TRABALHO DOMÉSTICO E DESIGUALDADE SOCIAL
DOMESTIC WORK AND SOCIAL INEQUALITY
Maria Angela Gemaque Álvaro1
Resumo
O serviço doméstico remunerado é uma atividade que tem apresentado persistência e
arregimenta grande contingente de mão de obra feminina em todo o mundo. Ainda
assim,
essas
trabalhadoras
carecem
de
uma
visibilidade
que
é
essencial
à
transformação das suas condições de trabalho, em geral precárias. Tendo por base
essa preocupação, este artigo acompanhou as estatísticas produzidas pela Pnad-IBGE
de 1992 a 2009, focalizando persistências e mudanças no perfil das trabalhadoras
domésticas da Região Metropolitana de Belém – RMB, assim como aspectos cruciais na
definição das possibilidades que a atividade oferece, como renda e formalização. O
objetivo foi detectar tendências que favoreçam a compreensão do trabalho precário e o
seu combate.
Palavras-chave: trabalho doméstico, desigualdade social, gênero e trabalho, perfil
das trabalhadoras domésticas, ocupações precárias.
Abstract
Paid domestic work is a persistent share of the work force in Brazil and continues to
recruit women in the whole of the world. Nevertheless, these workers still need to gain
visibility essential to transform poor work conditions. This study has followed data
produced by PNAD-IBGE between 1992 and 2009, focusing on patterns of continuity
and change on the profile on such domestic workers in Belem Metropolitan Area. It
also observes crucial aspects on the definition of the possibilities that this type of
occupation offers, such as income and legality. The study has identified trends which
favour understanding and the fight against poor working conditions.
Key words: domestic work, social inequality, gender and labour, profile of domestic
work, poor working conditions.
1
Mestre em Ciências Sociais pela UFPA e tecnologista em Informações Geográficas e Estatísticas do IBGE.
Área de pesquisa: estatísticas sociais, história e antropologia.
1. Introdução
As mudanças ocorridas no curso da economia mundial nas últimas décadas, a
partir da aceleração do progresso tecnológico e da globalização econômica, afetaram
tanto a natureza da oferta quanto da demanda por trabalho. Um aspecto amplamente
citado na literatura sobre o tema é a associação entre o surgimento de novos modelos
econômicos e o ingresso maciço da mulher no mercado, fato que poderia ser
considerado como um indicador de eficiência social desses modelos, pois encaminharia
para uma maior igualdade social e de gênero.
No entanto, estudos sobre o trabalho da mulher mostram que sua inserção tem
sido realizada em condições desvantajosas em face dos homens, como pode ser visto,
por exemplo, através de dados sobre renda e distribuição ocupacional. As mulheres
ganham menos e estão associadas a ocupações com menores possibilidades de
ascensão ou de obtenção de capacitação profissional. Por outro lado, o aumento da
participação da mulher no mercado não tem contribuído para a correção do problema
da desigualdade social em contextos em que ela se faz fortemente presente, como é o
caso do Brasil. O maior grau de empregabilidade apresentado pelas mulheres com
nível instrucional superior e um aumento do rendimento proporcional em nível de
escolaridade favorecem a desigualdade na distribuição de renda (Lavinas, 2002; León,
2002, Bruschini, 2007).
No
Brasil,
as
mulheres
com
nível
inferior
de
escolaridade,
além
de
apresentarem taxas bem menores de participação no mercado, têm poucas opções na
escolha de ocupações, restando-lhes assumir posições consideradas precárias, como é
o caso do trabalho doméstico, do trabalho não remunerado ou do trabalho na produção
para o próprio consumo (Bruschini & Lombardi, 2000; Olinto & Oliveira, 2004;
Bruschini, 2007). Disto decorre que todas as três posições apresentam um forte
caráter de gênero, expresso na alta representatividade feminina que nelas existe.
Entretanto, entre elas, o trabalho doméstico é a posição que reúne um quantitativo
mais significativo de mulheres, congregando 18,18% do contingente feminino ocupado
no Brasil urbano2 em 2009 (Pnad-IBGE, 2009).
A persistência de uma demanda expressiva por esse serviço em países como o
Brasil, ao lado de seu papel absorvedor de mulheres de baixa renda, anuncia a
relevância do seu estudo nas considerações sobre desigualdade social e de gênero.
Partindo deste pressuposto, este artigo focaliza o serviço doméstico remunerado na
2
As referências de dados das pesquisas feitas neste texto referem-se à população com 10 anos ou mais de
idade. Em 2009, no Brasil urbano, as mulheres correspondiam a 94,18% dos trabalhadores domésticos,
totalizando um contingente de 6.086.103 trabalhadoras.
ENFOQUES v.11(1), março 2012
Maria Angela Gemaque Álvaro
110
Região Metropolitana de Belém – RMB, acompanhando os dados da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (Pnad-IBGE) entre 1992 e 2009, a fim de detectar
tendências que ajudem a compreender e a buscar alternativas para o combate ao
trabalho precário. Este estudo irá se deter nas características das mulheres que vêm
desempenhando tal atividade, tecendo comentários sobre o seu perfil a partir da
literatura existente, procurando nesses elementos caracterizadores da mão de obra
uma melhor compreensão da atividade e das opções de mercado abertas a mulheres
de baixa renda. Focalizam-se modificações e persistências em referência ao perfil das
trabalhadoras
domésticas,
mas
também
aspectos
cruciais
na
definição
das
possibilidades que uma atividade oferece, como renda e formalização.
Para chegar à discussão destes tópicos, adotam-se os seguintes pontos de
partida: como tem sido a evolução dessa atividade enquanto absorvedora de mão de
obra feminina? Qual tem sido a representatividade das trabalhadoras domésticas em
face de outras posições na ocupação?
