João Paulo Dias Paula Fernando Teresa Maneca Lima O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Oficina do CES n.º 272 Março de 2007 João Paulo Dias, Paula Fernando e Teresa Maneca Lima Centro de Estudos Sociais O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Resumo: O Ministério Público em Portugal, ao contrário do que é corrente afirmar-se, alterou bastante as suas características ao longo dos tempos. Ainda que mantendo uma matriz de defensor da legalidade, tal como antes defendia os interesses do Rei, a diversidade de funções que foi assumindo conferiu-lhe uma importância bastante grande na “arquitectura” do sistema judicial e como garante da legalidade e dos direitos dos cidadãos. Apesar das dificuldades sentidas, devido ao volume processual, à crescente complexidade dos assuntos que chegam aos tribunais e às limitações em termos de recursos humanos, materiais e financeiros, é hoje inquestionável o seu papel no seio do poder judicial português. O objectivo principal deste artigo é estudar, de forma historicamente contextualizada, a evolução do Ministério Público, procurando caracterizar e distinguir as suas principais competências, funções, mecanismos de recrutamento, formação e avaliação. Dar uma maior visibilidade a este actor crucial no funcionamento da justiça e, ao mesmo tempo, detectar as tendências em termos de evolução do actual modelo, são outros objectivos secundários que se pretendem atingir. Por fim, considera-se necessário realçar a diversidade de competências exercidas, para além da matéria criminal, mostrando um actor multifacetado, com um grau de responsabilidade superior à opinião que, muitas vezes, é veiculada em termos mediáticos. Hoje em dia, é comum referir-se que atravessamos períodos de grandes turbulências de escalas e de intensidades variadas (Santos, 1996), em que os tradicionais alicerces das sociedades modernas têm vindo a ser questionados e debatidos, embora as propostas de solução ainda não sejam, por vezes, claras e, muito menos, consensuais. Entre as discussões mais polémicas está a referente ao modelo de organização estatal e, dentro deste, destacamos, o papel que compete ao poder judicial na aplicação do direito ou dos direitos.1 1 A definição de direito a que nos referimos é a concebida por Santos (2000: 269), consistindo num “corpo de procedimentos regularizados e de padrões normativos, considerados justificáveis num dado grupo social, que contribui para a criação e prevenção de litígios, e para a sua resolução através de um discurso argumentativo, articulado com a ameaça de força”. O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? A separação tripartida de poderes do Estado, tal como a concebeu Montesquieu, passou a ser muito mais difusa e complexa, não podendo o poder judicial ser agora classificado, como o fez Alexander Bickel, como o “menos perigoso” dos três (in Santos, 1999: 67). O poder judicial tanto é o “terceiro poder” como, de imediato, se transforma no poder dominante ou, pelo menos, num poder primordial. Denis Salas (1998) transporta-nos, em relação a França, para uma realidade jamais vista em tempos passados, na qual o poder judicial sai da sua “tradição Republicana” de subjugação aos restantes poderes estatais para “reencarnar” num novo papel. Este papel emergente deve-se, quer às transformações ocorridas no interior do poder judicial, quer à renovação da própria sociedade civil, a qual exige uma instância imparcial, capaz de julgar os até agora considerados acima da lei, e assim reequilibrar os diversos poderes estatais existentes no seio dos sistemas democráticos representativos. Nas últimas décadas temos, assim, assistido a um crescente protagonismo dos tribunais, um pouco por toda a parte, que corporiza os efeitos dos processos de globalização. Entre os actores judiciais mais mediatizados, por força e natureza de alguns processos judiciais mais sensíveis e importantes, temos o Ministério Público. A sua acção, desenvolvida desde a democratização do sistema judicial português, ocorrido no pós-25 de Abril de 1974, a par de uma magistratura relativamente renovada em termos geracionais, consolidou um modelo organizacional e um leque de competências que “catapultou” a sua importância para um patamar jamais visto desde a sua origem. É, por isso, alvo de discussões actuais sobre: se deve, ou não, exercer mais, ou menos, competências; se deve, ou não, deter um papel tão preponderante no seio do interior do sistema judicial; se deve, ou não, ter um estatuto paralelo ao dos juízes; e/ou se deve, ou não, ter uma autonomia legal e funcional face ao poder executivo. Estas e outras questões são de capital importância para a reflexão sobre o modelo de sistema judicial que se quer para o futuro (Pedroso, Trincão e Dias, 2003). Neste artigo, procuramos contribuir para um situar, breve, da arquitectura do Ministério Público, procurando caracterizá-lo em termos de competências e funções, ainda que contextualizando-o historicamente. Defendemos que uma mudança nas suas competências ou modelo organizacional deve ter em consideração, não só o seu desempenho, mas também a sua história, o equilíbrio constitucional e jurídico com os outros actores judiciais e com a função social que detém. 2 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? 1. Evolução histórica do Ministério Público As origens do Ministério Público são muitas vezes procuradas quer no direito romano, quer no direito grego. Relativamente ao direito romano, somente no último século da República é que “o magistério penal se edifica como verdadeira e própria função pública, isto é, não somente como um direito mas como um dever do Estado” (Rodrigues, 1999b: 36). Por outro lado, diversos autores vêem traços de identidade do Ministério Público em cinco das instituições do direito romano: os censores, vigilantes gerais da moralidade romana; os defensores das cidades, criados para denunciar ao imperador a conduta dos funcionários; os irenarcas, oficiais de polícia; os presidentes das questões perpétuas; e os procuradores dos césares, instituídos pelo imperador para gerir os bens dominiais. Porém, quando analisadas uma a uma, segundo Cunha Rodrigues (1999b), nenhuma evidencia uma instituição que reúna as características que hoje definem o Ministério Público; contudo, todas elas têm desta instituição algum sinal. Senão vejamos: os censores e os defensores das cidades assemelham-se, em determinados aspectos, à parte promotora; os irenarcas bem que poderiam ser os antecessores da Polícia Judiciária; os presidentes das questões têm poderes muito semelhantes aos que o Ministério Público exerce em matéria de inquérito; por fim, os procuradores dos césares correspondem às funções do Ministério Público como advogado dos interesses privados do Estado. Apesar destas semelhanças, alguns autores advogam que não se deverá pensar que as origens dos Ministério Público se devem situar nas instituições e direito romano. Embora algumas das funções que hoje reconhecemos ao Ministério Público já existirem na Grécia, em Roma e no início da Idade Média, a verdade é que se tratava de funções atribuídas a pessoas que não representavam uma estrutura nem usufruíam de um estatuto semelhante ao que hoje caracteriza o Ministério Público (Rodrigues, idem: 41). Flores Prada (1999), no que respeita às origens do Ministério Público na Península Ibérica, e socorrendo-se de Gimeno, Casavola e Ruiz Gutiérrez, aponta, por exemplo, para os advocatus fisci com uma função semelhante à que Cunha Rodrigues descreve como procuradores dos Césares. 3 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? 1.1. Contexto Histórico do Ministério Público em Portugal As origens mais remotas do Ministério Público, em Portugal, têm sido pouco discutidas. Existe uma certa unanimidade em afirmar que foi a organização francesa que inspirou as reformas que muitos países introduziram nesta magistratura, a partir do final do século XVIII. Porém, o Ministério Público aparece de uma forma já desenvolvida, em França, no século XV, com a “necessidade de instituir, junto dos tribunais, advogados e procuradores que mantivessem a autoridade da coroa que, nessa época, simbolizava a autoridade da lei e o interesse da nação contra as prerrogativas dos grandes vassalos e as pretensões do foro eclesiástico” (Rodrigues, 1999b: 42).2 Mais tarde foi acrescentada às suas funções a acusação penal dos criminosos. Em 1789, acontece uma reforma no sentido de converter o Ministério Público em órgão judiciário, retirando-lhe natureza política e atribuindo-lhe as funções dominiais. Mas é somente em 1810 que o Ministério Público vê, de forma expressa, definidas as suas funções de representação do poder executivo junto da autoridade judiciária. O aparecimento do Ministério Público em Portugal, como organização estável e permanente, remonta ao século XIV (Chaves e Castro, 1910). Apesar de aparecerem referências aos procuradores e advogados do rei, aquando da fundação da monarquia, não se tratavam de cargos permanentes, e sim de nomeações para casos específicos. Somente no tempo de Afonso III surge o cargo de procurador do rei com características de permanência. Contudo, a organização do Ministério Público, em termos definitivos, acabará apenas por acontecer em 1832, através do Decreto n.º 24, de 16 de Maio. Este diploma “é um marco fundamental na história do Ministério Público e deve-se a Mouzinho da Silveira, então Ministro e Secretário de Estado da Repartição dos Negócios da Justiça” (Rodrigues, 1999b: 49) A estruturação institucional do Ministério Público feita no século XIX apresenta alguns traços que perduraram no tempo, nomeadamente a hierarquização dos magistrados. Em 1835 é publicado um decreto-lei onde se estabelece um conjunto de normas de procedimento “em que se inclui o dever da unidade” (idem: 50). Com a Novíssima Reforma Judiciária, em Maio de 1841, afirma-se a responsabilidade dos 2 Jean-Marie Carbasse aponta para o final do século XIII as origens remotas do Ministério Público francês (Parquet), ainda que não detivesse as características que viria, de facto, a adquirir já no século XV. Neste período, os ‘officialités’, ligados às jurisdições eclesiásticas, e os ‘procureurs du roi’, ainda como meros representantes do Rei, são os que mais se assemelham ao que viria a dar origem, no século XIV, aos primórdios do Parquet (2000: 11) 4 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? magistrados e as atribuições do Ministério Público referentes à promoção da legalidade pela defesa da independência dos tribunais, pelo exercício da acção penal, pela fiscalização dos funcionários da justiça e pelo exercício de funções consultivas. Deste modo, na intervenção do Ministério Público, encontram-se abrangidos: conflitos de jurisdição e competência; reforma de autos; justificação de heranças ultramarinas; habilitações e justificações para a sucessão de bens da coroa; mercês em recompensa de serviços feitos ao Estado; expropriações; confirmação de sentenças estrangeiras; custas; acções sobre o Estado de pessoas e tutelas. Compete, ainda, ao Ministério Público intervir relativamente a pessoas a que o Estado deva protecção e o exercício de funções de vigilância relativamente a estabelecimentos prisionais. 1.2. O século XX e os estatutos judiciários Decorria o ano de 1901 quando uma reorganização profunda foi feita no Ministério Público. Entre as inovações mais importantes destacam-se o estabelecimento, para os magistrados, de casos taxativos de demissão e suspensão e a garantia de não serem suspensos ou demitidos sem audiência prévia do visado e do Supremo Conselho da Magistratura do Ministério Público. Ao mesmo tempo, adoptaram-se regras de classificação dos magistrados e mecanismos de acesso semelhantes aos já existentes para a magistratura judicial. Desde esta data até 1927, pouca legislação reguladora do Ministério Público foi publicada, continuando a organização judiciária a regular-se pela Novíssima Reforma Judiciária. Somente em 1927, com a publicação dos estatutos judiciários, se estabilizam as atribuições do Ministério Público, principalmente em matéria consultiva, sendo criado o Conselho Superior do Ministério Público. Atente-se, por exemplo, às palavras de Cunha Rodrigues sobre esta matéria: “[Esta reforma] representa a primeira iniciativa codificadora deste século relativamente a todo o sistema judicial. Agrupou no mesmo texto as matérias relativas à organização judicial do território, ao estatuto das secretarias e estatuto do pessoal, ao mandato judicial, incluindo a organização da Ordem dos Advogados, ao estatuto dos solicitadores e à assistência judiciária. Trata-se de um verdadeiro código judiciário, a cujo modelo obedeceram os Estatutos posteriores” (1999b: 61-62). 