou jurídicas, inclusive as entidades da administração pública, dieta ou indireta, responsáveis por atividades que possam, efetiva ou potencialmente, gerar poluição. Art. 4º - Para os efeitos do que menciona o artigo anterior, o LAP corresponde a expedição das licenças denominadas Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI), Licença de Operação (LO)e, ainda, o Certificado de Índice de Fumaça (CIF)”. “Art. 6º - São atividades sujeitas ao LAP: (...); III – Empresas que armazenam, distribuem e/ou movimentam produtos perigosos, tais como: - Gás liqüefeito de petróleo e de derivados do refino de petróleo” 4 Compulsando todo o processado e investigado, vislumbra-se que o Município Requerido não carreando esta autorização na vasta documentação que entregou à Instância Monocrática, quando de suas informações, e mantendo-se assim, 33 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ as licenças expedidas são nulas de pleno direito, para este caso específico. 5 Até porque, conforme já ventilado no feito Cautelar, em sede de Agravo de Instrumento, cujas cópias fazem parte do feito preparatório, está sendo cometido um crime ambiental, com escusas pela força de expressão, “nas barbas da Justiça”, cujos órgãos superiores estabelecidos no Magno Parque dos Poderes (Tribunal de Justiça, Justiça Federal e Procuradoria Geral de Justiça), estão estarrecidos e perplexos com tamanho acinte do Município Requerido, em autorizar a edificação de um posto de gasolina bem em frente ao prédio do extinto PREVISUL, na entrada do colossal Parque dos Poderes, quando muitos imaginam estar sendo erguido ali um Portal de Entrada, um monumento, PORÉM JAMAIS UM POSTO DA PETROBRÁS DISTRIBUIDORA S.A e de seu rebento POSTO SAGITARIUS LTDA, ora sétimo Requerido. 6 9.605/95: É a clarividência da Lei de Crime Ambientais – Lei nº “Art. 60 – Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regularmente pertinentes: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. 7 A mesma sorte está reservada ao Secretário Municipal de Urbanismo, Arqº JOSÉ MARCOS DA FONSECA e ao Engº DJALMA MARTINS, que subscreveram todas as Licenças expedidas, quer seja dolosa ou culposamente deverão ser responsabilizados: “Art. 67- Conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder Público. Pena- Detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Parágrafo único – se o crime é culposo, a pena é de 3 (três) meses a 1 (um) ano de detenção , sem prejuízo da multa. ASSIM, vencidos todos os anteriores fundamentos, esta construção, em particular, em sede de Inicial Coletiva pode ser imposta aos Requeridos a obrigação de preceito cominatário, consistente na obrigação de não fazer a malfadada edificação. 34 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ D – DA OCORRÊNCIA DA CADUCIDADE POR NÃO TEREM FEITO AS OBRAS NO PRAZO ASSINALADO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL. 1 Ultrapassado o fundamento anterior, a concessão, ora questionada, deve ser extinta, uma vez que o prazo de entrega das obras concluídas, estipulado no contrato entre a Municipalidade e o Concessionário foi previsto para o ano de 1999, em que pese a superveniência de norma municipal prorrogando o prazo por mais 24 meses, conforme explicitado no item 10, no início desta peça processual, pois: os postos deveriam ser construídos pela Empresa Autódromo, em dois anos, a contar de 03.12.97 – Cláusula Quarta, item 4.1, alínea “a” (fls. 361), porém, tardiamente, houve a superveniência de Lei municipal írrita (Lei nº 3.715, de 10.03.2000), quando prorrogou por mais dois anos um contrato já considerado sem nenhum efeito, face à configuração da caducidade, caracterizando, assim, mais um ato de improbidade administrativa. 2 Assim sendo, a construção do AUTO POSTO KELLY foi iniciada após o término do prazo concedido inicialmente, conforme pode ser constatado no PIP anexo, quando ocorreu a mobilização popular, no curso do primeiro trimestre do ano de 2000, bem como prejudicada a edificação dos demais, em razão da prorrogação de prazo que já não existia. 3 Ocorreu, “in casu”, a Caducidade, pela inadimplência contratual do concessionário, caraterizando-se como outra forma de Extinção da Concessão: “Caducidade: a rescisão por inadimplência do concessionário é, entre nós, também denominada caducidade, que corresponde à decadenza do Direito Italiano e à déchéance da doutrina francesa. A Lei 8.987/85 dispõe que o poder concedente poderá declarar a caducidade da concessão quando: a) o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada; b) o concessionário descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares; (...)” 21. 21 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 364. 