SANÇÃO NA TEORIA DO DIREITO DE BOBBIO: PESQUISA ENRIQUECIDA
POR APONTAMENTOS EXTRAÍDOS DE ENSAIO INÉDITO NO BRASIL,
SANZIONE, CEDIDO PELA FAMÍLIA DO AUTOR AO CENTRO DE
ESTUDOS NORBERTO BOBBIO, EM SÃO PAULO. 
SANCTION IN THE THEORY OF RIGHT TO BOBBIO: SEARCH ENRICHED
BY NOTES FROM THE TEST UNPRECEDENTED IN BRAZIL, SANZIONE,
ASSIGNED BY THE FAMILY OF THE AUTHOR TO THE CENTER FOR
STUDIES NORBERTO BOBBIO, IN SAO PAULO.
Marcel Vitor de Magalhães e Guerra
RESUMO
Um dos temas mais atormentantes do direito é sem dúvida a busca pelo seu conceito
ideal. O conceito de direito representou e representa substancial papel na história da
filosofia do direito e da teoria geral do direito. O que se pode dizer, com certeza, é que o
que mais se aproxima de um denominador comum entre todas as teorias acerca do tema
é a importância da norma jurídica nesses estudos. O presente trabalho consiste
basicamente em um estudo detalhado de um aspecto da teoria desenvolvida por
Norberto Bobbio acerca do que seja direito. Reportaremo-nos a suas investigações e
conclusões acerca da sanção, instituto de fundamental importância para a escola
analítica. Bobbio aprofunda-se no estudo de sanção e apresenta um novo conceito que o
permite idealizar e justificar um novo projeto de Ciência Jurídica. O escopo desta
análise é buscar demonstrar o processo evolutivo do pensamento do mestre italiano
acerca do direito, especificamente através da sanção; tarefa árdua tendo em vista que
Bobbio jamais escreveu um tratado ou, de forma unificada, uma Teoria Geral do
Direito, sendo a maioria de seus livros coletâneas de artigos ou compilações de cursos,
mas, ao mesmo tempo, deveras gratificante considerando a envergadura do autor e o
brilhantismo e a atualidade de suas idéias. O presente trabalho conta com importante
contribuição da família da autor que, recentemente, doou ao Centro de Estudos Norberto
Bobbio, em São Paulo, o texto “sanzione” publicado na Novíssimo Digesto Italiano, em
1968, pela Editrice Torinese, inédito no Brasil.
PALAVRAS-CHAVES: SANÇÃO. BOBBIO.
SANÇAO POSITIVA. ANÁLISE FUNCIONAL.
ORDENAMENTO
JURÍDICO.
ABSTRACT

Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF
nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.
5025
One of the most atormentantes of law is without doubt the search for his ideal concept.
The concept of law and is represented substantial role in the history of philosophy of
law and the general theory of law. What can be said with certainty is that what comes
closest to a common denominator among all the theories about the theme is the
importance of law in these studies. This work is basically on a detailed study of one
aspect of the theory developed by Norberto Bobbio about what is right. Reportaremo us
to their investigations and conclusions about the penalty, Office of fundamental
importance to school systems. Bobbio deepens in the study of sanction and presents a
new concept that allows develop and justify a new project of Legal Science. The scope
of this analysis is to demonstrate the evolutionary process of thinking about the Italian
master of law, specifically through the sentence; arduous task in view that Bobbio never
wrote a treaty or on a unified, a General Theory of Law, and the majority coletâneas of
their books, articles or compilations of courses, but at the same time, indeed gratifying
considering the scale of the author and brilhantismo and currency of their ideas. This
work has important contribution of the author's family that recently donated to the
Center of Studies Norberto Bobbio, in Sao Paulo, the text "sanzione" Novíssimo
Digesto published in Italian in 1968, by Editrice Torinese, unprecedented in Brazil.
KEYWORDS: SANCTION. BOBBIO. PLANNING LAW. SANCTION POSITIVE.
FUNCTIONAL ANALYSIS
1 INTRODUÇÃO
1.1. BREVE HISTÓRICO DO PROCESSO EVOLUTIVO DA TEORIA DE
BOBBIO ATÉ A ELEIÇÃO DA SANÇÃO COMO MOTE DE UMA TEORIA
A obra Teoria della norma giuridica é fruto de cursos ministrados por Bobbio em dois
biênios, 1957/1958 e 1959/1960 sobre norma jurídica e ordenamento jurídico.
Importante, portanto, contextualizar seus escritos. Nessa época, Bobbio se dedicava
mais detidamente a uma concepção estrutural do direito. Isso significa o estudo do
direito do ponto de vista normativo, ou seja, o corte metodológico de sua pesquisa
excluía a análise de questões axiológicas e sociais; considerando a norma jurídica
somente na sua estrutura, independente do seu conteúdo. Por isso, alguns comentadores
optam por ressaltar outros pontos em Bobbio, analisando sua teoria do Direito a partir
da teoria analítica[1], pela metodologia[2] etc. O foco escolhido pelo estudo, será a
sanção, mas antes, algumas premissas utilizadas pelo autor que caracterizam sua forte
relação com o juspositivismo.
Para o jurisfilósofo de Turim, o elemento característico da experiência jurídica é o
fenômeno da normatização. Experiência jurídica consiste no conjunto de regras de
conduta provenientes do Poder Soberano que regulam uma determinada sociedade
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(normas jurídicas). Não obstante, ressalta que as normas jurídicas representam apenas
uma parte da experiência normativa de uma sociedade.[3]
Experiência normativa, por outro lado, consubstancia todas as normas de uma
sociedade, suas regras de conduta, como por exemplo, os dez mandamentos,
determinadas prescrições médicas ou artigos de uma Constituição. Ou seja, engloba as
normas jurídicas, mas engloba também preceitos religiosos, regras morais, costumeiras,
regras daquela ética menor que é a etiqueta, regras de boa educação, etc.[4] Daí sua
afirmação: "a experiência jurídica é uma experiência normativa."[5]
Portanto, repita-se, em um primeiro momento, o elemento característico do direito, para
Bobbio, é a norma; seu estudo, em Teoria da norma jurídica, foca-se na dimensão
formal da norma. Para Bobbio, a norma pode ser submetida a três valorações distintas,
três ordens de problemas independentes entre si: quanto à justiça; validade e eficácia.
A justiça como um problema relacionado à correlação da norma aos valores que
fundamentam um ordenamento jurídico, portanto, um problema deontológico do direito.
