DIREITO MILITAR E SUA MISSÃO Autores Sandra Pereira de Almeida – Advogada e Professora Universitária. José Almir Pereira da Silva – Advogado Especialista e atuante na área militar, Professor universitário Extremamente complexa a missão de discorrer sobre tema tão relevante, considerando que a fonte de pesquisa militar é bastante escassa e as existentes torna-se de difícil acesso, haja vista que o direito militar pouco a pouco foi deixado de lado pela comunidade acadêmica em geral, sendo tão-somente estudado nas academias militares. Não resta dúvida que o direito militar é extremamente necessário para os cursos de direito, tanto que atualmente sua divulgação vem se tornando cada vez mais acentuada no mundo jurídico, tanto que a Ordem dos Advogados do Brasil criou a Comissão de Direito Militar. Também é verdade que inúmeras instituições de ensino estão proporcionando cursos de pós-graduação e extensão universitária, outras instituições ainda tiveram a coerência de introduzir no curso de graduação de direito a grade de direito militar. Infelizmente os leigos e aqueles que vivem escorados em falácias, defendem sem qualquer fundamento que o direito militar é matéria arcaica e que nenhuma importância apresenta para a ciência do direito, entretanto, através de uma simples análise podemos desdizer tal argumento, pois além de ser um ramo antiguíssimo se mantém até hoje no nosso ordenamento jurídico, estando previsto na Constituição da República e nas normas infraconstitucionais, além de ocupar grandiosa oportunidade profissional, pois nesta seara atuam advogados, procuradores, promotores, juízes, serventuários, além de diversos militares. Ademais, atualmente só no estado de São Paulo temos aproximadamente 135.000 (cento e trinta e cinco mil) policiais militares estaduais, entre ativos e inativos, as Forças Armadas contam com um contingente de 290.000 (duzentos e noventa) homens na ativa, sendo considerado o 15º maior contingente do mundo, e todos estão sujeitos a aplicabilidade do direito militar. (CABRAL, Revista Veja) Ora, esses militares diuturnamente estão sujeitos a praticar um crime militar ou transgressão disciplinar, ou ainda se envolver em um acidente com viatura oficial, danificar um equipamento militar, entre outras várias circunstâncias que certamente acarretará processo criminal, processo disciplinar ou sindicância, porquanto todos estes processos exigem do operador do direito um conhecimento do ramos especializado do direito militar. Importante destacar que o cidadão comum, dito como “civil” no meio militar, também está sujeito a incorrer em crime militar na esfera federal, onde será processado e julgado pela Justiça Militar Federal, fato que não ocorre na Justiça Militar Estadual, por vedação legal. Não podemos olvidar que o direito militar é um dos ramos do direito mais antigo da ciência jurídica, como exara o Juiz de Direito da Justiça Militar da União em sua obra Culpabilidade nos Crimes Propriamente Militar: “Onde quer que tenham existido exércitos na História, houve também um conjunto de normas às quais seus integrantes estavam sujeitos. Ainda quando não existiam exércitos regulares, ou seja, tropas permanentemente treinadas e reunidas para a guerra, havia deveres de cunho militar, relacionados à defesa de um Rei, da República, da cidade ou de um suserano”. (VERAS, 2007: 25) Podemos constatar que sua origem data de épocas remotas, mas trás conseqüências jurídicas para a atualidade, como bem preleciona VERAS: “Roma constituiu os primeiros exércitos regulares, sendo que os romanos que integravam as legiões estavam submetidos a duas legislações paralelas uma enquanto civis e outra na qualidade de militares”. (2007: 26). Atualmente no nosso País os militares Federais ou Estaduais assim como os exércitos regulares de Roma está sujeito a duas legislações, ou seja, a conduta do militar pode sofrer implicações do direito comum e/ou militar. No nosso País o direito militar te o seu início no Brasil-colônia com os donatários que exerciam o poder militar. A coroa portuguesa delegava poderes aos donatários relativos ás armas, artilharia, pólvora, salitre, enxofre, chumbo e quaisquer coisas de munições de guerra. (TEIXEIRA) Tem-se conhecimento que a Carta de Doação de 10/03/1534 e o Foral de 4 de setembro foram os primeiros documentos escritos da legislação militar, sendo que após adveio às disposições do Regimento do Governo Geral do Brasil de 17 de dezembro de 1534, destinado a Tomé de Souza, e tinha o cunho essencialmente militar. Vigoram no Brasil as Ordenações Filipinas e os Artigos de Guerra do Conde de Lippe até entrar em vigor o Código Penal da Armada mantendo-se até o final do século XIX, que trazia no seu bojo penas severas como pancadas de espada de prancha, trabalho nas fortificações, além das penas de morte por enforcamento ou arcabuzado (arcabuz, antiga arma de fogo de cano curto e largo), sendo seu sucedâneo a morte por fuzilamento que até hoje se encontra prevista no artigo 56 do Código Penal Militar em pleno vigor. As constantes atividades militares e a importância militar no Brasil eram tão relevantes que a Coroa Portuguesa viu-se obrigada a criar uma estrutura militar mais forte e surge o ensino militar obrigatório, onde nenhum oficial poderia ser promovido caso não aprovado na aula de Artilharia. (TEIXEIRA) Assim, em 13 de maio de 1808, surge o decreto que manda organizar o Corpo da Brigada Real do Brasil, o Arsenal Real da Marinha, a Intendência e a Contadoria da Marinha, a Real Academia dos Guardas Marinha e a Real Fábrica de Pólvora da Marinha, foi criado, também na cidade do Rio de Janeiro, o Conselho Supremo Militar e de Justiça, pelo Alvará de 1º de abril de 1808, com força de lei. Posteriormente, em 1814 cria-se a Academia Real Militar, sendo que neste mesmo