Disciplina de Genética e Evolução, ano lectivo de 2002/2003
Apontamentos para as aulas teóricas
Dep artam ento de Bio logia , Unive rsidad e de Évora
Caracteres moleculares I
Mutação
A mutabilidade das espécies assenta sobre a variabilidade a nível genotípico, e esta resulta da mutabilidade
do próprio material hereditário. Neste capítulo analisa-se esta propriedade e a sua parametrização.
Propriedades do material genético e tipos de mutação
O genótipo reduz-se, a nível molecu lar, à sequênc ia de pares nu cleotídicos do DNA. O DNA é u m políme ro
exce pcion alme nte estável quimicamente, mas ainda assim susceptíve l de alte raçõe s de vá rios tipo s, se ja pela
substituição dum par nucleotídico por outro (mutaçõ es pon tuais ), seja por expansão, rearranjo ou contracção
do polímero. Dois requisitos se têm de co njugar para a o corrê ncia d e um novo alelo n as po pulaç ões: que e le
se propague através da replicação do DNA, isto é, que não seja uma variante transiente que é revertida, e que
ocorra na linhagem germinal — o que, por exemplo no caso das plantas superiores ou em organismos com
predo minâ ncia de reprodução assexuada, não exclui um elevado número de duplicações do DNA em relação
à geração anterior.
Muta ções pontu ais
As regras de em parelham ento entre as cadeias co mplem entares do DNA são maioritariamente as definidas
no modelo de Watson-Crick para o B-DNA, correspondendo a cada resíduo de adenina um resíduo de timina
(e viceversa) interagindo através de 2 pontes de hidrogénio, e a cada resíduo de guanina um de citosina (e
viceversa) através de 3 pontes de hidrogénio (figura 10a). No entanto, a tautomerização dos anéis aromáticos
Figura 10 — Emparelhamentos entre os nucleótidos de DNA. a) Emparelhamentos de Watson-Crick. b) Emparelhamentos envolvendo
tautómeros de pirimidina (forma imino da citosina ou forma enol da timina). c) Emparelhamentos envolvendo tautómeros de purina
(forma imino da adenina ou forma enol da guanina).
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de purina (R) e pirimidina (Y) possibilita alternativas de emparelhamento R:Y (figura 10 b e c), as quais podem
ser incorporadas durante o processo de duplicação. É provável que o ligeiro aumento da taxa de mutação com
a temperatura se relacione com uma maior probabilidade de tautomerização.
Outro fenómeno causador de mutações é a
despurinação , isto é, a hidrólise da ligação
entre uma purina e a desoxirribose no resíduo
nucleotídico, originando uma “lacuna” numa
das cadeias da dupla hélice que, uma vez
separada da que ainda lhe podia servir de
padrão, leva a que qualquer outro dos 3
nucle ótidos seja incorporado na replicação
(figura
11a)1 .
nucleotídicas
A
destruição
de
pelas
radiações
ionizantes
(raios X ou radiação
bases
", $ e () tem efeito
semelhante, enquanto os raios ultr avioleta
provocam principalmente a dimerizaç ão entre
timinas adjac ente s na mesma cadeia, que a
não ser reparada provoca erros durante a
replicação do DNA.
A alquilação das bases nucleotídicas é um
dos mecanismos mais conhecidos de mutação
induzida
por
agentes
químicos,
alguns
Figura 11 — a) Despurinação (perda da base de adenina neste caso) dum
existentes no meio am biente (a maior parte das
nucleótido numa das cadeias (topo) leva a que, na sequência da replicação
vezes de origem industrial), outros derivados de
do DNA (centro), a nova cadeia que lhe é complementar integre qualquer
nucleótido (N, cadeia a vermelho), havendo em princípio ¾ de
compostos não-reactivos que são modificados
probabilidade de não ser o T correcto (em baixo). b) Metilação enzimática
nas célula s por s istem as de desin toxicação
das citosinas e sua conversão espontânea em timinas por desaminação.
como os diversos citocromos P-450. Um
exem plo desta categoria muito utilizado na
mutagénese experiental é o etilmetanosulfonato (EMS), que modifica as guaninas (resultando O6 -etilguaninas
que emparelham com timinas).