A eficácia, por outro lado, está correlacionada com a capacidade de observância social
de uma norma, um problema, portanto, fenomenológico. Por fim, a validade de uma
norma está ligada a sua existência como regra jurídica, a sua estrutura formal, destarte,
um problema ontológico do direito.
Bobbio se dedica, principalmente na década de 60, à estrutura da norma, ao problema
ontológico do direito, ressalvando, contudo que o ponto de vista formal não é um modo
exclusivo de considerar a norma jurídica, é apenas o escolhido por ele para análise.
Dessa forma, segue afirmando que do ponto de vista formal, a norma é uma proposição,
conjunto de palavras que possuem um significado em sua unidade.[6] Dentre todos os
tipos de proposições, Bobbio escolhe os comandos, proposições cuja função é influir
sobre o comportamento alheio no intuito de modificá-lo. A linguagem desses comandos,
segundo Bobbio, das três possíveis, (descritiva, expressiva e prescritiva) é a prescritiva,
única cuja função corresponde à linguagem de comandos, fazer fazer. Trata-se de velha
doutrina, conhecida pelo nome de teoria da imperatividade do direito, normas jurídicas
como comando.[7]
Preocupado com uma das questões que mais desafiavam os lógicos nos últimos tempos,
Bobbio analisou as principais diferenças entre linguagens descritivas e prescritivas e
suas repercussões para o Direito. De forma sucinta, pode-se abstrair que proposições
descritivas têm como função informar alguém, enquanto proposições prescritivas,
modificar comportamentos. O principal caráter distintivo, todavia, é no que se refere ao
critério valorativo. Verdade e falsidade não são atributos das proposições prescritivas,
mas somente das descritivas. Os critérios de valoração de uma norma jurídica, segundo
Bobbio, critérios para consentimento, estão relacionados com a validade da norma, não
demonstrável através de uma verificação empírica, mas apenas passível de persuasão,
através da retórica.[8]
Em última análise, estatui que a diferença entre a verificação das proposições
descritivas e a justificação das proposições prescritivas está na maior objetividade da
primeira em relação à segunda; enquanto a primeira tem como último ponto de
referência o que é observável, o que está contido no domínio da percepção, a segunda
5027
encontra o seu último ponto de referência no que é desejado, apetitoso, objeto de
tendência ou inclinação, e pertence ao domínio da emoção ou do sentimento. Pode-se
dizer para marcar esta diferença, que a verdade de uma proposição científica pode ser
demonstrada, enquanto sobre a justiça de uma norma, pode-se somente procurar
persuadir os outros (daí a diferença, que vem se firmando, entre lógica, ou teoria da
demonstração, e retórica, ou teoria da persuasão).
Após selecionar, para o conceito de norma, a categoria das proposições prescritivas em
detrimento das descritivas. Bobbio passa a precisar o caráter das prescrições. Intensifica
a idéia de que a categoria das prescrições é vastíssima compreendendo tanto as regras
morais quanto as regras da gramática, tanto as normas jurídicas quanto as prescrições
médicas, por exemplo. Conclui que é possível encontrar em um sistema vários tipos de
normas, mas todas com algo em comum, a linguagem prescritiva. [9]
Bobbio analisa a teoria de Kelsen de que a norma jurídica não é comando, mas juízo
hipotético e conclui que na verdade não há incompatibilidade com a teoria de norma
como proposição prescritiva, já que “o juízo em que se expressa a norma é sempre um
juízo hipotético prescritivo e não descritivo, isto é, um juízo que na sua segunda parte
contém uma prescrição (‘...deve ser B’).”[10]
Bobbio estuda a fundo as diversas teorias que criticam a teoria imperativista, que
identifica a norma jurídica como comando. E conclui que nenhuma consegue “superar o
recife da pertinência da linguagem de um sistema jurídico à linguagem
prescritiva.”[11] De forma conciliadora, analisa as diversas teorias e sentencia que
todos os tipos de normas pertencem ao gênero das proposições prescritivas distintas das
descritivas.
Bobbio, contudo, relega à teoria da instituição, que propugna o direito como um
fenômeno social, que tem origem na sociedade organizada, o mérito de colocar em foco
o ordenamento como eixo, ao invês da norma, ou seja, de:
pôr em relevo o fato de que somente se pode falar em direito onde há um complexo de
normas formando um ordenamento e, portanto, o direito não é norma, mas conjunto
coordenado de normas; concluindo, uma norma jurídica não se encontra nunca sozinha,
mas é ligada a outras normas com as quais forma um sistema normativo. [12]
Bobbio refuta as teorias que buscam encontrar a característica diferencial das
normas jurídicas de outros tipos de normas no estudo meramente formal das
proposições normativas. Explica que para se cogitar tal possibilidade, seria preciso que
as prescrições jurídicas tivessem, enquanto prescrições, uma característica que as
distinguisse de outros tipos de prescrições, algo que as identificasse formalmente.
Com efeito, a conhecida fórmula Kelseniana de norma, “Se é A, deve ser B”, pode ser
aplicada em qualquer prescrição, como por exemplo, a prescrição gramatical: “Se na
oração regente há um tempo principal, na dependente deve-se usar o presente do
conjuntivo.” Daí, Bobbio conclui que o que caracteriza uma norma jurídica, para
Kelsen, não é sua fórmula, “se é A, deve ser B”, mas sim o entendimento que A
representa o ilícito e B a sanção, o que é uma interpretação da fórmula e não a fórmula
propriamente dita.
5028
Após rechaçar o critério formal para definição da norma, Bobbio analisa outros
critérios, como o do fim da norma, do conteúdo da norma, da justiça da norma,
apontando, caso a caso, suas deficiências e concluindo no sentindo de que tais critérios,
na verdade, não podem ser vistos de forma exclusiva, mas de forma integrativa,
devendo ser valorados pelo critério da oportunidade.
A partir desta análise, o autor italiano, finalmente, identifica um novo critério para a
definição do direito, qual seja, o momento da resposta à violação, a chamada sanção,
inaugurando uma concepção diferente, evoluída, mais funcional do Direito e não mais
essencialmente estrutural.
No próximo tópico, expõe-se um resumo das principais idéias do Autor, desenvolvidas
em um ensaio intitulado ‘sanzione’ em que desenvolve análise criteriosa sobre o
instituto da sanção, que lhe permitiu a supra mencionada evolução conceitual do Autor.
Assim, a análise é importante, pois fixa as principais premissas que permitiram ao
mestre lançar uma nova concepção de Direito, em que quebra com a concepção
Kelseniana de sanção, reduzida ao uso da força e, portanto, sem espaço, por exemplo,
para medidas que prescindem do uso da força, como as sanções positivas, cada vez mais
recorrente nos Estados de Direito modernos.
