LEI MARIA DA PENHA: ASPECTOS RELEVANTES PARA A INSERÇÃO
DA LEI 11.340/06 NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO
Geraldo Calasans Júnior
LEI MARIA DA PENHA: ASPECTOS RELEVANTES PARA
A INSERÇÃO DA LEI 11.340/06 NO ORDENAMENTO
JURÍDICO PÁTRIO
Geraldo Calasans Júnior
Advogado. Pós-graduando em Direito Público pela Universidade
Anhanguera. Ex pesquisador/bolsista da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado da Bahia – FAPESB. Autor de artigos científicos na
seara jurídica.
1. INTRODUÇÃO
O assunto violência doméstica e familiar, dada as suas
conseqüências nocivas em prejuízo das mulheres, tem sido motivo de
preocupação de diversos setores da sociedade organizada, de
governantes e do mundo jurídico em geral. Várias pessoas do sexo
feminino têm sua vida pessoal desestruturada, entram em depressão
e ficam a mercê dos seus respectivos agressores.
A repetição de atos violentos e de abusos no ambiente
doméstico acaba refletindo na vida pessoal e, por conseguinte,
provocando problemas físicos e traumas psicológicos não só para a
mulher como para as testemunhas oculares que residem com ela.
Nesse diapasão, Patrícia Zaidan (2007; p. 169) ressalta que:
Quando uma mulher apanha do marido, a sociedade de
solidariza com ela, a delegacia da mulher toma providências de
investigação e, desde setembro, uma nova lei, a Maria da Penha,
determina que o marido tenha prisão preventiva decretada. Há
avanços contra um crime que até bem pouco tempo era abafado pelo
silêncio. Porém, quase nada se faz para socorrer outra personagem
dessa história: a testemunha das agressões.
As crianças compartilham os sofrimentos e dramas com as suas
mães. Observam os gritos, vêem a discussão e a briga, além de
assistirem às surras que às vezes culminam na morte da sua
genitora. O resultado dessas percepções é a falta de confiança em
seus pais. Os filhos do casal que presenciam esses acontecimentos
crescem amedrontados, sentindo ódio pelo genitor e pena da mãe. A
adoção de políticas públicas a fim de acompanhar as crianças faz-se
necessária, visto que estas não dotam ainda de nenhum senso de
sabedoria para lidar com tal situação.
Assim, neste ensaio é feita uma abordagem acerca dos motivos
relevantes que levaram a inserção da Lei Maria da Penha no
ordenamento jurídico brasileiro. Não só a mulher bem como as
crianças que são vítimas da realidade aqui esposada necessitavam de
um estatuto idôneo e apto a equacionar as violências e humilhações
por quais passavam.
2. MOTIVOS PARA A INSERÇÃO
2.1. Dados alarmantes
A cada 15 segundos, uma mulher é agredida no país. Em 2006,
uma pesquisa do Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e
Estatística) e do Instituto Patrícia Galvão revelou que 51% dos 2.002
brasileiros ouvidos conhecem uma vítima de violência doméstica
(ZAIDAN, 2007).
O “Relatório Mundial sobre violência e saúde”, da OMS
(Organização Mundial de Saúde) de 2002, afirma que quase metade
das mulheres que morrem por homicídio é assassinada por seus
maridos ou parceiros atuais ou anteriores, uma porcentagem que se
eleva a 70% em alguns países; em 48 investigações realizadas em
todo mundo, entre 10% e 69% das mulheres admitiram ter sofrido
algum tipo de violência física por parte de seu parceiro; pelo menos
30% das mulheres brasileiras sofrem, todos os dias, algum tipo de
violência.
Outros índices preocupantes são os divulgados pelo Movimento
Nacional de Direitos Humanos no ano de 1998 (“Primavera já
partiu”). De acordo com tal pesquisa, 66,3% dos acusados em
homicídio contra as mulheres são seus parceiros. Isso comprova o
quão é necessário obter uma lei que proteja a mulher e que assegure
a esta uma proteção digna e eficiente para uma convivência
harmoniosa entre os cidadãos sem sofrer nenhum tipo de agressão.
