Cavasini CE(1)et al. • Consensos E Controvérsias Sobre Os Microrganismos Comensais Intestinais http: www.revistaapi.com ARTIGO DE REVISÃO / ARTÍCULO DE REVISIÓN / REVIEW Consensos e controvérsias sobre os microrganismos comensais intestinais Agreement and disagreement on intestinal commensal microorganisms Carlos Eugênio Cavasini1 Sérgio Cimerman2 Danielle Regina Lima Barbosa3 Mônica Cristina Moraes e Silva3 Adriana Antônia da Cruz Furini4 Ricardo Luiz Dantas Machado4 Rev Panam Infectol. 2015;17(1):26-29 http: www.revistaapi.com Recebido em 20/1/2014 Aprovado em 20/03/2015 Doutor em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Professor de Parasitologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, Brasil. 2 Doutor em Infectologia pela Universidade Federal de São Paulo. Professor de Infectologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes. Médico Assistente do Instituto de Infectologia Emilio Ribas. 3 Farmacêutica, Técnica de Laboratório do Laboratório de Malária do Instituto Evandro Chagas – INI, Ministério da Saúde, Ananindeua, PA, Brasil. 4 Mestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Professor de Imunologia, Microbiologia e Parasitologia da UNIRP em São José do Rio Preto. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, Brasil. 4 Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará, Livre-Docente em Parasitologia pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Especialista em Pesquisa Biomédica e Saúde Pública do Instituto Evandro Chagas, Ministério da Saúde,Ananindeua, PA, Brasil. 1 26 RESUMO Agentes comensais intestinais são tidos como causa de sintomas gastrointestinais, tanto em indivíduos imunocompetentes quanto em imunodeprimidos. Embora a patogenicidade destes microrganismos seja discutível, diversos estudos mostram a potencial erradicação desses organismos. Da mesma forma, acreditamos que os profissionais da área de saúde devem estar cientes de que estes organismos podem ser patogênicos em indivíduos e que outras causas de diarreia crônica devem ser investigadas caso os sintomas persistam apesar da erradicação parasitária após o tratamento. É razoável rever a importância destes agentes comensais na diarreia, especialmente quando outros possíveis fatores forem eliminados. Palavras-chaves: Microrganismos Comensais; Diarreia; Patogenicidade ABSTRACT Commensal intestinal agents are incriminated as a cause of gastrointestinal symptoms in both immunocompetent and in immunocompromised patients. Although the pathogenicity of these organisms is debatable, several studies show the potential eradication of these organisms. Likewise, we believe that health care professionals should be aware that these organisms may be pathogenic in individuals and that other causes of chronic diarrhea should be investigated if symptoms persisted despite the parasite eradication after treatment. It is reasonable to review the importance of these commensal agents in diarrhea, especially when other possible factors were eliminated. Keywords: Commensal Microorganisms; Diarrhea; Pathogenicity Rev Panam Infectol 2015;17(1):26-29 INTRODUÇÃO As infecções entéricas tem sido um sério problema de saúde pública nos países em desenvolvimento. Alguns trabalhos demonstram que a prevalência dos agentes comensais no intestino humano varia de 10 a 15% em indivíduos saudáveis(1). Apesar de serem cosmopolitas, são mais frequentemente encontrados nas áreas tropicais, nos países em desenvolvimento e em crianças(2). Os parasitos intestinais tem uma distribuição mundial, com altas taxas de prevalência em regiões com precárias condições sócio-econômicas, de saneamento básico e de higiene(1-2). Estima-se que as infecções causadas por protozoários e helmintos afetem cerca de 3,5 bilhões de pessoas ao redor do mundo, causando doença em aproximadamente 450 milhões de pessoas, a maioria na faixa etária infantil(3). A ocorrência de infecções por organismos comensais varia de acordo com a região, onde o Chilomastix mensnili, Endolimax nana, Entamoeba coli e Iodamoeba