35 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ ASSIM, por mais este motivo, impõe-se a procedência da Inicial, a fim de declarar nulo, pelas razões já invocadas, e sem nenhum efeito, pelo advento da caducidade, o Contrato Administrativo nº 012/2000, determinando aos Requeridos a obrigação de fazerem a demolição dos ofendículos e construções de alvenaria postos nos canteiros e praças, sobre o solo e debaixo do solo, restaurando-se a situação anterior, sob as cominações legais e sem prejuízo de outras providências a serem tomadas para a total restauração das áreas degredadas pelos mesmos. E- DA ESDRÚXULA LOCAÇÃO DE BEM DE USO COMUM DO POVO COM ANUÊNCIA DA PREFEITURA 1 Conforme salientado na exposição fática, a EMPRESA AUTÓDROMO, consentido pelo Município de Campo Grande, firmou contrato de locação das áreas de uso comum do povo com a PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A, como se percebe da juntada do instrumento à fls. 367, do PIP, inovando o Direito Administrativo e subvertendo os mais elementares princípios da Administração Pública, caracterizando improbidade administrativa, porque jamais poderiam os Requeridos dispor daqueles bens, conforme já fundamentado, nem tampouco o concessionário Autódromo travestir-se de “proprietário” e “locar” bem público. Um fato com sérias e graves repercussões no mundo jurídico. 2 O mais festejado e acolhido tratadista brasileiro, vem em socorro do Autor: “A locação é contrato típico do Direito Privado, onde as partes devem manter equivalência de situações nos direitos e obrigações que reciprocamente assumirem. Por isso se conceitua a locação como um contrato bilateral perfeito, oneroso, comutativo e consensual. Ora, no Direito Administrativo jamais se poderá traspassar o uso e gozo do bem público com as características da locação civil, porque implicaria renúncia de poderes irrenunciáveis da Administração, para que ela viesse a se colocar em igualdade com o particular, como é da essência desse contrato no campo do Direito Privado.”22 22 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 479. 36 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ 3A Editora CONSULEX, por sua vez, premiou seus assinantes com CD Doutrinário, que contém a seguinte lição esclarecedora, perfeitamente aplicável no caso concreto, face ao princípio da simetria: “O Decreto-Lei nº 9.760/46 também prevê a utilização de bens imóveis da União através da locação (art. 87), estabelecendo que, neste caso, a ela se aplicam somente as regras fixadas neste diploma legal, derrogando-se, portanto, a aplicação da legislação do Direito Privado pertinente. Uma vez locado determinado imóvel, é expressamente vedada a sublocação do mesmo, no todo ou em parte, bem como a sua transferência (art. 88). Este regime peculiar de locação, além das hipóteses já conhecidas de extinção do contrato (inexecução total ou parcial do acordado), estabelece também a possibilidade de sua rescisão unilateral pela Administração, em caso de conveniência administrativa, e sem qualquer indenização, salvo no caso das benfeitorias necessárias (art. 89, § 2º). Far-se-á a locação através de licitação, na modalidade concorrência, com base no maior preço oferecido (art. 93, parágrafo único). Os Estados e municípios terão preferência na locação dos imóveis da União, ficando, no mais, sujeitos às disposições contratuais (art. 97)”.23 4A jurisprudência, por sua vez, já teve oportunidade de posicionarse neste sentido: “ LOCAÇÃO DE BEM PÚBLICO. REGIME JURÍDICO. VENCIMENTO DO PRAZO. AÇÃO POSSESSÓRIA. A locação de bem público não se submete às regras de direito privado, mas sim aos Decretos Leis 9.760/46 e 2.300/86 e, vencido o prazo contratado, teimando o concessionário em reter a coisa, é perfeitamente viável o uso da ação possessória” ( T J GO, 2 ª Câ ma r a C í vel , Rel . De s. J a mi l P er eir a d e M ac ed o , DJ GO , d e 1 7 .0 3 .9 2 , nº 1 1 2 8 7 , p á g.0 9 – e xtr a íd o d o Si te : www. tj . go . go v.b r ) . 5 Como se vê, a Administração Municipal, por via oblíqua, postergou a aplicação de diplomas legais que regulam a matéria (Decretos-Leis 9.760/46 e 2.300/86), primeiro concedendo bens públicos impassíveis de concessão de direito real de uso e, depois, trespassando estes bens a particulares, sob a égide da lei do inquilinato, conforme as cláusulas típicas da relação locatícia de direito privado, inseridas no instrumento (fls. 368/71 - PIP), como desapropriação, renovação judicial etc, em total desrespeito com a coisa pública, vilipendiando o primeiro princípio administrativo, o da legalidade, muito bem frisado pela melhor doutrina, sob a batuta do Prof. BANDEIRA DE MELLO: 23 PESSOA, Robertônio. Curso de Direito Administrativo em CD room, Ed. Consulex, 2000. 37 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ “Pode parecer, até mesmo, estranho que a Lei Maior haja se ocupado com tão insistente reiteração em sublinhar a inteireza do princípio da legalidade. Fê-lo, entretanto, a sabendas, por advertida contra a tendência do Poder Executivo de sobrepor-se às leis. É que o Executivo, no Brasil, abomina a legalidade e tem o costumeiro hábito de afrontá-la, sem ser nisto coartado, como devido. Daí a insistência constitucional, possivelmente na expectativa de que suas dicções tão claras e repetidas ad nauseam encorajem o Judiciário a reprimir os desmandos do Executivo”. 