45 ANOS ACOMPANHANDO O EDUCADOR www.fundacaoamae.com.br ANO 45 . Nº 388 JUNHO . 2012 AMAE educando - 388 . Junho . 2012 1 Konvyt 2 AMAE educando - 388 . Junho . 2012 Capa de Renata Pimenta JUNHO . 2012 . Nº 388 Fotos: arquivo Konvyt Carta ao leitor Nosso jeito de ser – A revista AMAE Educando é uma publicação da Fundação AMAE para Educação e Cultura. Escrita por professores para professores, com uma abordagem ligada à realidade vivida em sala de aula, seu diferencial é conter artigos práticos ou teóricos, usando uma linguagem clara e objetiva. Dirige-se, principalmente, a educadores de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Suas oito edições anuais (quatro em cada semestre) são comercializadas por assinaturas. Expediente PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO AMAE: Lêda Botelho Martins Casasanta CONSELHO CURADOR: Ajax Gonçalves Ribeiro (Presidente), Ana Lúcia Amaral (Secretária), Audineta Alves de Carvalho de Castro, Fernanda Fernandes Sobreira Corrêa, José Leão Marinho Falcão Filho, Margarida Magda Machado Michel, Maria Auxiliadora Campos Araújo Machado, Raymundo Nonato Fernandes, Rosa Emília de Araujo Mendes CONSELHO DIRETOR: Diretora-Presidente: Lêda Botelho Martins Casasanta Diretora-Vice-Presidente: Maria Antonieta Bianchi Diretora Administrativo-Financeira: Helena Lopes Diretor de Relações Institucionais: Rui Cesar Rezende Souza Diretora de Publicações e Eventos: Albertina Salazar CONSELHO FISCAL: Francisco Liberato Póvoa Filho, Maria Odília Figueiredo De Simoni, Elza Marie Petrucelli Carayon Suplentes do Conselho Fiscal: Arlete Duarte Silva, Hortência Gatti Queiroga, Janice Lúce Martins Fortini EQUIPE EXECUTIVA: Célia Sanches, Cristina Elizabeth de Vasconcelos Ministerio, Flávia Duarte Carvalho, Gilda Pazzini Lodi, Maria da Anunciação Duarte Carvalho, Vera Lúcia Pyramo Costa Pimenta [email protected] Diretora: Gilda Pazzini Lodi Jornalista responsável: Cristina Elizabeth de Vasconcelos Ministerio - Reg. prof. MG 06124/SJP - [email protected] Editoras: Célia Sanches, Cristina Elizabeth de Vasconcelos Ministerio, Vera Lúcia Pyramo Costa Pimenta Ilustração: Mirella Spineli (31) 3482-0081/91848954 Projeto gráfico: Renata Pimenta (31) 32676762/8489-3851 Impressão: Gráfica Del Rey (31) 3369-9400 Conselho Editorial: Albertina Salazar, Célia Sanches, Cristina Ministerio, Gilda P. Lodi, Gleisa C. Antunes, Mª das Graças D. Andrade e Valderez A. Valle. Suplentes: Ângela Franco e Marise Nancy de Alencar. Atendimento ao assinante: Rejane Pereira Lopes Av. Bernardo Monteiro, 861 - Santa Efigênia Belo Horizonte - MG - Brasil- CEP 30150 - 281 -Telefax (31) 3224-5400 / 3224-6158 - rejane@ fundacaoamae.com.br Consulte o site da Fundação AMAE (www. fundacaoamae.com.br) e acesse o link do Projeto Escola D+ e saiba o que é preciso para uma escola ser de qualidade, na opinião do Conselho Editorial da revista AMAE Educando. Av. Bernardo Monteiro, 861 Santa Efigênia - Belo Horizonte CEP 30150-281 - MG - Brasil Telefax: (31) 3224-5400 / 3224-6158 www.fundacaoamae.com.br AMAE educando - 388 . Junho . 2012 3 Editorial por Cristina Ministerio @MAE ON LINE fixo A Fundação AMAE e a revista AMAE Educando na web 6 ENCARTE BOLETIM DE NOTAS Notas sobre educação e cultura Conte um conto Tuca, minha adorável amiga 46 PONTO FINAL O compromisso ético dos educadores ndrina AMAE educando - 388 . Junho . 2012 3 Alexa 4 Índice Nina A escola tem usado, ao longo do tempo, vestimentas diversas, sempre em nome do saber. No Brasil, ela já foi a escola catequizante dos jesuítas, a escola rígida das palmatórias e a escola opressora dos anos de chumbo. Na Grécia antiga, ela já foi até a escola que nem precisava de prédios para funcionar, porque, para ouvir as lições sobre o bem comum, bastava aos alunos sentarem-se ao ar livre, em volta do mestre. Hoje, a escola também deve se perguntar, por exemplo, como organizar o pensamento sobre a realidade, na busca da ventura suprema de ser democrática, de formar alunos cidadãos, de reunir toda a comunidade para ouvir o que ela tem a dizer. É disso que fala a matéria de capa desta edição (p. 8): como construir, coletivamente, um Regulamento e um Projeto Político-Pedagógico que