Elizângela Alves Moreira [email protected] Academia de Ciência e Tecnologia Rua Bonfá Natale, 1860 – Santos Dumont ASPECTOS HEMATOLÓGICOS DE PACIENTES COM LEISHMANIOSE VISCERAL São José do Rio Preto – SP Março/2012 Aspectos hematológicos de pacientes com Leishmaniose Visceral 1 ASPECTOS HEMATOLÓGICOS DE PACIENTES COM LEISHMANIOSE VISCERAL Resumo A leishmaniose visceral é uma doença infecciosa sistêmica considerada uma importante endemia por parte da Organização Mundial de Saúde, com ampla distribuição geográfica e caracterizada pelo alto potencial de letalidade. Esta pode evoluir para formas graves com desordens hematológicas expressivas incluindo anemia, trombocitopenia, leucopenia, hemólise, fibrinólise, entre outras. O presente estudo tem como objetivo apresentar através de uma revisão da literatura, os aspectos mais importantes sobre as principais alterações hematológicas observadas no paciente com leishmaniose visceral. Palavras-chave: leishmaniose visceral; alterações hematológicas; anemia; trombocitopenia e leucopenia. Aspectos hematológicos de pacientes com Leishmaniose Visceral 2 INTRODUÇÃO A leishmaniose visceral (LV) é uma doença infecciosa sistêmica de ampla distribuição geográfica, caracterizada pelo alto potencial de letalidade 21,22. Esta vem se tornando um importante problema de saúde pública, devido a sua incidência estimada de 500.000 casos novos e 50.000 mortes a cada ano no mundo4,6,20,21,24. As leishmanioses compreendem uma das dez endemias mundiais de prioridade absoluta da Organização Mundial de Saúde (OMS)4,21,25. Estudos mostram que no Brasil, a maioria dos casos notificados na década de 1990 era originária da região Nordeste (92%), seguida pela região Sudeste (4%), Norte (3%) e Centro-Oeste (1%). A partir de 2000, em conseqüência do aumento da área de abrangência, a LV deixa de ter um caráter eminentemente rural e passa a expandir para áreas urbanas atingindo grandes centros5,20. Essa doença é causada por um protozoário heteroxênico, intracelular obrigatório, que infecta as células do sistema fagocítico mononuclear (SFM) de mamíferos suscetíveis, principalmente do baço, fígado, linfonodo e medula óssea1,3,15,17,19. Cães são relatados como principal reservatório peridoméstico parasitário10,24. Os parasitos são transmitidos ao homem pela picada da fêmea do mosquito flebotomíneo Lutzomyia longipalpis (considerada a principal espécie transmissora no país) ou Lutzomyia cruzi infectado pela Leishmania chagasi, forma encontrada no Brasil5,26. A Lu. longipalpis é contaminada durante o repasto sanguíneo em animal infectado através das formas amastigotas. Estas ao atingirem o intestino médio, transformam-se em promastigotas e em torno do terceiro dia chegam à probóscida do vetor, sendo então, inoculadas quando o inseto pica o homem. Essas formas são, posteriormente, fagocitadas por células do Sistema Retículo-Endotelial (SRE), iniciando sua fase de parasitismo no novo hospedeiro. Esse parasito com tropismo por células do SRE, penetra no macrófago, transforma-se em amastigota e concentra seu parasitismo em órgãos onde essas células são numerosas, como por exemplo, medula óssea e baço. A disseminação das leishmânias ocorre por via hematogênica e/ou linfática4. Os fatores que determinam a gravidade das manifestações clínicas podem estar relacionados com a idade, estado nutricional e as características imunogenéticas do indivíduo acometido4,6,9,28. Crianças têm mais risco do que adultos de desenvolver LV16. De acordo com Campos Junior (1995), a preferência pela criança é a principal característica da chamada forma neotropical da leishmaniose visceral e se relaciona, provavelmente, com perturbação da resposta imune, própria dos estados de desnutrição, que freqüentemente acometem as crianças na faixa de idade entre os 6 primeiros anos de vida, com pico nos 4 primeiros anos, funcionando como provável fator de predisposição para a parasitose em estudo. Aspectos hematológicos de pacientes com Leishmaniose Visceral A Leishmaniose visceral é caracterizada por febre, perda 3 de peso, hepatoesplenomegalia e diversas alterações hematológicas que podem ser observadas no decurso das diferentes formas clínicas, principalmente na forma aguda e na forma crônica clássica da doença1,2,11,21,23,26,27. Anemia e neutropenia estão sempre presentes, sendo que a anemia é o achado mais frequente nos indivíduos doentes1,19. O presente trabalho de revisão de literatura tem por objetivo descrever as principais alterações hematológicas observadas no paciente com LV, com a finalidade de facilitar o entendimento acerca do assunto. LEISHMANIOSE VISCERAL: PRINCIPAIS ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS A leishmaniose visceral pode evoluir para formas graves com desordens hematológicas expressivas incluindo: pancitopenia (anemia, trombocitopenia e leucopenia com neutropenia, marcada eosinopenia e uma relativa linfocitose e monocitose)23, hemólise, fibrinólise, entre outras11,18. De acordo com Neves (2005), a medula óssea é em geral encontrada com hiperplasia e densamente parasitada. A eritropoese e granulopoese são normais no início do processo infeccioso e durante as fases mais adiantadas da infecção, ocorre desregulação da hamatopoese, caracterizada pela diminuição da produção celular, com reflexo no quadro hematológico em períodos sucessivos. Dessa forma, na LV observa-se diminuição