5 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Podemos então afirmar que o primeiro Estatuto Judiciário desenvolve e aperfeiçoa disposições referentes ao Ministério Público, salientando já um conjunto de garantias para os magistrados, principalmente na relação com a magistratura judicial, para a definição dos princípios de independência, responsabilidade e inamovibilidade. Aparece definido o Ministério Público como “representante do Estado e da sociedade fiscal no cumprimento da lei”. Por outro lado, estabelece que o Procurador-Geral da República continua a prestar declarações ou compromisso de honra perante o Ministro da Justiça, mas toma posse perante o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Apesar das constantes alterações a este estatuto, somente em 1944, com o Decreto-Lei n.º 33 547, de 23 de Fevereiro, se introduzem algumas inovações relativamente ao Ministério Público. No preâmbulo do referido decreto-lei, da autoria do Ministro da Justiça Vaz Serra, há, desde logo, a preocupação de precisar o âmbito de intervenção processual do Ministério Público, estabelecendo-se que, no caso de representação de incapazes, pode sobrepor-se à do próprio representante legal e impondo-se genericamente a intervenção, sempre que no processo estiver em causa um interesse público, de harmonia, segundo o referido preâmbulo, “com a tendência moderna de não deixar desenvolver-se, pelo simples jogo dos interesses privados neles envolvidos, os litígios de que um interesse público está ao mesmo tempo dependente". Apesar destas alterações e definições de estatuto, segundo Cunha Rodrigues (1999b: 67), ainda não foi com esta reforma que se resolveu a questão da separação nítida que deve existir entre as magistraturas judicial e do Ministério Público. É em 1962, com o decreto-lei n.º 44 278, de 14 de Abril, e as suas consequentes alterações, que o Ministério Público vê as suas atribuições serem consideravelmente ampliadas, especialmente em matéria consultiva. Mantém-se a estrutura hierarquizada, na estrita dependência do Ministro da Justiça. Embora esta hierarquia piramidal aprofundasse a subordinação funcional e política, a nível do exercício dos poderes disciplinar e directivo havia uma intermediação do Conselho Superior do Ministério Público (Dias, 2004: 46; Rodrigues, 1995: 16). A nomeação para os cargos superiores do Ministério Público estava, em regra, associada a uma subordinação manifesta ao regime político do Estado Novo (Costa, 1998: 179; Cluny, 1992: 134). A magistratura do Ministério Público, por outro lado, mantinha-se como vestibular da magistratura judicial, situação que apenas terminou com a aprovação da Constituição da República de 1976. 6 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? 1.3. Da Revolução de 1974 à Constituição da República de 1976 No período imediatamente anterior ao 25 de Abril de 1974, as polémicas começavam a sentir-se na área da justiça, à imagem do que acontecia noutros sectores da sociedade portuguesa. Vários acontecimentos contribuíram para o “vir ao de cima” do descontentamento que circulava pelos meios judiciais, desde artigos publicados nos jornais pelo magistrado Francisco Velozo e pelo advogado Magalhães Godinho, a intervenções no Instituto de Conferências da Ordem dos Advogados, dinamizadas por Palma Carlos, Artur Santos Silva e Salgado Zenha, até a estudos e colóquios, como o efectuado em 1972, em Braga, os sinais eram cada vez mais sintomáticos de uma vontade de mudança (Rodrigues, 1999b: 69-70). O projecto de Francisco Sá Carneiro para reformular a justiça, extinguindo os Tribunais Plenários e garantindo a independência e o auto-governo da magistratura, sintetizava uma das posições contestatárias ao status quo vigente (Miranda, 1999: 9-10). A outra posição, mais próxima à magistratura judicial, visava apenas a garantia das especificidades das suas funções, nomeadamente em relação aos quadros, ao acesso à carreira e às remunerações. As primeiras mudanças ocorreram, contudo, no contexto da revolução de 25 de Abril de 1974. A deposição do Governo de Marcello Caetano, pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), originou a adopção de políticas de justiça que iam ao encontro das expectativas democráticas da população. As primeiras medidas adoptadas pelo MFA inspiraram-se nos princípios defendidos no Congresso da Oposição Democrática (1973) e nas posições assumidas pela ala liberal do Governo nos últimos anos do Estado Novo. Deste modo, os primeiros governos provisórios, liderados na pasta da Justiça por Salgado Zenha, procuraram rapidamente implementar as medidas necessárias à desafectação do poder judicial da tutela dos poderes executivo e legislativo, como, por exemplo, a alteração da composição do Conselho Superior Judiciário, a abertura das magistraturas às mulheres ou a extinção dos tribunais plenários. Neste contexto, o sindicalismo judiciário começou a “ferver”, destacando-se, neste campo, o aparecimento e actuação do Sindicato dos Delegados do Procurador da República. Com Salgado Zenha como Ministro da Justiça, foi criado um conjunto de comissões de reforma judiciária que ajudaram a lançar o debate sobre o futuro do sistema judicial português, inventariando os problemas e propondo novos caminhos. Numa época de “efervescência” ideológica, os debates rapidamente resvalavam para 7 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? soluções pouco razoáveis e, essencialmente, pouco práticas. Na opinião de Cunha Rodrigues, os projectos apresentados pelos vários partidos políticos apresentavam soluções distintas: “os do Partido Socialista e do Partido Comunista são tendencialmente neutros e generalistas, os do Partido Popular Democrático e do MDP-CDE evidenciam um considerável e inovador conjunto de sugestões, o do Centro Democrático Social é tradicionalista, limitando-se a introduzir ao sistema anterior os ingredientes indispensáveis à sua democratização” (1999b: 71-72). O poder judicial saído deste período, e actualmente em vigor, incorpora princípios que a história tem demonstrado serem difíceis de conciliar: a par de uma independência jurisdicional e funcional relativamente aos outros poderes do Estado (executivo e legislativo), configura os titulares dos órgãos de soberania numa organização bicéfala: magistrados judiciais e magistrados do Ministério Público. Como órgãos de gestão e de disciplina das magistraturas temos, pelo lado do Ministério Público, o Conselho Superior do Ministério Público, e pelo dos juízes, o Conselho Superior da Magistratura. Após a revolução de 25 de Abril de 1974 e a instauração do regime democrático, partiu-se para uma organização judiciária na qual a capacidade de interferência por parte do poder político diminuiu consideravelmente, de tal forma que as sucessivas revisões da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, do Estatuto do Ministério Público e do Estatuto dos Magistrados Judiciais erradicaram os poderes interventivos e directivos do Ministério da Justiça que ainda persistiam do regime anterior (mantendo-se apenas o poder de emitir instruções em acções cíveis em que o Estado é defendido pelo Ministério Público). 2. A Arquitectura Legal do Ministério Público 2.1. O Ministério Público na Constituição da República Portuguesa A Constituição da República do novo regime democrático só foi aprovada quase dois anos após o 25 de Abril de 1974, a 2 de Abril de 1976, pela então Assembleia Constituinte. Deste modo, foi após a publicação da Constituição de 1976, que consagrou os tribunais como órgãos de soberania, no artigo 113.º (actual artigo 110.º, após a revisão de 1997), que se estipulou a independência do seu funcionamento como um dos 8 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? princípios básicos do sistema judicial português (Marques, 1999: 413) e se passaram a definir as suas competências. De seguida, aprovaram-se, sucessivamente, a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, o Estatuto dos Magistrados Judiciais e a Lei Orgânica do Ministério Público. Seguiu-se a lei relativa à instituição do Centro de Estudos Judiciários como pólo de recrutamento e formação de magistrados, abolindo o anterior sistema de nomeação.3 O Estatuto que veio enquadrar os Tribunais Administrativos e Fiscais só foi publicado em 1984, pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril (Dias, 2004: 49 e ss.). Enquanto, anteriormente a 1976, a referência ao Ministério Público aparecia para lhe conferir o estatuto de representante do Estado junto dos tribunais, a Constituição de 1976 veio atribuir-lhe um Capítulo do Título respeitante aos Tribunais.4 Neste, a definição das funções, a hierarquização da magistratura e a garantia de inamovibilidade, bem como a atribuição conferida, como órgão superior do Ministério Público, à Procuradoria-Geral da República tem um especial destaque. Assim o Ministério Público é definido constitucionalmente como uma das “componentes pessoais dos tribunais” (Canotilho e Moreira, 1985). Isto porque as demais definições, competências ou estrutura organizativa do Ministério Público são remetidas para as leis a aprovar pela Assembleia da República. Em relação à Constituição da República, as alterações introduzidas nas revisões de 1982, 1989, 1992 e 1997 vieram conferir uma maior especificidade às funções e atribuições dos vários órgãos judiciais, além de atribuir relevância constitucional a determinadas características consideradas fundamentais.5 Por exemplo, foi apenas na revisão de 1992 que ficou estabelecido que o Ministério Público detém um estatuto próprio e uma autonomia funcional. Tal autonomia estava, no entanto, já consagrada na sua Lei Orgânica de 1978 (Lei n.º 39/78, de 5 de Julho) e foi mantida nas seguintes (sendo reforçada pela Lei n.º 23/92, de 20 de Agosto). “A autonomia do Ministério Público vale face ao Governo e também face à magistratura judicial. Na sua primeira vertente ela significa que ele não depende hierarquicamente do Governo, o qual não lhe 3 Sobre a criação e evolução do Centro de Estudos Judiciários e o seu papel na formação dos magistrados em Portugal, incluindo o estudo de direito comparado, ver Gomes e Pedroso (2001) e Santos, Pedroso e Branco (2006). 4 Capítulo IV do Título VI referente aos Tribunais (arts. 224º, 225º e 226º). 5 Não abordamos as revisões da Constituição da República, ocorridas em 2001, 2004 e 2005, por estas não terem tido qualquer interferência com os tribunais ou a sua organização. 9 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? pode dirigir ordens ou instruções nem influir no respectivo governo e administração” (Canotilho e Moreira, 1993: 80).6 Ao contrário do estipulado para os magistrados judiciais, e dado que as carreiras são paralelas mas separadas, não se inseriu então qualquer disposição referente aos magistrados do Ministério Público no texto constitucional, ficando estes integrados no Capítulo IV, referente ao Ministério Público, o qual apenas compreende duas normas (artigos 219.º e 220.