2. O trabalho doméstico na RMB
Em 2009, havia na RMB3 85.875 mulheres ocupadas como trabalhadoras
domésticas, o que representava 20,70% da população feminina ocupada de 10 anos
ou mais de idade. Isto significa que uma em cada cinco mulheres ocupadas prestava
serviço doméstico remunerado em dinheiro ou benefícios, em domicílios, atendendo a
pessoas ou a famílias. Assim como em outros contextos, o serviço doméstico
remunerado dentro dessa região metropolitana tem se caracterizado como uma
atividade feminina, embora tenha ocorrido uma ampliação da representação masculina
(Tabela 1).
Tabela 1 – Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o sexo na RMB
(1992-2001-2009) (%)
Ano
Sexo
1992
2001
2009
Mulheres
96,12
92,99
93,56
Homens
3,88
7,01
6,44
Fonte: Pnad – IBGE
Este estudo considerou apenas os dados produzidos pela Pnad-IBGE para a zona urbana dessa região
metropolitana, de modo a garantir a comparabilidade com os levantamentos anteriores a 2004, que não
incluíam a zona rural dessa unidade geográfica.
3
ENFOQUES v.11(1), março 2012
Maria Angela Gemaque Álvaro
111
A forte correlação das mulheres ao trabalho doméstico remete à divisão sexual
do trabalho, um dos locus das relações de gênero onde é definido o que é masculino e
feminino. Entendido como uma extensão do serviço doméstico não remunerado, cuja
incumbência tem sido atribuída e assumida pelas mulheres – concretamente e
ideologicamente – essa ocupação recruta seus ocupantes entre elas, estando implícito
que a condição de mulher já garante a perícia necessária para o desenvolvimento
satisfatório das atividades. Não se julga, portanto, que o trabalho doméstico requeira
treinamento e qualificação próprios, fato que contribui para sua depreciação (Chaney &
Castro, 1989). Além disso, como se trata de um trabalho que é prestado a famílias e
se desenvolve dentro do espaço doméstico privado, a oposição público/privado é
acionada junto com os significados normalmente atribuídos aos gêneros, facilitando a
inserção de uma personagem feminina.
E esses significados tornam-se mais evidentes em função de algumas
possibilidades ocupacionais ainda presentes no serviço doméstico remunerado, a
exemplo da condição de empregada residente, que reforça a ideologia de que a
empregada se insere na casa como se fosse um membro da família, e não como uma
trabalhadora assalariada com direitos e deveres bem definidos.
Em suma, trabalho doméstico e serviço doméstico são expressões concretas da
divisão sexual do trabalho pautada em uma lógica cultural particular, que estabelece
que a realização de afazeres dentro do espaço doméstico cabe naturalmente às
mulheres e não a reconhece como uma contribuição socialmente importante para a
reprodução da espécie (e da força de trabalho), tampouco para a garantia de seu bemestar. Perspectiva que vem sendo desafiada pela literatura sobre trabalho feminino
produzida no Brasil em décadas recentes, que focaliza a articulação entre o espaço
produtivo
e
o
reprodutivo
e
busca
dar
visibilidade
a
formas
de
trabalho
predominantemente assumidas por mulheres (Sanches, 2009; Bruschini, 2006). Esses
trabalhos evidenciam a importância de desnaturalizar o emprego doméstico e situá-lo
na categoria de uma profissão para poder garantir políticas e ações que teriam forte
impacto na redução da pobreza e das desigualdades, já que esta categoria reúne
milhões de trabalhadoras em todo o mundo.
Entre 1992 e 2009, a representatividade do trabalho doméstico entre as
mulheres
ocupadas
na
RMB
permaneceu
alta,
embora
mostrasse
oscilações,
provavelmente associadas a fatores conjunturais. Os valores variaram de um máximo
de 25,23% (1996) a um mínimo de 19,07% (2008), sendo que o período se iniciou
com um percentual de 22,32% (1992) e terminou com 20,70% (2009).
ENFOQUES v.11(1), março 2012
Maria Angela Gemaque Álvaro
112
No mesmo intervalo temporal, ocorreu um crescimento da proporção de
mulheres inseridas no mercado de trabalho, já que a taxa de atividade da população
feminina urbana aumentou de 50,06% para 57,07%. Esse crescimento tornou-se mais
acentuado após 2001, estabelecendo-se certa distância entre a taxa de atividade
feminina e a representatividade do trabalho doméstico entre as mulheres ocupadas,
em vista dos maiores valores assumidos pela primeira em contraponto à segunda nos
últimos anos (Gráfico 1).
Fonte: Pnad – IBGE
Diferentes autores têm enfatizado que o relativo declínio percentual das
trabalhadoras domésticas, verificado para o Brasil, não é indicador da diminuição ou da
eliminação desta categoria, pois ela vem crescendo significativamente em números
absolutos, mantendo um peso muito expressivo no conjunto da força de trabalho
feminina (Melo, 1998; Liberato, 1999; Bruschini & Lombardi, 2000; Bruschini, 2007).
Sugerem que a queda na proporção das trabalhadoras domésticas pode estar
relacionada ao fato de o aumento da atividade das mulheres estar sendo acompanhado
por uma maior diversificação ocupacional, estimulada pelo aumento da escolaridade
feminina.
A persistência do trabalho doméstico nos países em desenvolvimento e o seu
respectivo aumento nos países desenvolvidos, verificado nos últimos anos, mostram
que a ocupação não está sendo eliminada com a introdução de novas formas de
ENFOQUES v.11(1), março 2012
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113
produção, mas, ao contrário, vem convivendo e sendo alimentada por elas (Hirata,
2005; Sanches, 2009). Para isto contribui, do lado da demanda, o enfraquecimento do
Estado Social nos países onde ele chegou a se consolidar como uma realidade; as
mudanças na organização e na intensificação do trabalho, e também a nova realidade
demográfica representada pelo envelhecimento da população. Do lado da oferta, o
aumento – ou a persistência – da desigualdade e da pobreza tem conduzido muitas
mulheres a entrarem no mercado de trabalho (Sanches, 2009).
