4. Mecânica relativística.
4.1 Conservação de Momento
Para que o princípio da relatividade seja válido para as equações de Maxwell foi necessário
introduzir uma nova transformação -- a transformação de Lorentz -- para substituir a
transformação de Galileu. No entanto, as leis da mecânica clássica não são invariantes para
essa nova transformação como mostraremos tomando como exemplo o princípio de
conservação do momento na colisão de dois corpos.
Consideremos no referencial R do
laboratório a colisão de duas esferas de
massa m e velocidades iguais e opostas.
v e -v. É fácil ver na figura ao lado que,
nesse referencial, as componentes totais
da velocidade nas direções x e y são
nulas antes e depois do choque e que
portanto, o momento total é conservado
no choque das esferas.
Vamos verificar o que ocorre no
referencial R' que se desloca em relação
a R com velocidade u = vx na direção
Ox.
Utilizamos a TL para calcular as componentes das velocidades no referencial R' (seção
3.4):
v′x (1) =
2u
−u−u
=−
.
2
u
u
1 − ( −u )
1+ 2
c
c
v'x (1) é a componente x da velocidade da esfera 1, na direção Ox', antes do choque. Da
mesma maneira o leitor poderá calcular as outras componentes. O quadro abaixo apresenta os
resultados desse cálculo.
Ref.
Antes
Depois
- vx(1)
- vy(1)
-vx(1)
vy(1)
vx(2)
vy(2)
vx(2)
-vy (2)
R
vx'(1) =
R'
− 2u
u2
1+ 2
c
v'x(2) = 0
v'y(1) =
− v y (1)
2
u
γ (1 + 2 )
c
v'y(2) =
v y (2)
γ (1 −
2
u
)
c2
v'x(1) =
− 2u
u2
1+ 2
c
v'x(2) = 0
v'y (1) =
v'y (2) =
v y (1)
u2
γ (1 + )
c2
− v y (2)
γ (1 −
u2
)
c2
Se utilizarmos a definição clássica de momento como produto da massa pela
velocidade, podemos verificar que na colisão das duas esferas, observada no referencial R', a
componente x do momento total é conservada, mas o mesmo não acontece com a componente
y (Σ Py antes ≠ Σ Py depois). Portanto, a conservação do momento, como definida na mecânica
clássica é incompatível com a TL. Isto nos induz a procurar uma nova definição para o
momento que seja compatível com a TL e tenda para a expressão clássica quando a
velocidade seja muito menor do que c.
A nossa dificuldade está na componente y do momento
∆y
py = m vy = m lim∆t →0
.
∆t
O valor de ∆y se mantém constante sob uma TL, em todos referenciais que se deslocam com
velocidade uniforme paralela ao eixo Ox, mas o tempo ∆t depende do referencial e é isto que
faz com que a componente y da velocidade se altere. Vamos substituir o tempo medido pelo
relógio do laboratório, pelo tempo medido por um relógio transportado pela partícula cujo
∆y
momento desejamos calcular -- esse é o tempo próprio τ da partícula. A grandeza
tem o
∆τ
mesmo valor em todos referenciais, porque ∆τ tem o mesmo valor em todos eles. A grandeza
∆y
∆y ∆t
∆y
=
⋅
=γ
= γv y
∆τ
∆t ∆τ
∆t
é invariante sob uma TL para um referencial que se desloca com velocidade paralela a o eixo
Ox . Podemos então definir a componente y do momento por
mv y
`p y =
v2
1− 2
c
e, generalizando,
p=
mv
v2
1− 2
c
=γmv
Com essa definição a lei de conservação de
momento é compatível com a TL, isto é ela é
válida em todos referenciais inerciais. Observe
que p → mv quando v << c, isto é, para
velocidades pequenas vale a definição clássica de
momento. O gráfico ao lado mostra a variação do
momento relativístico com a velocidade. É usual ,
denominar massa relativística a expressão M(v)
= mγ ; m, a massa de repouso,é um invariante de
Lorentz .
O momento relativístico será
p = M (v) v
e
M(v) =
m
1−
v2
c2
4.2 Energia relativística
A lei de Newton na forma F = m a não pode ser correta na teoria da relatividade, porque
conduz à conservação do momento clássico p = m v, o que , como vimos na seção anterior,
não acontece. Como já temos uma expressão relativística para o momento, é razoável definir
dp
, onde p é o momento relativístico , e verificar se as conseqüências são
força como F =
dt
consistentes.
Vamos começar examinando o conceito de energia cinética. O trabalho realizado por
uma força para acelerar uma partícula desde o repouso até uma velocidade v é a energia
cinética da partícula. Portanto, considerando o movimento em uma direção apenas,
u
d (γmv)
ds = ∫ vd (γmv)
0
0
0
dt
1
3
− 
−