º). Mesmo assim, verificou-se uma evolução face ao disposto na Constituição de 1976, na qual, embora houvesse três artigos consagrados ao Ministério Público, as suas competências eram menores, algo que veio a ser alterado com a revisão de 1992, até para se adaptar às novas competências decorrentes das revisões do Código Penal e do Código de Processo Penal, entre outras leis entretanto aprovadas. O modelo normativo do Ministério Público, no entendimento do Gomes Canotilho e Vital Moreira, assenta em três princípios: da autonomia; da hierarquia; e da responsabilidade, sendo que “a responsabilidade e a hierarquia caracterizam o Ministério Público por contraposição aos juízes (irresponsabilidade e independência), enquanto que a inamovibilidade aproxima os estatutos do Ministério Público e dos juízes” (1993: 830 e ss.). Na opinião de António Cluny, com a revisão constitucional de 1989, o Ministério Público passou, inclusive, a ser concebido e definido como órgão de iniciativa do poder judicial (1995: 73).7 Mas o reforço da independência da administração da justiça através do aperfeiçoamento da organização do Ministério Público não foi acompanhado de uma percepção realista das interfaces existentes entre organização judiciária e processo penal. No entanto, a Constituição limita-se, na definição do Estatuto do Ministério Público, a proclamar que este “goza de estatuto próprio (…), porém não o define explicitamente” (Fernando, 2004), tendo ficado a ideia de que o Ministério Público corresponde a uma magistratura que estava na tradição secular do país e não tinha sido questionado. Por outro lado, estabelece que “os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados e não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei”, atribuindo ainda 6 Sobre a questão da autonomia e, também, da hierarquia ver Cluny (1997: 88 e ss.). A evolução do Ministério Público pode ser analisada com maior detalhe nos relatórios do Observatório Permanente da Justiça (Pedroso et al., 2002; Santos et al., 2006), referentes à discussão sobre a organização e geografia do sistema judicial, e no trabalho de João Paulo Dias (2004) sobre as magistraturas e a evolução da organização judiciária. 7 10 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? à Procuradoria-Geral da República a “nomeação, colocação, transferência e promoção dos agentes do Ministério Público e o exercício da acção disciplinar” (art. 220.º). Podemos afirmar, então, que o novo regime constitucional forneceu apenas uma directiva para a estruturação das duas magistraturas como carreiras separadas. 2.2. O Estatuto Orgânico do Ministério Público: retrato e evolução O estudo da organização judiciária, em Portugal, a partir de 1974, permite-nos identificar três períodos principais, onde se registaram as alterações legislativas mais significativas, referentes à arquitectura do sistema judicial. O primeiro foi de 1974 a 1984, ou seja, o período de transição e de consolidação do Estado de Direito, em que se procederam às reformas judiciárias necessárias à democratização do poder judicial e ao corte com o modelo vigente durante o Estado Novo. O segundo período, de 1985 a 1995, acompanha a década em que o Partido Social-Democrata (PSD) foi o partido político maioritário. O terceiro período decorre de 1996 até à actualidade, e atravessa cinco Governos diferentes. É nestes três períodos que a principal lei referente à organização, competências e funções do Ministério Público é alterada, adaptando-se às exigências e desafios que se foram colocando e afirmando-se o Ministério Público, de acordo com outras tendências internacionais, como um actor fundamental do poder judicial. 2.2.1. Lei Orgânica do Ministério Público de 1978: a consagração legal da autonomia O período que medeia a aprovação da Constituição da República e os primeiros anos da década de 80 são cruciais para se compreender o desenho e a forma de implementação da arquitectura judicial, a qual se tem mantido, com algumas alterações mais ou menos importantes, até aos nossos dias. António Cluny (1992: 136) destaca quatro grandes mudanças operadas neste período: 1) a autonomia das magistraturas em relação ao poder político governamental; 2) a separação das carreiras, com o reconhecimento da autonomia do MP face à magistratura judicial e em relação ao Governo; 3) o acesso das mulheres à magistratura, introduzido logo a seguir ao 25 de Abril; 4) e a formação especializada de magistrados por via da criação do Centro de Estudos Judiciários. A estas mudanças, alguns entrevistados num trabalho anterior (Dias, 11 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? 2004) juntam o facto de se ter verificado, verdadeiramente, uma maior democratização no acesso dos cidadãos à justiça. É no final dos anos 70 que são aprovadas, então, a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, o Estatuto dos Magistrados Judiciais e a Lei Orgânica do Ministério Público. Um pouco mais tarde surgiu a Lei Orgânica do Centro de Estudos Judiciários, que permite profissionalizar o recrutamento e ensino dos magistrados em Portugal, operando um corte com o anterior sistema (Santos, Pedroso e Branco, 2006). O período que vai de 1980 até 1984 já foi pouco fértil em alterações, ao contrário do que sucedeu de 1976 a 1980, reflectindo, por um lado, uma pretendida acalmia no sistema judicial, quer por parte dos actores políticos, quer pelos actores judiciais e, por outro, uma fase de necessária experimentação das reformas efectuadas, além da ocorrência de uma grave crise económico-social que centralizava a atenção dos sucessivos governos (Santos, 1990). Ao proceder a uma análise da legislação aprovada neste primeiro período, detecta-se a preocupação política de operar um corte com o sistema vigente durante o Estado Novo (Dias, 2004). Contudo, tal corte manifestou-se, como referimos, sobretudo ao nível das prerrogativas do poder judicial – autonomia, independência, inamovibilidade ou irresponsabilidade – e não tanto quanto à renovação dos recursos humanos e dos recursos materiais. Se no que concerne aos recursos humanos se verificou uma continuidade da maioria dos magistrados, ainda que com alguma entrada de novos quadros (em particular no Ministério Público), no que toca aos recursos materiais não houve quase nenhuma alteração, com a manutenção de um parque judiciário obsoleto para a época. A última das grandes leis sobre a organização judiciária a ser publicada neste período foi, como referimos, a Lei Orgânica do Ministério Público (Lei n.º 39/78, de 5 de Julho). Apesar de ser a última, e de estar em conformidade com as duas anteriores, constituiu-se como aquela que permitiu dar um toque de inovação e autenticidade ao sistema judicial português. Antes tinha sido aprovado o Decreto-Lei n.º 917/76, de 31 de Dezembro, que veio adaptar o Ministério Público à Constituição e apressar a remodelação da instituição, renovando o Conselho Superior do Ministério Público, lançando um serviço de inspecções e criando o cargo de Vice-Procurador-Geral da República (Rodrigues, 1999b: 74-75). 12 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? O modelo de Ministério Público adoptado foi, inclusive, mais longe do que os existentes na maioria dos países que se incluem dentro do modelo da Europa do Sul, casos da França, Espanha ou Itália. Segundo a opinião de alguns magistrados (Dias, 2004), o modelo português do Ministério Público, largamente influenciado pelo ex-Procurador-Geral da República Cunha Rodrigues e pela acção do então Ministro da Justiça Almeida Santos (ainda que na altura da aprovação desta lei o Ministro da Justiça fosse Santos Pais), procurou fazer uma síntese entre as concepções francesa e italiana, no que concerne à organização hierárquica (francesa) e autonomia (italiana), não obstante o modelo seguido tenha também as suas origens na tradição do Ministério Público em Portugal, em especial antes do Estado Novo (Rodrigues, 1999a e 1999b). No entanto, logo após a sua aprovação, já no IV Governo Constitucional, liderado por Mota Pinto, o então Ministro da Justiça Eduardo Correia tentou voltar ao modelo anterior de controlo por parte do Executivo. Esta tentativa era secundada pelo então Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, mas contou com a discordância do Presidente da República Ramalho Eanes e a feroz oposição do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (comunicado de Maio/Junho de 1979). O facto de no art. 75.º (actual art. 80.º), relativo aos poderes do Ministro da Justiça, se manter a possibilidade de dar instruções, ainda que de ordem genérica, ao Procurador-Geral da República gerou interpretações distintas e tornou-se no meio que alguns governos procuraram utilizar para se imiscuir nas acções do Ministério Público. Este artigo era igualmente polémico por permitir que o Ministro da Justiça tomasse a iniciativa da acção disciplinar relativamente aos magistrados, além de poder requisitar relatórios e informações de serviço aos diversos agentes do Ministério Público. Outra das nuances desta lei referia-se ao então art. 71.º (actual 76.º), ou seja, à obrigatoriedade de acatamento, por parte dos magistrados de grau inferior, das directivas, ordens e instruções provenientes dos superiores hierárquicos. O facto destas indicações não serem controladas e de os critérios não estarem bem explícitos gerava, e gerou até à última alteração desta lei, a possibilidade de ocorrerem abusos de autoridade e o exercício de poderes discricionários. É de relembrar que o Procurador-Geral da República era, e mantém-se, nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo. As especificidades mais importantes do modelo português do Ministério Público são a sua autonomia face ao poder executivo e o facto dos seus agentes (também eles 13 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? magistrados) desfrutarem de direitos e deveres equivalentes aos dos juízes – inclusive a existência de um Conselho Superior específico do Ministério Público, que constitui uma outra inovação do nosso modelo. Veio mesmo a consagrar-se o princípio do paralelismo das magistraturas, que era uma das grandes reivindicações do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público como forma de revalorizar a carreira. Outra das particularidades do nosso Ministério Público tem a ver com as competências que lhe foram atribuídas, e que rompem com o anterior modelo, como sejam a direcção da investigação criminal e o exercício da acção penal, a promoção e coordenação de acções de prevenção criminal, o controlo da constitucionalidade das leis e regulamentos, a fiscalização da Polícia Judiciária, para além da defesa dos interesses do Estado. Se algumas destas tarefas já estavam consagradas em leis anteriores, o facto de se poderem exercer com autonomia confere-lhes uma importância bastante acrescida. A questão que se colocava, e que em parte ainda se mantém, é se o Ministério Público seria capaz de exercer tão vasto rol de competências, adoptando uma postura activa, em vez da tradicional postura passiva. Porque esta lei estabelece que o Ministério Público passe a ter capacidade de iniciativa, o que é diferente de exercê-la. Algumas das funções de cariz mais social, ao nível dos trabalhadores, da família e dos menores, só viriam a ser incluídas na lei seguinte. Embora este modelo desse um maior protagonismo ao Ministério Público, o facto é que a sua acção na área penal ficou ainda limitada devido à manutenção da figura do Juiz de Instrução Criminal com amplos poderes, algo que também só na seguinte revisão foi alterado, em consonância com as mexidas introduzidas no Código de Processo Penal de 1987 (Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro). Tudo o resto foi elaborado um pouco à imagem do Estatuto dos Magistrados Judiciais, em particular nas questões referentes às incompatibilidades, deveres e direitos, bem como no acesso à carreira e devida progressão ou em relação à aposentação, cessação e suspensão de funções e acção disciplinar. 