contemplem todas as expectativas dos principais atores do processo educativo: gestores e professores, alunos e suas famílias. Um processo que não termina nunca, porque é construído durante a caminhada. Bem elaborados, levando a harmonia, a solidariedade, o sucesso e o respeito ao ambiente escolar, o Regulamento e o Projeto Político-Pedagógico podem se tornar fantásticos aliados contra uma situação alarmante – as enfermidades que acometem, cada vez mais, os professores (p.36), tirando-os das salas de aula. Dados estatísticos mostram que, hoje, ser professor é exercer uma profissão de risco. Diante desse cenário, é hora de nos perguntarmos até quando prosseguiremos nessa caminhada, com saúde. E se a violência entra na escola como fator agravante desse mal, o ensino das artes pode ter um efeito contrário. Assim nos diz a premiada artista mineira, Yara Tupynambá, na entrevista da página 16: “A arte é uma atividade espiritual. Num mundo altamente materialista, é fundamental que as pessoas tenham uma atividade espiritual para tornarem o mundo melhor”. Para Yara, “a arte, ao sensibilizar as pessoas, torna-as melhores cidadãos” e não é isso que a escola almeja? Nesta mesma edição, ainda temos dois artigos com relatos de experiências que despertam o gosto pela leitura. Em um deles, os alunos “saboreiam” os livros como se degustassem um prato especial (p.41). Saciam a sua fome de conhecimentos. Em outro, além de leitores, os alunos tornam-se contadores de histórias, interagindo com os livros com o auxílio de fantasias, fantoches ou outro tipo de brinquedo (p.27). Levam a literatura a outros espaços. E, voltando à missão da escola como lugar de reflexão sobre o bem comum e a realidade que nos rodeia, não se pode esquecer de que a conscientização individual dos sujeitos envolvidos no processo educativo não pode prescindir da ética. Assim diz o Ponto final (p. 44). Nesta edição 8 16 21 PENSANDO A ESCOLA Orientações para que o Regimento e o Projeto Político-Pedagógico da escola seja uma construção realmente coletiva ENTREVISTA Yara Tupynambá fala sobre arte e como ela deve ser repassada às crianças e aos jovens OPINIÃO A escola dos sonhos é a que melhor “herança” deixará para seus alunos 27 RELATO DE EXPERIÊNCIA 30 TEMAS TRANSVERSAIS / MEIO AMBIENTE 32 TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO 36 ESPECIAL 41 LÍNGUA PORTUGUESA Em município de Minas Gerais, alunos transformam-se em contadores de histórias e apreciadores da literatura Poesia como sugestão para atividades que proporcionem a conscientização sobre problemas que o meio ambiente enfrenta O auxílio que pode vir da boa utilização dos vídeos educativos O que contribui para que a saúde do professor não esteja tão boa assim e dicas de como reverter esse quadro Quando os livros são levados à mesa para serem “saboreados” pelos alunos AMAE educando - 388 . Junho . 2012 5 Pensando a escola Construção coletiva na escola: Regimento e Projeto Político-Pedagógico O fato de a escola ganhar autonomia para elaborar seu Regimento e o próprio Projeto Político-Pedagógico exige que ela domine todas as variáveis que permitem a realização de um trabalho realmente democrático. Fotos: arquivo Konvyt Maria Auxiliadora Campos Araujo Machado é mestre em Educação pela UFMG, pós-graduada em Políticas Educacionais pela Universidade de San Diego – USA, professora do Prepes – PUC- Minas, membro do Conselho Curador da Fundação AMAE, consultora na área de Educação. Foi membro do Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais (1994-2010), Ouvidora de Educação do Estado de Minas Gerais (2004-2010) (Belo Horizonte – MG). A escola é o local privilegiado para o desenvolvimento da cidadania, do acesso ao saber e da formação da consciência democrática. A democratização desejada da escola não se limita à oportunidade de acesso para todos, ou à eleição direta para diretor, mas caracteriza-se, principalmente, pela garantia do ensino básico de qualidade para todos. O aprendi- 8 AMAE educando - 388 . Junho . 