2.2. Visão internacional e o posicionamento do Brasil
A questão aqui explanada está preocupando os mais diversos
profissionais de todas as áreas. O tema tomou dimensões ainda
maiores, até mesmo em nível internacional, visto que a Organização
dos Estados Americanos (OEA) proferiu um parecer na Comissão
Interamericana de Direitos Humanos em 1998 recomendando ao
Brasil, dentre outros comportamentos, “prosseguir e intensificar o
processo de reforma, a fim de romper com a tolerância estatal e o
tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra
as mulheres no Brasil” (CIDH - informativo nº 54/01 de 16/04/01).
Flávia Piovesan (2007; p. 315-316) ressalta que:
A decisão fundamentou-se na violação, pelo Estado,
dos deveres assumidos em face da ratificação da
Convenção Americana de Direitos Humanos e da
Convenção Internacional para prevenir, punir e
erradicar a violência contra a Mulher (Convenção do
Belém do Pará). É a primeira vez que um caso de
violência doméstica leva à condenação de um país, no
âmbito do sistema interamericano de proteção dos
direitos humanos.
Atento a esses acontecimentos, no dia 7 de agosto de 2006 o
Presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 11.340, também
conhecida como a Lei Maria da Penha, que dispõe sobre a violência
doméstica e familiar contra a mulher. A referida norma inovou a
sistemática
das
tutelas
dos
direitos
humanos
e
fundamentais
concernentes ao sexo feminino, visto que acolhe dispositivos que tem
por finalidade assegurar, verbi gratia, o direito ao trabalho, o direito à
segurança, o direito à vida etc.
As agressões sofridas pelas mulheres por parte de seus
agressores constituem um grande entrave para uma convivência
digna e harmônica delas. Assim, conforme entendimento de Luiza
Nagib Eluf (2007; p. 170):
Apesar da evolução significativa da posição da mulher na
sociedade e dos grandes avanços obtidos na legislação brasileira
quanto à garantia dos seus direitos, os homicídios de mulheres
continuam aumentando. [...]. Infelizmente, as mulheres continuam
sendo mortas por seus maridos, companheiros, namorados, ou exnamorados, ex-companheiros, ex-namorados.
Destarte, a atitude plausível do Chefe do Executivo nacional
busca: coibir os acontecimentos que cada vez mais ganham destaque
nas páginas dos jornais; punir os agressores que se aproveitam da
força física para abusar, desrespeitar e maltratar suas companheiras;
e, concomitantemente, reforçar os ditames constitucionais sobre os
direitos humanos e fundamentais.
3. O CASO MARIA DA PENHA
No ano de 1983, a cearense e biofarmacêutica Maria da Penha
Fernandes sofreu uma dupla tentativa de homicídio perpetrada pelo
seu marido (à época) Marco Antônio Herredia Viveiros, um professor
universitário de economia. Primeiro ele tentou ceifar a vida dela com
um tiro pelas costas, ocasião em que à mesma ficou paraplégica além
de outras lesões; noutra oportunidade, seu companheiro tentou
eletrocutá-la enquanto tomava banho numa banheira.
O réu fora condenado pelos tribunais locais por 2 (duas) vezes
(em 1991 e 1996), mas, valendo-se de recursos processuais contra a
decisão
condenatória
do
Tribunal
do
Júri,
nunca
foi
preso,
conseguindo passar 15 (quinze) anos em liberdade mesmo depois de
sentenciado.
Diante da morosidade judiciária existente no Brasil, Maria da
Penha recorreu à Justiça Internacional. Inicialmente, apresentou o
caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Para a
consecução de tal objetivo, a biofarmacêutica procurou ajuda do
Centro para a Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e do Comitê
Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher
(Cladem). Entretanto, frente a comissão, o Brasil não tomou
nenhuma medida.
Passados 18 (dezoito) anos do acontecido, a Organização dos
Estados Americanos (OEA), em 2001, responsabilizou o país por
omissão e negligência no que diz respeito a violência doméstica,
utilizando como base o relato de Maria da Penha. A OEA recomendou
ao Brasil que tomasse medidas em prol da criação de políticas
públicas que inibissem as agressões no âmbito doméstico em
desfavor das mulheres.