2.2.2. Lei Orgânica do Ministério Público de 1986 e Lei de Autonomia de 1992: a maturação da instituição O período de reformas entre 1985 e 1995 foi impulsionado, principalmente, pelos sucessivos governos do Partido Social-Democrata. Tendo o PSD sido eleito sem maioria 14 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? em 1985, a sua queda em 1987, devido à aprovação de uma moção de censura, veio a traduzir-se numa maioria absoluta em 1987, a qual viria a repetir em 1991, podendo, deste modo, proceder às reformas sem necessidade de negociações parlamentares. Já as revisões constitucionais de 1989 e de 1992 necessitaram de uma negociação com o Partido Socialista para atingir os necessários 2/3 de votos parlamentares. Em 1985, o Ministro empossado foi Mário Raposo, tendo como Secretário de Estado-Adjunto Garcia Marques. Entre as medidas preconizadas, destaca-se a vontade de alterar o Código de Processo Penal e melhorar os necessários serviços complementares (Instituto de Medicina Legal, Polícia Judiciária, etc.), atribuindo ao Ministério Público maiores competências, em especial na fase de inquérito. Ainda em relação ao Ministério Público, o programa de Governo previu o retomar da proposta de alteração do estatuto do Ministério Público de acordo com a revisão do Código de Processo Penal e do Código Penal. Propunham, assim, reforçar os meios humanos e materiais de modo a dar melhores instrumentos para a aplicação da justiça. Facto curioso foi o de as três leis (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, Estatuto dos Magistrados Judiciais e Lei Orgânica do Ministério Público) terem sido aprovadas durante a vigência de um Governo minoritário, sem garantias de apoio parlamentar. A nova maioria absoluta conquistada pelo PSD, em 1991, confirmou Laborinho Lúcio como Ministro da Justiça. Entre a aprovação da primeira e a da segunda lei não se detectaram quaisquer mudanças legislativas que pudessem alterar a estrutura, organização ou competências do Ministério Público. A aprovação da segunda Lei Orgânica do Ministério Público (Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro), ocorreu um ano após a publicação do Estatuto dos Magistrados Judiciais. O facto de ocorrer um ano após o Estatuto dos Magistrados Judiciais poderá ter tido, entre outras, as seguintes explicações: 1) a tentativa de elaborar uma Lei Orgânica do Ministério Público, em alguns aspectos, idêntica ao Estatuto dos Magistrados Judiciais; 2) a superação de alguns direitos e regalias em comparação com os juízes. No que respeita a esta segunda explicação, existem dois dados que nos ajudam a comprovar esta ideia. O primeiro deve-se ao facto de, alguns meses depois da aprovação do Estatuto dos Magistrados Judiciais, ter sido publicada a Lei n.º 24/85, de 9 de Agosto, que concedia aos magistrados do Ministério Público os mesmos direitos consagrados aos juízes no seu Estatuto. O segundo dado constata-se 15 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? pelo teor do Decreto-Lei n.º 242/88, de 28 de Setembro, que atribui aos juízes jubilados os mesmos direitos que a Lei Orgânica do Ministério Público consagra aos magistrados reformados do Ministério Público. Cunha Rodrigues afirma, inclusive, que esta lei “introduziu apenas modificações de pormenor, tendo tido por finalidade essencial aproximar aspectos dos estatutos da magistratura judicial e do Ministério Público. E, em 1990, a Lei n.º 2/90, de 20 Janeiro, alterou o sistema retributivo dos magistrados do Ministério Público, em paralelismo com o da magistratura judicial” (1999b: 75). A estratégia seguida na concretização do princípio do paralelismo entre as magistraturas parece ser o de elevar constantemente a fasquia das regalias e direitos, ao mesmo tempo que os deveres, obrigações e responsabilidades se mantêm relativamente estáveis. Isto é, sempre que se aprova uma nova lei orgânica referente a uma magistratura procura-se puxar para cima o capítulo dos direitos e regalias, sabendo que esses mesmos direitos e regalias serão rapidamente estendidos à outra magistratura. Em relação a esta lei, já o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público afirmava, na sua Informação Sindical n.º 45, de 1986, que ela mantinha, no essencial, a lei anterior. Embora concordasse com algumas disposições inovadoras, o facto de se manterem muitas outras levou a que criticasse a pouca ambição desta Lei. Sucintamente, concordou o Sindicato com a consagração do papel do Ministério Público na defesa da independência dos tribunais, a possibilidade de criação do Vice-Procurador-Geral Distrital, a introdução da opção de renúncia à promoção ou a abolição do sexénio. Opôsse, contudo, à não fixação do quadro de magistrados do Ministério Público, ao facto de ser o Procurador-Geral da República a designar os Procuradores-Gerais-Adjuntos nos tribunais superiores, à distribuição da representatividade no Conselho Superior do Ministério Público, à não eliminação da obrigação do Ministério Público defender os interesses particulares do Estado e à não retirada dos poderes directivos do Ministro da Justiça, entre outros aspectos. No entanto, esta lei veio clarificar e aumentar as competências do Ministério Público, razão pela qual o Sindicato não se opôs, apesar de algumas críticas, à sua aprovação. Afinal, o Ministério Público conseguia consagrar uma velha aspiração, a de serem os detentores do exercício da acção penal; o que, juntamente com a aprovação do Código de Processo Penal, permitiu que passasse a ser responsável pela realização da instrução criminal (agora inquérito). Esta alteração substancial veio permitir uma revalorização da importância desta magistratura no seio do poder judicial. 16 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Esta lei veio a ser complementada com a aprovação da Lei de Autonomia do Ministério Público (Lei n.º 23/92, de 20 de Agosto), que veio a alterar a Lei Orgânica do Ministério Público nalguns aspectos importantes. À competência exclusiva do exercício da acção penal, acresce a introdução das competências no patrocínio dos direitos sociais (laborais e familiares) e do dever de representar os incapazes, os incertos e os ausentes. Embora a “tradição” da actuação do Ministério Público nas áreas sociais tenha raízes históricas, o seu exercício com maior autonomia e com um rol de competências alargado veio a determinar uma acção mais preponderante. A orgânica do Ministério Público pouco foi mexida com esta lei, com a excepção de uma melhor clarificação dos diferentes órgãos, incorporando o alargamento de competências verificado. Uma das poucas alterações verificadas nos órgãos do Ministério Público surge relativamente à composição do Conselho Superior do Ministério Público, posteriormente modificada também pela Lei 23/92, de 20 de Agosto. Outras medidas foram introduzidas: acaba-se com o sexénio (à imagem do que aconteceu com os juízes), que impedia que os magistrados estivessem mais de seis anos no mesmo tribunal; e os poderes do Ministro da Justiça deixam de ser directivos e de vigilância para se tornarem mais genéricos e consultivos, terminando, por exemplo, com a possibilidade de tomar a iniciativa da acção disciplinar relativamente aos magistrados. Os poderes do Ministro da Justiça limitam-se, assim, à solicitação de informações e relatórios e à possibilidade de dar instruções de carácter específico nas acções cíveis em que o Estado seja parte interessada. A evolução do item referente aos vencimentos é, por sua vez, praticamente igual ao estipulado para os magistrados judiciais,8 assim como os itens relacionados com o direito a casa ou os direitos especiais, por serem reproduzidos quase na íntegra. A reprodução de disposições provenientes do Estatuto dos Magistrados Judiciais aplica-se também em relação às classificações dos magistrados.9 8 A matéria relacionada com os vencimentos foi clarificada e melhorada com a Lei n.º 2/90, de 20 de Janeiro, que vem dizer que o sistema retributivo dos magistrados do Ministério Público é composto pela remuneração base e por suplementos. É nos suplementos que se podem verificar aumentos significativos, distinguindo-se do valor referente ao correspondente índice da função pública. 9 Esta duplicação de legislação, sempre que se abordam direitos e regalias das duas magistraturas, poderá levar à questão da utilidade de haver um estatuto comum, que, por um lado, harmonize os deveres e direitos e, por outro, evite o “puxar para cima” sempre que um novo estatuto é aprovado. 17 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Enquanto esta Lei Orgânica contemplou mais o aperfeiçoamento das competências do Ministério Público, face ao novo papel na área criminal, do que a reorganização dos seus órgãos, com a segunda revisão constitucional abriu-se a porta para a aprovação da Lei de Autonomia do Ministério Público (Lei n.º 23/92, de 20 de Agosto), que veio introduzir algumas importantes alterações, das quais destacamos: a cooperação do Ministério Público nas acções de prevenção criminal, deixando de ser o coordenador; a impossibilidade de fiscalizar administrativa e disciplinarmente os órgãos de polícia criminal; a alteração da composição do Conselho Superior do Ministério Público, aumentando a representatividade da Assembleia da República, com a designação de 5 dos seus 19 membros; e a eliminação dos poderes de instrução genérica do Ministro da Justiça. A experiência autonómica do Ministério Público, a que alguns colocavam reservas de doutrina e outros de funcionamento, na opinião de Cunha Rodrigues (1999b), revelou-se positiva e, com uma ou outra dificuldade de percurso, saldou-se pelo reforço da opinião comum sobre a independência da administração da justiça e por uma melhor articulação entre os vários subsistemas que operam na área judicial. Permitiu, sobretudo, que, em tempos de profunda densidade política e ideológica e de renhida disputa partidária, a isenção do Ministério Público (magistratura tradicionalmente suspeita de compromisso com o poder político) não tivesse sido geralmente posta em causa. 2.2.3. Estatuto do Ministério Público de 1998: tempo de prestação de contas públicas O período entre 1996 e 2006 corresponde ao terceiro e último período de aplicação de reformas na organização judiciária, em Portugal, no pós-25 de Abril de 1974. Neste período foram igualmente aprovadas novas versões das três leis referentes à organização dos tribunais, dos juízes e do Ministério Público.10 A aprovação destas leis deu-se durante o Governo do Partido Socialista, nos anos de 1998 e 1999, tendo como Ministro da Justiça Vera Jardim. Nos anos subsequentes, mesmo com a subida ao poder do Partido Social-Democrata (em aliança com o CDS – Partido Popular), entre 2003 e 2005, e o posterior regresso, com maioria absoluta, do Partido Socialista, desde 2005, não se registaram alterações nestas leis.11 Privilegiou-se o “ataque” aos factores de 10 O Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho) foi apenas alterado em cerca de 55 artigos dos perto de 200 que continha o anterior Estatuto, ainda que por vezes substancialmente. 11 Com a excepção da referente à alteração do período de férias judiciais, com implicações nalguns artigos relativos a esta matéria (Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto). 18 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? congestionamento e morosidade dos tribunais, ainda que as reformas introduzidas tenham sentido carências financeiras para poderem produzir os devidos resultados, como foi o caso da reforma da acção executiva. Neste momento, assiste-se a um novo ímpeto reformista (reorganização do mapa judiciário, introdução de mecanismos alternativos de resolução de conflitos com maior vigor, novo incursão sobre a acção executiva, desmaterialização dos procedimentos, etc.), ainda que permaneça a dúvida de que, sem os meios adequados, estas reformas possam atingir os seus objectivos. Os últimos anos foram, igualmente, marcados por uma grande mediatização da justiça penal e, em particular, da acção do Ministério Público. Vários casos expuseram a capacidade de investigação do Ministério Público, ficando, assim, sujeito ao escrutínio público e à mercê das críticas, positivas ou negativas, em função dos interesses em jogo. De facto, uma liderança contestada, na figura do Procurador-Geral da República, José Souto Moura, a quem competia gerir mediaticamente estes processos, originou uma grande desestabilização na instituição. A sucessão de eventos registados nos últimos 5/6 anos provou que o período de maturação da intervenção do Ministério Público, que ocorreu no período anterior, está agora sujeito a uma prestação de contas públicas cada vez mais exigente, pelas mais diversas razões. O recém-empossado Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, tem, deste modo, uma dupla tarefa: por um lado, garantir a estabilização da instituição, de modo a que possa funcionar sem os sobressaltos que registou nos últimos tempos; e, por outro, garantir as condições para uma mais eficiente e credível actuação, que será escrutinada, política e publicamente, em função dos resultados alcançados nas diversas frentes de actuação, com especial realce para a área penal. Voltando ao Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto), constata-se que esta foi a primeira lei sobre a organização judiciária a ser aprovada neste período. Este Estatuto, há muito esperado, parece ter vindo a contento das reivindicações do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, de tal modo que na Informação Sindical 131/98 se recusam as críticas de outros operadores judiciários, em especial dos juízes, no que toca ao reforço dos seus poderes, em desfavor dos juízes de instrução criminal. A Associação Sindical dos Juízes Portugueses opôs-se igualmente à atribuição de competências ao Ministério Público para realizar acções de prevenção criminal. Entendiam que estas competências são da competência do Governo, devendo o Ministério Público executar a política criminal e não defini-la. Deste modo, no seu 19 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Boletim n.