A evolução da distribuição das mulheres ocupadas na RMB por posição na
ocupação, apresentada no gráfico a seguir (Gráfico 2), mostra que, ao longo de todo o
período, as trabalhadoras domésticas apresentaram percentual próximo ao das
trabalhadoras por conta própria, ainda que a última posição na ocupação seja aquela
que apresentou maior crescimento entre todas. O aumento da representatividade das
trabalhadoras por conta própria, do início ao fim do período, é de 7,32 pontos
percentuais. As oscilações sofridas pelas diversas posições, assim como as assimetrias
desse movimento quando se estabelece uma comparação entre elas, sugerem um
trânsito entre posições por uma parcela da população feminina ocupada.
Gráfico 2 – Distribuição das mulheres ocupadas por posição na ocupação RMB (1992 a 2009)
1992
1993
1995
1996
1997
1998
1999
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
60
50
40
30
20
10
0
Empregado
Trabalhador doméstico
Conta-própria
Empregador
Trabalhador na produção p/ o próprio consumo
Trabalhador na construção p/ o próprio uso
Não remunerado
Fonte: Pnad – IBGE
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114
Em vista de a escolaridade ser um elemento muito importante na determinação
da posição que um indivíduo ocupa no mercado de trabalho, pode-se dizer que o baixo
perfil educacional apresentado pelas trabalhadoras domésticas (ver adiante) indica
possibilidades restritas de trânsito entre posições na ocupação, circunscrevendo o
movimento dessas mulheres dentro de um quadro de precariedade, no qual se inclui a
posição de trabalhadoras na produção para o consumo próprio ou da unidade
domiciliar, de trabalhadoras não remuneradas, empregadas sem carteira assinada e
uma parcela significativa das trabalhadoras por conta própria.4
No caso brasileiro, os trabalhadores por conta própria formam um grupo
bastante heterogêneo que, segundo Kon (2001), pode ser classificado em diferentes
categorias de ocupação, segundo o nível de qualificação. No entanto, a maior parte
dessas categorias vivencia situações de trabalho com baixa produtividade, em função
de vários fatores, entre eles o baixo nível de qualificação profissional. Dados da PnadIBGE 1997 elaborados pela autora mostram que 30,30% das mulheres ocupadas como
trabalhadoras por conta própria no Brasil naquele ano pertenciam ao grupo das
trabalhadoras autônomas não qualificadas. Já os dados recentes sobre instrução
(Pnad, 2009) indicam a existência de um alto percentual de mulheres com baixo nível
educacional atuando como trabalhadoras por conta própria na RMB: 33,37% delas
possuíam apenas nível fundamental incompleto.
Destaca-se aqui que o baixo nível
instrucional
adicionais
e
a
ausência
de
qualificações
marcam
ainda
mais
acentuadamente o perfil das trabalhadoras domésticas.
Pode-se supor, portanto, que em resposta a mudanças conjunturais exista
dentro da RMB uma parcela de mulheres economicamente ativas que, pelo perfil que
possuem – especialmente em termos de instrução e qualificação – pode estar
transitando entre posições precárias, nas quais se incluem as atividades de baixa
produtividade assumidas pelas trabalhadoras por conta própria.
3. Quem são as trabalhadoras domésticas?
As formas de ocupação, a estrutura salarial e a empregabilidade5 da mão de
obra são aspectos frequentemente associados ao perfil dos trabalhadores, incluindo-se
4
Olinto e Oliveira (2004) realizaram um trabalho sobre categorias e posições ocupacionais de modo a
identificar o quanto coortes de idade e de educação teriam interferência no esvaziamento de determinadas
posições na ocupação consideradas precárias e que apresentam forte caráter de gênero em vista da
sobrepresença feminina, como é o caso do trabalho doméstico, trabalho para o próprio consumo e trabalho
não remunerado. Concluem pelo “esvaziamento progressivo e constante dessas ocupações, à medida que se
sobe na hierarquia educacional” (:9).
5
O conceito de empregabilidade refere-se àquilo que possibilita ao trabalhador “sua participação no mercado
de trabalho e condições de escapar do desemprego, mantendo sua capacidade de obter um emprego”
(Lavinas & León, 2002:9).
ENFOQUES v.11(1), março 2012
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aí características etárias, de raça e gênero, mas também aquelas que resultam da
escolaridade, da experiência e de habilidades adquiridas através de qualificação
profissional (Kon, 2001; Lavinas & León, 2002). Traçar o perfil da mão de obra é assim
um elemento relevante para a compreensão do mercado de trabalho e das mudanças
que nele se operam.
Cabe, então, a pergunta: quem são as trabalhadoras domésticas da RMB? Para
respondê-la, foi feito um acompanhamento temporal de algumas variáveis que
informam sobre o perfil dessas trabalhadoras, como idade, cor, instrução, posição na
família e condição de migração.
3.1 Instrução: a baixa escolaridade ainda é um fato
Ocorreu um aumento significativo do nível instrucional das trabalhadoras
domésticas inseridas na RMB, fato que acompanha uma tendência de melhoria nos
padrões
educacionais
da
população
brasileira.
As
políticas
de
ampliação
das
oportunidades na área de educação por parte do Estado têm se traduzido num
aumento dos anos de estudo, e esse resultado tem sido mais positivo entre a
população feminina, cujo perfil educacional vem superando o dos homens.
No entanto, uma comparação da evolução da instrução das trabalhadoras
domésticas com a do conjunto da população feminina ocupada revela que, apesar dos
ganhos educacionais expressivos obtidos pelas primeiras, elas ainda apresentavam um
nível educacional bem abaixo daquele verificado para o último grupo. Enquanto
encontramos entre a população feminina ocupada 51,75% de mulheres com 11 anos
ou mais de estudo, o percentual de trabalhadoras domésticas que tinham 11 anos de
estudo alcançava 19,04%, sendo que apenas 0,92% delas possuía escolaridade
superior a esta. Por outro lado, nos níveis mais baixos de escolaridade (sem instrução
e menos de um ano/nível fundamental incompleto), encontramos um percentual de
51,84% de trabalhadoras domésticas, enquanto para o conjunto das ocupadas o
percentual era de 27,40% (Tabela 2).