2012 zado da democracia deverá permear todo o conjunto de relações que se desenvolvem ao longo do processo de construção da proposta política e pedagógica. Pode-se afirmar que a maior inovação na escola brasileira, a partir dos novos paradigmas educacionais, é o fato de que a própria instituição escolar ganhou espaço para elaborar o seu Regimento e construir a sua proposta pedagógica definida como Projeto Político-Pedagógico (PPP). O princípio da descentralização das decisões reforça a competência do coletivo da escola para elaborar estes documentos. A escola passa a ser o centro do sistema educacional e os órgãos centrais e regionais passam a exercer outras funções tais como: apoio, supervisão, acompanhamento, avaliação e intervenções, quando necessárias. O apoio dos órgãos centrais e regionais em relação à construção do Projeto Político-Pedagógico é de fundamental importância para a melhoria da qualidade do processo ensino/ aprendizagem. As ações de apoio, supervisão, avaliação, intervenção e acompanhamento ocorrem por meio de programas e projetos a partir dos resultados das avaliações internas e externas centralizadas na aprendizagem dos alunos e na prática docente. São olhares de fora somados com o compromisso e a competência da instituição escolar na concretização das intenções definidas nas normas vigentes, que perseguem a formação de cidadãos para os novos tempos. Os programas contam com monitoramento constante e cobrança de resultados para que a escola tenha instrumentos e motivação necessários à oferta da educação de qualidade. A coparticipação dos diferentes segmentos da comunidade escolar acontece a partir das reflexões e decisões coletivas, especialmente, quando define objetivos, metas e ações reforçadas nas reuniões pedagógicas periódicas. A construção coletiva é tarefa difícil e desafiadora para os educadores, pais, alunos e pessoal de apoio, visto que constitui um processo de busca permanente de solução para os problemas da escola, na procura de alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade, isto é, da educação desejada. A integração não é fácil, encerra outras dificuldades porque exige respeito às individualidades e especificidades dos agentes envolvidos. A luta pelo sucesso da ação coletiva encontra, muitas vezes, sérias barreiras: formação não integrada dos agentes, comodismo, imediatismo, descompromisso existentes e naturais nos processos de mudanças, além da cultura cristalizada e avessa às inovações. A instauração de formas flexíveis de decisões coletivas exige compromisso, competência e vontade política de todos. O que parece desgastante no primeiro impacto, reverte-se, aos poucos, em momentos gratificantes expressos pelo companheirismo, pelo apoio, pela troca de experiências, proporcionando uma caminhada mais suave, mais agradável, mais enriquecedora. O processo pedagógico não se Colegiado escolar O colegiado escolar tem, entre outras, a incumbência de aprovar o regimento que incorpora o PPP da escola. Após sua aprovação é enviado à SRE para conhecimento, avaliação e intervenções quando ferirem normas vigentes. A eficiência e eficácia do colegiado requerem composição e funcionamento adequados dos representantes dos diferentes segmentos da instituição escolar e da comunidade. Os representantes da comunidade escolar devem ser indicados pelos seus pares e nunca convidados pelo diretor. O horário e temas substantivos da vida escolar devem constituir a agenda das reuniões periódicas e requerem divulgação prévia, pois as decisões compartilhadas aliviam tensões, superam desafios e permitem maior acerto. Conselhos de classe ou de turma Os conselhos de classe ou de turma são órgãos colegiados presentes na organização da escola para garantir reflexão coletiva e periódica, com participação de professores das diversas disciplinas juntamente com alunos, supervisores e coordenadores pedagógicos para analisarem o trabalho educativo em desenvolvimento. Constituem momentos de avaliação ao longo do ano letivo para reforçar resultados bem-sucedidos da aprendizagem bem como revisão dos procedimentos didáticos necessários às recuperações evidenciadas nos casos de desempenho insatisfatório. AMAE educando - 388 . Junho . 