A metilação enzimática das citosinas na posição 5 resulta na sua conversão em timinas pós desaminação
espontânea (figura 11b) e tem importantes implicações fisiológicas e evolutivas. Ocorre apenas em posições
adjacentes a guaninas (mais precisamente, nos dinucleótidos CpG) integradas em sequências duplicadas no
genoma, daí que seja apelidada de mutação induzida por repetições (repeat-induced point mutations, ou RIP ),
e é responsável por uma forte tendência para a substituição de pares C:G por pares T:A em vertebrados e
outros grupos de organismos (incluindo não-animais, mas excluindo as drosófilas, por exemplo). É interpretada
1
A despurinação é um dos principais factores limitantes da sequenciação de DNA nos fósseis, e a sua avaliação a priori pode ser feita
através da racemização dos aminoácidos, que decorre em paralelo. Em princípio, o limite prático da conservação de sequências do DNA
é de 0,1 milhões de anos.
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como um mecanismo estabilizador do genoma, por inibir a recombinação entre sequências duplicadas com
localizações crom ossó mica s difere ntes, emb ora tam bém resulte na acu mula ção d e tais du plicações e
possivelmente ter outras consequências.
A muta ção pontual envolve, em algum ponto do processo de replicação, a presença de pares não
emparelhados (mismatches), os q uais sã o dete ctado s à m edida que as novas cade ias são sintetizadas
(proofreading), corrigindo os erros de síntese nestas (não nas de origem) através da actividade de exonuclease
3' do pró prio sis tema da polim erase do DN A. Adic ionalm ente, existe um sis tema enzimático de reparação dos
pares não emparelhados (mismatch repair system ) que possam ter ficado sem corre cção duran te a replicação,
ou que surjam noutras fases da vida da célula (por exemplo pela despurinação, radiação, ou alquilação), que
com plem enta a “fidelidade” da replicação tornando a taxa de incorporação de erros muito baixa. Mesmo
assim, em Escherich ia coli essa taxa é de cerca de 10–11 por replicação, o que para um genoma de 4 × 10 6
pares nucle otídico s dá e m m édia 1 muta ção p ontual p or cad a 250 00 cé lulas du m clo ne. S e ace itarmo s esta
taxa para o genoma humano, que contém por núcleo pouco mais de 6 × 109 nucleótidos, em média cada 16
células derivadas do ovo fecundado incorporam uma mutação pontual, o que faz dos organismos multicelulares
mosaicos genéticos (isto é, heterogéneos na informação existente nas suas células). Há quem especule que as
taxas existentes são um compromisso entre a necessidade de preservar a informação contida no DNA inalterada
e a vantagem potencial de surgirem novas variantes, e mesmo que essas taxas variem entre diferentes
organismos elas demonstram a existência dum limite evolutivo à eficiê ncia do sistema de reparação do DNA.
Distinguem-se duas categorias de m utações pontuais: transições (R ÷R ou Y ÷Y) e transversões (R ÷Y ou
Y ÷R). Emb ora pa ra cad a nuc leótido haja 2 tr ansversões possíveis e apenas 1 transição, a realidade é que as
transições tendem a ser tanto ou mais comuns que as transversões (cf. tabela 3), isto porque dos mecanismos
acima enumerados há pelo menos dois (tautomerização e metilação de citosinas) que apenas dão transições.
Tabela 3 — Padrão de substituição entre pseudogenes
(isto é, livre em princípio de qualquer interferência da
selecção, cf. “taxas de mutação”) em mamíferos. Notese que, devido à complementaridade entre as cadeias
de DNA, uma transição de C para T implica igualmente
uma transição de G para A.