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Tabela 2 – Distribuição da população feminina ocupada e das trabalhadoras
domésticas, segundo o nível de instrução – RMB (1992 – 2001 – 2009) (%)
População feminina ocupada
Trabalhadoras domésticas
Nível de instrução
1992
2001
2009
1992
2001
2009
Sem
instrução/menos de
1 ano
6,11
4,44
2,66
11,66
9,1
5,28
Nível fundamental
incompleto
40,44
30,92
24,74
76,68
54,55
46,56
Nível fundamental
completo
9,21
11,51
9,31
6,28
15,74
14,22
Nível médio
incompleto
7,01
9,32
10,97
1,35
8,87
13,76
Nível médio
completo
21,62
27,85
33,9
1,35
7,54
18,12
Superior
14,01
14,14
17,85
-
0,22
0,92
Sem declaração
1,60
1,81
0,57
2,68
3,98
1,14
Fonte: Pnad – IBGE
A baixa escolaridade das empregadas domésticas é verificada em outros
contextos dentro da América Latina, o que leva os estudiosos a considerarem o serviço
doméstico remunerado como um bolsão de ocupação para as mulheres oriundas de
famílias de baixa renda. A pobreza, a necessidade econômica e a falta de preparação
para outros tipos de trabalho estariam agindo na orientação de tais mulheres para esta
ocupação. Não se trata, portanto, de opção, mas de ausência de outras possibilidades
de inserção no mercado de trabalho, do que resulta que o trabalho doméstico tenha
forte orientação não apenas de gênero, mas também de raça e classe (Chaney &
Castro, 1989; Ávila, 2008).
A correlação entre atividades domésticas e os papéis atribuídos às mulheres,
associada à especificidade do processo de trabalho (desenvolvido dentro do espaço
doméstico e destinado ao consumo de seus membros), torna difícil aplicar ao serviço
doméstico remunerado uma racionalidade que evidencie as vantagens de uma
preparação para o exercício das atividades implícitas nesta ocupação. Disto resulta
tanto a depreciação da atividade como a negação da possibilidade de as empregadas
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domésticas adquirirem, durante o seu exercício, habilidades que as capacitem a
assumir outras posições no mercado.
Assim, a melhoria no nível educacional das empregadas domésticas parece ser
explicada mais satisfatoriamente pelos investimentos em educação por parte do Estado
do que por exigências relacionadas a mudanças no interior desta atividade.
3.2 O amadurecimento das trabalhadoras domésticas
Nas últimas décadas, surgiu um novo padrão de participação feminina no
mercado latino-americano forjado a partir de processos demográficos, culturais,
educacionais e econômicos de longo prazo. O aumento da taxa de participação da
mulher tem se concretizado paralelamente à consolidação do padrão de ambos os
cônjuges no mercado de trabalho, preservando a população mais jovem de uma
entrada precoce, a qual pode assim aproveitar as oportunidades educacionais que vêm
sendo oferecidas pelo Estado. Essa opção pela esposa como segundo membro a entrar
no mercado de trabalho tem favorecido mais as filhas do que os filhos, tendência
confirmada pelos dados sobre educação no Brasil, já que a população feminina vem
apresentando melhores indicadores instrucionais, superando o perfil educacional da
população masculina (Lavinas, 2002).
A distribuição etária das empregadas domésticas da RMB, em três anos
intercalados (1992/2001/2009), mostra uma mudança em consonância com esse novo
padrão delineado para a América Latina, reduzindo-se a proporção de empregadas
mais jovens, em favor de um crescimento do percentual de mulheres situadas em
faixas etárias mais elevadas (Gráfico 3).
ENFOQUES v.11(1), março 2012
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118
Gráfico 3 – Distribuição etária das trabalhadoras domésticas na
RMB (1992-2001-2009) (%)
30
25
20
2009
2001
15
1992
10
5
0
De 10 De 15 De 20 De 25 De 30 De 35 De 40 De 45 De 50 De 55 De 60 De 65 De 70
a 14 a 19 a 24 a 29 a 34 a 39 a 44 a 49 a 54 a 59 a 64 a 69 anos
anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos ou
mais
Fonte: Pnad – IBGE
A tabela 3 mostra a distribuição etária da população feminina ocupada e das
trabalhadoras domésticas, nos três anos mencionados, considerando três grandes
faixas: a primeira delas correspondente às mais jovens (10 a 24 anos), a segunda
focaliza o intervalo de vida associado ao período reprodutivo e de cuidado de filhos
menores (25 a 44 anos), e a terceira reúne as mulheres com idade situada entre o fim
do ciclo reprodutivo e antes da aposentadoria (45 a 59 anos).
Tabela 3 – Distribuição da população feminina ocupada e das trabalhadoras
domésticas, segundo a faixa etária – RMB (1992 – 2001 – 2009) (%)
População feminina ocupada
Trabalhadoras domésticas
Faixa etária
De 10 a 24
anos
De 25 a 44
anos
De 45 a 59
anos
Fonte: Pnad – IBGE
1992
2001
2009
1992
2001
2009
25,22
19,90
15,39
46,63
28,36
14,68
53,65
53,75
55,74
34,98
54,54
58,71
17,92
20,94
23,88
13,9
15,96
24,31
Ocorreu uma diminuição expressiva das trabalhadoras domésticas mais jovens
(queda de 31,95 pontos percentuais), que foi acompanhada por um aumento das
mulheres mais maduras, em especial daquelas situadas no período reprodutivo
(aumento de 23,73 pontos percentuais).
ENFOQUES v.11(1), março 2012
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A distribuição das mulheres ocupadas na RMB segundo a faixa etária, nesses
três anos intercalados, mostra que aconteceu um amadurecimento da mão de obra
feminina. No entanto, não se trata de uma mudança tão acentuada quanto aquela
verificada entre as trabalhadoras domésticas, provavelmente porque a preservação da
população feminina mais jovem de uma entrada precoce no mundo do trabalho atingiu
fortemente um grupo populacional que vinha sendo absorvido com intensidade pelo
serviço doméstico remunerado. Além disso, cabe destacar as políticas públicas de
combate ao trabalho infantil e seu impacto sobre a redução de crianças nessa
atividade, um reduto tradicional do trabalho infantil. No período em foco, ocorreu uma
queda significativa de trabalhadoras domésticas na faixa entre 10 e 16 anos, pois
enquanto elas representavam 16,59% das trabalhadoras domésticas da RMB em 1992,
o registro de sua representatividade caiu para 0,92% em 2009.