2012 9 circunscreve à sala de aula e à escola, mas envolve o ambiente escolar como um todo, bem como a comunidade local. É um trabalho solidário uma vez que exige socialização das contribuições, discussão transparente dos problemas e busca coletiva de decisões. Responsabilidade do diretor/ gestor escolar É de fundamental importância a participação do diretor na construção permanente do Projeto PolíticoPedagógico da escola. Um estilo de gestão democrática permite que o diretor abra espaços para as reflexões e ações coletivas que alimentam a construção do Projeto Político-Pedagógico da instituição escolar. Requer do gestor firmeza, determinação, autoridade, sem autoritarismo, capacidade de ouvir, de superar desafios em situações conflitivas, habilidade e competência para construir um ambiente de trabalho agradável e produtivo. Daí a importância da escolha desse diretor. É necessário que se conheça o seu estilo de liderança e seu comprometimento com a aprendizagem dos alunos e com o enfrentamento dos inúmeros desafios que envolvem uma escola de qualidade. O colegiado e os conselhos de classe constituem instituições valiosas de apoio à gestão escolar. Trata-se de uma forma integradora e geradora de mudanças do processo educacional que pode e deve ser um recurso crítico e construtivo em relação às competências, aos valores e posturas que vêm sendo impostas à sociedade. Regimento escolar 10 AMAE educando - 388 . Junho . 2012 Os pareceres e resoluções dos Conselhos Nacional e Estadual de Educação, observados os princípios de flexibilidade, de autonomia e da liberdade, com responsabilidade, caracterizam as inovações preconizadas pela LDBN/9.394/96. Neste contexto, foram definidas as condições necessárias ao resgate do compromisso da escola e dos educadores com uma aprendizagem de qualidade. Dentro desse espírito, foi atribuída, às instituições escolares, a incumbência de elaborar e executar seu Projeto Político-Pedagógico que constitui a parte mais substantiva do Regimento Escolar e que são perfeitamente integrados e articulados. O Regimento Escolar refere-se ao perfil da instituição, às suas características mais permanentes: • denominação, instituição legal, localização, entidade mantenedora, organização administrativa e financeira, estrutura organizacional; • colegiados, conselhos, associações e outras instituições escolares; • competências, atribuições, direitos e deveres dos diferentes profissionais da escola e dos diferentes órgãos; • organização disciplinar, cursos oferecidos. Ao longo do tempo, as modificações substantivas ou inovações são introduzidas no Regimento por meio de adendos ou observações. As modificações terão vigência a partir do novo período letivo, portanto, a aprovação e o registro deverão ocorrer até o final do ano letivo em curso. Outra inovação, hoje, diz respeito à aprovação do Regimento com seu PPP no âmbito da própria escola, pelo seu colegiado, no caso da escola pública, e, pela entidade mantenedora, no caso da rede privada. O Projeto PolíticoPedagógico na construção da identidade escolar Acoplado ao Regimento, o PPP trata da organização pedagógica, do desenvolvimento curricular, do sistema de avaliação e recuperação da aprendizagem, dos projetos da escola e da sala de aula, dos recursos didático-pedagógicos, do calendário, do processo de articulação da escola com a comunidade e de outros itens relacionados ao desempenho do aluno e à prática docente. O que se espera das escolas na construção de seu Projeto PolíticoPedagógico é que seja pautado nos princípios da democracia e na participação coletiva, envolvendo professores, especialistas, pessoal de apoio, alunos, pais e a comunidade local. Trata-se de um processo que pressupõe desvelar as aparências e chegar às essências, conhecer as raízes do projeto educativo. Isto exige que se tenha o desejo de mudar, estar disposto a investir nesta mudança, estudar, trocar experiências, buscar caminhos novos, construir raízes sólidas, assumir com segurança novas posturas alicerçadas nos pilares éticos, políticos, epistemológicos e didático-pedagógicos. É um processo que requer tempo para amadurecer, tempo para construir, paciência, bom-senso, habilidade, criatividade e cumplicidade. Pressupõe a ruptura de uma escola que foi sempre tutelada com propostas e experiências advindas dos órgãos centrais, sem que