24 6 Assim, no caso em desfile, vislumbra-se o vilipêndio à Carta Magna, restando melindrado, por conseguinte, os demais princípios, assim cravados pelo constituinte: “Art.37. A administração pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (.....) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. 7 Logo, as conseqüências são graves e sérias, conforme salientado, pois, há previsão legal (Lei 8.429/92): “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações: (....) III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa 24 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, Sâo Paulo, Malheiros: 10ª ed., 1998, pág. 205/6. 38 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos”. ASSIM, diante da manifesta ilegalidade praticada pelos Requeridos, impõe-se a anulação do Contrato de Locação, protocolado sob nº 197.283, do Livro A-9, registro nº B-185 e nº 161.909, lavrado em 10 de dezembro de 1999, no Cartório do 4º Ofício de Registro de Títulos e Documentos, desta Capital, determinando-se, pois, o cancelamento do malfadado instrumento. E – DOS DANOS MORAL E PATRIMONIAL AMBIENTAL 1 – Outra questão relevante, cuida-se do dano moral ambiental perpetrado pelos Requeridos, reparação esta perfeitamente cabível, cônsono previsão constitucional e inserto em lei extravagante. 2 Tanto é verdade que o art. 225, da CFB, prevê em seu parágrafo terceiro, com destaque do Autor: “AS CONDUTAS E ATIVIDADES CONSIDERADAS LESIVAS AO MEIO AMBIENTE SUJEITARÃO OS INFRATORES, PESSOAS FÍSICAS OU JURÍDICAS, A SANÇÕES PENAIS E ADMINISTRATIVAS, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” 3 Em seguida, sobrevem norma federal, a Lei 8.884/94, alterando a Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal 7.347/85), cujo artigo inaugural passou a ter a seguinte redação: “Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I – ao meio ambiente; II – ao consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, est ético, histórico, turístico e paisagístico; IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V – por infração da ordem econômica”. 39 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ 4 Ora, o direito da coletividade quanto à intocabilidade dos bens de uso comum do povo, que no caso em apreço foram, e estão sendo, desviados de suas funções originárias, patrocinadas pelo Município e demais Requeridos, efetivamente ofende o direito difuso da comunidade em vê-los preservados, ante o apelo estético e ambiental destes bens, garantido pela Carta Estadual: Art. 222 – Toda pessoa tem direito a fruir de um ambiente físico e social livre dos fatores nocivos à saúde: § 2º- Incumbe ainda ao Poder Público: XXI – preservar os valores estéticos indispensáveis à dignidade das aglomerações humanas. 5 E a cidade nada mais é do que o ambiente físico (classificado na doutrina como bem ambiental artificial) onde ocorre a interação social, de modo que a CFB impõe o planejamento urbano como meio de garantir a sadia qualidade de vida de seus moradores. Porém, no caso corrente, pouco importa este paradigma, pois, além de ameaçada em perder significativos canteiros e locais destinados à praças (ALÉM DE CICLOVIA, local onde está sendo erguido o posto de LOPES & CANUOT Ltda), ou outra obra social, e de interesse público (como rotatórias, terminais de ônibus coletivo urbano, etc), o dano já ocorreu em grande monta, face a construção de quatro postos, ora em andamento (com obras paralisadas via ordem judicial), inobstante o que já foi concluído e em operação, condutas estas passíveis, portanto, de gerar a reparação moral, ora pleiteada, inclusive, diga-se de passagem, a de natureza individual quanto aos dois operários que foram mortos, no AUTO POSTO KELLY/PETROBRAS S.A, a ser postulada em via própria e adequada, por quem de direito. 6 Ora, esta imperatividade está presente na própria Lei Orgânica Municipal, não implementada pelo Município Requerido: Art. 133 – É direito de todos o meio ambiente equilibrado, capaz de garantir a sadia qualidade de vida da presente e futuras gerações, cabendo ao Poder Público Municipal e à sociedade assegurar a efetividade desse direito. 7 É o que leciona os estudiosos da área, conforme fez-se juntar no PIP apensado (fls. 176/187) preciosa dissertação de autoria do colega de labuta ministerial, JOSÉ CARLOS DE FREITAS, que merece transcrição e de leitura até obrigatória, face 40 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ aos inúmeros desdobramentos positivos para as atuais e futuras gerações e dos gestores passageiros, e transitórios, da coisa pública: “... a estética é elemento relacionado com o desenho e o embelezamento da cidade, decorrente do traçado viário da polis e das edificações. A paisagem urbana é uma das preocupações do homem moderno, não só pelo seu aspecto plástico, como também pelos efeitos psicológicos que produz. ‘equilibrando, pela visão agradável e sugestiva de conjuntos e de elementos harmoniosos, a carga neurótica que a vida citadina despeja sobre as pessoas que nela hão de viver, conviver e sobreviver’. Os adornos das vias públicas por canteiros centrais