A modificação na distribuição etária das trabalhadoras domésticas ajuda a
compreender o aumento ocorrido dentro desse grupo com respeito à proporção de
trabalhadoras domésticas que, dentro da família, assumem a condição de pessoa de
referência ou cônjuge.6 O percentual registrado para outras posições (filha, outro
parente, agregada e empregada doméstica) tem diminuído (ver Tabela 4), sendo que a
redução de representatividade foi maior quanto à condição de empregada doméstica
(empregada moradora), que caiu de 25,5%, em 1992, para 3,21%, em 2009.
Tabela 4 – Distribuição da população feminina ocupada e das trabalhadoras
domésticas, segundo a condição na família - RMB (1992-2001-2009) (%)
População feminina ocupada
Condição na
família
Trabalhadoras domésticas
1992
2001
2009
1992
2001
2009
Pessoa de
referência
26,22
37,17
39,84
26,90
39,03
51,38
Cônjuge
41,24
38,93
35,75
26,01
34,81
30,50
Outras
posições
32,53
23,90
24,41
47,08
26,16
18,12
Fonte: Pnad – IBGE
6
A condição na família classifica as pessoas que fazem parte deste grupo em função da relação mantida com
a pessoa de referência (pessoa considerada responsável pela família) ou com seu cônjuge. A Pnad-IBGE
oferece as seguintes definições: pessoa de referência, cônjuge, filho, outro parente, agregado, pensionista,
empregado doméstico e parente de empregado doméstico. Como é necessário preencher a condição de
morador para ser considerado membro da família, o registro de empregado doméstico inclui apenas aqueles
que ali residem, sem retornos para outro domicílio nos fins de semana.
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Essa diminuição dos empregados residentes vem sendo registrada na literatura
sobre o emprego doméstico na América Latina e tem sido relacionada a mudanças
culturais (preservação da intimidade), a alterações nos locais de residência da unidade
doméstica, que se tornam cada vez mais reduzidos, assim como à tendência de
redução dos gastos familiares com os benefícios de alimentação e moradia providos às
empregadas domésticas (Chaney & Castro, 1989; Bruschini & Lombardi, 2000).
O grupo das empregadas domésticas moradoras não recobre exatamente o
grupo das empregadas chamadas residentes, visto que, pela definição da Pnad, uma
empregada doméstica só pode ser considerada como moradora na casa dos patrões
quando ela não retorna regularmente para o domicílio onde vive sua família. Ainda
assim, é possível traçar uma aproximação entre os dois grupos e interpretar a redução
da condição de empregada doméstica no domicílio como uma diminuição da situação
de trabalho que favorecia privilégios e opressões típicos das relações paternalistas que
marcam a sociedade patriarcal brasileira (Chaney & Castro, 1989).
Olinto e Oliveira (2004) enfatizam que a posição do indivíduo na família é um
critério que precisa ser considerado nas análises direcionadas a apontar propostas de
melhoria da qualidade do trabalho no Brasil, especialmente em se tratando do trabalho
feminino. Os dados mostram que o amadurecimento da força de trabalho feminina
tornou predominante a presença de mulheres que se definem como pessoa de
referência entre as trabalhadoras domésticas (51,38%), seus rendimentos sendo
fundamentais para o sustento desses grupos familiares. Este fato merece ser
considerado em mais de um aspecto.
Essa predominância relaciona-se a uma tendência de aumento da chefia
feminina que vem sendo verificada em todo o país e que é um fenômeno tipicamente
urbano. Este fato desencadeia processos geradores de maior autonomia e poder de
decisão na família, maior participação no espaço público e, portanto, pode ser visto a
partir da ótica de empoderamento feminino.
No entanto, o perfil socioeconômico das mulheres provedoras mostra que a
chefia cresceu principalmente entre as mulheres pobres, com baixa escolaridade e
negras, o que indica o lado perverso dessa tendência. A situação de pobreza tem
forçado um grupo crescente de mulheres a assumir a função de provedoras e a se
lançar
no
mercado
de
trabalho,
no
qual
elas
são
absorvidas
em
condições
extremamente desvantajosas em vista de sua baixa qualificação e escolaridade. As
desigualdades sociais, raciais e de gênero são reproduzidas e reforçadas num mercado
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121
de trabalho que atribui a essas mulheres funções depreciadas, como as relativas ao
serviço doméstico remunerado, com salário e proteção social baixos (Mendes, 2008).
Um crescimento tão expressivo da chefia de família entre as trabalhadoras
domésticas da RMB evidencia o lado negativo desse fenômeno, que é sua associação
com um quadro de desigualdade e pobreza, fato que ganha maiores proporções
quando se considera que essas trabalhadoras representam um quinto da mão de obra
feminina dentro da RMB.
3.3 Naturais ou imigrantes?
A literatura sobre trabalho doméstico na América Latina destaca como um
importante aspecto do perfil das trabalhadoras engajadas nesta ocupação a sua
condição de imigrantes, sendo o deslocamento geralmente feito de uma área rural
para os principais centros urbanos. É um processo relacionado à tendência de
urbanização crescente desses países, os quais têm tido sua população rural
grandemente reduzida nas últimas décadas. O serviço doméstico remunerado seria
exercido por mulheres imigrantes, recrutadas nas camadas mais pobres e com baixo
nível instrucional, e funcionaria como porta de entrada no mundo do trabalho para
jovens sem qualificação técnica e com poucos recursos sociais para lidar com o
ambiente e o mercado de trabalho urbanos (Chaney & Castro, 1989; Melo, 1998).