Como se verá, Bobbio, apesar de manter-se ligado ao positivismo, acrescenta ao estudo
do Direito, a teoria da função (análise funcional absolutamente excluída da Teoria do
positivista de Kelsen), e o faz através da sanção. Interessante, contudo, abrir um
parêntesis, em relação à sua classificação como positivista. Ele mesmo comenta uma
afirmação que lhe foi feita no sentido de que: “Bobbio não pode ser classificado em
nenhuma das correntes filosóficas contemporâneas”[13] E prossegue dizendo: Essa
observação foi apresentada como uma crítica, mas eu a considerei um elogio. Os
‘ismos’ fecham”[14] Respondendo a Reale, Bobbio afirma que “considero-me mais
positivista que neopositivista. Entretanto, sou positivista no sentido jurídico, não no
filosófico”[15] Bobbio preferia, entre tantos rótulos, o de um “positivista inquieto”.
2 SANÇÃO
Bobbio sistematiza o termo sanção, na linguagem jurídica, principalmente, em dois
significados: em um senso técnico, próprio do Direito Constitucional e um não técnico.
Sanção, pelo senso técnico, é o instrumento com o qual o Rei dá aprovação a uma lei já
aprovada pelo Parlamento. É considerada como uma prerrogativa do poder régio,
instituto próprio da forma monárquica de governo. [16]
Por outro lado, em uma República Constitucional, como a vigente na Itália, o poder
sancionatório corresponde ao poder de veto do Presidente da República que pode ser
resolutivo ou somente suspensivo (art. 74 da Constituição Italiana). Ou seja, a diferença
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está no momento da formação da lei. O chefe do Poder Executivo não interfere
diretamente na formação da lei, atividade própria do Poder Legislativo e, sim, apenas
quando a lei já está formada, no intuito de obter o seu anulamento ou revisão, ao passo
que a sanção, expressão do poder do Rei, é um momento da formação da lei.
Em outro senso menos técnico, mais comum e flutuante, o termo sanção, não exclusivo
da linguagem jurídica, já que comum à linguagem moral e da ciência social, é usado na
Teoria Geral do Direito como indicativo de algumas medidas predispostas, pertencentes
ao mesmo ordenamento jurídico, a aumentar a observância da própria norma e,
eventualmente, a corrigir os efeitos da inobservância de uma norma.[17] Essa segunda
concepção é a tratada, especificamente, por Bobbio.
O autor assevera que em geral, se dá o nome de sanção aos mecanismos que todo
sistema normativo adota para a própria conservação; expedientes que um sistema
normativo recorre para obter o máximo de observância de seus preceitos ou impedir o
máximo de inobservância dos mesmos. A partir da sistematização de todos esses
mecanismos, estabelecerá, de forma mais rigorosa, o conceito de sanção.
2.1 MEDIDAS DE CONTROLE SOCIAL
Bobbio divide as medidas que um sistema normativo pode recorrer para obter a máxima
observância de suas regras em duas: preventivas e sucessivas. As preventivas são as
medidas que vêm antes da violação de uma norma e podem ser de duas categorias:
materiais (ou meio coativos ou de fiscalização) ou psicológicas (ou de
desencorajamento). Já as medidas sucessivas, por sua vez, podem ser: reparativas
(indenizatórias) ou punitivas. Formando, assim, quatro categorias de medidas.
Explica, contudo que essas medidas podem se integrar e cumular mais de uma
característica, exercendo funções diversas, como, por exemplo, uma medida reparativa
pode ter a função psicológica de desencorajar também, misturando caracteres.
O autor italiano explica que uma tipologia das medidas de reforço de um sistema
normativo somente pode ser completa tendo em conta outros dois elementos: primeiro,
o fato que a norma que cuja observância se trata pode ser um comando de fazer
(comando em sentido estrito) ou um comando de não fazer (proibição) e, segundo que, a
depender do tipo de norma a tutelar, as medidas podem ser positivas ou negativas.
Somente com essas especificidades a tipologia das medidas de reforço de um sistema
normativo pode ser precisa. Conclui, explicando as possíveis combinações que um
sistema normativo pode fazer para alcançar o controle de suas normas. Cada uma das
quatro categorias acima mencionadas pode ser multiplicada por dois, por três ou até por
5030
quatro, secundo se possa considerar as medidas positivas e negativas ou os comandos e
as proibições.[18]
Voltando à sua sistematização, o autor apresenta, dentro da espécie das medidas
preventivas, duas sub-espécies: as medidas de fiscalização (materiais ou de vigilância) e
as de desencorajamento (psicológicas). As medidas de fiscalização são divididas em
medidas de controle e medidas de preclusão. A diferença está na intensidade, aquelas
criam uma situação difícil à transgressão de uma norma, enquanto esta última torna a
transgressão impossível, intransponível.
Ao lado das medidas de fiscalização, as medidas de desencorajamento (ou de
encorajamento). Ao contrário das medidas de fiscalização, as medidas de
desencorajamento se valem, exclusivamente, de expedientes psicológicos. Toda a forma
de fiscalização é exercida sobre o exterior de um potencial infrator. As medidas de
encorajamento ou desencorajamento são formas de pressão que se exerce sobre o
comportamento mental. A típica técnica de desencorajamento, por exemplo, consiste na
representação de uma conseqüência desagradável da inobservância de uma norma, uma
pena. Veja que não é a pena propriamente dita e, sim, a representação da pena.
Bobbio subdivide essas medidas em dissuasivas e intimidativas. Explica, através da
terminologia de Kelsen, que a diferença entre as duas corresponde à diferença entre a
relação de causalidade e de imputação de uma norma. A proposição prescritiva
reforçada com uma representação de um mal causado por uma infração e prescrição
reforçada com a representação de um mal imputado por uma infração. O primeiro
funciona como uma recomendação, aviso, característica das medidas dissuasivas,
enquanto a segunda funciona como um comando, uma ordem, um preceito, são as
medidas intimidativas.
O direito se vale prevalentemente das medidas intimidativas, sem, contudo, excluir as
medidas dissuasivas. Bobbio explica que todo ordenamento jurídico faz uso da técnica
de desencorajamento, através das medidas dissuasivas, mais especificamente, com
emprego das chamadas normas técnicas. Normas técnicas seriam aquelas que
prescrevem comportamentos idôneos necessários para se alcançar um fim desejado; a
infração a essas normas tem como conseqüência natural o não alcance do fim desejado.