bütschillli tem sido os mais incriminados na literatura(4-5). O Blastocystis hominis é um protozoário unicelular e um dos mais comuns organismos encontrados no trato intestinal humano(6-7). Sua patogenicidade é ainda controvérsia, sendo considerado um patógeno potencial por alguns autores, enquanto outros concluem que ele não é patogênico(1,8). Prevalência mundiais variáveis são descritas para o B. hominis e E. nana de 64,3% e 34,4% no Chile(8), 44,4% e 34,6% na Argentina 45,2 e 3,7% na Tailândia(9), 48,1% e 22,9% na Venezuela(10), 38,0% no Kuaite(11) e 53,8% no Zâmbia(12). Em Cuba, há descrição de pacientes com Doença Celíaca que apresentam diarreia, anemia, as vilosidades intestinais atrofiadas e a presença de mais de cinco trofozoítos de B. hominis por campo nas amostras fecais(13). Um relato de caso em El Savador mostra a coinfecção de B. hominis e E. nana associada à diarreia crônica, dor abdominal, flatulência e anorexia em um indivíduo imunocomprometido(14). No Brasil, foram registrados 25,6% de E. coli e 17,9% de E. nana entre crianças e adultos de um acampamento de sem-terras na área rural de Uberlândia(15) e 4,2% de E. nana e E. coli em amostras fecais de crianças do município de Campo Florido(16) no Estado de Minas Gerais. Em comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul, as precárias condições sanitárias favorecem a uma alta prevalência (40,9%) do B. hominis.(4). Crianças desidratadas com gastrenterite, admitidas em hospital pediátrico na cidade do Rio de Janeiro, apresentaram em suas fezes B. hominis (1.4%), E. coli (0.9%), e E. nana (0.5%)(17). Em escolares da cidade de São Paulo, o B. hominis foi detectado em 38,3%, a E. coli em 13,2% e o E. nana em 9,9% das amostras fecais(18). Em fazendeiros no muni- cípio de Holambra, também no Estado de São Paulo, a freqüência de B. hominis foi de 37,8% e E. nana foi de 14,0%(19). Este microrganismo foi detectado em 34,7% dos cuidadores e crianças de uma creche na cidade de Botucatu, interior do Estado de São Paulo. Em pacientes com a síndrome da imunodeficiência adquirida atendidos na cidade de São Paulo a freqüência do E. nana foi de 2,5%, 13% para E. coli e 0,5% para o B. hominis(20). Por outro lado, em uma comunidade no município de Pitanga no Paraná, o B. hominis foi detectado em 26,5% da população, enquanto que a E. nana e a E. coli em 33,7% e 17,1%, respectivamente(21). Em comunidades indígenas em Oriximiná no Estado do Pará, observou-se o Blastocystis hominis em 57,8% da população, muitas vezes associado com Cryptosporidium spp. e Cyclospora cayetanensis(22). A diarreia pode ser ou não infecciosa, porém nos países em desenvolvimento a segunda forma é a mais frequente sendo mais comuns às infecções por protozoários, vírus e bactérias, mas a etiologia é variável de uma região à outra(21-22). Independentemente disso, as infecções oportunistas intestinais estão entre as mais importantes causas da diarreia(17-18), correspondendo a um sério problema de saúde pública nas regiões tropicais. A etiologia da diarreia é usualmente multifatorial, na qual fatores como infectividade, nutricionais e alérgicos podem perpetuar um ciclo de vida vicioso da diarreia e má-nutrição(1,4,8). A ampla diversidade socioeconômica aliada às particularidades geográficas da América Latina já foram referidas como moduladoras da etiologia infecciosa da diarreia, alterando a importância dos diferentes enteropatógenos(6,9,12). Realmente, os estudos sobre os agentes etiológicos associados à diarreia mostram que a importância relativa dos diferentes enteropatógenos varia grandemente dependendo da estação do ano, área de residência (urbana ou rural), condição sócio-econômica, localização geográfica e especialmente com a idade do hospedeiro(20, 23). Apesar de sua elevada prevalência ao redor do mundo as principais questões sobre estes agentes comensais permanecem não resolvidas, destacando-se áreas fundamentais como a taxonomia e patogenicidade, visto que alguns estudos evidenciaram as mesmas taxas tanto em pacientes quanto em