º 3, de 1998, levantam-se grandes dúvidas sobre a constitucionalidade desta disposição, que acabou, no entanto, por ser aprovada. A primeira diferença face às leis precedentes relaciona-se com a sua designação, deixando de ser uma lei orgânica para passar a ser um estatuto. Na opinião de Cunha Rodrigues, “retomou-se o conceito de estatuto por arrastamento do Estatuto dos Magistrados Judiciais e por se considerar que ele materializa, de forma mais activa, as garantias e as prerrogativas dos magistrados” (1999b: 78). Em relação às alterações introduzidas no sentido de dotar o MP de estruturas capazes de executar as suas competências e de adaptar o seu funcionamento aos novos códigos em vigor, podemos afirmar que as principais medidas adoptadas ao nível das estruturas dizem respeito à criação de novos órgãos de investigação criminal, nomeadamente o Departamento Central de Investigação e Acção Penal e os Departamentos de Investigação e Acção Penal distritais. Muitas das modificações verificadas vão mais no sentido de reorganizar o diploma, limando algumas disposições ao nível linguístico, do que propriamente alterar o conteúdo dos artigos ou reformular as suas estruturas ou competências. Um magistrado do Ministério Público entrevistado, e referido em Dias (2004: 103), diz peremptoriamente que: No fundamental esta lei, contrariamente àquilo que as pessoas dizem, não veio alterar grande coisa relativamente à estrutura e ao fundamento. O que veio é reorganizar um pouco internamente, com a ideia de obter uma determinada eficácia. Essa reorganização interna, com a ideia da eficácia, passou também por uma nítida ideia de concentração de poder. Não me atrevo a dizer que era a ideia que estava por detrás, porque somos confrontados com a seguinte dificuldade: temos uma estrutura arcaica para a investigação criminal que é preciso fazer actualmente. (Ent. 6 – Magistrado do MP) As primeiras grandes mudanças surgem, como já se referiu, ao nível das competências do Ministério Público. Para além da promoção e realização de acções de prevenção criminal, o Ministério Público passa a participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, devendo exercer as suas funções na área penal orientadas pelo princípio da legalidade (que se mantém como pedra chave da sua actuação criminal). Isto é, em 1998, com o Partido Socialista no Governo, reforçou-se o vínculo a este princípio, mas, posteriormente, o mesmo partido iniciou uma discussão 20 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? de modo a poder alterá-lo – complementando com o princípio da oportunidade – sem que os contornos de tal mudança fossem claros. A organização do Ministério Público é então alterada. Surge um novo órgão de coordenação e de direcção da investigação da criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial complexidade: o Departamento Central de Investigação e Acção Penal. A sua composição, além de magistrados do Ministério Público, contempla a coadjuvação das várias polícias com funções criminais, de modo a estabelecer uma melhor coordenação entre os vários órgãos envolvidos. Sobre a criação deste órgão, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses manifestou-se (Boletim n.º 3 de 1998) no sentido de exigir a criação do correspondente Tribunal Central de Instrução Criminal, bem como os tribunais correspondentes aos Departamentos de Investigação e Acção Penal distritais (também consagrados nesta lei), o que veio a ser contemplado na Lei Orgânica de Funcionamento dos Tribunais Judiciais. A expansão destes órgãos implicou também a existência de quadros graduados para o efeito, facto que originou um aumento das categorias superiores. As funções das várias categorias dos magistrados do Ministério Público foram bastante clarificadas. A especificação das competências jurídicas e territoriais dos magistrados do Ministério Público é tanto mais importante quanto se trata de uma magistratura hierarquizada, exigindo-se uma grande transparência no exercício das suas funções, bem como uma correcta delimitação das fronteiras entre as diferentes categorias. Deste modo, os superiores hierárquicos são obrigados, quando solicitados, a emitir por escrito as ordens ou instruções referentes a determinados processos. No caso dos magistrados se recusarem a obedecer por qualquer razão, tal posição deve ser também efectuada por escrito, devidamente fundamentada. No capítulo das classificações houve igualmente poucas alterações, o mesmo já não acontecendo ao nível dos movimentos, onde as mudanças foram muitas. Estas ocorreram essencialmente nas matérias respeitantes ao acesso às várias categorias e lugares dentro do Ministério Público, uma vez que com a criação de novos órgãos houve a necessidade de criar os respectivos lugares, como aconteceu com os Departamentos de Investigação e Acção Penal. Estipularam-se assim os critérios exigidos, bem como as competências mínimas, para o exercício de determinadas funções. 21 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Analisando-se a legislação produzida sobre o Ministério Público, e tendo igualmente como pano de fundo a restante legislação produzida sobre a organização judiciária (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e Estatuto dos Magistrados Judiciais), conseguiu detectar-se a preocupação política de cortar, ao longo do tempo, as ligações ao sistema vigente no Estado Novo. Contudo, o corte verificado manifestou-se mais ao nível das prerrogativas do poder judicial – autonomia, independência, inamovibilidade ou (ir)responsabilidade – do que em relação à renovação, quer dos recursos humanos, quer dos recursos materiais, para além da reestruturação da organização do sistema no seu todo. A evolução foi bastante lenta e, durante muito tempo, não acompanhou minimamente as necessidades e o crescimento da procura de tutela judicial. Como refere Pena dos Reis, “o aparelho de administração da justiça revelou uma capacidade de resposta muitas vezes insuficiente, tardia, burocratizada, deixando perceber a existência de sérias contradições e hesitações nos órgãos de poder e na sociedade quanto à sua planificação e organização e ao seu papel” (1999: 79). As reformas neste período, pode acrescentar-se, preocuparam-se mais em actualizar e adaptar legislativamente as instituições judiciárias à própria evolução do Estado e do sistema democrático do que em mudar radicalmente a filosofia do sistema. Assim, privilegiou-se a melhoria do funcionamento do aparelho judiciário, em termos organizativos e tecnológicos, e em menor escala no crescimento dos recursos humanos, procurando modernizar o sistema judicial. Apesar disso, a crónica discrepância (crescente) entre procura e oferta judicial leva-nos a reflectir sobre a real prioridade que os sucessivos governos colocaram na sua resolução, verificando-se quase sistematicamente que o crescimento, real ou percentual, do orçamento da justiça é bastante inferior ao registado em outras áreas como a saúde, a educação ou a segurança social, para não mencionar as obras públicas. A nova equipa do Ministério da Justiça, saída do Governo maioritário do Partido Socialista, tendo como Ministro da Justiça Alberto Costa, parece querer adoptar uma postura diferente. Nos seus propósitos, numa fase inicial, está a implementação de várias medidas que, mexendo o mínimo a nível das leis orgânicas e estatutos, procuram melhorar os pontos identificados como ineficientes, aliás fundamentais para aperfeiçoar a administração da justiça. Contudo, a falta de investimento para poder efectuar algumas das reformas principais, como a implementação da reforma da acção executiva, da reestruturação do mapa judiciário 22 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? ou da criação e alargamento dos meios alternativos/complementares de resolução de conflitos, limita sobremaneira o êxito de tais intentos. O Pacto de Justiça, firmado em Setembro de 2006, entre os dois maiores partidos políticos (PS e PSD), trouxe a última grande novidade em termos de justiça, com o estabelecimento de um conjunto de entendimentos para a realização de reformas a vários níveis, desde a reforma dos códigos penal e de processo penal, à alteração do mapa judiciário, passando pela introdução da mediação penal, da alteração da acção executiva ou da modificação no sistema de acesso às magistraturas, entre outros aspectos. Este Pacto estabeleceu um calendário para a execução destas reformas e um compromisso de votação favorável na generalidade e subscrição de projectos conjuntos na especialidade.12 3. As funções e os órgãos do Ministério Público 3.1. As funções do Ministério Público A Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, que surgiu, pela primeira vez, com a epígrafe de Estatuto do Ministério Público (EMP), na sequência da revisão constitucional de 1997, introduziu uma nova definição de Ministério Público, segundo a qual “o Ministério Público representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática, nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da lei” (art. 1.º, n.º 1). Cunha Rodrigues (1999a: 34) afirma que “a redacção evoluiu de uma definição para uma norma de competência. Tem agora a virtualidade de enunciar o tipo complexo de atribuições cometidas ao Ministério Público e, nessa medida, os traços da sua identidade”. De facto, uma das características essenciais do Ministério Público, em Portugal, prende-se com o seu poliformismo e o conjunto vasto, heterogéneo e transversal das suas atribuições e competências. 12 O Pacto da Justiça surgiu numa altura sensível, relativa à nomeação do novo Procurador-Geral da República, após um apelo do Presidente da República para um concertação de posições para a definição do nome a propor. Em resultado desta negociação, foi nomeado, sem oposição, o Juiz Conselheiro Fernando Pinto Monteiro (tomou posse a 9 de Outubro de 2006). 23 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (1993: 830 e ss), as funções do Ministério Público poder-se-iam agrupar em quatro áreas: “representar o Estado, nomeadamente nos tribunais, nas causas em que ele seja parte, funcionando como uma espécie de Advogado do Estado; exercer a acção penal (...); defender a legalidade democrática, intervindo, entre outras coisas, no contencioso administrativo e fiscal e na fiscalização da constitucionalidade; defender os interesses de determinadas pessoas mais carenciadas de protecção, designadamente, verificados certos requisitos, os menores, os ausentes, os trabalhadores, etc.”.13 Nos termos do EMP, ao Ministério Público compete, assim, representar o Estado14, as Regiões Autónomas, as autarquias locais, os incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta; participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania; exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade; exercer o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social; assumir, nos casos previstos na lei, a defesa de interesses colectivos e difusos; defender a independência dos tribunais nas áreas das suas atribuições, e velar para que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e as leis; promover a execução das decisões dos tribunais para que tenha legitimidade; dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades; prover e realizar acções de prevenção criminal; fiscalizar a constitucionalidade dos actos normativos; intervir nos processos de falência e de insolvência e em todos os que envolvam interesse público; exercer funções consultivas; fiscalizar a actividade processual dos órgãos de polícia criminal; recorrer sempre que a decisão seja efeito de conluio das partes no sentido 13 Os mesmos AA. defendem ainda que o exercício simultâneo das várias funções pode não estar isento de conflitos e incompatibilidades, uma vez que nem sempre a defesa dos interesses privados do Estado é harmonizável com, por exemplo, a defesa da legalidade democrática (1993: 830 e ss). 