significativa das três séries de células sanguíneas, caracterizando-se por anormalidades comuns na doença que são: anemia, leucopenia e trombocitopenia14,20. Anemia Entre as alterações hematológicas presentes na série vermelha, destaca-se a anemia, de causa multifatorial11,14, pois surge pela combinação de fatores, incluindo sequestro esplênico e destruição de eritrócitos, bloqueio de produção na medula, hemorragia, hemólise, mecanismos imunes (autoanticorpos e complexos imunes), infecções concomitantes (parasitoses intestinais comumente associadas ao quadro, entre as quais a ascaridíase e a ancilostomíase) e carência nutricional (deficiência de ferro, ácido fólico e vitamina B12)8,15,24. As contagens de eritrócitos costumam ser muito baixas, entre 2 e 3 milhões/mm 3 de sangue. Em geral, a anemia é normocítica e normocrômica4,11,13,19. É comum que os níveis de hemoglobina se apresentem inferiores a 10 g%15,20. Braga (2007) mostra em seus resultados que a anemia foi o achado mais comum, geralmente associada à microcitose e hipocromia, sinalizando para a provável contribuição da carência de ferro e outros micronutrientes e possíveis parasitoses. Aspectos hematológicos de pacientes com Leishmaniose Visceral 4 Segundo Saeed apud Abreu (2008) infecções, hemorragias e anemia grave são responsáveis pela maioria das mortes por LV, e o retardo no diagnóstico, a baixa idade e a desnutrição são implicados como importantes fatores que contribuem para o óbito. Convém, dessa forma, destacar que a anemia grave deve ser considerada um dos fatores mais importantes na vigilância e manuseio dos pacientes com LV, inclusive com transfusão de hemácias, quando necessário. Leucopenia Na contagem diferencial de leucócitos é frequente a ausência de eosinófilos13 e basófilos e, marcadamente reduzida, a presença de neutrófilos – há hipercelularidade da série granulocítica e bloqueio de granulócitos na linhagem neutrofílica. A neutropenia seria então decorrente da redução da reserva medular (hipoplasia ou depressão medular), de seqüestro esplênico por conta do hiperesplenismo, de hemofagocitose ou de reações de autoimunidade, caracterizando a leucopenia15,19,21. Leucopenia e neutropenia menor que 1.500/mm³ são encontradas com grande freqüência em pacientes infectados pela L. chagasi6. A contagem absoluta de linfócitos e monócitos é usualmente baixa, porém, em termos porcentuais, na contagem total é alta4,15,19. Os macrófagos ficam aumentados em número e volume, muito parasitados por formas amastigotas e verifica-se plasmocitose, embora no sangue periférico seja comum níveis baixos de linfócitos B (CDI9+), pois estas células produtoras de imunoglobulinas encontram-se sequestradas nos órgãos linfóides. É expressiva a plasmocitose podendo-se encontrar linfocitose discreta15. Trombocitopenia As plaquetas também estão diminuídas nos quadros graves e letais, principalmente nas fases mais adiantadas da doença, o que facilita a gênese de hemorragias (fenômenos hemorrágicos são geralmente secundários à plaquetopenia, sendo a epistaxe e a gengivorragia as mais comumente encontradas5) 19,21. A plaquetopenia é um achado frequente em pacientes com LV com contagem de plaquetas inferior a 150.000/mm³ 4,15,21,24 e nos casos graves chegam a menos de 40 mil15. A transfusão de plaquetas pode ser profilática, quando se objetiva prevenir hemorragias, ou terapêutica quando se pretende ajudar a corrigir o distúrbio hemostático que pode estar contribuindo para a hemorragia7. A contagem de plaquetas pode ser um fator preditor de hemorragia grave, que, em última instância, é uma das causas imediatas de óbito, devendo, por isso, ter uma monitorização rigorosa. Aspectos hematológicos de pacientes com Leishmaniose Visceral 5 CONCLUSÃO Concluiu-se que alguns aspectos hematológicos têm sido apontados como possíveis causas de letalidade no que diz respeito aos pacientes com leishmaniose visceral. As alterações hematológicas podem ser investigadas por meio de diferentes exames, contudo é ferramenta indispensável na confirmação da doença saber identificar tais alterações, que se reconhecidas e bem avaliadas possibilitam uma rápida terapêutica e redução da taxa de letalidade. Aspectos hematológicos de pacientes com Leishmaniose Visceral 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. AL-JURAYYAN N. A. M. et al. The Haematological Manifestations of Visceral Leishmaniasis in Infancy and Childhood. Journal of Tropical Pediatrics, Vol. 4, June, 1995. 2. ABREU, R. T. Alterações Eritropoéticas e Leucopoéticas na Leismaniose Visceral Canina. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Ouro Preto/MG, 2008. 3. ALVARENGA, D. G. et al. Leishmaniose visceral: estudo retrospectivo de fatores associados à letalidade. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., 43(2): 194-197 mar - abr, 2010. 4. BRAGA, A. S. C. “Fatores associados à evolução clínica da leishmaniose visceral em crianças hospitalizadas em centro de referência de Belo Horizonte, 2001 a 2005”. 2007. 97f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) – Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. 5. BRASIL. Ministério da Saúde. 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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Elizângela Alves Moreira Rua Manoel de Freitas, 324 - Jardim Alvorada CEP: 39.402-247 - Montes Claros - MG E-mail: [email protected]