portadores. Entretanto, muitos inquéritos tem demonstrado que em crianças, esses organismos ocorrem em elevadas frequências(8, 11) e que estes microrganismos comensais podem estar associados com diarreia crônica e outras desordens intestinais na ausência de outros agentes etiológicos reconhecidos como causa de diarreia(24-26). Associação significante com diarreia em escolares no Zâmbia foi observada com a presença de B. hominis e/ou E. nana(12). A evidência de diarreia crônica, náuseas, urticária, constipação, anorexia, vômitos, dor 27 Cavasini CE(1)et al. • Consensos E Controvérsias Sobre Os Microrganismos Comensais Intestinais http: www.revistaapi.com abdominal, flatulência e tontura causadas pelo B. hominis na ausência de outros enteropatógenos é verificada com alta frequência(27). O número médio de B. hominis foi significantemente elevado em pacientes contendo diarreia e dor abdominal no Egito(6). Em um estudo com espécimes fecais de 140 indivíduos da Jordânia foi relatado que estes apresentavam diarreia aguda e persistente, e que 54 pessoas tinham B. hominis, sendo que em mais de 50% este era o único patógeno descrito(28). Apesar do E. nana ser considerado um microrganismo não-patogênico, muitos casos tem sido reportados em pacientes infectados exclusivamente com este agente e com diarreia crônica(25-26). Estudos clínicos indicam que e o E. nana foi o organismo causador da diarreia, quando o tratamento medicamentoso foi aplicado para estas infecções(25). Bem como o tratamento com metronidazol foi também efetivo contra B. hominis(29) e a nitazoxanida tem sido utilizada com sucesso para a eliminação dessas infecções em escolares no México(30). Por outro lado, em infecções graves por B. hominis, parece que o metronidazol e trimetroprim/ sulfametoxazol são eficazes em alguns indivíduos, mas não em todos(1). No Brasil, Cimerman e colaboradores(7) têm utilizado esses fármacos com sucesso no tratamento de pacientes co-infectados com o HIV-1 e B. hominis e constatado o seu papel patogênico no trato intestinal humano (comunicação pessoal). Conhecer as espécies comensais em humanos é de fundamental importância, porque apesar da existência de metodologias imunológicas e moleculares já bem estabelecidas para o diagnóstico específico de amebíase pelo complexo Histolytica, usualmente o diagnóstico dessa parasitose e de outras amebas é feito pela morfologia de cistos e trofozoítos presentes nas fezes. Além disso, a ocorrência de amebas comensais, associadas ou não, a infecções por protozoários não fornece subsídios que indicam morbidade numa determinada comunidade, mas esta ocorrência é um forte indicio da existência de serviços de saneamento básico e/ou educação sanitária inadequados. De acordo com Rocha(5), os comensais intestinais compartilham dos mesmos mecanismos de disseminação e transmissão dos protozoários intestinais patogênicos e podem servir como indicadores de condições socioeconômicas e sanitárias em populações rurais e de assentamentos ou, ainda, da periferia de cidades. Concluindo, não está provado efetivamente que estes agentes são causa não usual de distúrbios gastrintestinais. As opiniões são divergentes e indefinidas(2). Em contrapartida, o reconhecimento e a identificação de muitos destes agentes ainda é precário em muitos laboratórios de análises clínicas. Além disso, a elevada taxa de co-infecção pode dificultar a associação 28 de sintomas para um único microrganismo. É razoável rever a importância destes agentes comensais, especialmente quando outros possíveis fatores foram eliminados. REFERÊNCIAS 1. Moghaddam DD, Ghadirian E, Azami M. Blastocystis hominis and the evaluation of efficacy of metronidazole and trimethoprim/ sulfamethoxazole. Parasitol Res. 2005;96:27375. 2. Yakoob J, Jafri W, Jafri N, Khan R, Islam M, Beg MA, Zaman V. Irritable bowel syndrome: in search of an etiology: role of Blastocystis hominis. Am J Trop Med Hyg.2004;70:383-85. 3. Schuster H, Chiodini PL. Parasitic infections of the intestine. 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