Nas situações em que esta atividade é assumida na condição de empregada
residente – mais comum no passado – essas mulheres estariam garantindo não só
uma fonte de renda, mas abrigo e proteção. Sua condição de imigrantes e de
pertencentes às camadas mais pobres da população tem sido inclusive destacada como
um aspecto que reforça estigmas aplicados ao serviço doméstico remunerado, dadas
as distâncias entre patrões e empregadas, tanto em termos de hierarquia social como
de aspectos culturais – revelados em hábitos, linguagem e vestimenta – ao lado das
distinções raciais.
As estatísticas da RMB mostram que o percentual de trabalhadoras domésticas
que nasceram fora do município de moradia é grande em todo o período considerado,
com registros variando entre 53,67% (2009) a 69,57% (1993). Os dados sobre a
naturalidade em relação à Unidade da Federação revelam que de 8,03% (2009) a
19,57% (1993) dessas trabalhadoras provinham de fora do estado, dependendo do
ano.
Uma comparação com a situação de migração do conjunto da população
feminina ocupada mostra que as imigrantes de fora do município se encontram em
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maior proporção entre as trabalhadoras domésticas, já que os percentuais estão em
média 12 pontos acima dos registros feitos para o primeiro grupo. Quanto à
naturalidade em relação à Unidade da Federação, não se registram grandes diferenças
entre os dois grupos, sendo possível concluir que existe de fato uma proporção maior
de migrantes entre as empregadas domésticas, mas apenas quando se considera a
naturalidade em relação ao município.
Investigações sobre os mecanismos de contratação das empregadas domésticas
ajudariam a esclarecer essas diferenças, levantando-se aqui a hipótese de que são
utilizadas aproximações em dois níveis. Por um lado, a aproximação de mulheres de
baixa renda (potenciais empregadas domésticas) com famílias de renda mais alta
facilitaria sua inserção nesses domicílios na condição de empregada doméstica. Essa
aproximação
teria
raízes
históricas,
remetendo
inclusive
ao
sistema
de
apadrinhamento tão característico das relações patriarcais no Brasil. Por outro lado, é
preciso considerar como as indicações feitas pelas próprias empregadas domésticas
facilitam a entrada (ou a permanência) de outras mulheres nesta ocupação, sendo
essas indicações direcionadas para sua rede de relações. Isto pode ter funcionado
como um elemento facilitador da migração de mulheres de municípios próximos e sua
introdução no serviço doméstico remunerado em áreas urbanas.
3.4 Cor ou raça
Os dados sobre cor mostram que entre as trabalhadoras domésticas o
percentual de pretas e pardas equivale a 79,36%, enquanto para o conjunto da
população feminina ocupada esse percentual é de 72,80% (Tabela 5). Há, portanto,
uma ênfase no recrutamento das empregadas domésticas entre as pessoas pretas e
pardas, cujos indicadores de renda familiar e instrução são mais baixos que o da
população branca.
Tabela 5 – Distribuição das trabalhadoras domésticas e da população feminina
ocupada na RMB, segundo a cor ou raça – (2009) (%)
Raça ou
cor
Pop. Feminina
Ocupada
Trabalhadoras
domésticas
27,11
20,41
Preta
6,65
9,40
Parda
65,43
69,96
Branca
Fonte: Pnad – IBGE
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Kuznesof (1989) faz uma análise histórica do serviço doméstico na América
Espanhola (1492-1980), a partir da qual destaca que as trabalhadoras domésticas no
período colonial provinham das camadas mais baixas do sistema de classe/casta/cor
que dominava a sociedade hispano-americana, fato que estabeleceu uma distância
entre empregadores e trabalhadores domésticos, assim como uma perda de status
para a ocupação de serviço doméstico. Esta colocação vale também para o Brasil
Colonial, marcado, como a sociedade hispano-americana, pelo regime de trabalho
escravo e pela preeminência da família patriarcal como ordenadora das relações
sociais.
A existência de um maior percentual de pretas e pardas entre as trabalhadoras
domésticas remete, portanto, a circunstâncias históricas que ajudam a compreender
não apenas a composição racial dessas trabalhadoras, mas também a característica de
servidão ainda associada a esta ocupação, ou seja, a subordinação e o desprestígio
têm, além do componente de gênero, um componente racial e de classe.
4. Rendimentos, horas trabalhadas e formalização do serviço doméstico
remunerado
A análise dos indicadores econômicos normalmente associados aos rendimentos
de trabalho como produtividade, horas trabalhadas e provisão necessária para a
reprodução diária da força de trabalho revela a especificidade do trabalho doméstico.
As trabalhadoras domésticas são definidas pela negativa, porque seu trabalho não gera
valor, nem produz lucro. Além disso, têm um horário de trabalho difícil de precisar em
se tratando de empregada residente, e têm parte de sua remuneração provida em
benefícios (moradia, alimentação, vestuário, cuidados médicos etc.). Sanches (2009)
discute a dificuldade em estabelecer um enquadramento produtivo adequado para a
categoria das empregadas domésticas em vista de as definições correntes de trabalho
e mercado de trabalho não incorporarem a esfera da reprodução como criadora de
valor. Destaca que, embora o trabalho doméstico não gere produtos ou serviços
diretamente para o mercado, ele permite a reprodução da força de trabalho que será
vendida no mercado. E ainda que as trabalhadoras domésticas realizem seu trabalho
em espaços privados (domicílios), seu ofício é público e sua força de trabalho é
vendida no mercado de trabalho. A definição do trabalho doméstico pela negativa e a
naturalização reforçam sua invisibilidade e desvalorização, elementos que impactam a
questão salarial desta categoria.
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Em 2009, os trabalhadores domésticos (homens e mulheres) apresentavam o
mais baixo rendimento entre os ocupados, equivalendo a 62,93% do rendimento dos
trabalhadores por conta própria, o grupo com o segundo menor rendimento médio
mensal. As diferenças de rendimentos de acordo com o gênero são perceptíveis,
estando as mulheres em situação desfavorável em quase todas as posições na
ocupação, exceção feita àquelas que estavam inseridas no mercado de trabalho na
condição de empregadoras (Tabela 6).