floridos, ou mesmo a manutenção das praças, parques e áreas verdes constituídas por vegetação plantada ou nativa, além de contribuir com o embelezamento da cidade (preocupação estética), representa um fator de equilíbrio psicológico na população, funcionando como redutor da tensão no trânsito e do estresse causado pela vida atribulada moderna. Nessa função urbanística, como nas demais (habitação, trabalho e recreação), busca-se atender aos preceitos de conforto, estética, salubridade, funcionalidade e, sobretudo, de segurança, razão por que o Código de Trânsito Brasileiro consagrou o direito ao trânsito seguro. A edificação de prédio, aprovada pela Municipalidade, mas ao arrepio da legislação local, causa gravame ao patrimônio municipal urbanístico, por estar em jogo o interesse da coletividade quanto ao respeito às regras jurídicas urbanísticas, como garantia da qualidade de vida, e também sob o aspecto ético, correspondente à obrigatoriedade geral das normas jurídicas e à observância dos fins públicos dos atos administrativos”. 8 Para fechar com chave de outro, cita o mencionado autor, precedentes jurisprudenciais, de grande valia para o bom desate da questão: “O exercício da atividade comercial em zona estritamente residencial, implicando no agravamento das condições de degradação do ambiente urbano, motivou a mantença de decisão de primeiro grau determinando, liminarmente, a cessação daquela atividade, sob o argumento de que “a leniência com os comerciantes atuais incentivaria outros a ali abrirem suas lojas”. 41 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ “...JULGOU-SE PELA IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO, MESMO QUE NÃO TENHAM SIDO IMPLANTADOS OS PARQUES, JARDINS, ÁREAS VERDES E AFINS, PORQUE “A TUTELA ECOLÓGICA SE FAZ NÃO SÓ EM RELAÇÃO À SITUAÇÃO FÁTICA PRESENTE, MAS TAMBÉM VISANDO A IMPLANTAÇÃO FUTURA DOS MELHORAMENTOS AMBIENTAIS”. “...As vias públicas, que pertencem a essa categoria de bens, devem ser pavimentadas, conservadas e sinalizadas, de modo a oferecer segurança aos motoristas. Elas “integram o patrimônio indisponível da coletividade e são reguladas por normas de ordem pública, de sorte que daí exsurge a legitimação do parquet para velar por elas”. 9 Logo, impõe-se a reparação de dano moral ambiental urbanístico, face à agressão desencadeada pelos Requeridos, conforme lição doutrinária: “O dano moral ambiental vai aparecer quando, além (ou independentemente) dessa repercussão física no patrimônio ambiental, houver ofensa ao sentimento difuso ou coletivo. Ou seja, quando a ofensa ambiental constituir dor, sofrimento, ou desgosto de uma comunidade. Exemplificando, se o dano a uma paisagem causar impacto no sentimento da comunidade daquela região, haverá dano moral ambiental. O mesmo se diga da lesão física a um patrimônio histórico ou cultural, ou da supressão de um espaço público de lazer. Também são danos patrimoniais ambientais a lesão concreta a uma determinada paisagem (patrimônio paisagístico).”25 10 Assim, no caso corrente está plenamente configurada a ocorrência de danos ambientais de ordem patrimonial e moral, suscetível de estimativa e arbitramento judicial, face ao mau-estar gerado pela colocação de tapumes em canteiros centrais e praças, afugentando, por exemplo, as inocentes brincadeiras infantis, o passeio semanal ou diário, impondo sofrimento de forma difusa à coletividade, valendo dizer, a indivíduos indetermináveis, além da dor irreparável causada pela ofensa à estética da cidade, com a privação da comunidade em usufruir e gozar sadiamente os bens 25 PACCAGNELLA, Luis Henrique. Dano Moral Ambiental, In. Revista de Direito Ambiental, RT, SP, ed. nº 13, 1999, pág. 46. 42 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ de uso comum do povo, aliás direito subjetivo difuso e coletivo, que cederam lugar, infelizmente, ao interesse privado dos Requeridos, sob a batuta do Município, em verem a expansão econômica da atividade de revenda de combustíveis, notadamente da PETROBRÁS DISTRIBUIDORA S.A. 11 – Sobre o arbitramento dos danos difusos, poderão ser usados os mesmos parâmetros indicados para o dano individual, ou seja, a “ intensidade da culpa ou dolo; a extensão do prejuízo; a capacidade econômica e cultural do responsável e a necessidade de ser desestimulada a reiteração da ilicitude”, cabendo ao intérprete “sopesar no caso concreto: a extensão do prejuízo ambiental; a intensidade da responsabilidade pela ação ou omissão, inclusive pelo exame do proveito do agente com a degradação; a condição econômica e cultural do degradador e (estimar) valor suficiente para prevenção de futuros danos ambientais”26. 