| QUALIDADE | NÃO FOI A DOHA? ENTÃO ACOMPANHE A SEGUIR O QUE FOI DISCUTIDO EM UM DOS MAIS IMPORTANTES EVENTOS DE QUALIDADE EM SAÚDE Por Gilmara Espino e Felipe César E specialistas em saúde do mundo in teiro estiveram reunidos para a Conferência Internacional ISQua, realizada em outubro de 2015, em Doha, capital do Qatar. Esse é um dos mais relevantes encontros do ano para o setor. Durante quatro dias, são discutidos os desafios atuais, melhores práticas e tendências em segurança do paciente, qualidade assistencial e acreditação. “A 32ª Conferência da ISQua foi a melhor a que já assisti em relação a novos conceitos de qualidade e segurança. Já estive em sete conferências mundiais, e esta foi a que mais me chamou a atenção em relação aos temas apresentados, conteúdos e palestrantes”, elogia Rubens Covello, presidente do Health Services Accreditation (IQG). Covello foi um dos poucos brasileiros entre centenas de congressistas presentes. Acredita-se 42 | Melh res Práticas que a escolha de Doha para sediar esta edição tenha contribuído para a queda geral de público. No ano passado, quando foi realizado no Rio de Janeiro, o evento atraiu mais de 1100 participantes de 70 nacionalidades diferentes. De acordo com Ana Maria Malik, coordenadora do GV Saúde da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), a menor audiência não prejudicou a qualidade das plenárias. “Houve desde sessões que exploraram pesquisa e publicação, que se destinam a públicos mais específicos, até outras em que foram discutidas mídias sociais, que estão – cada vez mais – se tornando tema do momento”, diz. Com a orientação de Ana Maria, Covello e Maria Carolina Moreno, superintendente da Organização Nacional de Acreditação (ONA), a Revista Melhores Práticas preparou um resumo dos temas em foco por lá. A próxima edição da Conferência da ISQua será em 2016 em Tóquio, no Japão. OPA! PACIENTE-AVALIADOR CULTURA JUSTA De acordo com Ana Maria, o conceito de cultura justa orienta sobre o tratamento a ser dado ao indivíduo que comete um erro. “Quando as pessoas erram inadvertidamente, cabe o consolo; quando o comportamento de risco ocorre porque a pessoa não o reconhece, cabe ensinar que ocorreu um risco. Finalmente, quando ocorre o comportamento deliberado de risco (por exemplo, digitar enquanto dirige ou atravessar um sinal vermelho), isso mostra que o indivíduo optou por si frente aos demais. É necessário um sistema confiável, mas também escolhas confiáveis por parte das pessoas envolvidas”, explica a coordenadora. David Marx, conhecido como o “pai” do conceito, fez uma analogia entre o trânsito de Nova York e um semáforo, conforme detalha Maria Carolina. “Ninguém obedece às regras pensando no sinal vermelho. Então, como garantir que as regras sejam atendidas? Primeiro, você precisa saber: aonde se quer chegar, o que é um sistema seguro e quais as barreiras de prevenção que precisam ser estabelecidas”, diz a superintendente da ONA. Ela acrescenta que um sistema seguro consegue antecipar o risco de comportamento inconsciente e prevê o comportamento intencional. “Marx propõe o estabelecimento de algumas estratégias. A primeira seria ter as regras vermelhas, as quais ninguém pode violar, sob ameaça de punição. A outra é trabalhar com a checagem de informações e procedimentos”, diz. “Os erros são uma oportunidade de aprendizado. O que precisa ser punido é o erro intencional. O comportamento de risco inconsciente deve ter um tratamento diferente”, conclui Maria Carolina. A ISQUA VEM TREINANDO PACIENTES PARA SEREM “AVALIADORES” SECRETOS DOS SERVIÇOS DE SAÚDE. “OS PACIENTES SÃO TREINADOS PARA AVALIAR O CUIDADO E DAR O FEEDBACK, CONSIDERANDO QUALIDADE E SEGURANÇA. TUDO ISSO SEM A INSTITUIÇÃO SABER QUE ESTÁ SENDO AVALIADA!” Melh res Práticas | 43 | QUALIDADE | NOVOS CONCEITOS Se, no