2
2
2
2




mv
v
v
= md v1 − 2   = m1 − 2  dv
d (γmv ) = d
  c  
v2
 c 


1− 2
c
u
Ec = ∫ Fds = ∫
u
u
 v 
Ec = ∫ mv1 − 2 
o
 c 
2
E c = γmc 2 − mc 2 .
−
3
2


1 u



2 −2 
v  
1

2 
2
dv = mc 1 − 2 
− 1 .
= mc 
 c  
2
 1− v


 0


2
c



 1 u2
v
1
<< 1, E c = mc 2 (γ − 1) = mc 2 1 +
+ .... − 1 ≅ mv 2 , que é o valor clássico da
2
c
2

 2c
energia cinética.
Se
Podemos escrever a equação na forma
γmc 2 = mc 2 + Ec
e interpretar o termo mc2 como sendo a energia de repouso da partícula e o termo γmc2 como
a energia total da partícula. Não se trata apenas de dar nomes convenientes a termos de uma
equação. A massa de repouso tem um significado físico relevante. Por exemplo, se duas
partículas estão ligadas por forças atrativas, a energia potencial U do sistema, em relação à
energia potencial das partículas separadas por uma distância infinita, é negativa e a massa de
repouso do sistema formado pelas duas partículas ligadas será menor do que a soma das
massas das partículas separadas, por um valor ∆m = -U/c2. De forma análoga se as partículas
se repelissem, de modo que a energia potencial fosse positiva, a massa do sistema aumentaria
de U/c2. Na teoria da relatividade a energia potencial armazenada num sistema aparece como
massa de repouso. A equação
E0 = mc2
que liga a energia de repouso à massa de repouso é a famosa equação de Einstein.
Muitas vezes é conveniente expressar a energia total ( E ) em termos do momento da
partícula ( p ):
mc 2
2
E = γmc =
,
p = γum
u2
1− 2
c
(mc )
=
2 2
E
2
1−
u2
c2
m 2u 2
p =
.
u2
1− 2
c
2
Eliminando u2 nas duas últimas equações, obtemos a importante equação:
E2 = p2c2 + (mc2)2
Se a partícula não tem massa, como o fóton ou o neutrino, mc2 = 0, e
E=pc
Essa última equação é válida com erro menor do que 1%, mesmo para partículas de massa
não nula, se a partícula for muito energética ( ≥ 8mc 2 ).
Nas duas seções anteriores introduzimos as formas relativísticas do momento e da
energia que são invariantes a uma TL e tendem para os formas clássicas a baixas velocidades.
Não daremos aqui um tratamento sistemático para construir uma mecânica relativística
completa. Nosso objetivo, já parcialmente alcançado, é mostrar como se elaboram os novos
conceitos de forma que correspondam aos antigos e ao mesmo se conservem sob uma TL. Da
mesma forma que fizemos com o momento e a energia todos os outros conceitos da mecânica
podem ser redefinidos de modo que sejam invariantes à TL e tendam para os conceitos
clássicos a baixas velocidades.
A mecânica relativística, as equações de Maxwell, a transformação de Lorentz e o princípio de relatividade de
Einstein são consistentes, isto é não apresentam contradições
internas.
4.3 Energia de ligação
Se as partículas de um sistema estão ligadas por forças atrativas, será necessário fornecer
uma quantidade de energia El para separá-las. Essa energia é denominada energia de ligação
do sistema. Como vimos na seção anterior, a massa de repouso do sistema de partículas
ligadas é menor do que a soma das massas das partículas separadas a uma distância infinita,
por uma quantidade
E
∆m = 2l .
c
Defeito de massa é a diferença entre a soma das massas das partículas constituintes do núcleo
e a massa do núcleo:
∆m = Σ mi – M .
Por exemplo, na fissão de um núcleo de 235U a energia liberada sob a forma de energia
