Suicídio causa duas vezes
mais mortes que acidentes
na estrada
Governo espera ter plano de prevenção da depressão e do suicídio pronto a arrancar
no fim de Fevereiro. Registos do INE subestimam realidade
MARTA F. REIS
mana. [email protected]
Portugal não está a registar devidamente os suicídios e os dados do Instituto
Nacional de Estatística são neste momento uma subestimação grosseira da realidade. O alerta é do professor de Psiquiatria e investigador da Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade Nova
de Lisboa Ricardo Gusmão, que na última década coordenou quatro projectos-piloto de prevenção da depressão e do
suicídio.
Iniciativas como a formação de médicos de família e de facilitadores comunitários, como padres, polícias, cuidadores
de idosos e professores, ou combater o
estigma da doença mental através da reforma dos currículos escolares são alguns
dos pontos de partida que agora deverão
ser tidos em conta no plano nacional de
prevenção. Álvaro de Carvalho, director
do novo programa nacional para a Saúde Mental da Direcção-Geral da Saúde,
disse ontem ao i que o governo espera ter
pronto até ao final de Fevereiro o plano
nacional de prevenção do suicídio, uma
iniciativa que já estava prevista no Plano
Nacional da Saúde Mental 2007-2016.
Álvaro de Carvalho adianta apenas que
neste momento ainda estão a ser recalendarizadas as iniciativas e ainda não há
um orçamento fechado para combater
este fenómeno, mas vão ser incluídas as
experiências dos últimos anos e sobretudo as estruturas que já existem ao nível
dos cuidados primários.
De imediato, Portugal tem um problema de estatísticas. A semana passada,
com a divulgação dos dados do INE relativos a mortes por lesão auto-infligida,
foi notícia que os suicídios teriam aumentado, em 2010, 8,2%, para 1098 mortes.
de estigma das famílias ou o facto de a
Igreja Católica não realizar funerais de
Na realidade, e se se tiverem em conta
as mortes violentas por causa indeterminada, o número de suicídios prováveis
em 2010 cresce para 2204, quase três
vezes as mortes em acidentes rodoviários no mesmo ano (741). Ricardo Gusmão, que reuniu os dados, diz que esta
inconsistência tem levado a subestimar
o fenómeno, o que precisa de ser corrigido, embora só estejam previstos núme-
suicidas.
com a emissão de certidões de óbito online, algo que deverá
arrancar em 2013. 0 psiquiatra propôs
uma parceria com a DGS para participar
na validação dos óbitos, o que permitirá
um retraio mais fiel do fenómeno.
Esta inconsistência nos números não é
nova. Como o suicídio não é crime em
Portugal, e ainda bem, defende Gusmão,
o Ministério Público só encaminha para
autópsia as mortes violentas onde há indícios de homicídio ou outro crime. Assim,
os suicídios por regra só entram na categoria de "morte por lesão auto-infligida"
do INE quando são inequívocos ou assim
decretados pelo MP e pela investigação
forense. Ricardo Gusmão aponta outras
razões para muitos acabarem no conjunto das mortes indeterminadas: o receio
ros mais rigorosos
Suicídio mata sete vezes
mais mulheres que a
violência doméstica, mas
não tem tido o mesmo
esforço de prevenção
No fim de 2011, o estudo de um consórcio europeu, que Portugal integra, concluiu que a categoria das mortes violentas indeterminadas
Estados-membros
- na média dos 27
- deveria representar
20% do total de suicídios e limitar-se a
dois casos anuais por 100 mil habitantes:
"O que vemos em Portugal é que as mortes violentas indeterminadas são mais de
100% dos suicídios e a taxa por 100 mil
habitantes variou entre 2005 e 2010 entre
os nove e os dez casos. Isto não é possíveL" Entre 2002 e 2003 a DGS fez um esfordos óbitos indetermiço de classificação
nados. Nesses anos, os dados do INE mostram valores recorde de suicídio ao mesmo
tempo que as mortes indeterminadas
diminuem para o patamar esperado.
Para Ricardo Gusmão, o problema da
subestimação do suicídio não é exclusivo
de Portugal, mas há uma nova sensibilização a nível europeu, até pela convicção
de que a crise será um factor acrescido
de depressão, a doença mental na origem
de pelo menos 50% dos suicídios. "Muito
por causa do estigma, o suicídio nunca
teve o mesmo estatuto prioritário na saúde pública que outras causas de morte
para as quais tem havido um esforço de
prevenção", diz. "Note-se, por exemplo,
que a violência doméstica em Portugal
tem maior estatuto, fundos próprios, uma
agência governamental, e não é que não
valha a pena, mas morrem 50 mulheres
por ano. Por ano morrerão pelo menos
350 mulheres vítimas de suicídio."
Números
15000
Embora ainda não haja dados
actuais para Portugal, estimase que todos os anos haja 1 50
a 250 tentativas de suicídio por
100 mil habitantes,
15 mil casos.
pelo menos
2204
Suicídios prováveis em 201 0,
tendo em conta as duas
variáveis do INE.
37%
Usando os dados
combinados, os suicídios terão
aumentado 37% desde 2001 .
Depressão está na origem
de 50% dos suicídios e 90%
têm uma perturbação
psiquiátrica de base
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