A POLÍTICA CONSULAR E DE APOIO A BRASILEIROS COMO FATOR DE CREDIBILIDADE
E AFIRMAÇÃO EXTERNA DO BRASIL
Embaixador Eduardo Gradilone
Subsecretário-Geral das Comunidades Brasileiras no Exterior - SGEB
INTRODUÇÃO
Pela segunda vez consecutiva o tema “Brasileiros no Mundo” entra em debate
numa das mais conceituadas conferências de política externa promovidas pela
Fundação Alexandre de Gusmão, o que confirma a importância que o assunto assumiu
para a diplomacia brasileira. No ano passado, 2009, as discussões se concentraram, de
um lado, nas dificuldades para a condução de uma política consular e de apoio a
nacionais no exterior num quadro de ausência de um direito internacional migratório e
de escalada de sentimentos anti-imigrantes e, de outro, no novo diálogo que o
Governo brasileiro abriu com sua diáspora por meio das “Conferências Brasileiros no
Mundo”. Apontou-se a relação entre esses dois assuntos, inclusive a importância deste
último para o fim de melhor habilitar a diplomacia brasileira a enfrentar os desafios
indicados no primeiro. Foram assinaladas as principais posições e estratégias do Brasil
nessa área.
O presente texto, ao fazer uma breve panorâmica sobre o contexto mais amplo
em que tais temas se inserem, isto é, das políticas e ações do Ministério das Relações
Exteriores nessa área, deixa implícita a convicção de que a política consular e de apoio
a brasileiros no exterior, da forma como vem sendo conduzida e graças aos resultados
que vem alcançando, não só beneficia seus destinatários diretos como reforça a
credibilidade e as credenciais diplomáticas do país, projetando no âmbito internacional
a prioridade que o governo dá à promoção do bem estar dos seus nacionais em nosso
território.
2.
Em suporte a essa tese serão indicadas algumas realizações principais da
Subsecretaria-Geral das Comunidades Brasileiras no Exterior – SGEB, desde sua criação
na estrutura regimental do Itamaraty, em dezembro de 2006. Isso permitirá relembrar
prioridades do MRE e desenvolvimentos recentes, como por exemplo em matéria de
proteção a brasileiros na América do Sul, negociações consulares e migratórias com
países desenvolvidos, políticas de aprimoramento tecnológico das atividades
consulares, promoção de serviços consulares ditos de segunda geração e reforço da
interação do Governo brasileiro com seus nacionais no exterior.
3.
Marco jurídico inédito e fundamental para a continuidade e elevação do
patamar dessas atividades foi a promulgação do Decreto número 7.214, de 15 de
junho de 2010, que estabelece princípios e diretrizes da política governamental para as
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comunidades brasileiras no exterior, institui as Conferências Brasileiros no Mundo CBM, cria o Conselho de Representantes de Brasileiros no Exterior - CRBE e dá outras
providências.
Cabe observar que mesmo dispondo hoje o Brasil de todas as condições para
assegurar uma vida digna aos seus nacionais no próprio território, e embora tenha o
Presidente da República afirmado que “os espera de volta” na mensagem que dirigiu
aos brasileiros no exterior por ocasião da data nacional do corrente ano, a política
governamental assegura aos cidadãos brasileiros plena liberdade para viajar e viver
onde desejarem, sem restringi-los ou estimulá-los em qualquer sentido, e lhes presta
apoio onde quer que estejam, utilizando-se para isso de todos os meios que lhe são
facultados pelo direito e a praxe internacionais. O Decreto n. 7.214 é prova clara dessa
disposição.
5.
Nas considerações a seguir serão vistas algumas formas pelas quais esse apoio
é prestado e que têm recebido avaliação favorável de observadores externos e
internos.
6.
Cabe inicialmente lembrar que até meados dos anos oitenta o Brasil era um
país preponderantemente de imigração, embora datem dos anos sessenta (para a
Guiana Francesa, por causa da construção da base espacial de Kourou) e setenta (para
o Paraguai, pela atração da política fundiária então adotada nesse país) os primeiros
grandes fluxos de brasileiros para fora do Brasil. Hoje vivem cerca de 1.3 milhão de
conacionais nos EUA, 700 mil na Europa, 300 mil na América do Sul e 270 mil no Japão,
com vários milhares espalhados por todas as regiões do mundo, num total de
aproximadamente três milhões de brasileiros expatriados.
7.
Exceto no Japão, a grande maioria encontra-se em situação migratória
irregular, aspecto fundamental a ser considerado no exame da diáspora brasileira e
importante condicionante para a formulação e implementação de políticas públicas
em seu benefício. A despeito disso, o brasileiro no exterior é geralmente visto com
muita simpatia por sociedades receptoras, como trabalhador dedicado, alegre,
desvinculado de “ghetos” e da criminalidade organizada. Trata-se de importante
patrimônio diplomático e cultural com que conta o Brasil, constituindo sua
preservação e valorização objetivos estratégicos da política governamental para a
diáspora brasileira. A associação de uma minoria de brasileiros com crimes,
prostituição, destruição ambiental e outros desvios constitui assim aspecto
preocupante para a consecução dessa meta; buscar evitá-la têm sido um dos grandes
desafios da nossa diplomacia para expatriados.