Qualquer ordenamento jurídico compreende um número muito grande de normas
técnicas, justamente aquelas que estabelecem formalidades ou certas condições sem as
quais não se alcança os efeitos jurídicos desejáveis.
O que caracteriza as normas técnicas é a desnecessidade de outra norma para a
imputação de uma infração, a chamada norma secundária, o desrespeito a uma norma
técnica tem como conseqüência imediata a ausência de efeitos jurídicos, sem a
necessidade de uma outra norma (secundária) para imputar-lhe uma conseqüência ruim.
Bobbio chama as demais normas, de categóricas, as que precisam da intervenção de
outra norma para assegurar a sua observância. [19]
Muitas normas técnicas são ligadas à figura do ônus, que é uma situação jurídica
passiva frequentemente lembrada para diferenciar do dever. A norma técnica constitui
uma categoria de norma em si mesma, por isto não oferece um particular interesse em
um ensaio sobre sanção, que demanda a atuação de uma outra norma, uma norma
secundária, visando à conservação do sistema.
5031
Após terminar as sub-classificações das medidas chamadas preventivas, Bobbio começa
a dissecar a outra classe de medidas, as medidas sucessivas, aquelas cuja a intervenção é
post factum, ou seja, suas hipóteses de incidência se dão ou quando as medidas
preventivas de vigilância ou de desencorajamento não tenham obtido sucesso, ou
quando as medidas de incentivo tenham obtido os seus efeitos.
O autor divide essas conseqüências ou medidas sucessivas, em duas: aquelas inspiradas
no princípio da retribuição que consiste em recompensar o bem com o bem, como o
prêmio, a recompensa, pena etc. E, as inspiradas no princípio da reparação (ou
indenização) que consistem na eliminação ou pelo menos na atenuação do mal que a
transgressão da norma causou à sociedade.
Explica que as medidas retributivas são comumente chamadas de medidas punitivas e a
fantasia humana, na invenção dessas medidas, não encontrou limites, sendo impossível,
portanto, uma enumeração precisa. Bobbio expõe que as medidas retributivas se
inspiram no princípio que infligir um mal é uma justa reposta a um mal infligido,
situações que, muitas vezes, não podem ser desfeitas, irreparáveis.
O autor, então cria uma classificação, que considera mais adequada, das medidas
retributivas, já que leva em consideração os diversos tipos de bens que as diversas
medidas afetam.
A partir deste critério divide as penas em econômicas, sociais, jurídicas e físicas. As
penas econômicas que vão desde uma multa de poucas liras (antiga moeda da Itália) até
o confisco total do patrimônio; as penas sociais que tendem a minorar a posição que
uma pessoa tem em um grupo social pertencente, e vai desde a uma mera desaprovação
até o banimento. As penas físicas que vão do golpe de bastão do maestro nos dedos de
seus alunos à pena de morte e as penas jurídicas que veremos com mais detalhes à
frente.
Salienta que em decorrência dos diferentes graus de medidas não se pode dividir com
um corte limpo e, na verdade, em muitos casos as medidas se integram e se completam.
Várias medidas de controle social constituem um continuum, não sendo possível
estabelecer limites nítidos entre um tipo e outro.[20]
O desencorajamento se funda na ameaça de uma punição (ou de uma reparação), bem
como a punição (ou reparação) é conseqüência do insucesso do desencorajamento.
Além de tornar-se, após a implementação, novo motivo de desencorajamento para os
demais membros do grupo social, para que não repitam, no futuro, a mesma infração.
Ou seja, punições (ou reparações) só são implementadas quando o desencorajamento
não dá certo, mas também são elas próprias ameaçadoras, apresentando, na prática, uma
função psicológica.
Assim, punição (medida retributiva) e reparação apesar de abstratamente se
distinguirem pela função, na prática, muitas vezes, se sobrepõem. Um prêmio, na
classificação do mestre italiano, pode assumir o aspecto de reparação pelo esforço,
assim como também uma indenização por danos causados pode também ter a aparência
de uma punição. Conclui, sentenciando que é bastante difícil estabelecer in concreto
dove finisce il premio e dove comincia l’indennizzo; dove finisce il risarcimento e dove
comincia la punizione.[21]
5032
Bobbio sintetiza que qualquer sistema regulamentar prevê, a par e para além das
medidas retributivas, as medidas reparativas (indenizatórias). As primeiras afetam a
ação (ou omissão) ilícita. Enquanto as segundas incidem sobre a conseqüência que a
ação (ou omissão) ilícita haja produzido.
Por fim, classifica as medidas reparativas (ou indenizatórias) em duas: aquelas que
visam a eliminar ou a minorar a gravidade do ato danoso ou compensar suas
conseqüências nocivas, são as medidas reparativas propriamente ditas; e aquelas que
visam a eliminar a conseqüência ilegal do ato criando a condição necessária para sua
legalização, são as medidas sanatórias.
O autor, então sistematiza as formas de implementação das medidas reparatórias, a
maneira como interferem no produto da conduta ilícita. A partir deste critério o mestre
italiano analisa as obrigações de fazer e de entrega de coisa. Aduz que a característica
principal para a implementação destas obrigações é a coação, podendo ser coações
diretas, quando se inflige na própria pessoa do infrator, e coações indiretas, quando a
pessoas diversas, estas caracterizadas pelas medidas sub-rogatórias.
Outra análise que o mestre italiano faz sobre as medidas reparatórias é sobre a
perspectiva do dano. Quando o dano for mensurável em dinheiro, chama de
ressarcimento, quando não o for, como, por exemplo, no caso dos danos morais por
ofensa à personalidade decorrente de difamações ou injúrias, a reparação não visa ao
ressarcimento em sentido estrito, mas a uma compensação cuja função é atenuar a dor
da ofensa e não reintegrar uma diminuição patrimonial.
Ao final desta sistematização das medidas de controle social, ressalva o autor que um
elenco exauriente tanto das medidas retributivas, como das reparatórias, seria
impossível, não tendo, sua tipologia, essa pretensão. O mestre italiano, após apresentar
uma tipologia das medidas com as quais um ordenamento normativo tende a provocar
os comportamentos desejados e a impedir os comportamentos indesejados, passa a
delimitar quais delas estariam dentro do conceito habitualmente empregado de sanção.
Nesse desiderato exclui as medidas de fiscalização e as sanatórias. Dentro das medidas
de desencorajamento, exclui também as medidas de dissuasão. Já que, a área recoberta
pelo termo sanção é aquela que se estende, basicamente, a ameaças, coações,
indenizações, compensações e afins.