cinética dos produtos da fissão é igual à diminuição da massa de repouso do sistema (∆m) e
corresponde a uma fração apreciável da massa de repouso do núcleo original.
.
Adota-se como padrão para medir massas atômicas a massa atômica do isótopo 12C,
que é bem determinada. Define-se então a unidade de massa atômica como
1 uma =
1
massa de 12C = 1,6606 ⋅ 10 – 27 kg
12
Vamos, como exemplo, calcular a energia de ligação de um núcleo formado por Z prótons e N
neutrons.
El = ∆m c2 = (Z mp + N mn – M) c2
Em geral são tabeladas as massas atômicas em vez de massas nucleares. Para escrever a
expressão acima em termos de massas atômicas, somamos e subtraímos a massa de Z
elétrons e agrupamos essa massa à massa dos prótons e à massa do núcleo:
El = [(Z mp+ Z me )+ N mn – (M + Z me)] c2 = (Z mH + N mn – MA mn ) c2
onde mH é a massa atômica do hidrogênio e MA a massa atômica do elemento examinado.
Problema. Uma reação típica de fissão nuclear que ocorre nos reatores nucleares é:
n + 235U →
236
U →
141
Ba +
92
Kr + 3n + Q
onde Q é a energia liberada na reação. Calcule Q (em MeV) e a massa transformada em
energia (em uma). ( Resposta: Q ≅ 175 MeV)
Problema. Calcule o defeito de massa do átomo He. (Resposta: 0,0303779 uma)
Problema. Um elétron é acelerado do repouso por uma diferença de potencial de 106 V.
Calcule: a energia cinética ( em MeV), a energia relativística total (em MeV) e a velocidade
do elétron (β).
Problema. Uma partícula de massa de repouso m2 e velocidade v colide com uma partícula
de massa m1 em repouso e se integram. Determine a massa e a velocidade da partícula
composta.
4.4 Movimento de uma partícula em campo magnético
Um tipo de situação que aparece com
freqüência em física atômica e física nuclear
está relacionada com o movimento de
partículas em campos magnéticos. Vamos
estudar o movimento de uma partícula de
massa m e carga elétrica q em um campo
magnético constante B. Atua na partícula uma
força
F=qv×B=
dp
dt
dv
dp d
= (γmv ) = γm
dt
dt
dt
Observe que F é perpendicular a v, por isso não realiza trabalho e como conseqüência
|v| e a energia total da partícula devem permanecer constantes:
Et = γmc2 = constante ⇒ γ = constante
Se v ⊥ B a trajetória da partícula é um circulo num plano perpendicular a B. Se v não for
perpendicular a B, podemos decompor v em duas componentes, uma perpendicular a B que
gera uma trajetória circular e a outra paralela a B que desloca o círculo ao longo de B; a
trajetória resultante será então uma hélice. Como a componente de v paralela a B não é
afetada, podemos considerar apenas o movimento no plano:
 v2 
dv
qvB = mγ
= mγ   ,
dt
R
onde v2/R é a aceleração centrípeta. Dessa expressão obtemos
qBR = mγv = p
Observamos que se v/c << 1,.
 v2 
γ ≅ 1 − 2 
 c 
−1 2
≅ 1+
1 v2
+ ... 1 ≈ 1
2 c2
e obtemos o resultado clássico.
A equação acima pode ser usada para testar com precisão a teoria da relatividade.
Partículas de massa e carga (m, q) conhecidas são lançadas em um campo magnético B com
velocidade determinada. A medida do raio de curvatura de sua trajetória permite então,
determinar γ.
Problema. Determine os raios de curvatura de um elétron e um próton, ambos de energia
cinética de 20 MeV, em um campo magnético de 1,0 T.
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Mecânica Relativística