14 De interesse neste âmbito é saber se se trata verdadeiramente de um patrocínio judiciário ou de uma representação. Sérvulo Correia (2001), referindo-se à matéria administrativa, parece entender tratar-se aqui de um patrocínio judiciário. No mesmo sentido, parece entender também Cunha Rodrigues (1999a: 156), ao referir-se a esta actividade desenvolvida pelo Ministério Público como “exercício da advocacia do Estado”. Em sentido contrário, embora referindo-se à actuação do Ministério Público na jurisdição cível, Carlos Lopes do Rego (2000: 83) afirma que se trata “de verdadeira representação orgânica da Administração Central perante os tribunais – e não de mero patrocínio judiciário exercido pelos agentes do Ministério Público”, o que importaria, na opinião do Autor, uma obrigatoriedade de representação, constituindo a intervenção de mandatário judicial, nos termos do art. 20.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, uma situação excepcionalíssima, carecedora de “preceito constante de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei credenciado por autorização legislativa, já que nos movemos em matéria – competência e atribuições do Ministério Público – situada no âmbito da competência legislativa reservada da Assembleia da República (art. 165.º, n.º 1, al. p) CRP)” (2000: 98). 24 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? de fraudar a lei ou tenha sido proferida com violação de lei expressa; bem como exercer as demais funções conferidas por lei15 (cf. art. 3.º). Estas atribuições do Ministério Público estão, ainda, previstas e dispersas pelas leis de processo e em legislação avulsa.16 O Ministério Público pode intervir principal17 ou acessoriamente, consoante represente, seja principal representante da parte ou lhe cumpra apenas uma função de zelar pelos interesses que lhe são atribuídos por lei. Podemos, assim, concluir que a actuação do Ministério Público, além de transversal a todo o processo, assume funções diferenciadas, posicionando-se, no processo, ora como autor, ora como réu, ou, ainda, como amicus curiae. 3.2. A organização do Ministério Público Segundo a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/VII, que deu origem à Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, a alteração do Estatuto do Ministério Público teve como preocupação a redefinição das competências dos vários magistrados e a criação de novos órgãos vocacionados para a resolução de problemas concretos, num esforço de organização interna, reconhecendo o poliformismo do Ministério Público, que exerce “competências nas áreas constitucional, cível, criminal, social, de menores, administrativa e tributária, ora agindo em funções típicas de magistrado, ora em representação de interesses sociais e colectivos, ora na função de advogado do Estado ou de defensor da legalidade, [o que] tem obrigado a considerável esforço de organização, formação e métodos de trabalho em contextos de elevado volume processual e de graves carências de apoio”. 15 Como exemplo destas funções residuais previstas na lei, destaca-se a função de articulação entre os serviços de apoio à decisão e à execução da decisão e o Tribunal, no âmbito da legislação de menores. 16 A título de exemplo, as funções de representação do Estado encontram-se previstas nos art. 20.º do Código de Processo Civil, 11.º, n.º 2, do Código do Processo dos Tribunais Administrativos e 6.º do Código de Processo do Trabalho; as de representação dos incapazes, incertos e ausentes em parte incerta nos arts. 15.º a 17.º do Código de Processo Civil; o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias nos arts. 7.º, al. a) e b), do Código de Processo do Trabalho e 85.º, al. d), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais; a defesa de interesses colectivos e difusos no art. 26.º-A, do Código de Processo Civil. 17 A intervenção do Ministério Público é principal quando, nos termos do art. 5.º do EMP, representa o Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais (nestes dois últimos casos, desde que não seja constituído mandatário próprio), incapazes, incertos ou ausentes em parte incerta (desde que os representantes legais não se oponham a tal intervenção formalmente no processo); exerce o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias; representa interesses colectivos ou difusos; nos inventários exigidos por lei; nos demais casos em que a lei lhe atribua competência para intervir nessa qualidade. 25 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Figura 1: Estrutura do Ministério Público FONTE: HTTP://WWW.PGR.PT/ Assim, actualmente, o Estatuto do Ministério Público define como órgãos a Procuradoria-Geral da República, as procuradorias-gerais distritais e as procuradorias da República (cf. art. 7.º), e, como agentes do Ministério Público, o Procurador-Geral da República, o Vice-Procurador-Geral da República, os Procuradores-Gerais-Adjuntos, os procuradores da República e os procuradores-adjuntos (cf. art. 8.º, n.º 1).18 A Procuradoria-Geral da República, que é o órgão superior do Ministério Público, compreende o Procurador-Geral da República, o Conselho Superior do Ministério Público,19 o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, os auditores jurídicos e os serviços de apoio técnico e administrativo.20 18 Os agentes do Ministério Público podem, ainda, ser coadjuvados por assessores (cf. art. 8.º, n.º 2). A instituição da assessoria e a definição das suas competências foi instituída pela Lei n.º 2/98, de 8 de Janeiro, nos termos da qual “o Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais de Relação dispõem de assessores que coadjuvam os magistrados judiciais e os magistrados do Ministério Público”, prevendo-se a possibilidade de existência de assessores nos tribunais de 1.ª instância “quando a complexidade e o volume de serviço o justifiquem” (cf. art. 1.º). Aos assessores compete “proferir despachos de mero expediente; preparar a agenda dos serviços a efectuar; elaborar projectos de peças processuais; proceder à pesquisa da legislação, jurisprudência e doutrina necessárias à preparação das decisões e das promoções nos processos; sumariar as decisões e as promoções, a legislação, a jurisprudência e a doutrina de maior interesse científico e integrá-las em ficheiros ou em base de dados; e colaborar na organização e actualização da biblioteca do tribunal” (cf. art. 2.º, n.º 1). 19 O Conselho Superior do Ministério Público, dada a sua importância, será analisado num ponto autónomo, que introduziremos a seguir. 20 A orgânica dos serviços da Procuradoria-Geral da República está estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 333/99, de 20 de Agosto (que revogou o anterior Decreto Regulamentar n.º 64/87, de 23 de Dezembro). 26 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? O Procurador-Geral da República, que preside à Procuradoria-Geral da República, é apoiado por um Gabinete, composto pelo chefe de Gabinete, seis assessores e dois secretários pessoais,21 e é coadjuvado e substituído pelo Vice-Procurador da República, nomeado pelo Conselho Superior do Ministério Público. Nos tribunais superiores (Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal Constitucional, Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal de Contas), o Procurador-Geral da República é ainda coadjuvado e substituído por Procuradores-Gerais-Adjuntos, cabendo ao Procurador-Geral designar, bienalmente, o coordenador da actividade do Ministério Público em cada um daqueles tribunais (cf. art. 13.º). Uma das atribuições da Procuradoria-Geral da República prende-se com o exercício de funções consultivas. Essas funções são exercidas através do Conselho Consultivo, que é composto pelo Procurador-Geral da República e por Procuradores-Gerais-Adjuntos.22 Também os auditores jurídicos, categoria exercida por procurador-geral adjunto junto da Assembleia da República, de cada Ministério e dos Ministérios da República para as Regiões Autónomas, exercem funções de consulta e apoio jurídicos junto das entidades dos quais funcionem.23 De entre os novos departamentos criados pelo no Estatuto, destacam-se os departamentos de contencioso do Estado, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e os Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP). Com a Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, ficaram na dependência da Procuradoria-Geral da República, para além do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), o Gabinete de Documentação e de Direito Comparado (GDDC),24 o Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) 25 e os Departamentos de Contencioso do Estado. Segundo o preâmbulo daquele diploma, a reorganização dos serviços da PGR teve como critérios a “racionalidade, eficácia e mínimo custo”. 21 Cf. art. 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 333/99, de 20 de Agosto (orgânica dos serviços da PGR). 22 Ao Conselho Consultivo compete, entre outras funções, emitir parecer restrito a matéria de legalidade nos casos de consulta previstos na lei ou a solicitação do Presidente da Assembleia da República ou do Governo; pronunciar-se, a pedido do Governo, acerca da formulação e conteúdo jurídico de projectos de diplomas legislativos; pronunciar-se sobre a legalidade dos contratos em que o Estado seja interessado, quando o seu parecer for exigido por lei ou solicitado pelo Governo; e informar o Governo, por intermédio do Ministro da Justiça, acerca de quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais e propor as devidas alterações (cf. art. 37.º do EMP). É, actualmente, composto pelo Procurador-Geral da República e oito vogais. 23 Cf. art. 44.º e 4.º do EMP. 24 Ao GDDC compete, entre várias competências, prestar assessoria jurídica, recolher, tratar e difundir informação jurídica (cf. art. 48.º, n.º 1, do EMP). 25 O NAT foi criado pela Lei n.º 1/97, de 16 de Janeiro, destinando-se a “assegurar a assessoria e consultadoria técnica ao Ministério Público em matéria económica, financeira, bancária, contabilística e de mercado de valores mobiliários” (cf. art. 1.º, n.º 2). 27 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Na Exposição de Motivos que acompanhou a Proposta de Lei que deu origem à Lei n.º 60/98, o legislador considerou que “a emergência de novos fenómenos de criminalidade associada e induzida pelo consumo de estupefacientes, a mobilidade e estruturação dos grupos e sub-culturas delinquentes, a sofisticação das novas formas de acção e organização da criminalidade de colarinho branco tornaram patentes as insuficiências e fragilidades do sistema” e que se tornou “manifesto que um órgão fechado em si mesmo, sem valências de especialização, modelado segundo critérios rígidos de competência territorial na base da comarca, sem ligação à prevenção e à investigação policial e às suas formas de organização territorial e material não poderia dar resposta suficiente às novas solicitações”. Assim, foram criados o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que se destina à coordenação e direcção da investigação e da prevenção da criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial complexidade,26 e os Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP),27 que se podem estruturar por secções “em função da natureza e frequência dos crimes” (cf. art. 72.º, n.º 1).28 Os departamentos de contencioso do Estado,29 também criados pela Lei n.º 60/98, com competência em matéria cível e/ou administrativa, cujo objectivo se prendia com a 26 Cf. art. 46.º do EMP. O DCIAP é constituído por um procurador-geral adjunto, que o dirige, e por procuradores da República, competindo-lhe coordenar a direcção da investigação dos seguintes crimes: crimes contra a paz e a humanidade; organização terrorista e terrorismo; crimes contra a segurança do Estado, com excepção dos crimes eleitorais; tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores, salvo tratando-se de situações de distribuição directa ao consumidor, e associação criminosa para o tráfico; branqueamento de capitais; corrupção, peculato e participação económica em negócio; insolvência dolosa; administração danosa em unidade económica do sector público; fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito; infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, nomeadamente com recurso à tecnologia informática; e infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional (cf. art. 47.