Aduz que a única maneira de se entender o que significa sanção é respondendo à
questão: para que serve? Ou seja, qual sua função. Só assim seria possível alcançar um
conceito unitário de sanção e, ao mesmo tempo, legítimo, no sentido técnico da
palavra[22].
Para o autor, este elemento unitário (comum) consiste no reforço da observância de uma
norma através do mecanismo de resposta ou de reação que o sistema normativo institui
a favor do observador da norma ou contra o infrator. Consiste em uma modalidade
específica, contudo não exclusiva, da função geral de conservação de um sistema.
5033
3 SANÇÃO E DIREITO
Para uma análise mais detida de sanção sob a perspectiva do direito, dois problemas
fundamentais serão analisados: a natureza da sanção jurídica como sanção
eventualmente específica e diversa de outro tipo de sanção e o problema da sanção
como elemento característico do ordenamento jurídico.
Em outras palavras, se trata de saber se, de um lado, o direito caracteriza um certo tipo
de sanção e, de outro, se a existência desta sanção caracteriza o direito.
Bobbio expõe opinião corrente na doutrina no sentido de que o único elemento
discriminante da sanção jurídica é a coação[23], ou seja, constranger o recalcitrante
através do uso da força. Reduzindo-se o termo sanção jurídica a ato coativo.[24]
Como se verá a seguir, mais detidamente, o autor italiano discorda da tese que identifica
a sanção com o uso da força, sendo, para esta teoria, o uso da força elemento
característico do direito.[25] Basicamente porque a força também é utilizada com
escopo sancionatório em sistemas sociais diversos dos jurídicos.
O autor ao conceituar sanção, mantém uma distância do conceito Kelseniano, “a sanção
pode ser definida, por este ponto de vista, como o expediente através do qual se busca,
em um sistema normativo, salvaguardar a lei da erosão das ações contrárias.”[26]
Esta visão de sanção como uma conseqüência à violação da norma, ao ato ilícito, é para
Bobbio, o critério que permite identificar as normas jurídicas, já que a partir dos tipos
de sanções, identifica os tipos de sistema normativo. Implica em dizer que Bobbio, de
pronto, fixa como premissa a regra de que todo sistema normativo, para ser normativo,
funda-se em técnicas sancionatórias.
Todavia, explica o autor que o conceito de sanção, como resposta à violação, não
significa limitadamente o uso da força. Para o autor, sanção se resolve com uma
obrigação de fazer ou de entrega de coisa, ou seja, em uma obrigação secundária. O
pagamento de uma multa, o ressarcimento de um dano, demolição de um muro não são
medidas provenientes do uso da força e sim, simplesmente, do adimplemento de uma
obrigação secundária. No momento em que o contraventor recolhe uma multa, a sanção
é perfeitamente realizada.
A conseqüência desagradável que consiste na resposta à violação é unicamente de
natureza patrimonial. Assim o que caracteriza a sanção jurídica é o fato que seu
adimplemento é garantido, em última instância, pela ameaça do uso da força.[27] Ou
seja, pela ameaça de colocar em ação o aparato estatal dotado de meios coativos
caracterizados pelo uso da força que garantem o adimplemento da obrigação secundária,
através de uma obrigação alternativa ou substitutiva.
Isso significa que sanção jurídica (leia-se resposta a uma violação), não é sinônimo de
coação (leia-se uso da força), já que quando um infrator paga uma multa
5034
espontaneamente, isso não significa que a multa deixou de ser uma sanção, só porque
não houve o uso da força.
Conclui o mestre italiano, portanto, que a função da sanção em qualquer ordenamento
jurídico é de prover a conservação do próprio sistema, só variando o grau de
institucionalização das sanções. Assim, a única classificação de sanção que assume
relevância para o autor é a que distingue sanção informal e espontânea da formal,
organizada e institucionalizada. [28]
Nesse sentido, Bobbio apresenta uma análise das chamadas sanções morais, sociais e,
finalmente, das sanções jurídicas.
3.1 ADESÃO ESPONTÂNEA
Bobbio, no desenvolver de suas idéias, enfrenta as possíveis críticas a sua teoria, a partir
das concepções existentes da Teoria Geral do Direito. Nesse sentido, inicia com a
análise de uma corrente não-sancionista (que não enxerga a sanção como elemento
constitutivo do direito), a da Adesão Espontânea.
A teoria basicamente fundamenta-se na idéia de que a obediência às regras não se dá em
função do temor à sanção, mas por consenso. Ou seja, seus seguidores não crêem
possível um ordenamento cuja eficácia se calcasse somente na força, haja vista que os
casos de violação são exceção, e não regra, esta seria, pelo contrário, o respeito às
regras de conduta, o que demonstraria o acerto da corrente no sentido de que o
consenso, na verdade, é o que constitui o direito, e não a sanção.
Bobbio afasta a corrente suscitando que, na verdade:
quem sustenta ser a sanção organizada o caráter distintivo dos ordenamentos jurídicos,
não nega a eficácia das regras deste ordenamento através da simples adesão espontânea;
afiram que o ordenamento conta, em última instância, com a eficácia obtida através do
aparato das sanções.[29]
Defende que a sanção não precisa ser sempre necessária para ser elemento constitutivo
do direito, basta que esteja à disposição como instrumento que assegure a eficácia das
normas relativas. Bobbio, com a habilidade que lhe é peculiar, retira o foco da discussão
acerca do consenso, para demonstrar que a característica principal do ordenamento
jurídico não é a liberdade do espírito, se a adesão é ou não espontânea, mas sim, a
existência de um aparato que garanta a adesão, o consenso.
5035
3.2 PROCESSO AO INFINITO
Interessante destacar que Bobbio se utiliza da mesma idéia exposta no item anterior para
afastar outra objeção dos não-sancionistas à sua corrente, a do processo ao infinito.
Processo ao infinito porque partindo da concepção que sanção é elemento constitutivo
do direito, toda norma primária precisa de uma outra norma, norma secundária, que
garanta sua eficácia, e esta, por sua vez, precisa de uma outra norma, terciária, que
garanta a eficácia da norma secundária, e assim sucessivamente, até chegar em uma
norma última que não terá uma norma ulterior para lhe garantir a eficácia, ou seja, uma
norma sem sanção.