Tipo de mutação
transição
transversão
proporção
C ÷ T+G ÷ A
41,7%
T ÷ C+A ÷ G
17,6%
G ÷ T+C ÷ A
13,7%
G ÷ C+C ÷ G
9,5%
A ÷ T+T ÷ A
9,1%
A ÷ C+T ÷ G
8,3%
Expansão, rearranjo ou contracção do polímero de DNA
Qualquer dos tipos de alteração estrutural reconhecidos classicamente em citogenética (nomeadame nte
deleções, inserções, duplicações, invers ões e translocações) é, numa escala muito ampliada tal que se torna
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visível ao microscópio, da mesma natureza que aquelas que só se evidenciam por alterações mais ou menos
curtas na sequência nucleotídica. A diferença fundamental está em que as variantes citogenéticas tendem a ser
raras e a estar associadas a fenótipos patológicos dentro de espécies, enquanto as variantes moleculares são
muito numerosas e aparentemente neutrais selectivamente, presumivelmente pela sua reduzida ex tensão, que
só em regiõe s cod ificante s teria implic açõe s feno típicas . Aliás, note- se qu e até e ntre es pécie s próx imas são m uito
frequentes as alterações estruturais (a ponto de considerar-se o cariótipo de cada espécie um carácter
taxonómico discriminante e estável), dando a entender que a alteração estrutural dos cromossomas é um
fenómeno comum à escala geológica, embora sujeito a selecção estabilizante intraspecificamente.
Todos os rearranjos cromossómicos envolvem a quebra das ligações éster de fosfato que estabelecem a
continuidade covalente entre os nucleótidos de cada cadeia, e pode m su cede r acide ntalm ente d as m ais diversas
maneiras, por exemplo sob a acção de radiação ionizante. Por isso as células estão equipadas com enzimas
que reconhecem as extremidades desguarnecidas do DNA2 e reunem os fragmentos; se às vezes esta forma de
reparação restabelece a situação anterior à quebra, noutras provoca rearranjos, por vezes com deleção parcial
nessas extremidad es antes de ser feita a reparação. Este tipo de processo tem uma ocorrência e resultados
imprevisíveis, mas outros processos são reconhecíveis pelo tipo de alteração resultante:
a)
Elementos móveis: são segmentos cromossómicos que podem inserir-se em qualquer região do genoma,
e podem ser autónomos em relação à célula (vírus de DNA das classes I e II, e retrovírus) ou não. Uma
categ oria importante destes segmentos é formada pelos que codificam uma actividade enzimática
(transposase) que realiza a cópia desse segmento e também a inserção da cópia noutra localização
cromossómica, muitas vezes ao nível de interrupções (nicks) duma das cadeias de DNA: os
transposões . Muitos transposões podem promover também a duplicação e inserção doutros segmentos
de DNA, por exemplo promovendo novas combinações de exões (exon shuffling). Um a subc atego ria
é constituída pelos que derivam de moléculas de RNA, nomeadamente mRNAs, através da
retrotranscritase (RT) que catalisa a sua conversão em moléculas de cDNA, e que caracteriza não só
elementos móveis não-autónomos como os retrovírus.
b)
Recombinação desigual: no decurso da meiose, quando se dá o crossover entre homólogos, pode
Figura 12 — Processo de duplicação por recombinação desigual (ver texto). a) Crossover entre
sequências homólogas (caixas a vermelho) incorrectamente alinhadas, flanqueando o segmento (A)
que é duplicado. b) Esquema da divergência entre genes resultantes de duplicação. A1 e A2 (ou A’1
e A’2 ) são ortólogos, mas A1 e A’1 (ou A2 e A’2 ) são parálogos.
2
Os telómeros dos cromossomas eucarióticos têm um a estrutura distinta que não é confundida com estas extremidades.