º, n.º 3, al. b), do EMP). 27 O EMP criou um DIAP em sede de cada distrito judicial, prevendo-se a possibilidade de criação, através de portaria do Ministério da Justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público, de DIAP em comarcas de elevado volume processual, ou seja, em comarcas que “registem entradas superiores a 5.000 inquéritos anualmente e em, pelo menos, três dos últimos cinco anos judiciais” (cf. art. 71.º). Actualmente existem, em Portugal, 4 DIAP, instalados pela Portaria n.º 754/99, de 27 de Agosto. 28 Aos DIAP nas sedes de cada distrito judicial compete dirigir o inquérito e exercer a acção penal por crimes cometidos na área da comarca, relativamente aos crimes enunciados para o DCIAP (cf. art. 73.º). 29 Nos termos do art. 53.º do EMP, a estes departamentos compete a representação do Estado em juízo, na defesa dos seus interesses patrimoniais e a preparação, exame e acompanhamento de formas de composição extrajudicial de conflitos em que o Estado seja interessado. Em matéria administrativa, esta competência do Ministério Público sofreu algumas alterações, em 2004, com a reforma do contencioso administrativo. Apesar de a lei de processo vir, com aquela reforma, pela primeira vez, prever expressamente a representação do Estado pelo Ministério Público, aquela lei restringe a representação aos processos que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade, prevendo, ainda, por outro lado, que “as pessoas colectivas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito” (art. 11.º, n.º 2, do CPTA), pelo “auditor jurídico ou o responsável máximo pelos serviços jurídicos da pessoa colectiva ou do ministério” (n.º 3). 28 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? prevenção “[d]os possíveis riscos de conflito de deveres ou de interesses e de conferir agilidade à representação do Estado pelo Ministério Público, na defesa dos seus interesses privados, quer nas relações com a Administração, quer no que se refere à sua intervenção junto dos tribunais”, nunca foram efectivamente instalados, continuando a ser letra morta da lei. Às procuradorias-gerais distritais, que existem na sede de cada distrito judicial, compete, entre outras funções, a direcção, coordenação e fiscalização da actividade do Ministério Público no distrito judicial, emitindo ordens e instruções às quais os magistrados do Ministério Público devem obediência no exercício das suas funções, bem como a coordenação da actividade dos órgãos de polícia criminal e a fiscalização da sua actividade processual (cf. art. 56.º do EMP). Por último, às procuradorias da República, existentes na comarca sede de cada círculo judicial, compete a direcção, coordenação e fiscalização da actividade do Ministério Público na área da respectiva circunscrição territorial (cf. art. 61.º do EMP). 3.3. O Conselho Superior do Ministério Público A estrutura do Ministério Público inclui o Conselho Superior do Ministério Público.30 Enquanto o Conselho Superior da Magistratura, para os juízes, é um verdadeiro órgão de governo da magistratura judicial (autoregulação), o governo do Ministério Público reparte-se entre o Procurador-Geral da República e o Conselho Superior do Ministério Público, tendo o primeiro primazia sobre o segundo. Isto deve-se, segundo Cunha Rodrigues, ao facto de que “sendo o Ministério Público uma magistratura predominantemente monocrática, isto é, funcionando normalmente por intermédio de órgãos ou agentes unipessoais, concentra-se na posição do Procurador-Geral da República a representação do Ministério Público e as atribuições que, pertencendo à ProcuradoriaGeral da República, não se encontram confiadas a outros órgãos” (in Cluny, 1994: 48-49). Acrescenta, ainda, que a hierarquia existente nesta magistratura “corresponde também a necessidades impostas pela natureza das funções e por um objectivo de democratização da administração da justiça” (in Cluny, 1994: 49), regendo-se por estritos critérios legais. 30 Temos igualmente, em Portugal, na estrutura judiciária, o Conselho Superior da Magistratura (para os juízes), o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (para os magistrados judiciais nestes tribunais) e o Conselho de Oficiais de Justiça. Para mais informações sobre os diferentes conselhos e sobre o seu desempenho, ver o trabalho de João Paulo Dias (2001). 29 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Cunha Rodrigues considera, deste modo, que “a tradição portuguesa foi sempre de um Ministério Público indivisível e policêntrico” (1999a: 357), tratando-se, assim, de “um modelo com raízes muito antigas, cuja evolução se realizou principalmente segundo as exigências da justiça e da administração do país” (1999b: 92). Por conseguinte, a “organização hierárquica do Ministério Público poderá representar-se por um eixo em que, de um lado, estão os poderes directivos e, do outro, os poderes de gestão e disciplinares. Os poderes directivos, correspondendo lato sensu a intervenções de carácter técnico e processual, encontram-se distribuídos por escalões e funcionam segundo uma estrutura monocrática cujo vértice é o Procurador-Geral da República, não distinguindo a lei entre poderes directivos genéricos e específicos nem entre instruções ou ordens de natureza preventiva e a posteriori. Os poderes de gestão e disciplina competem a um órgão colegial – o Conselho Superior do Ministério Público” (1999a: 305-306). O âmbito de actuação do Conselho Superior do Ministério Público, perante esta estrutura organizativa, está limitado, pelas próprias competências do Procurador-Geral da República, numa espécie de prolongamento ou delegação de atribuições. Destas atribuições, decorre que, ainda por razões que se prendem com a natureza do cargo, o Procurador-Geral da República não está sujeito à autoridade do Conselho, algo que se depreende deste extracto importado da página da Internet da Procuradoria-Geral da República e que confirma o carácter monocrático do Ministério Público: “as funções que não se ligam directamente ao exercício da acção disciplinar e à apreciação do mérito profissional são exercidas pelo Conselho de forma opinativa, remetendo-se para o Procurador-Geral da República os poderes de decisão” (site da Procuradoria-Geral da República – www.pgr.pt). A actual composição deste órgão, após uma sucessão de mudanças ao longo dos últimos 30 anos, apresenta actualmente três características: 1) a predominância de magistrados do Ministério Público, face aos membros laicos;31 2) uma forte representação de membros do Ministério Público a exercer o cargo por inerência, nomeadamente os quatro procuradores-gerais distritais; 3) uma baixa representatividade de membros laicos representando os órgãos políticos. 31 Laico refere-se ao facto de não serem magistrados. Normalmente, são juristas ou professores de direito, com ou sem proximidade a partidos políticos. 30 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Deste modo, e apesar da presença de membros laicos, verificamos a existência de uma predominância de membros do Ministério Público e uma forte presença das hierarquias da Procuradoria-Geral da República, podendo traduzir-se numa menor pluralidade de opiniões e numa diminuição da operacionalidade, funcionando num verdadeiro regime de auto-governo. A actual composição de 19 membros é a seguinte: Procurador-Geral da República; quatro procuradores-gerais distritais;32 um Procurador-Geral-Adjunto, dois procuradores e quatro procuradores-adjuntos, eleitos entre os seus pares; cinco juristas designados pela Assembleia da República; e dois membros de reconhecido mérito designados pelo Ministro da Justiça. O funcionamento deste órgão divide-se por duas secções: o Plenário e a Secção Disciplinar (este de composição mais reduzida, para abordar apenas questões de natureza disciplinar, quando justificado). As reuniões ordinárias são de periodicidade bimensal, podendo ser extraordinárias sempre que convocadas pelo Procurador-Geral da República ou por um mínimo de sete membros. O serviço de inspecções funciona com magistrados recrutados entre procuradores-gerais adjuntos ou procuradores da República, com mais de 15 anos serviço e com a última classificação de Muito Bom. Os membros do Conselho Superior do Ministério Público têm um mandato de três anos, podendo ser reeleitos uma vez. Os vogais eleitos ou nomeados não magistrados ficam com o direito a auferir um vencimento correspondente ao cargo de origem, se público, ou ao de Director-Geral, caso optem por ficar a tempo inteiro. As competências do Conselho Superior do Ministério Público são as seguintes, segundo o Estatuto do Ministério Público: a) nomear, colocar, transferir, promover, exonerar, apreciar o mérito profissional, exercer acção disciplinar, com excepção do Procurador-Geral da República; b) aprovar o regulamento eleitoral do Conselho, aprovar o regulamento interno da Procuradoria-Geral da República e proposta de orçamento; c) deliberar e emitir directivas em matéria de organização interna e de gestão de quadros; d) propor ao Procurador-Geral da República directrizes; d) propor ao Ministério da Justiça, por meio do Procurador-Geral da República, providências legislativas; e) conhecer das reclamações previstas na lei; 32 A organização judiciária do território nacional está dividida em quatro distritos judiciais, havendo, por cada um, um Procurador-Geral Distrital que é o seu responsável máximo. 31 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? f) propor o plano anual de inspecções e sugerir inspecções, sindicâncias e inquéritos. Ao contrário do que sucede no caso dos juízes, em que o Conselho Superior de Magistratura é um verdadeiro órgão de gestão da profissão, o Conselho Superior do Ministério Público está bastante limitado na sua capacidade de intervenção e gestão, devido à acção, por um lado, dos poderes detidos pelo Procurador-Geral da República, e, por outro, pela sua composição limitar, como sucede com os juízes, uma maior independência das estruturas hierárquicas. Acresce ainda, a estes factores, a grande autonomia, em termos de gestão e exercício de poder hierárquico, por parte dos Procuradores-Gerais Distritais, que diminui, igualmente, qualquer capacidade de intervenção por parte do Conselho. Contudo, tais limitações são, em parte, justificadas pelas exigências de estruturas hierarquizadas e coordenadas, entre si, para um melhor exercício das suas competências a diversos níveis de intervenção, com especial destaque para a área criminal. 4. O acesso à carreira e a formação dos magistrados O recrutamento dos magistrados do Ministério Público é feito em simultâneo com os juízes, através de um concurso público de ingresso para o Centro de Estudos Judiciários (regido actualmente pela Lei n.º 16/98, de 6 de Abril). Esta escola de magistrados iniciou funções em 1980, rompendo com o anterior modelo de ingresso nas magistraturas. O concurso é, após a aprovação da Lei n.