estivesse con- vencida ou preparada para recebê-las. A nova proposta político- educacional implantada constitui recurso valioso para reverter esta forma vertical de integração. Nesse sentido, os novos paradigmas estimulam a escola a compreender a educação em suas múltiplas dimensões: conhecimento, afetividade, sexualidade, cidadania, ética, senso de coletividade, justiça, humanismo e outras. A escola é o local privilegiado de convívio com as diferenças para organizar o pensamento sobre a realidade. É aí que se aperfeiçoa a capacidade de observação e análise do universo. “É na escola que se aprende a ler o mundo de maneira diferente, a criticar, para nele interferir de modo mais competente.” (Romão, 2001, Guia de estudos 3. SEE/MG) Esta modernidade, que se pretende, só se justifica se identificada com a construção de uma sociedade justa, democrática e solidária, que não tenha medo da liberdade e de buscar a felicidade. Cada escola tende a construir sua identidade. É a partir desta identidade que ela tem condições de garantir sua qualidade. Ao construir, coletivamente, seu PPP, a escola vai refletir sua história, suas condições reais, seus problemas e suas possibilidades. “Se nós não escolhermos qual é a nossa filosofia, qual é o sentido que vamos dar à nossa existência, a sociedade na qual vivemos nos dará, nos imporá a sua filosofia.” (Luckesi, 1990) Interpretando o autor, podemos dizer que, se nós não definirmos nossa proposta de educação, a cultura pedagógica dominante imporá a sua, assumirá o direcionamento de nossa prática educativa, isto é, ocupará o nosso espaço. Estamos em um momento propício à ênfase das políticas de educação vigentes que se desloca para a autonomia pedagógica da escola, como estratégia de melhoria da qualidade do ensino, fator relevante na efetiva democratização da sociedade. Esta autonomia não é passível de concessões ou de normas, é conquistada, é construída no exercício da responsabilidade, da autodeterminação e exige plena consciência nas decisões. Pressupõe a capacidade de assumir as ações com competência e consequência. O Projeto Político-Pedagógico nunca estará acabado, é construído no caminhar. É suscetível às mudanças, incorpora inovações e reformulações em qualquer momento. Esse movimento supõe rupturas, sonhos, ousadias, comprometendo seus agentes com uma ação intencionada, com definições explícitas de onde se deseja chegar. Trata-se de buscar uma direção, um sentido. Metodologia A construção coletiva do PPP da escola permite envolver todos os segmentos da comunidade escolar e local, por meio de diferentes recursos e estratégias: • comissões de trabalhos específicos para estudos e solução de dificuldades; • reuniões plenárias para discussões e decisões coletivas; • grupos de estudos sistematizados no processo de formação continuada; • palestras, seminários, intercâmbios, parcerias, trocas de experiências, e outros; AMAE educando - 388 . Junho . 2012 11 • utilização de recursos audiovisuais, textos, etc. As leituras, os grupos de estudos sistemáticos, palestras, vídeos, etc. alimentarão o processo de reflexão de forma continuada, em todas as etapas do processo, tomando como referência os eixos de cada componente, sejam pedagógicos ou gerenciais. Passos na construção do projeto Os passos ou etapas na construção do Projeto Político-Pedagógico não acontecem em ordem hierárquica e compartimentada, podem ocorrer, ou não, ao mesmo tempo com envolvimento de vários componentes. São indicados para efeito didático, norteadores de rumos e direcionamentos. a) Definição de intenções É o momento de clarear as concepções de mundo, de sociedade, de homem e, em decorrência, a definição de competências, habilidades, atitudes e valores que devem ser desenvolvidos na escola. A visão de homem, como ser crítico, criativo, e a da sociedade, como produtora históricocultural dos conhecimentos, atitudes e valores, indicarão posicionamentos mais abertos, interativos e articulados na construção do PPP da escola. As intenções devem ser definidas coletivamente e fortalecidas nos referenciais teóricos a partir dos textos de autores como Paulo 12 AMAE educando - 388 . Junho . 