12 Deste modo, levando-se em conta a intensidade de culpa dos Requeridos, que tinham o dever de agir conforme os ditames legais já sobressaltados, face ao alto grau de conhecimento que possuem sobre a natureza poluidora dos empreendimentos, além da explícita vedação constitucional do Poder Público em exercer atos de mercancia destinados à revenda de combustíveis, sendo, portanto, indicativo de alta intensidade dolosa em quererem fraudar o Patrimônio Público, associado com o indevido proveito econômico obtido por todos, e, por outro lado, a dor e o desgosto imposto de forma difusa à coletividade, ante as razões já explicitadas, é que se impõe a condenação dos Requeridos ao pagamento de DEZ MIL SALÁRIOS MÍNIMOS, a título de reparação moral, bem como na condenação por danos patrimoniais, em quantia a ser apurada em liquidação de sentença, valor suficiente para reparar os danos patrimoniais causados aos bens de uso comum do povo, especificados na Lei Municipal nº 3.401/97 e reproduzidos nos Contratos Administrativo nº 012/98, de Locação firmado pelo EMPRESA AUTÓDROMO e respectiva Sub-locação, travestido de Mútuo aos POSTOS arrolados no polo passivo, pela PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A, que deve arcar, pela sua capacidade econômica e o dever moral que tem em respeitar a legislação aplicável no caso, diante do seu poderio econômico transnacional, com 2/3 da condenação, ora pleiteada, como medida eficaz para prevenir futuros danos ambientais desta natureza. 26 Idem, pág. 47. 43 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ ASSIM, requer a condenação dos Requeridos, conforme valor e critérios estabelecidos no item anterior, ao pagamento de danos morais e patrimoniais ambientais c/c as demais cominações pleiteadas nesta Ação Civil Pública. F – DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM EFEITO GENÉRICO 1 Compulsando vários casos em que foi negada a declaração de inconstitucionalidade via Ação Civil Pública, os Tribunais Superiores, notadamente o Excelso STJ, solidificou o entendimento de que a o manejo da ação coletiva não pode substituir a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade – ADIN, subtraindo a competência dos órgãos enumerados no art. 103, da Carta Federal, quando o dispositivo questionado cuidar-se de lei ou ato normativo federal ou estadual em divergência com a Lei Maior. 2 Na esteira deste entendimento, a lei municipal, em sede de ADIN, somente poderá ser desconstituída via argüição perante a Corte Estadual, pelas pessoas legitimadas no art. 123, da Carta Estadual, ainda que se cuide de declaração incidental ou como objeto principal da ação, segundo o art. 24, da Carta Local. Mas, isto, diga-se para reprisar, tratando de controle difuso, de efeitos genéricos ou erga omnes. 3 Logo, o que se impõe ao intérprete é se o órgão monocrático pode declarar a ilegalidade nos demais casos, ou seja, quando a inconstitucionalidade gerar efeitos somente entre partes contratantes, uma vez suscitado o tema em Ação Civil Pública. O Colendo STF afirmou positivamente quando enfrentou a questão, conforme interpretação feita pelo festejado Prof. ALEXANDRE DE MORAES, com grifo às custas do Autor: “Em conclusão, o que se pretende vedar é a utilização da ação civil pública como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, de forma a retirar do Supremo Tribunal Federal o controle concentrado da constitucionalidade das leis e atos normativos federais e estaduais em face da Constituição Federal. Essa vedação aplica-se quando os efeitos da 44 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ decisão da ação civil pública forem erga omnes, independentemente de tratar-se de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Por outro lado, não haverá qualquer vedação à declaração incidental de inconstitucionalidade (controle difuso) em sede de ação civil pública, quando, conforme salientado pelo próprio Pretório Excelso, ‘tratar-se de ação ajuizada, entre partes contratantes, na persecução de bem jurídico concreto, individual e perfeitamente definido, de ordem patrimonial, objetivo que jamais poderia ser alcançado pelo reclamado em sede de controle in abstracto de ato normativo.”27 4 Esta lição decorre da análise do seguinte julgado, ora reproduzido: “Reclamação... 2. Ação civil pública contra instituição bancária (...). 3. Ação julgada procedente em ambas as instâncias, havendo sido interpostos recursos especial e extraordinário. (...). 7. Na ação civil pública, ora em julgamento, dá-se controle de constitucionalidade da Lei nº 8.024/1990, por via difusa. Mesmo admitindo que a decisão em exame afasta a incidência de Lei que seria aplicável à hipótese concreta, por ferir direito adquirido e ato jurídico perfeito, certo está que o acórdão respectivo não fica imune ao controle do Supremo Tribunal Federal, desde logo, à vista do art. 102, III, letra b da Lei Maior, eis que a decisão definitiva de Corte Local terá reconhecido a inconstitucionalidade de lei federal, ao dirimir determinado conflito de interesses. (...). 8. Nas ações coletivas, não se nega, à evidência, também a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local. 9. A eficácia erga omnes da decisão, na ação civil pública, ut art. 16, da Lei nº 7.347/1997, não subtrai o julgado do controle das instâncias superiores, inclusive do STF. No caso concreto, por exemplo, já se interpôs recurso extraordinário, relativamente ao qual, sem situações graves, é viável, emprestar-se ademais, efeito suspensivo. (...)’