º 16/98, aberto aos cidadãos de nacionalidade portuguesa, que tenham concluído a licenciatura em direito há, pelo menos, dois anos. Para além de ministrar a formação aos futuros magistrados, também realiza acções de formação a advogados, solicitadores e outros sectores profissionais (Dias, 2004). As provas de acesso, avaliadas por um júri composto por magistrados, nomeados pelos conselhos superiores e outras personalidades externas à estrutura judiciária, designados pelo Ministro da Justiça, compõem-se de três fases: provas escritas, provas orais e entrevista (com a presença de psicólogos). Quanto à formação ministrada na fase inicial, após a fase de admissão,33 ela reparte-se por três momentos, com uma duração de 22 meses: 5 meses de formação teórico-prática; 12 meses no estágio de iniciação nos 33 Entram, em média, 150 auditores para tirar o curso de juiz ou magistrado do Ministério Público 32 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? tribunais judiciais (metade do tempo junto de um juiz, metade junto de um magistrado do Ministério Público); e 5 meses novamente no Centro de Estudos Judiciários, para consolidação da formação, após os estágios nos tribunais. Só após o término desta fase, os auditores podem seleccionar, de acordo com hierarquia de lugares, a magistratura que pretendem ingressar. Posteriormente, são colocados durante 10 meses em regime de estágio de pré-afectação (com os formadores a serem designados pelos respectivos Conselhos Superiores), junto da magistratura entretanto escolhida. No final deste período, são nomeados definitivamente magistrados e colocados, como efectivos, num tribunal. Nos dois anos seguintes, os magistrados são obrigados a frequentar uma formação complementar, através de actividades de reflexão sobre problemas actuais, jurídicos e outros assuntos de relevo para o exercício da função. Posteriormente, o Centro de Estudos Judiciários oferece, anualmente, uma formação permanente, com programas de carácter interdisciplinar, de frequência facultativa, para debater problemáticas relacionadas com as instituições judiciais (Santos, Pedroso e Branco, 2006). As acções de formação complementar e permanente têm tido, no geral, pouco êxito, dada a fraca presença de magistrados, em especial das primeiras instâncias. Embora a complementar tenha um carácter obrigatório, a sua não frequência não impõe qualquer tipo de sanção nem é alvo de censura. Actualmente, está em preparação uma reforma da formação, nos vários níveis, ministrada pelo Centro de Estudos Judiciários. Contudo, os seus contornos ou tendências ainda não são conhecidos. 5. Alguns dados relativos ao Ministério Público e aos Tribunais A análise da evolução dos recursos humanos nos tribunais judiciais, ao longo da última década (1993-2003),34 permite-nos afirmar que, de um modo geral, se registou um forte crescimento. Em seguida, deter-nos-emos com mais detalhe na análise do comportamento de cada uma das categorias. Em primeiro lugar, e no que concerne aos magistrados judiciais, percebemos que, apesar do crescimento do número de juízes em cada categoria profissional, podemos encontrar algumas diferenças. Senão vejamos: 34 Para facilitar a análise dos dados recorremos ao cálculo de números índice, relacionando o valor de 1993 e o de 2003. O objectivo é, assim, facilitar a leitura da evolução no tempo. Para tal escolhemos como base o ano de 1993. 33 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Quadro 1: Recursos Humanos da Justiça (1993* a 2003) 1993 1994 1995 1996 N.I N.º N.I N.º 1280 100 1344 105 1397 109 1460 114 1515 118 1563 122 59 100 62 105 59 100 68 115 66 112 65 110 Juízes desembargadores 275 100 265 96 256 93 254 92 259 94 265 96 Juízes de direito 946 100 1017 108 1082 114 1138 120 1190 126 1233 130 PRESENTES NOS TRIBUNAIS 1059 100 1095 103 1165 110 1231 116 1267 120 1324 125 MAGISTRADOS DO MP 1002 100 1053 105 1061 106 1076 107 1087 108 1115 111 Procuradores-GeraisAdjuntos 107 100 113 106 116 108 116 108 124 116 135 126 Procuradores da República 153 100 175 114 177 116 191 125 197 129 205 134 Procuradores Adjuntos 742 100 765 103 768 104 769 104 766 103 775 104 PRESENTES NOS TRIBUNAIS 850 100 922 108 942 111 939 110 964 113 982 116 6194 100 6846 111 6900 Juízes conselheiros FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS * N.I - NÚMEROS ÍNDICE: 1993=100 7185 N.I 116 N.º 7400 N.I N.º 7605 119 FONTE: GABINETE DE POLÍTICA LEGISLATIVA E PLANEAMENTO 1999 N.º MAGISTRADOS JUDICIAIS 111 N.º 1998 N.º MAGISTRADOS JUDICIAIS N.I 1997 2000 N.I N.º 2001 N.I N.º 2002 N.I N.º 2003 N.I N.º N.I 1599 125 1624 127 1690 132 1678 131 1752 137 73 124 83 141 76 129 72 122 74 125 322 117 312 113 317 115 320 116 310 113 Juízes de direito 1204 127 1229 130 1297 137 1286 136 1368 145 PRESENTES NOS TRIBUNAIS 1382 131 1368 129 1440 136 1348 127 1671 158 MAGISTRADOS DO MP 1138 114 1180 118 1227 122 1264 126 1288 129 Procuradores-GeraisAdjuntos 155 145 161 150 162 151 161 150 165 154 Procuradores da República 205 134 333 218 354 231 358 234 368 241 Procuradores Adjuntos 778 105 686 92 711 95,8 745 100 755 102 PRESENTES NOS TRIBUNAIS 999 118 1068 126 1070 126 1100 129 1106 130 8213 133 9040 146 9446 153 9299 150 9211 149 Juízes conselheiros Juízes desembargadores FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS * N.I - NÚMEROS ÍNDICE: 1993=100 FONTE: GABINETE DE POLÍTICA LEGISLATIVA E PLANEAMENTO 1) nos Juízes Conselheiros o aumento registado foi na ordem dos 25%; contudo o valor registado em 2003 é muito idêntico ao de 1999, o que significa que este crescimento do 34 N.I 123 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? número de juízes nesta categoria profissional não foi homogéneo, antes tendo sido caracterizado por fortes oscilações; 2) relativamente aos Juízes Desembargadores o aumento foi mais reduzido que na categoria anterior (13%), e verificou-se um comportamento inverso ao dos Juízes Conselheiros, na medida em que somente após 1999 se verificaram aumentos; 3) por último, e no que se refere aos Juízes de Direito, regista-se um aumento de 45%. Este aumento foi gradual, tendo apenas sido quebrado em 1999, com um ligeiro decréscimo. De acrescentar, ainda, que entre os anos de 2002 e 2003 se assiste a um forte aumento do número de juízes (+9%). A análise da evolução do número de Magistrados do Ministério Público demonstra que o crescimento apresentado, apesar de gradual, aconteceu de forma bastante lenta – 29% nos 10 anos em análise. Observando cada uma das categorias profissionais verificamos, por um lado, que o número de Procuradores da República cresceu 141%, ou seja, mais do que duplicaram. Pelo contrário, a categoria dos Procuradores Adjuntos foi a que registou o crescimento mais reduzido. De salientar, contudo, o ano de 2000, que se caracteriza por uma diminuição de -8%. Destaque, ainda, para o facto de no ano de 2002 se verificar o mesmo valor de 1993. Finalmente, os Procuradores-Gerais-Adjuntos, apesar da evolução positiva registada (+54%), demarcam-se pelos decréscimos registados nos anos de 2001 e 2002. Relativamente à presença dos magistrados do Ministério Público nos tribunais podemos afirmar que, ao longo dos anos em análise, se assistiu a um aumento, embora lento, destacando-se o ano de 2000 como o ano em que se ultrapassaram os 1000 magistrados do Ministério Público nos tribunais. Por último, os Funcionários Judiciais registaram um crescimento na ordem dos 49%, mais notório e significativo após 1999. No entanto, em 2003 denota-se uma inversão desta tendência, tendo-se passado de 9299 funcionários em 2002, para 9211 em 2003. Passando à análise do movimento processual nos tribunais judiciais de 1.ª instância, percebemos, de um modo geral, que o número de processos pendentes duplicou, apresentando um crescimento de 104%, apesar da diminuição registada em 1995. Por outro lado, no que diz respeito ao número de processos entrados, constata-se, ao longo da década em análise, uma diminuição, na ordem dos -7%. A evolução do número de processos apresenta um comportamento não regular, mas apesar da diminuição global, há um notório crescimento do número de processos entrados entre 2001 e 2002. 35 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Quadro 2: Processos nos Tribunais Judiciais de 1.ª Instância (1993* a 2003) PENDENTES ENTRADOS FINDOS 1993 652095 100 861796 100 768925 100 1994 713234 109 868081 101 938135 122 1995 632027 97 614234 71 503130 65 1996 741141 114 649385 75 523611 68 1997 874765 134 730505 85 556658 72 1998 1047963 161 705951 82 592595 77 1999 1151866 177 709426 82 674607 88 2000 1176428 180 697401 81 668734 87 2001 1196942 184 682800 79 619540 81 2002 1250236 192 738882 86 657889 86 2003 1328420 204 802202 93 700191 91 FONTE: GABINETE DE POLÍTICA LEGISLATIVA E PLANEAMENTO Por fim, uma nota relativamente ao número de processos findos. Ao longo dos 10 anos registou-se uma diminuição de -9%, particularmente acentuada em 1995 (-35%). Apesar do volume de processos findos ser inferior ao registado em 1993, foi crescendo até 1999. Contudo, somente no ano de 2003 se assiste a um crescimento do número de processos findos, embora o valor ainda fique aquém do atingido em 1993. Esta análise permite fazer uma ligeira “radiografia” do sistema, em termos dos meios disponíveis, pouco podendo explicar o agravamento do volume processual registado nos últimos anos, com a excepção da afirmação de que o aumento dos recursos humanos pode não ter sido suficiente para combater a actual pendência processual. 6. Considerações finais O Ministério Público em Portugal, ao contrário do que é corrente afirmar-se, alterou bastante as suas características ao longo dos tempos. Ainda que mantendo uma matriz de defensor da legalidade, tal como antes defendia os interesses do Rei, a diversidade de funções que foi assumindo conferiu-lhe uma importância bastante grande na “arquitectura” do sistema judicial e como garante da legalidade e dos direitos dos cidadãos. Apesar de, no período do Estado Novo, o Ministério Público ter seguido as “instruções” da ditadura, em especial nas questões sociais e políticas relevantes, a 36 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? transição para a democracia levou, não a uma diminuição de competências, mas a um crescendo de competências. A partir do período revolucionário, de 1974, o papel do Ministério Público foi crescendo, quer no âmbito das competências, quer na autonomia no desempenho profissional. Verificou-se, igualmente, uma preocupação em modernizar a formação dos magistrados, os serviços e a própria organização interna de uma magistratura que, em função das suas competências, tem uma estrutura hierarquizada, ainda que funcionalmente autónoma. O leque de competências é diversificado, ainda que se centre, em termos de volume processual e notoriedade mediática, na área criminal, fonte geradora de muitas polémicas. É na investigação e acusação das matérias penais que o Ministério Público desempenha as suas principais funções e onde existem mais estruturas especializadas de apoio e maiores recursos humanos e materiais afectos. Contudo, a sua acção não se limita à área penal, dado que as suas funções nas áreas laboral, de família e menores, administrativa, dos interesses difusos (ambiente, consumo, urbanismo, etc.) e na defesa dos mais fracos e incapazes têm um papel fundamental na defesa da legalidade e na promoção do acesso dos cidadãos ao direito e à justiça. Apesar das dificuldades sentidas, devido ao volume processual, à crescente complexidade dos assuntos que chegam aos tribunais e das limitações em termos de recursos humanos, materiais e financeiros, é hoje inquestionável o seu papel no seio do poder judicial português. O equilíbrio no interior do poder judicial, conseguido ao longo dos últimos 30 anos, não só em função do paralelismo profissional e estatutário com os juízes, tem permitido sedimentar uma prática profissional coerente e estruturada. Os crescentes desafios emergentes na nossa sociedade global, nas diversas frentes jurídicas, originam uma forte pressão sobre os magistrados do Ministério Público, que nem sempre tem sido bem gerida ou sido alvo de uma resposta capaz. A resposta que conseguir dar, em termos de desempenho, será, assim, um elemento crucial para determinar a evolução das competências e das formas de organização. A promoção dos direitos de cidadania depende, em parte, do seu exercício profissional. Por isso, um Ministério Público eficaz, competente e célere é um elemento estruturante do poder judicial e do próprio sistema democrático. 37 O Ministério Público em Portugal: Que papel, que lugar? Referências bibliográficas Canotilho, J.J. Gomes; Moreira, Vital (1985), A Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.º vol., 2.ª edição revista e ampliada. Coimbra: Coimbra Editora. Canotilho, J.J. Gomes; Moreira, Vital (1993), Constituição da República Portuguesa anotada. 2.º Volume. 3.ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora. Carbasse, Jean-Marie (org.) (2000), Histoire du parquet. Paris: PUF. Castro, Manuel de Oliveira Chaves e (1910), A organização e competência dos tribunais da justiça portuguesa. Coimbra: F. França Amado. Cluny, António (1992), “Démocratie et rôle de l’associationisme judiciaire au Portugal”, La formation des magistrats en Europe et le rôle des syndicats et des associations professionnelles. MEDEL/Faculté de Droit de l’Université de Trieste. Padova: CEDAM, 133-140. 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