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ocorrer um erro de alinham ento tal que pela troca entre cromátides uma fique com 2 cópias dum
segm ento cromossómico e a outra sem nenhuma (figura 12a). Este erro de alinhamento resulta da
repetição entre sequências e pode abranger um gene completo (promotor incluído), ou apenas um ou
mais exões dum gene. Ambos os níveis de duplicação genética são c onsid erado s altam ente
importantes na Evo lução : num a fase imed iata à duplicação dum gene, existe uma dosagem dupla desse
gene, que tende a ser compensada via RIP pela acumulação de mutações em pelo menos uma das
cópias, até ficar inactiva; sem haver selecção sobre a cópia inactivada, e se ela não for perdida por
deleção, recombinação desigual, etc., continuarão a acumular-se mutações que acentuam a
divergência em relação ao gene activo, mas retendo o potencial de vir a ser activada de novo por
mutação, mas já com uma sequência diferente e uma função provavelmente parecida, mas certam ente
diferente, da orig inal. Esta nova função pode integrar-se mais ou menos harmoniosamente na fisiolog ia
e ecologia da espécie, com um aumento de complexidade que pode trazer vantagens — ou não 3 . Este
processo origina famílias de genes homólogos, muitos deles ligados entre si em localizações
cromossómicas muito próxim as co mo s eria de prever, com sequências aparentadas e funções em geral
(mas nem sempre) semelhantes. Na comparação entre diferentes espécies, haver á entã o que distingu ir
dois tipos de homologia: a que relaciona genes com a mesma função e separações apenas por
especiação, ditos ortólogos, e a que relaciona genes com funções geralmente semelhantes mas um
ou mais eventos de duplicação entre eles, ditos parálogos (figura 12b). Muitas proteínas contêm várias
repetições em série de motivos conformacionais, cada um correspondendo em geral a um determinado
exão, que se presume resultarem de duplicação. Considera-se que a recombinação desigual é também
a causa principal dos frame shifts.
c)
Slippage da polimerase do DNA: na replicação de segmentos com sequências repetidas em série, a
polimerase do DNA pode produzir na nova cadeia uma repetição a mais ou a menos, como se
“escorregasse” no seu percurso ao longo da cadeia-molde. Este tipo de muta ção e xpres sa-s e pelo
número de repetições que fic am s er dife rente do original. As unidades de repetição podem ser de 2, 3,
4, etc. nucleótidos, formando loci cujas s equê ncias são a repetiç ão m onóto na dum a des sas un idades,
por exemplo (CA) n , com n podendo chegar às centenas. Quando as unidades são curtas (até 4
nucleótidos) o locus é uma repetição de sequências simples (SSR ) ou micro- satélite , mas quando são
mais extensas, da ordem de uma ou duas dezenas de nucleótidos, o locus designa-se como minisatélite .
Taxas de mutação e “relógio m olecular”
As estimativas clássicas obtidas com drosófilas criadas em laboratório, feitas por Müller e sucessores com base
em mutações de efeito fenotípico, davam uma taxa de mutação na ordem dos 10 –5 por locus e por geração.
Este valor é o invocado em muitos estudos práticos e teóricos, mas sabe-se que a m aioria d as m utaçõ es as sim
detectadas nos estudos clássicos eram desfavoráveis ou mesmo letais.
Nas populações, por isso, a maior parte da variabilidade que surge por mutação nem chega a ser detectável
pois é eliminada por selecção: estudos sobre a ocorrência de novas variantes electroforéticas de proteínas
3
note-se que não se trata dum alelo vantajoso, mas sim dum novo locus!
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deram na melhor das hipóteses uma taxa de cerca de 10 – 6 , e em certos casos nenhuma variante era sequer
observada dando, pelas dimensões de amostragem, estimativas ainda inferiores a esse valor. Medidas indirectas
das taxas de mutação foram feitas assumind o uma situaç ão de equ ilíbrio entre mutaçã o e outro factor,
nom eada men te a selecção ou a deriva genética. O valor global obtido foi de 2,3×10 –6 por locus e por
geração, mas a ma ior parte era de sfavo rável tendo-se estimado que a fracção selectivamente neutral surgia à
razão de 1,65×10 –7 por locus e por geração.
Em suma, considerando que a persis tência de no vos ale los na s pop ulaçõ es de verá c onsis tir esse ncialm ente
de mutações selectivamente neutrais (e o restante sendo composto por componentes fortemente minoritárias
de alelos ligeiram ente favoráveis ou desfavoráveis), se uma taxa como a de 1,65×10–7 por locus e por geração
é a que r epre senta a variabilidad e gené tica “apro veitável” p ara a Evolução, ela é cerca de 60× inferior ao valor
clássico de 10–5 .