Tabela 6 - Rendimento médio mensal do trabalho principal, de acordo com a
posição na ocupação, da população ocupada na RMB (2009)
Posição na
Rend. médio
Rend. Homens
Rend. Mulheres
ocupação
(R$)
(R$)
(R$)
Empregados
935,35
961,30
891,99
Trabalh.domésticos
362,45
476,88
354,58
Conta própria
575,93
680,83
433,40
Empregadores
2.557,58
2.528,48
2.617,53
Fonte: Pnad – IBGE
Uma avaliação da evolução dos rendimentos por faixa salarial das mulheres
ocupadas como empregadas domésticas, tomando por base três anos intercalados
(1992/ 2001/ 2009), mostra que ocorreu uma melhoria entre os anos situados nos
extremos (1992 e 2009). Mas entre 2001 e 2009 verifica-se a ocorrência de um
aumento da proporção de empregadas situadas nas faixas de renda mais baixas (até
um salário mínimo), enquanto diminuiu o percentual das que tinham rendimento acima
de um salário mínimo (Tabela 7). O mesmo quadro é verificado quando se observa o
rendimento das mulheres inseridas no serviço doméstico remunerado nas zonas
urbanas do estado do Pará e no Brasil.
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Tabela 7 – Distribuição da população feminina ocupada e das trabalhadoras
domésticas, segundo a faixa de rendimento no trabalho principal –
RMB (1992 – 2001 – 2009) (%)
Faixa de rendimento no trabalho
principal
População feminina
ocupada
Trabalhadoras domésticas
1992
2001
2009
1992
2001
2009
8,71
4,06
4,37
4,93
1,11
0,46
Até ½ salário mínimo
20,62
8,66
16,48
47,53
10,20
24,31
Mais de ½ até 1 salário mínimo
24,33
30,05
36,23
36,33
60,31
61,01
Mais de 1 até 2 salários mínimos
24,22
30,37
23,88
11,20
25,72
11,47
Mais de 2 até 3 salários mínimos
5,71
8,72
5,89
-
2,00
0,23
Mais de 3 até 5 salários mínimos
9,01
8,88
5,08
-
0,44
-
Mais de 5 até 10 salários mínimos
5,60
5,10
3,23
-
-
-
Mais de 10 até 20 salários mínimos
1,20
2,58
0,76
-
-
-
Mais de 20 salários mínimos
0,30
0,82
0,19
-
-
-
Sem declaração
0,30
0,77
3,89
-
0,22
2,52
Sem rendimento
Fonte: Pnad – IBGE
Para o conjunto das mulheres ocupadas na RMB, as estatísticas de rendimento
também apresentam um resultado mais favorável para o ano de 2001 (Tabela 7). Isto
faz crer que o movimento salarial na categoria das empregadas domésticas
acompanhou um processo conjuntural mais amplo de definição de rendimentos de
trabalho no período em foco, devendo-se levar em conta a recuperação do valor de
compra do salário mínimo nos últimos anos.
Para entender o baixo custo salarial das trabalhadoras domésticas, é preciso
levar em conta aspectos estruturais das sociedades latino-americanas, tanto com
respeito às estruturas de classe, raça e gênero como também à forma de
desenvolvimento do capitalismo na área.
Entre os fatores estruturais que contribuiriam para o baixo preço do serviço
doméstico estaria o reduzido número de alternativas de trabalho assalariado para os
setores populares e o significado social do serviço doméstico no modelo de
desenvolvimento e subdesenvolvimento dos países da América Latina. O baixo custo
salarial das trabalhadoras domésticas ajuda a manter o estilo de vida das classes
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média e média alta num contexto marcado pela inoperância do Estado em prover
serviços urbanos coletivos (Castro, 1989).
Oliveira (2003) afirma que a expansão do Setor Terciário no Brasil se fez de
forma horizontal, com absorção crescente da força de trabalho mediante baixa
remuneração, como forma de suprir a necessidade por serviços urbanos, posto que o
desenvolvimento do setor mediante uma capitalização seria inviável num contexto
onde os capitais se direcionavam para a indústria em crescimento. Com respeito aos
serviços estritamente pessoais, como os que são prestados às famílias, o autor afirma
que eles também revelam uma forma disfarçada de exploração que reforça a
acumulação e a tendência à concentração de renda. O padrão de vida de uma família
de classe média brasileira, em que se inclui a prestação desses serviços, seria
sustentado pela exploração da mão de obra, sobretudo feminina.
Como visto acima, as estatísticas da Pnad mostram uma melhoria salarial entre
o início e o fim do período, quando se observa a distribuição das trabalhadoras por
classe de rendimento. Este dado, associado a outros indicadores, como a redução de
empregadas residentes, de crianças trabalhadoras, do número de horas trabalhadas, e
a existência de carteira assinada, indicam que a atividade parece estar adquirindo
algum grau de profissionalização. Essa melhoria, no entanto, não ajudou a combater
de forma decisiva as desigualdades sociais, raciais e de gênero que a acompanham.
Dentro da RMB, as empregadas domésticas trabalhavam em 2009 um número
maior de horas que o conjunto da população feminina ocupada. Mas a tabela 8 mostra
que esse total vem sendo reduzido, e hoje se encontra em 36,74 horas semanais,
tempo um pouco abaixo das 44 horas semanais que são previstas na Consolidação das
Leis do Trabalho – CLT, a qual, entretanto, não se aplica às trabalhadoras domésticas.
Estas últimas são regidas por legislação própria, que não regulamenta o número de
horas do trabalho.
Tabela 8 – Média de horas semanais trabalhadas pelas trabalhadoras
domésticas e pela população feminina ocupada – RMB (1992/ 2001/2009)
Ano
População
Feminina Ocupada
Trabalhadoras
Domésticas
1992
39,05
47,70
2001
40,43
46,74
2009
34,74
36,74
Fonte: Pnad – IBGE
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Cabe observar que a redução das horas trabalhadas ocorre nos dois grupos,
porém é mais significativa entre as trabalhadoras domésticas, o que pode estar
associado à redução do percentual que declara morar no domicílio do patrão.