ano passado, os grandes focos de discussão foram Cuidado Centrado no Paciente e Empoderamento do Paciente (leia mais nas edições 15 e 16 da Revista Melhores Práticas), neste ano, os conceitos foram um pouco mais além. “’Cuidado Centrado na Pessoa’. A ISQua, de agora em diante, usará cada vez mais o termo Pessoa substituindo o termo Paciente, o que me parece lógico quando falamos do processo assistencial”, opina Rubens Covello, do IQG. Segundo Covello, também se abordou de forma mais ampla o significado de indicador de desfecho. “O desfecho deve levar em conta três dimensões: a percepção do próprio paciente sobre o resultado final, sua satisfação com o cuidado que recebeu e, obviamente, o resultado clínico objetivo”, explica. Ele cita outro conceito que merece a atenção do mercado: “Quero destacar o esforço de todos os programas de acreditação trabalharem o Triple Aim (custo efetividade, perfil epidemiológico e segurança do paciente) somado à vertente de como envolver e encantar os trabalhadores da saúde para uma melhor assistência e acessibilidade ao sistema.” Uma publicação sobre Triple Aim foi disponibilizada aos participantes da Conferência ISQua, junto com outros materiais educacionais do Institute for Healthcare Improvement (IHI). O Triple Aim é discutido nesta edição da Melhores Práticas em uma entrevista com Donald Berwick (leia mais na pág. 8). COMPORTAMENTO Segundo o palestrante Lord Darzi, uma estratégia para promover mudanças de comportamento em grupos de pessoas é o uso consciente da abordagem sensorial. “Foi realizado um estudo em que, nos locais para higienização das mãos, foi colada uma imagem de olhos (como se o indivíduo estivesse sendo observado). Nesses locais, houve um aumento de 46% no índice de higienização das mãos. O experimento também testou os efeitos do cheiro do sabonete e do local. Ou seja, se os hospitais investissem também nas abordagens sensoriais, poderiam ter um ganho maior do que se comparado a campanhas isoladas de comunicação”, explica Maria Carolina. Segundo conta, outro exemplo é em relação às consultas médicas. “Os pacientes recebiam mensagens de texto lembrando-os da hora da consulta e de que, caso não comparecessem (sem cancelamento prévio), a consulta seria cobrada. Resultado: os pacientes começaram a cancelar a consulta (quando necessário), ou iam à consulta agendada”. “O MINDSPACE é o que se refere a formas de interferir no comportamento. Aplicável ou não, é um tipo de conhecimento que vem sendo usado tanto para melhorar a aderência de pessoas a práticas de vida saudáveis como para melhorar a adesão a práticas organizacionais”, conclui Ana Maria Malik, da FGV. ANÁLISE CRÍTICA 44 | Melh res Práticas A ISQua é a “certificadora das certificadoras”, ou seja, a responsável por congregar e avaliar as metodologias e acreditadoras em todo o mundo. Durante o evento pré-congresso, fez uma análise crítica do mercado de acreditação. Presente no encontro, Maria Carolina Moreno, superintendente da Organização Nacional de Acreditação, conta que “pensando na continuidade do cuidado, é uma tendência mundial que a acreditação comece a se voltar para outros provedores de serviços de saúde, além dos hospitais e do cuidado agudo”. Segundo ela, de modo geral, os pontos de melhoria levantados nos processos de acreditação são: • Padrões: No que diz respeito ao cuidado centrado no paciente, é necessário que haja mais clareza na redação e objetividade dos padrões. • Autoavaliação: O ideal é que o hospital tenha uma noção do que é melhor para seus processos e, então, crie uma autoavaliação adequada à sua forma de trabalho, ao seu negócio e ao seu perfil. • Informação: As instituições acreditadoras precisam divulgar melhor o que é e qual o objetivo da acreditação, e trabalhando melhor as áreas de comunicação e marketing.