Na linguagem da teoria neutral, a taxa de substituição
8 aplicável a um determinado locus não é igual à
: tomada globalmente, mas sim à fracção 1–f da mesma que produz mutações neutrais:
8= :(1–f), sendo f a proporção complementar de mutações eliminadas por selecção. O verdadeiro valor de :
taxa de mutação
só é revelado através de sequências onde haja a garantia que f=0, por exemplo em pseudogenes (sequências
duplicadas que perderam a função mas mantêm um grau de homologia suficiente para serem alinhadas e
comparadas com as que permanece m funciona is). Na tabela 3 já se exemp lificou este recurs o para mo strar a
assim etria entre os tipos de mutação pontual, e na tabela 4 exemplifica-se um estudo envolvendo pseudogenes
de mamíferos que permite evidenciar o contraste entre
: e 8:
Tabela 4 — Mutação pontual em pseudogenes de globina " de mamíferos. O diagrama da esquerda representa a hierarquia de
divergência suposta para um pseudogene R que é parálogo de A na mesma espécie, sendo A por sua vez ortólogo de B noutra espécie.
T é o tempo desde a especiação, Td desde a duplicação, e Tn desde a neutralização de R. As taxas de substituição nucleotídica são a1 ,
a2 e a3 (ou ai, i=1,2,3), referentes aos valores médios para os 1º, 2º e 3º nucleótidos dos codões em A e B, e b referente à substituição
(homogénea) em R desde a sua neutralização. Sabendo-se T, as distâncias observadas entre os 3 genes para cada posição homóloga
permitem obter os ai e b, pelo sistema de equações dRAi=2aiTd +(b–ai)Tn, dRBi=2aiT+(b–ai)Tn e dABi=2aiT.Todas as taxas são por
nucleótido e por ano.
taxas
a1
0,85×10–9
a2
0,70×10–9
a3
2,34×10–9
b
O valor de 4,7×10 –9 por nucleótido e por ano é uma estimativa directa de
4
4,7×10–9
:4, que se converte em 2,0×10–6
Os valores na ordem de 4,7×10–9 por nucleótido e por ano aplicam-se aos genes nucleares. Pelo menos nas mitocôndrias dos
vertebrados verificam-se estimativas de : 10 vezes maiores, isto é, 4,7×10–8 por nucleótido e por ano. Embora se possa considerar que
parte desta discrepância se deva ao facto do Ne dos genes mitocondriais ser 4 vezes inferior ao dos genes nucleares autossómicos, o que
aumenta proporcionalmente a taxa de substituição neutral observada (isto é, o valor previsível de : seria 1,9×10–8 ), considera-se que
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por ano neste locus tendo em conta haver 423 codões da globina ", isto é, em cada ano 1 em cada 500000
cromossomas contendo este locus apresenta nele uma nova mutação pontual; para uma espécie com tempo
entre geraç ões d e 5 an os isto vale 10 –5 por geração neste locus. Mas nos genes funcionais
8 é subs tancia lmen te
mais baixo, mesmo na 3ª posição dos codões que é onde se encontra a maior parte da redundância do código
genético.
Em p rincípio pode assumir-se que
: é constante , qualquer que s eja a posição do genom a que se co nsidere 5.
Porém, a pressão selectiva sobre os diferentes segmentos dum locus, consoante a sua função seja ou não
codificante, tenha ou não impacto fenotípico, etc., pode ser variável. A tabela 5 apresenta as taxas de
substituição
8 e os correspondentes valores de f na comparaçã o entr e homólogos e correspondentes
pseudogenes.
Tabela 5 — Estrutura idealizada dum gene eucariota com 2 intrões e 3 exões, com a subdivisão em regiões, e respectivas taxas de
substituição 8 (por nucleótido e por ano) obtidas entre vários loci, com cálculo do respectivo valor de f para a fracção eliminada pela
selecção. Legenda: FL, região flanqueadora (a 5' ou 3'); UT, região não-traduzida (nos exões terminais); INT, intrões; COD, codificantes
(nos exões); R, pseudogene; N, não-sinónimas (missense); S, sinónimas.
regiões nos genes
fun cion ais
R
8=4,85×10 –9
não-transcritas
transcritas não-codificantes
transcritas
codificantes (COD)
5'FL
3'FL
3'UT
INT
5'UT
N
S
8
2,36×10–9
4,46×10–9
1,74×10–9
3,70×10–9
1,88×10–9
0,88×10–9
4,65×10–9
f
51%
8%
64%
24%
61%
72%
4%
Ao contrário do que poderia imaginar-se, as regiões não-codificantes do gene apresentam-se como sujeitas
à selec ção — apen as a re gião fla nque adora a 3' e as muta ções sinónimas nas regiões codificantes se podem
considerar quase neutrais. De facto, a região flanqueadora a 5' inclui sequências reguladoras da transcrição
(o promotor) e as r egiõ es não-traduzidas do m RNA também incluem sequênc ias reguladoras (da tradução).