A formalização da atividade ainda é pequena e sofreu contínuas oscilações ao
longo do período 1992-2009, que terminou com acréscimo de 4,01 pontos percentuais
em relação à proporção de trabalhadoras domésticas que declararam possuir carteira
em 1992. Uma comparação com a formalização das mulheres empregadas do setor
privado reforça a precarização do trabalho doméstico, ainda que tenha diminuído o
percentual de empregadas do setor privado com carteira de trabalho (Gráfico 4).
80
70
Gráfico 4 – Trabalhadoras domésticas e empregadas do setor
68.38privado que apresentavam vínculo de trabalho
(1992-2001-2009) (%)
62.2
57.82
60
50
40
Trab
alha
30
21.95
20
18.81
14.8
10
0
1992
2001
2009
Fonte: Pnad – IBGE
O vínculo de trabalho mediante carteira assinada, além de garantir a
comprovação de tempo para aposentadoria e o gozo de benefícios previdenciários,
estabelece um patamar salarial mínimo. Assim, embora o rendimento médio das
trabalhadoras domésticas na RMB tenha ficado em R$ 354,58, há uma distinção
significativa de rendimentos de acordo com a existência de formalização deste
trabalho, pois o rendimento médio para as trabalhadoras com carteira é de R$ 501,23
contra os R$ 320,61 de rendimento médio das que não possuíam carteira assinada.
Para concluir, destaca-se que a Pnad registra as disparidades entre as Regiões
Metropolitanas com respeito a esses indicadores, sendo que aquelas situadas no Norte
e no Nordeste tendem a apresentar os piores resultados (Tabela 9). Este fato é
mencionado no trabalho de Melo (1998) sobre o serviço doméstico remunerado no
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Brasil, numa comparação que a autora estabelece entre as estatísticas das Grandes
Regiões, e que demonstram a existência de um quadro mais perverso em relação às
regiões brasileiras mais pobres (Norte e Nordeste).
Tabela 9 - Rendimento médio mensal, horas semanais trabalhadas e
existência de carteira assinada entre as trabalhadoras domésticas por Região
Metropolitana - 2009 (%)
Rendimento
Médio Mensal
Horas semanais
trabalhadas
Trabalhadoras
domésticas com
carteira de
trabalho (%)
Belém
354,58
36,74
18,81
Fortaleza
325,71
40,44
15,17
Recife
349,03
38,55
26,53
Salvador
338,68
37,54
29,53
Belo Horizonte
429,52
35,57
37,29
Rio de Janeiro
539,05
35,48
31,00
São Paulo
533,94
36,56
38,30
Curitiba
505,61
33,43
31,94
Porto Alegre
500,38
34,6
40,73
Região Metropolitana
Fonte: Pnad – IBGE
5. Palavras finais
O
acompanhamento
das
estatísticas
referentes
ao
serviço
doméstico
remunerado dentro da RMB sinaliza que as mudanças e as permanências verificadas
estão de acordo com aquilo que é retratado pela literatura especializada tanto para o
Brasil quanto para a América Latina.
Embora já tenha sido considerada uma atividade fadada a desaparecer, o
serviço
doméstico
remunerado
vem
demonstrando
sua
persistência
e
representatividade para a população feminina ocupada nos países da América Latina.
Fato justificado por alguns autores pelo baixo nível da rede de serviços públicos e de
apoio à família disponível na maioria desses países, associado a uma estrutura social,
racial e de gênero marcada por forte desigualdade.
A atividade apresenta uma orientação de gênero, mas é também atravessada
por uma questão de classe, situando em polos opostos patroas e empregadas. A
demanda continuada pelo serviço doméstico remunerado é um fato que acompanha a
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crescente inserção no mercado de trabalho de mulheres oriundas de famílias de rendas
médias e altas, garantindo o estilo de vida desses grupos.
No entanto, a permanência da representatividade da categoria vem sendo
acompanhada, também, por mudanças no perfil das trabalhadoras domésticas, assim
como em indicadores econômicos como renda e formalização da atividade. Essas
alterações parecem relacionar-se menos a mudanças internas à atividade, e mais a
fatores externos, como processos demográficos, culturais, educacionais e econômicos
de longo prazo.
Se, por um lado, o acompanhamento dos indicadores econômicos revela alguma
melhoria na profissionalização dessas trabalhadoras, por outro lado, o quadro final
ainda se caracteriza por forte precariedade. Trabalhos recentes vêm destacando a
dimensão e a importância desta ocupação no tratamento da questão das desigualdades
sociais, raciais e de gênero. Indicam a necessidade de provisão de políticas públicas
para esse contingente enorme de trabalhadoras e seu impacto na redução da
desigualdade e da pobreza.
É uma questão que tem diversas implicações, entre elas a necessidade de
desnaturalizar a ocupação para poder conferir-lhe status profissional e a equiparação
dos direitos. Não será resolvida unicamente através de mecanismos técnicos e legais,
mas necessita também que se crie um ambiente de discussão, conscientização e
transformação de aspectos culturais profundamente enraizados em sociedades como a
brasileira. Um ponto de partida fundamental é dar visibilidade às trabalhadoras
domésticas, mostrando as circunstâncias que cercam o exercício de seu ofício. Foi esta
a contribuição que este artigo pretendeu dar.
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PARA CITAR ESSE ARTIGO
ÁLVARO, Maria Angela Gemaque. Trabalho doméstico e desigualdade social. Domestic work and social
inequality. Enfoques - revista dos alunos do PPGSA-UFRJ, v.11(1), março 2012. Online. pp. 109-132.
http://www.enfoques.ifcs.ufrj.br
Recebido em 26 de abril de 2011.
Aprovado em 31 de julho de 2011.
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TRABALHO DOMÉSTICO E DESIGUALDADE SOCIAL DOMESTIC