Bobbio, então, refuta a critica com os mesmos contra-argumentos já apresentados e
conclui:
[...] se a sanção implica a presença de um aparato coercitivo, a presença do aparato
coercitivo implica, em última instância, a presença de um poder de coação que não pode
ser, por sua vez, constrangido, e que, portanto, a existência de normas não sancionadas
no vértice do sistema é o efeito da inversão da relação força-direito que se verifica na
passagem das normas inferiores às normas superiores.[30]
Explica que um sistema precisa da adesão espontânea a certos tipos de normas, caso
contrário nenhum sistema poderia se sustentar; tipifica esses tipos de normas como
superiores; destinadas aos que governam, caracterizadas pela ausência de sanção. Para
comprovar seu raciocínio repete uma pergunta que sintetiza essa questão: "quem
governará os que governam?"[31].
Para Bobbio, força e consenso são os dois fundamentos do poder e, não obstante, ser
possível, na teoria, idealizar um ordenamento sem força ou sem consenso, a realidade
histórica e atual demonstra que esses dois elementos sempre se mesclam, mesmo nos
Estados mais despóticos, sempre houve um mínimo de consenso. De modo que, sua
teoria, de que existem normas superiores sem sanção, se fundamenta nesse mínimo de
consenso existente em qualquer tipo de ordenamento jurídico, mesmo nos calcados
primordialmente na força. Ou seja, sem um mínimo de consenso, nenhum Estado
poderia sobreviver.
5036
3.3 NORMAS SEM SANÇÃO
Uma das críticas mais fortes à teoria que enxerga na sanção um elemento constitutivo
do direito é a existência, em qualquer ordenamento jurídico, de normas desconstituídas
de sanção.
Bobbio, mais uma vez, não nega o fato em que se fundamenta a crítica, de que há
normas no ordenamento sem sanção, apenas aponta que isso não desnatura a sua teoria,
a de que o direito é um conjunto de regras com sanção organizada.[32]
Explica que a solução é apenas de perspectiva, ou seja, basta considerar que quando se
fala que a sanção organizada é o elemento caracterizador do direito, refere-se ao
ordenamento jurídico tomado em seu conjunto e não à norma singular.
De modo que a sua teoria não implica dizer que toda as normas possuem sanção, e sim
que a maior parte das normas existentes possuam. Isso é possível porque Bobbio coloca
a sanção não como critério de validade de uma norma, mas apenas de eficácia da
mesma.[33]
De modo que entende perfeitamente possível normas sem sanção, normas sem eficácia,
característica natural de um sistema. Perceba que há uma quebra com a teoria de Kelsen,
para quem o Direito era analisado sob o foco da norma jurídica, a partir da força. A
visão de Bobbio sobre ordenamento jurídico é diferente.
4 SANÇÃO JURÍDICA
Diante da escassa eficácia das sanções internas (morais) e dos problemas das sanções
sociais, Bobbio explica que a sociedade, finalmente, no intuito de contornar as
deficiências daqueles sistemas, criou regras específicas para a aplicação da sanção
social, organizando-as e retirando a insegurança que lhes era própria,
institucionalizando-a.
Daí, conclui que o tipo de sanção pode distinguir os vários tipos de normas. A norma
que possui uma sanção externa e institucionalizada é uma norma que pertence a um
grupo organizado, institucionalizado, pertencendo a um ordenamento jurídico, portanto,
5037
uma norma jurídica.“Diremos então, com base nesse critério, que ‘normas jurídicas’ são
aquelas cuja execução é garantida por uma sanção externa e institucionalizada.[34]
Aduz que a institucionalização da sanção acarretou o fim da sanção espontânea e
imediata, própria das sanções sociais, trazendo maior eficácia das normas relativas, o
que ele chama de eficácia reforçada, já que livre das impropriedades identificadas nos
outros tipos de sanções.
O mestre italiano divide em duas, as teorias que tratam de sanção jurídica: a teoria da
institucionalização, que se caracteriza pela afirmação de que a sanção também é
regulada por normas do próprio sistema e a teoria da coação cuja característica principal
foi identificar sanção jurídica com coação, isto é, com força física.
Hart faz uma dura crítica à teoria coercitiva do Direito, destacando que a redução à
coerção, gerou uma série de falhas simplificações demasiadas, que impediram o
entendimento do Direito em sua complexidade.[35]
Como visto, Bobbio segue uma mistura das duas teorias, ou melhor, uma terceira
corrente que é, na verdade, uma simbiose das duas acima descritas, sendo sanção
jurídica, portanto, uma coação institucionalizada.
Como se viu em tópico especifico, Bobbio apresenta uma nova interpretação de sanção
jurídica em termos de coação, no intuito de possibilitar a inclusão das sanções positivas
no conceito de sanção jurídica, o que pontua uma quebra com a Teoria de Kelsen e
demais positivistas.
5 SANÇÕES POSITIVAS - ENFOQUE FUNCIONALISTA DO DIREITO
Em função das várias críticas que o positivismo recebeu ao longo dos anos,
principalmente, pós segunda guerra mundial[36], culminado com as transformações
sociais e culturais que transformaram o paradigma liberal e, principalmente, a postura
estatal frente às necessidades sociais, Bobbio, readequa sua visão de direito, ou melhor,
apresenta uma nova perspectiva do direito, não mais meramente estrutural, mas
funcional.
Conquanto a nova perspectiva, aparentemente, afrontar as premissas Kelsenianas,
Bobbio aduz que não se trata de uma perspectiva incompatível à visão estrutural do
direito, mas apenas complementar, reflexo de uma aproximação da sociologia ao direito,
necessária diante das novas tendências e problemas de um Estado que não mais se limita
a exercer uma função meramente repressora:
5038
Não creio que exista necessidade insistir no nexo estreitíssimo entre teoria estrutural do
direito e ponto de vista jurídico, por um lado, e teoria funcional do direito e ponto de
vista sociológico, por outro: basta pensar na expulsão do ponto de vista sociológico na
teoria pura do direito de Kelsen[37]
A visão analítica do direito, que basicamene considera o direito como coação, apresenta,
de forma dominante, uma concepção repressiva do direito. Daí a importância exclusiva
das sanções negativas.
Kelsen, contudo, não ignorava a existência de sanções positivas nos sistemas
normativos, todavia, para o autor “elas têm uma importância secundária no interior
desses sistemas, que funcionam como ordenamentos coercitivos”[38]
Com efeito, quando se analisa o papel do direito em um Estado sob a égide dos
princípios liberais clássicos, a técnica das sanções negativas é a mais adequada;
caracterizando-se por uma atuação passiva, focada em proteger interesses mediante a
repressão de atos desviantes. Um ordenamento, majoritariamente, com função protetivorepressiva.
Bobbio, antes de desenvolver sua nova concepção de sanção, entendia o Direito como
um conjunto de regras que tem o objetivo de regulamentar o uso da força na sociedade.