Mesmo os intrões não são neutrais, possivelmente por conterem sequências reguladoras do processamento do
transc rito primário (quer para a correcta localização dos pontos splicing, ou para a regulação do splicing
as restantes 2,5 vezes corresponderão a uma menor “fidelidade” da replicação do DNA mitocondrial. Aliás, também para os genes dos
heterossomas há a considerar ligeiras diferenças, por exemplo na espécie humana o facto da gametogénese no sexo masculino envolver
muito maior número de divisões celulares que no sexo feminino implica valores de : para os genes do cromossoma Y teoricamente
superiores em 26% aos dos autossómicos, mas com Ne 4 vezes inferior, e para os do cromossoma X 9% inferiores, e com Ne 25% inferior.
5
Já o mesmo não se pode dizer nos diferentes períodos geológicos, onde as flutuações de temperatura e de protecção pela atmosfera
das radiações cósmicas, entre outros factores, podem ter sido bastante importantes; contudo, pode dizer-se que as flutuações de : se
deram paralelamente nas diferentes linhagens evolutivas, sendo o valor de : que se possa obter uma média que é aplicável para todas
elas. Além disso, alguns interpretam a relativa “lentidão” de substituição a nível genómico (logo a partir dos estudos de hibridação de
DNA) em certos grupos de aves e de mamíferos como resultando duma maior eficiência de reparação dos erros de replicação.
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alternativo, isto é, da trad ução de dife rente s com binaç ões d e exõ es a p artir do m esm o mR NA). Quan to ao valor
de
8 referente às mutações silenciosas (s inónimas ), ela tende a se r 5 a 6 vezes superior à das missense , não só
neste caso mas noutros estudados. Há quem veja no f observado nas mutações sinónimas um efeito da
utilização preferencial de certos codões para o mesmo aminoácido.
Um outro factor de variação da taxa
8 média para um locus é a “tolerância” de cada proteína à alteração
da sua estrutura primária (taxa média, porque há posições quase imutáveis, por exempo ao n ível de centros
activos, enquanto outras são mais flexíveis). As variações podem ir desde 0,01×10–9 por aminoácido e por
ano, em proteínas extremamente “conservadoras” como a histona H4 e a ub iquitina, até 9×10 –9 por
aminoácido e por ano nos fibrinopéptidos, segmentos internos do fibrinogénio que são removidos para
formação da fibrina durante a coagulação e que aparentemente podem ter qualquer sequência de aminoácidos
(exem plo de substituições neutrais, deduz-se). O maior ou menor grau de conservação traduz-se numa unidade
de tempo evolutivo ao fim da qual se acumulam substituições em 1% das posições da estrutura primária,
T u=1/(1008), tal que e m teo ria cad a prote ína pe rmite med ir o afas tame nto filog enétic o entre táxone s até 100Tu
anos. Por outras palavras, cada proteína é um relógio molecular para a determinação do tempo evolutivo
desde o afastame nto entre d uas linh agen s ana lisada s actua lmen te. Es te des envo lvime nto rad ica dire ctam ente
na cons tataçã o da line aridad e entre o tem po es timado pela evidência paleontológica e a divergência das
sequências (cf. “Praxis”), ou seja, da constância do valor de
8 baseado em mutações pontuais entre loci
ortólogos.
Sendo o valor de
8 para uma p roteína uma resultante do valor : e de vários factores modificadores (selecção
negativa sobre mutações que reduzem o fitness, episódios de bottlenecks, efeito das migrações, etc.) que em
princíp io actuam de maneira diferente em diferentes linhagens evolutivas, a aplicação dum valor comum de
8
pode até considerar-se surpreendente, mas é possível que nesta multiplicidade de factores acabe por haver uma
compensação m útua e acabar de que resulta uma tendência global comum (lei dos grand es nú mer os), a quela
que prevalece na escala de tempo geológica.