3.1. Parabéns Maria da Penha
No ano de 2002 o processo acabou sendo encerrado e
culminando na prisão do agressor Marco Antônio em 2003. Esse
desfecho
deve-se,
indubitavelmente,
a
pressão
internacional
promovida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e aos
esforços de Maria da Penha. Do ponto de vista nacional, surgiram
Projetos de Lei que resultaram na elaboração da Lei nº 11.340 – Lei
Maria da Penha -, homenageando-a pela sua incessante busca pela
justiça.
Finalmente, depois de 7 (sete) anos, a biofarmacêutica Maria
da Penha, recebeu, no dia 7 de julho de 2008, indenização de R$ 60
mil do Governo do Ceará, visto que este pagamento foi uma das
recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA).
4. A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA
MULHER
Direitos Fundamentais são aqueles imprescindíveis para a
sobrevivência da pessoa, ou, ao menos, para assegurar uma vida
digna do ser humano. José Afonso da Silva (2007; p. 56), ao se
referir aos direitos fundamentais do homem, aduz que:
Trata-se de situações jurídicas sem as quais a pessoa
humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem
mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido
de que a todos, por igual, devem ser não apenas
formalmente
reconhecidos,
mas
concreta
e
materialmente efetivados. Do homem não como o
macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana.
Direitos fundamentais do homem significam “Direitos
fundamentais da pessoa humana”, ou “Direitos
humanos fundamentais”.
A Constituição Federal de 1988 assume importante papel nesse
âmbito ao estatuir em seu artigo 5º (e outros) direitos fundamentais
que asseguram uma possibilidade prática de convivência entre as
pessoas, visto que eles constituem um pressuposto básico para a
concretização do princípio democrático.
Portanto, a Lei Maria da Penha prega a igualdade de direitos
entre
homens
e
mulheres,
onde
dispõe
acerca
de
diversos
dispositivos com tal intuito. Os direitos fundamentais já nascem com
a pessoa, devendo ser resguardados de qualquer forma de violação
ou de tentativa de redução quanto ao seu exercício.
O Estatuto da Mulher regula os direitos fundamentais inerentes
à pessoa humana de forma a nivelar as relações sociais entre o sexo
masculino e o feminino. Sendo assim, tutela, por exemplo, o direito à
liberdade, o direito à igualdade, o direito ao trabalho, o direito à vida
etc.
5. CONLCUSÃO
Graças ao empenho da Biofarmacêutica Maria da Penha as
mulheres dotam de um instituto jurídico capaz de equacionar as
diferenças entre as pessoas do sexo feminino e do masculino. O
Estatuto da Mulher adveio com a pretensão de prevenir e coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher e, simultaneamente,
corroborar com os compromissos ratificados pelo Brasil em sede
internacional, como prevê a Convenção do Belém do Pará em seu
artigo 7º:
Artigo 7º. Os Estados Partes condenam todas as formas de
violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios
apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e
erradicar tal violência e a empenhar-se em:
c) incorporar na sua legislação interna normas penais, civis,
administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para
prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como
adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis;
Por fim, ressalta-se que é um engano pensarem que somente
as mulheres de baixa renda sofrem violência doméstica e familiar,
pois atrizes, advogadas, cantoras, empresárias, médicas, dentistas
etc. também são vítimas. As agressões não escolhem cor, idade,
profissão nem classe social; pode ser encontrada na residência de
qualquer brasileira. Por isso, as organizações supra estatais devem
promover a adoção de leis que tenham por escopo a efetivação dos
direitos humanos e fundamentais, induzindo os Estados que ainda
não legislam sobre o tema a legislar, e os que já tratam a aperfeiçoálos.
REFERÊNCIAS
1. ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos
passionais célebres – de Pontes Visgueiro a Pimenta Neves. 3ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2007.
2.
PIOVESAN,
Flávia.
Direitos
Humanos
e
o
Direito
Constitucional Internacional. 8ª ed. rev., ampl, e atual. São
Paulo: Saraiva, 2007.
3. SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição.
4ª ed. São Paulo; Malheiros, 2007.
4. ZAIDAN, Patrícia. Testemunhas da Violência. Cláudia, São Paulo,
p. 168-171, mar., 2007.
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