. (STF – Pleno Recl. nº 600-0/SP – Rel. Min. Néri da Silveira, j. 3-9-97)”.28 (Cf. ainda “STF – Pleno – Reclamação nº 602-6/SP – Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 3-91997. Conferir, ainda, STF – 1ª T.- Recl. nº 611-5/PR – Rel. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I, 1º abr. 1998, p. 12)”.29 27 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2000, p. 565/7 Idem. 29 Idem. 28 45 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ 5 Aliás a Augusta Corte Estadual já enfrentou o tema, em sede de ADIN proposta pelo Município, ora Requerido, em v. Despacho da lavra do eminente Des. Oswaldo Rodrigues de Melo, quando no exercício da Presidência, sumulando que (destaque nosso): “LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL, QUE COLIDA COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SÓ PODE SER OBJETO DE CONTENCIOSO in concreto (RTJ 93/459)”. 30 6 Em outra ocasião, na seara deste entendimento para melhor interpretação do difícil e nebuloso tema, o e. TJMS leciona, com destaque nosso: “CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. TAXA DE ILUMINAÇÃO PUBLICA. LEGITIMIDADE PASSIVA. Em ação de consignação em pagamento, a legitimidade para a causa, pela própria natureza do instituto, deve ser interposta contra quem detenha a obrigação do recebimento e poderes para liberar o pagamento. INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL. COMPETÊNCIA. Na inconstitucionalidade "incidenter tantum", onde se objetiva alcançar efeito entre as partes, todo juiz monocrático é competente para sua apreciação. (....) (Apelação Cível - Classe B - XIX, 425461. Três Lagoas. Rel. Des. Atapoã da Costa Feliz. Primeira Turma Cível Isolada. Unânime. J. 18/06/1996, DJ-MS, 29/08/1996, pag. 06). 7 Assim, conclui-se, sem sombra de dúvida, que na presente Ação Civil Pública, em razão de que os efeitos do reconhecimento da inconstitucionalidade atingirá somente as partes que contrataram com o Município, não alcançando outras relações jurídicas, de modo genérico, impõe-se a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.401/97 em face do que dispõe os seguintes dispositivos da Carta Estadual a) art. 168: “Não será permitida a exploração de atividades econômicas pelo Estado, salvo quando motivadas por relevante e justificado interesse coletivo, na forma da lei”. 30 Proc. nº 0060804-ADIN, Capital, DJMS nº 4837, de 17.08.96, pág. 04. 46 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ b) artigo 213, inciso III “Art. 213 – A política urbana, a ser formulada em conjunto pelo Estado e pelos Municípios, e executada por estes, estabelecerá as diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano e assegurarão: III – que as áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes, institucionais ou correlatas não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos alterados”. c) Art. 222: Toda pessoa tem direito a fruir de um ambiente físico e social livre dos fatores nocivos à saúde: § 2º- Incumbe ainda ao Poder Público: XXI – preservar os valores estéticos indispensáveis à dignidade das aglomerações humanas. 7.1 – Bem como face aos seguintes dispositivos da Carta Federal: a) art. 173: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. b) art. 238: “A LEI ORDENARÁ A VENDA E REVENDA DE COMBUSTÍVEIS DE PETRÓLEO, ÁLCOOL CARBURANTE E OUTROS COMBUSTÍVEIS DERIVADOS DE MATÉRIAPRIMAS RENOVÁVEIS, respeitados os princípios desta Constituição” c) art. 30, II: “Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local, e; II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”. 47 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ d) art. 23, parágrafo único: “Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional” e) Art.37: “A administração pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 7.2 – Ainda em face dos seguintes dispositivos: a) Portaria nº 116, de 05.07.2000: - A atividade de revenda varejista de combustível automotivo somente poderá ser exercida por pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras que atender, em caráter permanente, aos seguintes requisitos: I - possuir registro de revendedor varejista expedido pela ANP; e II dispor de posto revendedor com tancagem para armazenamento e equipamento medidor de combustível automotivo” . “ Art. b) 3º Código Civil Brasileiro – Art. 66, I: “I – Os de uso comum do povo, tais como os mares, rios, estradas, ruas e praças; c) Art. 7º, do Decreto-Lei nº 271/67, “É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social 8 Por outro lado, considerando que a natureza da mencionada norma municipal, ora objeto de questionamento, autoriza a apreciação judicial, porque é lei de efeito concreto e, substancialmente, administrativa, por contrariar os princípios constitucionais de eficácia plena e de autoexecutoriedade, é que 48 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ se impõe a sua anulação e, consequentemente, seja declarada inconstitucional, para os efeitos nela encerrados, que produzirá, repita-se, conseqüências