2012 Freire, Gandin, Gadotti, Romão, Ilma Passos e outros que têm contribuído para o enriquecimento do processo de ação- reflexão-ação com perspectivas de uma escola renovada. Na fase de concepção do PPP, na definição das intenções dos educadores sobre a formação que se deseja oferecer aos alunos, inúmeros e diferentes recursos podem ser utilizados nas reuniões e encontros pedagógicos para motivar, despertar o interesse e a participação de todos. Vídeos, textos, artigos, poesias, músicas, filmes, publicações que suscitem questões sobre temas nacionais, internacionais, situações econômicas, políticas e sociais que interferem na nossa forma de vida podem ser usados nesse momento. “A construção do Projeto PolíticoPedagógico implica, acima de tudo, um certo referencial teórico, filosófico e político. Envolve estratégias e ações. Para educar, não basta indicar um horizonte e um caminho para se chegar lá. É preciso indicar como se chegar lá e fazer o caminho juntos.” ( Gadotti, SEE/MG, 2001) Exemplos de questões motivadoras que podem detonar processos coletivos de reflexões: • Que utopias movem o mundo hoje? • Como entendemos o mundo em que vivemos? • Que cidadão queremos formar? • Que competências, habilidades e valores são requeridos para o sucesso pessoal no contexto da atualidade? • Qual é a escola de nossos sonhos? • O que impede a construção de uma escola de nossos sonhos? As grandes invenções e descobertas foram frutos de sonhos. “Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida tão concreta e definida como outra qualquer. Eles não sabem nem sonham que o sonho comanda a vida, pois sempre que o homem sonha, o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança.” (Antônio Gedeão) Dos dados coletados neste passo, será redigida a introdução/justifi- Recursos humanos Alunos: Quem são? Qual a sua história de vida? O que buscam na escola? (Atenção às drogas, violência, sexualidade, desempenho escolar, evasão e repetência, maiores dificuldades detectadas e encaminhamento de soluções a partir dos componentes curriculares.) Professores: Quem são? (Qualificação, envolvimento com a formação continuada, relacionamento dentro da escola com alunos, pais colegas e direção.) Que apoio recebem para sua valorização profissional? Família: Quem são os pais? O que esperam da escola? (Participação na educação dos filhos, nível socioeconômico e cultural, relacionamento com os filhos, com a escola e com a comunidade.) Organização curricular Existe preocupação em romper com a centralidade no conteúdo curricular para focalização no aluno e no processo da aprendizagem? Em que disciplinas os alunos apresentam maior ou menor desempenho? Há ênfase na problematização, interdisciplinaridade e contextualização? A socialização, a convivência, as relações de solidariedade, trabalho coletivo, as competências cognitivas, atitudes e valores exigidos pela vida cidadã são priorizados? Avaliação/ Recuperação da aprendizagem Os profissionais da escola conhecem e discutem os resultados das avaliações internas e externas em relação à escola, tais como: Enem, Prova Brasil, Simave, Proalfa, PAV, PIP e outros? A avaliação é qualitativa, formativa, continuada e investigativa? Pretende-se mudar o que precisa ser mudado, aperfeiçoar o que precisa ser aperfeiçoado e construir o que precisa ser construído? É voltada para diagnosticar as dificuldades, sucessos durante todo o processo da aprendizagem, permitindo o redirecionamento da prática pedagógica em qualquer momento? Permite que o ritmo do aluno seja respeitado e que as atividades sejam diversificadas para atendimento às diferenças? Indica a descrição dos desempenhos com anotações, por parte dos alunos e professores, sobre competências e a aplicação do conhecimento, crescimento em torno de habilidades, socialização? Quais as dificuldades e sucesso em relação às disciplinas desenvolvidas? A recuperação ocorre no momento em que a dificuldade é detectada e faz parte do processo, permitindo a progressão continuada com aprendizagem durante todo o percurso? Caminham juntas avaliação, recuperação, aprendizagem? A progressão parcial permite ao aluno levar dificuldades para serem resolvidas na etapa letiva seguinte? Classificação O recurso