ano, finalmente se estabelecia o foro especial para julgamento dos militares. O Conselho Supremo Militar e de Justiça acumulava duas funções, sendo uma de caráter administrativo e outra de caráter puramente judiciário. Na função de caráter administrativo eram discutidas questões referentes a requerimentos, cartas-patentes, promoções, soldos, reformas, nomeações, lavratura de patentes e uso de insígnias, sobre as quais manifestava seu parecer, já na seara de caráter judiciário, como ocorre no atual Tribunal Superior da Justiça Militar, o Conselho Supremo Militar julgava em última instância os processos criminais dos réus sujeitos ao foro militar, por este motivo entende-se que o Superior Tribunal Militar tem seu nascimento em 1808, logo, existindo por mais de 200 anos e sendo considerado, portanto, o mais antigo Tribunal Superior do País. Sua originária denominação foi mantida até o advento da República, quando, pela Constituição de 1891, passou a intitular-se Supremo Tribunal Militar, com organização e atribuições definidas pela Lei nº 149, de 18 de agosto de 1893, passando a integrar o Poder Judiciário pela Constituição de 1934 e, com o advento da Constituição de 1946, passou a ser denominado Superior Tribunal Militar. Neste breve relato histórico, podemos verificar a relevância do conhecimento do direito militar, visto que embora tenha sofrido algumas mudanças no decorrer do tempo, pouco se sabe sobre este ramo do direito que possui suas bases de sustentação nos princípios da hierarquia e disciplina militar, bem como, na preservação das Instituições Militares, destarte, sua aplicação possui particularidades diferenciadas do direito comum. Entretanto, embora considerado antigo, o Código de Processo Penal Militar e o Código Penal Militar ambos datados do ano de 1969, possui garantias para o réu consideradas modernas, como exemplo, a obrigatoriedade do interrogatório do réu acompanhado do defensor, garantia que somente foi implantado no direito processual penal comum em 2003 com o advento da lei 10.792. Portanto, o operador do direito deve ser cauteloso ao discutir ou aplicar dispositivos jurídicos voltados ao direito militar, visto que todo ordenamento está calcado em valores militares, que para o leigo pode ser considerado de pouca relevância, no entanto, o estudioso do direito militar entende que estes valores devem ser considerados extremamente importantes e sopesados na análise do caso concreto ou na exegese de uma norma de cunho militar, circunstância que corrobora a efetiva necessidade do estudo amiúde do direito militar. As instituições acadêmicas devem rever seus conceitos em relação ao direito militar, não se pode mais fugir da realidade que o direito militar é importante na formação acadêmica e deve ser fomentado o seu estudo, devendo este ramo especializado do direito ser introduzido no currículo da graduação dos cursos de direito. É cediço que atualmente esta ciência do direito torna-se cada vez mais presente no nosso cotidiano, devido ao aumento dos incidentes envolvendo policiais militares, mormente no Estado de São Paulo e Rio de Janeiro, devido ao aumento da violência e, por conseqüência, o aumento do concurso policial no combate a criminalidade. Assim, o confronto direito faz surgir resquícios jurídicos na esfera judicial e/ou administrativa. Outro tema atual e de grande divulgação é o emprego das forças armadas nos morros cariocas, ou seja, a possibilidade do emprego das forças armadas como policiamento urbano. Este desvio aparente de função, certamente e provavelmente proporcionará a ocorrência de possíveis crimes militares e transgressões das mais diversas, que necessitará de profissionais competentes que realmente tenha conhecimento jurídico nesta seara. Torna-se imperioso externar os méritos das instituições educacionais que enfrentam os falsos dogmas para patrocinar uma excelente formação acadêmica, implantando o direito militar nos cursos de direito, seja na grade curricular da graduação, seja nos cursos de pós-graduação ou extensão universitária, propiciando o surgimento de profissionais gabaritados e atuantes no direito militar. Importante ainda, destacar as argumentações do juiz de direito militar da 1ª Auditoria do Tribunal de Justiça Militar RONALDO JOÃO ROTH: “A discussão, o estudo e aplicação do Direito Militar, consubstanciado não somente em relação ao Direito relativo aos militares, mas também aos bens jurídicos de interesse das Instituições Militares, envolve hoje um grande número de profissionais do Direito como advogados, procuradores, promotores de justiça, juízes não somente da Justiça Militar como também da Justiça comum, com seus serventuários, Oficiais e Praças das Instituições Militares, abrangendo uma enorme categoria especial de servidor do Estado, que é o militar”. (ROTH, 2004: 11) Por todos estes motivos não resta dúvida que o direito militar é extremamente importante nos cursos de direito, pois certamente influenciará substancialmente na formação jurídica, pois esse ramo especializado do direito possui particularidades próprias de interpretação e atuação, por conseqüência, exige uma formação especializada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CABRAL, Otávio. Revista Veja. Em que os militares miram. Edição 2036 de 28 de novembro de 2007. Disponível em <veja.abril.com.br/281107/p_130.shtml> Acessado em 29 Fev. 2008. ROTH, Ronaldo João. Temas de direito militar. 1ed. São Paulo: Suprema Cultural, 2004. TEIXEIRA, Paulo Ivan de Oliveira. A organização judiciária do regulamento processual criminal militar de 1895. Disponível em <www.uff.br/direito/artigos/artigo5.htm> Acessado em 29 Fev. 2008. VERAS, Frederico Magno de Melo. Culpabilidade nos crimes propriamente militares. 1 ed. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2007.