Nesses moldes, o Direito tinha como papel fundamental regulamentar o exercício da
força, estipulando quem, quando, como e quanto, a força deveria ser exercida.[39]
Bobbio afirmava, “todos os que têm alguma familiaridade com o direito sabem que a
maior parte das normas jurídicas, ou mesmo todas, são normas que regulam o uso da
força.”[40]
A introdução de técnicas que não se resumem a repreender, mas a encorajar
determinadas condutas representou uma transformação na função do sistema normativo,
reflexo de um novo Estado de caráter mais assistencial e participativo. O controle social
deixou de ser exclusivamente passivo/repressivo, para ser, também, ativo, no sentido de
empreender técnicas de estímulo e propulsão a atos considerados desejados pela
sociedade.[41]
Essa mudança no comportamento estatal, na teoria de Bobbio, deu-se através das
sanções positivas. Para o autor, as sanções negativas representam uma reação a uma
ação má, portanto, própria do Estado liberal cujo direito resumia-se a uma função
protetora/repressiva. Enquanto a sanção positiva, por outro lado, permitiu ao Estado
exercer um novo papel na sociedade, incluindo entre suas funções, a de incentivar e
estimular condutas eleitas como positivas e conformes, passando, desta forma, a agregar
uma função promocional e não mais exclusivamente protetora. [42]
Interessante notar que a inclusão das sanções positivas entre as sanções jurídicas, é
perfeitamente possível graças à quebra com os positivistas clássicos, já que, como já
dito anteriormente, Bobbio apresenta uma nova interpretação de sanções jurídicas em
termos de coação. Eis a dissensão:
5039
quem de fato entende, como Kelsen, que a característica da sanção jurídica consiste no
uso da força física, sendo sanções jurídicas apenas a pena e a execução forçada, é
obrigado, ainda que não se dê conta disso perfeitamente, a excluir as sanções positivas
do rol das sanções jurídicas.[43]
Bobbio aduz que a sanção jurídica consiste em uma reação à violação que é garantida
pelo uso da força, e não a força diretamente. A coação, para Bobbio, é a garantia do
cumprimento da sanção e não a sanção propriamente dita:
a sanção jurídica não consiste, diferentemente das sanções sociais, no uso da força, ou
seja, no conjunto de meios que são empregados para constranger pela força, isto é, para
"forçar" o recalcitrante, mas consiste, sim, em uma reação à violação, qualquer que seja,
mesmo econômica, social ou moral, que é garantida, em última instância, pelo uso da
força.[44]
Desta forma, acredita o autor ser possível incluir a sanção positiva no conceito de
sanção jurídica, mantendo intacto seu conceito de direito e ampliando seu conceito de
sanção jurídica, apresentando uma nova interpretação de coação. E conclui:
Tal como uma sanção negativa, uma sanção positiva se resolve na superveniência de
uma obrigação secundária - lá, no caso de violação; aqui, no caso de supercumprimento
de uma obrigação primária. Isso significa que podemos falar de sanção jurídica positiva
quando a obrigação secundária, que é a sua prestação, é uma obrigação jurídica, isto é,
uma obrigação para cujo cumprimento existe, por parte do interessado, uma pretensão à
execução mediante coação.[45]
Em função dessa nova interpretação de coação, Bobbio explica que há medidas que não
se encaixam no conceito de sanção jurídica, já que não há espaço para o
constrangimento pela força ou para a força propriamente dita, são as medidas de
controle direto e as de controle indireto do tipo facilitação ou obstacularização. Explica
que essas últimas não obstante terem em comum com as sanções jurídicas o fato de se
utilizar da pressão para atingir o objetivo, se diferenciam em decorrência de a pressão se
limitar ao psicológico e não ao físico, sendo portanto do gênero 'influência', e não do
gênero 'coação'.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
5040
Através de um estudo aprofundado da sanção, Bobbio procura implementar uma revisão
crítica ao positivismo jurídico, na tentativa de superar o juspositivismo Kelseniano. O
mestre italiano apresenta, através da sanção, um novo conceito de Direito, destoante do
conceito do positivismo clássico, enraizado na coerção.
Bobbio busca construir um novo conceito de Direito a partir da função do Direito na
sociedade, observando a evolução paradigmática do Estado moderno cuja função não
mais se limita a meramente impor penalidades, mas também a encourajar condutas
desejadas pela sociedade, através das sanções positivas.
O jusfilósofo italiano, sensível ao novo papel desempenhado pelo Estado moderno,
percebeu a superação da Teoria analítica, e desenvolveu nova teoria que acrescenta,
através da sanção, análise funcional do Direito, expediente absoltutamente incompatível
com a teoria 'pura' do Direito.
O objeto do presente trabalho tenta demonstrar a fase mais evoluída dos estudos do
autor sobre sanção, quando apresenta conceito que abarca as chamadas sanções
positivas, característica de um novo modelo de Estado de Direito.
Bobbio, apesar de se manter fiel a muitas premissas juspositivistas, identifica a
incompatibilidade da Teoria com a nova função e realidade do Estado que é a promoção
de comportamentos, inaugurando uma nova Teoria, através da sanção.
É possível perceber a construção de um novo caminho metodológico com o propósito
de superar os obstáculos apresentados à Teoria analítica. Trata-se de um reflexo da
influência, na visão de Bobbio, inevitável, das ideologias na ciência do Direito[46].
Para o mestre italiano, o jurista não poderia negar a influência da sociologia, sob pena
de não vislumbrar, de fato, os reais contornos do Dirieto. Nesse sentido aduz:
não existe uma teoria tão ascética que não deixe intuir elementos ideológicos que
nenhuma pureza metodológica chega a eliminar por inteiro. Inclusiva a teoria pura do
Direito de Kelsen, em que encontrei minha fonte principal de inspiração para uma
Teoria Geral do Direito e que sempre tenho presente como modelo, também nos meus
escritos de teoria política, toma como ponto de partida o pressuposto, que bem pode ser
considerado ideológico, de que o Direito enquanto tal, inclusive se é definido de forma
neutra como técnica de organização social, tem uma função social axiologicamente
positiva, até o ponto de que pode ser considerado um meio necessário para alcançar e
conservar o bem coletivo como a paz interna e a paz internacional.[47]
Dessa forma, a grande contribuição de Bobbio para a Teoria Geral do Direito foi criar
uma correspondência entre a função promocional do Estado, característica do Estado
social e o aumento da técnica premial ou de incentivo, através da sanção positiva, o que
demandou um novo conceito de sanção.