da classificação, isto é, o posicionamento do aluno na turma, considera a idade e o nível de desempenho, mediante avaliação da escola? Há rompimento com os procedimentos burocráticos seletivos permitindo o acesso e o percurso escolar bem-sucedido durante a trajetória escolar? Reclassificação É permitido o reposicionamento do aluno nos casos de aceleração e quando a frequência for inferior a 75% com desempenho satisfatório? Aceleração Há possibilidade de aceleração de estudos para os alunos com atraso escolar? Progressão continuada É adotada a progressão continuada que permite o percurso escolar do aluno sem interrupções e sem levar dificuldades para séries ou etapas seguintes? Progressão parcial É permitido ao aluno avançar em componentes curriculares para os quais já apresente domínio de conhecimento, possibilitando-lhe novas oportunidades de estudos na série ou etapa seguintes naqueles conteúdos curriculares nos quais apresente deficiência ou dificuldade? Aproveitamento de estudos É permitido o aproveitamento de estudos para continuação e enriquecimento que propiciam motivação e gosto pelos estudos, evitando repetições enfadonhas e desestimuladoras? Capacitação de professores Há iniciativa de capacitação continuada dos professores exigida pelos desafios de uma sociedade em mudança e em constantes evoluções tecnológicas? Existe espaço no calendário letivo para estudos, grupos de trabalho, troca de experiências e condições adequadas de trabalho? Há promoção e participação em eventos pedagógicos, culturais e de lazer? O Conselho de classe trata do desempenho dos alunos e da prática docente? Recursos gerenciais – Organização do tempo e espaço escolares Percebe-se preocupação com: Tempo de permanência na escola e compromisso com o processo educativo oferecido? Horários e espaços, organização de turmas e melhores alternativas que promovam frequência e permanência na escola? Clima favorável à elevação da autoestima? Espaço de socialização e inserção social debatido e submetido ao crivo crítico e participativo do aluno? Plantões, monitoramento e outros recursos especiais de aceleração, recuperação ou outras necessidades evidenciadas? Recursos materiais existentes Acervo bibliográfico atualizado e de fácil acesso? Recurso de apoio didático como retroprojetores, televisores, vídeos, acesso à internet, laboratórios e outros? Recursos físicos Em relação ao prédio: estrutura física, higiene, limpeza, jardinagem, iluminação, arejamento e outros? Existência de cantina em boas condições de atendimento? Instalações sanitárias bem-cuidadas? Espaço para jogos teatros, corais e outros? Recursos financeiros Como estão sendo aplicados os recursos do Fundeb/salário educação/tesouro e outros? Serviços complementares oferecidos à comunidade escolar Instituições em funcionamento Projetos periódicos e permanentes Dentários, assistência médica, merenda escolar, livro didático, transporte, etc. Como são constituídos e como funcionam conselhos, colegiado, assembleia de pais, grêmio estudantil e outros? Quais são e como estão sendo desenvolvidos? (Pedagógicos, culturais, sociais, esportivos...) AMAE educando - 388 . Junho . 2012 13 cativa do projeto e levantados os objetivos gerais e específicos. b) Diagnóstico Diagnosticar é atentar para a distância entre uma situação real e uma ideal. É conhecer a situação atual da escola e investigar causas, levantar problemas e dificuldades e definir ações em relação a cada componente pedagógico e administrativo. É o ponto de partida da operacionalização das intenções. Permite, portanto, identificar os obstáculos e as alternativas entre a realidade existente e a escola dos sonhos. A partir dos problemas detectados nos diferentes componentes, o desenvolvimento das competências, das habilidades, da aplicação dos conhecimentos curriculares, da construção de valores, são indicadas as ações, as metas a serem cumpridas e definidas, as comissões responsáveis. Componentes a serem diagnosticados: ver o quadro da página anterior. c) Registro (desenvolvimento das ações) O resultado do diagnóstico possibilitará o registro dos problemas e das alternativas de solução em relação a cada componente analisado. Poderá ser construído um quadro onde serão registrados, em relação a cada componente, os problemas ou dificuldades, as ações a serem desenvolvidas, comissões encarregadas e cronograma com indicação do cumprimento das metas. Para enriquecer essas reflexões, faz sentido buscar na LDBN 9.394/96, nos Parâmetros Curriculares Nacionais, nos pareceres e resoluções do CNE do CEE/MG, nas normas da SEE/MG, recursos que vão 14 AMAE educando - 388 . Junho . 