somente entre os Requeridos, face à titularidade ministerial em proteger os interesses sociais indisponíveis, por expressa previsão constitucional (art. 127, CFB e art. 126, da CE). ASSIM, como pleito meramente acessório, diante da controvérsia da matéria, é imperativa a decretação de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.401/97, o que se não for acolhido, em nada modificará a sorte dos Requeridos, em razão dos demais pedidos tidos como principais, aliás suficientemente fundamentados para a anulação do malfadado Contrato Administrativo (ilegalidade), tese esta mais confortável e impassível de rebuliço doutrinário e jurisprudencial. V – DO PEDIDO 1) P R E L I M I N A R M E N T E: a) DA RATIFICAÇÃO DA CONCESSÃO DE LIMINAR: tendo em vista a concessão de ordem liminar proferida no Agravo de Instrumento nº 2001.005242-6, proferida pelo e. TJMS, da lavra do d. Des. JORGE EUSTÁCIO DA SILVA FRIAS, destinada à preservação de resultado útil do processo ora aforado, determinando a “imediata paralisação das obras de construção de postos de combustível em andamento, objetos do contrato de concessão”, sob pena de pagamento de multa-diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por parte do Requerido que insistir na continuação da obra – conforme v. Decisão carreada nos autos preparatório em apenso – requer a ratificação da mesma, pois, presentes os idênticos motivos que autorizaram o deferimento da cautela pleiteada, ou seja, o “periculum in mora”, face ao risco de irreversibilidade e o “fumus boni juris” da pretensão, acolhidos em sede recursal e ora espancados exaustivamente, tornando-a deferida até o julgamento final desta Ação Civil Pública, em caso de (im)procedência, em virtude de provável dano inverso a ser causado aos próprios Requeridos, se a “res judicato”, em último grau recursal, tutelar os interesses difusos objetos da lide em tela. b) REQUER A EXTENSÃO DOS EFEITOS DA LIMINAR à Requerida PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A, ora arrolada no polo passivo da ação principal. c) REQUER, como complemento à paralisação ordenada, sejam a PETROBRÁS S.A e seus Mutuários, ora Requeridos, AUTO POSTO SAGITARIUS LTDA e LOPES & CANUTO LTDA, estabelecidos, 49 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ respectivamente, na av. Mato Grosso e na Av. Cel. Antonino, compelidos a retirarem os tapumes que cercam os canteiros públicos, ante ao risco que estão provocando à livre circulação de pessoas e falta de visibilidade aos motoristas que cruzam o local, conforme atestam as fotografias juntadas, além de correrem o risco de se desprenderem com as intempéries do tempo e casar danos ao livre trânsito de pessoas e veículos naquelas imediações. d) Requer o apensamento desta aos Autos de Ação Cautelar Inominada nº 2001.001253-0, em trâmite neste e. juízo, bem como a juntada da anexa investigação (PIP nº 015/2000). e) Requer a CITAÇÃO do Município Requerido, na pessoa do seu ProcuradorGeral, bem como dos demais Requeridos, na pessoa de seus representantes legais para defesa, querendo, sob pena de revelia. 2) M E R I T O R I A M E N T E a) Ao final, requer a procedência da presente ação, para: I – com base no art. 25, IV, da Lei Federal nº 8.625/93, anular o Contrato Administrativo nº 012/98, diante da impossibilidade constitucional do exercício de atividade econômica pelo Município de Campo Grande/MS, consistente na revenda de combustíveis de petróleo, face aos fundamentos acima expendidos; II – a anulação do mencionado Contrato, pela possibilidade de se fazer concessão de direito real de uso somente sobre bens dominicais, porém, jamais sobre bens públicos de uso comum do povo, como é o caso em deslinde; III – a anulação do Contrato de Locação, firmado entre a EMPRESA AUTÓDROMO e PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A, com anuência do MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE/MS, protocolado sob nº 197.283, do Livro A-9, registro nº B-185 e nº 161.909, lavrado em 10 de dezembro de 1999, no Cartório do 4º Ofício de Registro de Títulos e Documentos, desta Capital, determinando-se, pois, o cancelamento do instrumento, em razão da impossibilidade jurídica de locação de bens de uso comum do povo. b) E/Ou se assim entender este egrégio juízo, a procedência para: * A declaração, incidenter tantum, de ilegalidade e de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.401/97, reconhecendo sua contrariedade com as Cartas Federal e Estadual, segundo 50 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ dispositivos supra transcritos, em vista de que os efeitos desta declaração não atingirá outras relações jurídicas, de forma genérica, o que é terminantemente vedado em sede de Ação Civil Pública, mas apenas o conjunto individualizado e certo de Requeridos, ora arrolados. c) Em caso contrário, com permissão do art. 289, do CPC, a procedência para: I - anular, pelas razões já invocadas, pelo advento da caducidade, o Contrato Administrativo nº 012/2000; II – e ante a ausência de prévio licenciamento