5041
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[1] BORSELLINO, Patrrizia. Norberto Bobbio: metateorico del diritto. Milano, A.
Giuffrè, 1991.
[2] GREPPI, Andrea. Teoria e ideologia en el pensamiento político de Norberto
Bobbio. Madrid, Marcial Pons, 1998.
[3] BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 3ª ed. Trad. Fernando Pavan
Baptista. Bauru: Edipro, 2003, p.25.
[4] Ibidem, p. 26.
[5] Ibidem, p.23.
[6] Ibidem, p. 73.
[7] BOBBIO, N. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. (trad. Marcio
Pugliesi, Edson Bini, Carlos Rodrigues). São Paulo, Ícone, 1995.
[8] BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 3ª ed. Trad. Fernando Pavan
Baptista. Bauru: Edipro, 2003, p. 80.
[9] Ibidem, p. 89.
[10] Ibidem, p. 139.
[11] Ibidem, p. 144.
[12] Ibidem, p. 145
5044
[13] BOBBIO, N. In: Norberto Bobbio, um filósofo de nosso tempo. pg. 31.
[14] Ibidem, p. 31.
[15] Ibidem, p. 32.
[16] BOBBIO, Norberto. Sanzione. Novissimo digesto italiano. Turim: Unione
Tipográfico. Editrice Torinese, 1968. pg.4.
[17] Ibidem, p. 5.
[18] Ibidem, p. 8.
[19] Ibidem, p. 11.
[20] Para Bobbio, a distinção entre medida punitiva ou reparativa e nulidade
corresponde à diferença entre ilicitude e invalidade. Ato ilícito é aquele não conforme a
uma norma cuja violação comporta como conseqüência que o efeito jurídico deste ato é
contrário ao querido pelo infrator. Ato inválido é aquele não conforme a uma norma
cuja violação comporta como conseqüência o desaparecimento do efeito jurídico
desejado. BOBBIO, Norberto. Sanzione. Novissimo digesto italiano. Turim: Unione
Tipográfico. Editrice Torinese, 1968. pg.12.
[21] BOBBIO, Norberto. Sanzione. Novissimo digesto italiano. Turim: Unione
Tipográfico. Editrice Torinese, 1968. pg 18.
[22] Ibidem, p. 25.
[23] O jusfilósofo italiano não diferencia coerção de coação, como também o faz
grande parte dos autores de influência Kantiana, pois para o filósofo de Königsberg
existia sinonímia entre os dois termos. (MATA MACHADO, Edgar de Godói. Direito e
coerção. São Paulo: UNIMARCO, 1999.)
[24] Para Miguel Reale “sanção é toda conseqüência que se agrega, intencionalmente, a
uma norma, visando ao seu cumprimento obrigatório. Sanção, portanto, é somente
aquela conseqüência querida, desejada, posta com o fim específico de tutelar a regra.
Quando a medida se reveste de uma expressão de força física, temos propriamente o que
se chama de coação. A coação de que tanto falam os juristas é, assim uma espécie de
sanção, ou seja, a sanção de ordem física.” REALE, Miguel. Filosofia do Direito:
Lições preliminares de Direito. 22 ed., São Paulo, Saraiva, 1995.
[25] BOBBIO, N. As ideologias e o poder em crise: pluralismo, democracia,
socialismo, comunismo, terceira via e força. Trad. João Ferreira. São Paulo/Brasília:
Polis, Unb, 1988.
[26] Ibid, op. cit. pg. 153.
[27] BOBBIO, Norberto. Sanzione. Novissimo digesto italiano. Turim: Unione
Tipográfico. Editrice Torinese, 1968. pg. 28.
5045
[28] Ibidem, pg. 32.
[29] BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 3ª ed. Trad. Fernando Pavan
Baptista. Bauru: Edipro, 2003, p. 174.
[30] Ibidem, p. 175.
[31] Ibidem, p. 176.
[32] BOBBIO, N. Derecho e fuerza. In: Contribuicion a la teoria de derecho. Valencia,
Fernando Torres, 1980. p. 335.
[33] BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 3ª ed. Trad. Fernando Pavan
Baptista. Bauru: Edipro, 2003, p. 167.
[34] Ibidem, pg. 60
[35] HART, H. O conceito de Direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. 3 ed. Lisboa,
Calouste Gulbenkian, 2001. p.57.
[36] Importante ressaltar que até a década de sessenta Bobbio se dedicou “ao
aprofundamento da análise estrutural, de cujo ventre fecundo nasceu até mesmo uma
disciplina nova e fascinante, a lógica deôntica.” Iniciando, de fato uma nova fase em
1969, com o ensaio sobre a função promocional do direito – Sulla funzione
promozionale del diritto. BOBBIO, N. A função promocional do Direito In: Da
Estrutura à Função. Trad. de Daniela Beccaria Versiani; Barueri: Manole, 2007.
[37] BOBBIO, N. Análise funcional do Direito: tendências e problemas. In: Da
Estrutura à Função. Trad. de Daniela Beccaria Versiani; Barueri: Manole, 2007. pg. 90.
[38] KELSEN, H. Teoria Pura do Direito. Trad. João Batista Machado. São Paulo.
Martins Fontes, 1994.
[39] BOBBIO, N. O positivismo jurídico:lições de filosofia do direito. Trad. Marcio
Pugliese, Edson Bini, Carlos Rodrigues. São Paulo. Ícone, 1995.
[40] BOBBIO, N. As ideologias e o poder em crise: pluralismo, democracia,
socialismo, comunismo, terceira via e força. Trad. João Ferreira. São Paulo\Brasília:
Polis, Unb, 1988.. p.100.
[41] BOBBIO, N. Do uso das grandes dicotomias na teoria do direito. In: Da
Estrutura à Função. Trad. de Daniela Beccaria Versiani; Barueri: Manole, 2007. pg.
137.
[42] BOBBIO, N. Sanção positiva. In: Da Estrutura à Função. Trad. de Daniela
Beccaria Versiani; Barueri: Manole, 2007. pg. 29.
[43] Ibidem, p. 28.
[44] Ibidem. p. 29.
5046
[45] Ibidem, p. 32.
[46] Nesse sentido, v. SANTOS, BOAVENTURA SOUZA. Um discurso sobre as
ciências. 7 ed., Porto: Afrontamento, 1995.
[47] BOBBIO, N. Prólogo. In: Teoria e ideologia en el pensamiento político de
Norberto Bobbio. Madrid, Marcial Pons, 1998. pg. 8.
5047
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