2012 permitir mudanças metodológicas, didáticas e processuais. Os resultados das atividades desenvolvidas serão registrados para acompanhamento e avaliação do coletivo da escola, o que permitirá a realimentação continuada do processo. Insistimos em afirmar que a separação da construção em etapas acontece para efeito didático. Exemplo: no diagnóstico, evidenciou-se acentuado índice de reprovação em Língua Portuguesa, o que indica a necessidade de apoio aos professores da área. Esse apoio poderá ser concretizado em grupos de estudos, palestras, vídeos e outros que possibilitarão o uso de recursos didático-pedagógicos para a solução da dificuldade. Uma comissão ficará encarregada dos encaminhamentos necessários, mesmo antes do registro do projeto na SRE. A redação do Projeto Político-Pedagógico poderá apresentar o seguinte formato: Introdução/justificativa Objetivos gerais e específicos Metodologia Diagnóstico Plano de ação (desenvolvimento das ações a partir do diagnóstico) Avaliação e acompanhamento Avaliação Ao ser implantado, o sucesso do projeto pressupõe uma avaliação continuada que permita investigar se as ações em desenvolvimento estão solucionando os problemas e as di- ficuldades detectadas. Possibilitará, também, maior clareza na qualidade da educação oferecida, assegurando maior credibilidade da instituição escolar na comunidade e na superação de influências externas desafiadoras. O movimento dinâmico de construção do Projeto Político-Pedagógico da escola nunca estará acabado. Os desafios não são maiores do que o compromisso, a vontade política dos profissionais da sociedade organizada na concretização das intenções e dos sonhos. Temos certeza de que a educação, por si só, não é competente para superar todos os obstáculos que têm interferido no desenvolvimento da proposta pedagógica. São constatados problemas de ordem econômica e social que repercutem na escola e que dificultam o alcance dos objetivos educacionais. As políticas educacionais surtirão melhor efeito se articuladas com outras políticas, como: saúde, habitação, emprego, segurança, entre outras. Finalmente, espera-se que este texto contribua para o exercício continuado do processo de reflexão dos educadores comprometidos com a revitalização da escola numa perspectiva transformadora de uma educação de qualidade. Bibliografia BRASIL. Constituição Nacional 1988 e LDB 9.394/96. Pareceres e resoluções do CNE e Parâmetros Curriculares Nacionais. MINAS GERAIS - Pareceres e resoluções do CEE/MG – Pareceres 1.152/97 e 1.158/98. SEE/MG – Pa- receres, resoluções e orientações normativas. FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. Um reencontro com a pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José Eustáquio (Orgs). Guia da escola cidadã- Instituto Paulo Freire. São Paulo: Cortez, 1997. GANDIN, Danilo. Temas para um Projeto Político-Pedagógico. Petrópolis: Vozes, 1999. MACHADO, Maria Auxiliadora Campos Araújo. A Ouvidoria da Educação do Estado de Minas Gerais. In: CARDOSO, Antônio Semeraro Rito; LYRA, Rubens Pinto. (Orgs.). Modalidades de ouvidoria pública no Brasil – terceira coletânea. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2012. __________. Projeto Político-Pedagógico e a gestão escolar democrática (uma construção coletiva). Caderno do Professor, Belo Horizonte: SEE, Centro de Referência do Professor, n.9, abr. 2002. __________. Ação coletiva – é disso que a escola precisa. AMAE Educando, Belo Horizonte: Fundação AMAE para Educação e Cultura, n.234, maio.1993. PARO, Vítor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Ática, 1997 VEIGA, Ilma Passos. Projeto Político-Pedagógico da escola: uma construção possível. São Paulo: Papirus, 1996. AMAE educando - 388 . Junho . 2012 15