ambiental, impor a obrigação de fazer o licenciamento estadual, segundo o disposto na Lei Federal nº 6.938/81 (art. 10), Resolução Estadual nº 001/89 e Resolução CONAMA nº 273/2000, bem como a obrigação de nãofazer as edificações até a expedição de todas as licenças, segundo os ditames legais; III - E, por conseguinte, a procedência da Inicial, determinando a imposição de obrigação de fazer o EIA-RIMA, para todos os particulares ora arrolados passivamente, inclusive ao Requerido POSTO SAGITARIUS LTDA e PETROBRAS S.A a não fazer a construção do posto de combustível sem a autorização legal do Comitê Gestor da Reserva Ecológica do Parque dos Poderes. d) Em assim julgando, total ou parcialmente, procedente a presente demanda coletiva, requer o deferimento das seguintes cominações: I - determinar aos Requeridos a obrigação de fazerem a demolição das construções de alvenaria e todos seus acessórios como fiação, tubulações soterradas e prédios erguidos no meio dos canteiros e praças ocupados, inclusive a retirada de tanques e bombas de combustíveis, transferindo-os para local seguro e a cargo dos mesmos, sem causar derramamento ou danos ao meio ambiente natural ou artificial, sob as cominações da Lei Federal nº 9.605/98. II – impor esta idêntica obrigação de fazer ao AUTO POSTO KELLY e PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A a fazerem a demolição das obras efetuadas naquele local, no prazo de trinta (30) dias, sob pena de pagarem multa de R$ 10.000,00 (Dez mil reais) ao dia, em caso de descumprimento, sem prejuízo de outras sanções legais. 51 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ e) e, finalmente, com fulcro no art. 1º, da Lei nº 7.347/85, a CONDENAÇÃO dos Requeridos ao pagamento de DANOS MORAIS AO MEIO AMBIENTE, a serem fixados levando-se em conta as circunstâncias seguintes: d.1 - a intensidade de culpa dos demandados, que tinham o dever de agir conforme os ditames legais já sobressaltados, INCLUSIVE A PETROBRAS DISTRIBUIDORA, notória especialista do ramo, devido ao seu alto grau de conhecimento que possui sobre a natureza poluidora dos empreendimentos, além da explícita vedação constitucional do Poder Público em exercer atos de mercancia destinados à revenda de combustíveis, O QUE ERA DO SEU PLENO CONHECIMENTO, que parece ter ocultado, propositadamente, induzindo o Município de Campo Grande/MS em erro, sendo, portanto, indicativo de alta intensidade dolosa em querer fraudar o Patrimônio Público, juntamente com a EMPRESA AUTÓDROMO, somado ao indevido proveito econômico que obtiveram; d.2 - e, por outro lado, a dor e o desgosto imposto de forma difusa à coletividade, que de repente acordou com os canteiros e praças cercados por tapumes, precedidos de máquinas e homens deteriorando os locais de uso de todos, pondo ao chão árvores e gramados, soterrando história e anseios locais por melhores condições de vida, posto que originariamente destinados ao lazer e ampliação de obras públicas e sociais, ceifando todo um projeto coletivo de assegurar, como rezado constitucionalmente, a sadia qualidade de vida, que restou abalada, inclusive com a morte de dois operários na construção do Auto Posto Kelly/Petrobras s.a, sem prejuízos de futuros danos individuais, além dos coletivos de efeitos retardados no tempo, como a poluição lenta e fatal dos recursos hídricos, a quem competia o Poder Público zelar; IMPONDO-SE aos Requeridos a condenação ao pagamento de DEZ MIL SALÁRIOS MÍNIMOS (10.000), a título de reparação moral, impingindo à Requerida PETROBRAS DISTRIBUIDORA S.A, pela sua capacidade econômica e o dever moral que tem em respeitar a legislação aplicável, levando-se em conta o seu poderio econômico transnacional, o pagamento de 2/3 da condenação, ora pleiteada, como medida eficaz para prevenir futuros danos ambientais desta natureza. E: 52 MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotorias Especializadas de Campo Grande – MS _____________________________________________________ por outro lado, como corolário lógico da obrigação de desfazerem as obras, sejam os Requeridos condenados ao pagamento de danos patrimoniais, em quantia a ser apurada em liquidação de sentença, valor suficiente para reparar os danos estéticos e ambientais causados pelos mesmos. Protesta prova o alegado pelos inclusive prova pericial, testemunhal etc. meios permitidos, Atribuindo-se à causa o valor de R$ 2.000.000,00 (Dois Milhões de reais), requer a condenação dos Requeridos nos ônus de sucumbência, em valores a serem recolhidos a favor do Fundo Estadual de Defesa e de Reparação de Interesses Difusos Lesados, segundo a Lei Estadual nº 1.721/96, por previsão na Lei Federal nº 7.347/85 (art. 13), além de honorários advocatícios a serem fixados em 20% sobre o valor da causa, com fulcro no art. 20, § 3º, do CPC, e recolhido ao Fundo Especial de Apoio e Desenvolvimento do Ministério Público – FEADMP/MS – na forma prevista no art. 2º, inciso VI, da Lei Estadual nº 1.861, de 3 de julho de 1998. E. M. D Campo Grande, 24 de julho de 2001. AROLDO JOSÉ DE LIMA Promotor de Justiça 53