No entanto, a utilização de unidades de tempo em vez de número de gerações rompe com a tradição em
Genética de Populações, onde todos os parâmetros modificadores das frequências se medem pelo número de
gerações em cada espécie. Sendo o número de a nos p or ger ação tão var iável (p or exe mplo , entre a esp écie
humana actual e os roedores estima-se uma diferença de 50 vezes), a conciliação entre os dois padrões parece
impo ssíve l. Porém, quando se exam ina o núme ro de replicações por unidade de tempo, envolvendo a linhagem
germ inal, as diferenças parecem dissipar-se (entre humanos e roedores não chegaria a 2 vezes), o que é
concordante com a noção de ser durante a replicação que se fixam as mutações pontuais.
: para estas mutações decorre principalmente dos erros de replicação, e o 8 médio para
cada locus refere-se a um : com um m ais ou men os co nstante entre a s linhag ens e ntre as quais s e estu dam
Assim, o valor de
ortólogos. São estas as premissas do conceito de relógio molecular em Evolução.
Limites e complementaridades com outros caracteres
Os caracteres moleculares são excelentes na riqueza de informação que fornecem, dado que cada posição
numa sequência é um carácter taxonómico facilmente adaptável à análise cladística, e porque são genotípicos
(ou perto disso no caso das proteínas). No entanto, só recentemente e sobretudo graças ao impulso que os
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projectos de genoma deram à sequenciação é que o seu levantamento se tornou um lugar-comum, tendo sido
nece ssário ao longo de décadas recorrer a sucedâneos como os isoenzimas, distâncias im unoló gicas,
hibridação de DNA, análises de restrição ou RAPDs, etc. (cf. “Praxis”), cuja relação com a variabilidade ao nível
das s equê ncias nucle otídica s nem sem pre se mos trou pre visível.
Mesmo o estudo de cada locus esteve sempre sujeito a uma série de hipóteses quanto à generalização dos
resultados. Apen as co m hib ridaçã o de D NA, e até ce rto pon to com electr ofore se de prote ínas, se pode dizer
que era feita uma c obertura razoável da variação a nível genómico, mas como nesta última (mais acessível em
requisitos experimentais) os resultados se baseavam em frequências genéticas, as respostas resumiam-se à
variação infrasp ecífic a ou, q uanto muito , infrag enéric a. E, q uando não h avia po limor fismo s a es te nível (como
o famoso exemplo das chitas), nada podia tirar-se das análises — e não de certeza a conclusão de que não
havia variabilidade!
Já a variação estrutural tem um maior potencial para todos os graus de variação, nomeadamente ao nível
de sequências de aminoácidos,: primeiro, porque é passível de uma tradução funcional (sobretudo se houver
modelos tridimensionais da conformação das proteínas que contextualizem as substituições), também porque
o alinham ento de sequências é muito simplificado, e finalmente porque a degeneração do código genético
“tamponiza” boa parte das substituições a nível nucleotídico, permitindo alargar as análises para escalas de
tempo mais amp las. Por outro lado, mu ita da informaçã o que não é aproveitada n a comp aração en tre
sequências de aminoácidos tem grande relevância para as reconstruç ões filo gené ticas e m gru pos m ais
pequenos, com o seja m as inserç ões e deleç ões, a variaç ão em micro- ou mini-satélites, em promotores, etc..
Permanece sempre válida a variação morfológica, servida por uma vasta bateria de métodos de análise
biométrica. Sem ser necessário adoptar os ditames feneticistas, a base poligénica deste tipo de variação pode
ser um c omp leme nto do s cara ctere s mo lecula res muito útil, pois se se perde em termos de proximidade ao
genótipo, ganha-se por abarcar vários loci, podendo por exemplo confirmar-se a existência de variabilidade
genotípica funcional onde a abordagem molecular não é capaz de evidenciá-la.
Le plaisir de faire quelque chos e de parfaitement in utile... (Maurice Ravel)
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Mutação (Propriedades do material genético e tipos de mutação