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APOIO A BRASILEIROS EM PAÍSES FRONTEIRIÇOS
BRASIGUAIOS
A problemáticas dos “brasiguaios” é próxima, antiga e bem conhecida, dados os
episódios recorrentes de invasões de propriedades de brasileiros, críticas à presença
brasileira em território paraguaio e incidentes influenciados por ressentimentos
históricos ou contaminados por outras questões do relacionamento bilateral, tais
como Itaipu, controles na Ponte da Amizade, exercícios militares etc. Em 2007,
assédios, achaques e vários tipos de ameaças a colonos brasileiros na localidade de
Laterza Cué levaram a SGEB a inaugurar o que veio a se tornar uma característica de
sua ação em situações do gênero: contato direto com tais comunidades sob risco, se
necessário mediante uso de veículos especiais e de escoltas policiais e militares para
acesso a áreas remotas, em companhia de agentes consulares e advogados
especializados nos assuntos envolvidos – geralmente ligados a problemas de títulos e
ocupação de terras – e sob a forma de operações de visibilidade para demonstrar,
tanto aos próprios brasileiros afetados como aos que lhes causam dificuldades, assim
como às autoridades e à sociedade locais, o empenho do Governo brasileiro em dar
apoio aos seus nacionais no exterior.
9.
Ponto fundamental para o encaminhamento de boa parte dessas questões é o
da regularização migratória dos nossos nacionais. Após repetidas gestões da SGEB e
anos de negociações através de grupos de trabalho migratórios e fundiários, o
Paraguai finalmente ratificou o Acordo de Residência do Mercosul e associou-se ao
Brasil no que hoje talvez possa ser considerado o mais exitoso projeto de aplicação
prática desse acordo e, portanto, do próprio processo de integração sul-americano: as
chamadas “jornadas migratórias”, atualmente (outubro de 2010) em sua sexta edição,
em que durante vários dias são montadas e funcionam, em locais selecionados do país,
normalmente em grandes estabelecimentos cedidos por prefeituras ou centros
culturais, esportivos e religiosos, verdadeiras centrais de regularização migratória de
brasileiros, compreendendo estações de trabalho compostas por funcionários
consulares, migratórios, cartoriais, de registro civil e médicos dos dois países, bem
como da Organização Internacional para as Migrações – OIM.
10.
Participam das cerimônias de abertura e encerramento dessas jornadas altas
autoridades brasileiras e paraguaias, tendo numa delas o Presidente Lugo feito a
entrega simbólica de carteira de residência a brasileiro beneficiado pelas jornadas. Ao
mesmo tempo, o Presidente Lula entregava título a cidadão paraguaio contemplado
pela Lei de Anistia brasileira, que regularizou a situação migratória de dezenas de
milhares de cidadãos estrangeiros em nosso país e demonstrou o grau de abertura da
política brasileira nesse campo, em contraposição às políticas migratórias
crescentemente restritivas adotadas por países desenvolvidos, inclusive em relação a
seus vizinhos.
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BRASILEIROS NA ÁREA DE SEGURANÇA DA FRONTEIRA BOLIVIANA COM O BRASIL
Propósitos e condicionamentos da política boliviana levaram o Governo Evo
Morales em 2006 a implementar artigo da Constituição do país que proíbe a presença
de estrangeiros na faixa de 50 quilômetros da fronteira, onde há décadas vivem
pacificamente centenas de famílias brasileiras. Ao contrário do Paraguai e outros
países, que adotaram medidas semelhantes porém assegurando direito de
permanência a imigrantes já radicados, a Bolívia optou por uma interpretação mais
restrita do mandamento constitucional, invocando questões de soberania, razões de
segurança e compromissos com programas domésticos de reforma agrária. Anos de
negociações consulares e migratórias, dificultadas – como no caso do Paraguai – por
lembranças históricas e problemas em outras áreas do relacionamento bilateral
(nacionalização de refinarias, ocupação de latifúndios controlados por brasileiros etc),
além de várias missões “in loco” semelhantes às realizadas no Paraguai, para contatos
diretos das mais altas chefias da SGEB com as comunidades brasileiras ameaçadas,
levaram a compromissos em relação a prazos e tratamento especial a brasileiros
vulneráveis.
12.
Sensível ao problema e com o objetivo de equacioná-lo, o Congresso brasileiro
– após intensas gestões do MRE - aprovou a liberação de verba no valor de 20 milhões
de reais que foi transferida – com base em instrumento tripartite – à Organização
Internacional para as Migrações, à qual foi dada a incumbência de administrá-la e
tratar do reassentamento e reocupação dos nossos nacionais na Bolívia, inclusive
mediante compra de terras fora da faixa de fronteira. Para melhor acompanhar o
assunto e permanecer mais próximo dos brasileiros afetados, o Itamaraty abriu
Consulado Sazonal na localidade de Puerto Evo Morales, vizinha a Plácido de Castro no
Acre, onde o IBAMA cedeu dependências para o MRE colocar em funcionamento
escritório de apoio ao consulado.
13.
Problemas políticos e conflitos – inclusive armados - entre forças de apoio e
resistência a Evo Morales atrasaram o processo e colocaram inúmeras dificuldades
para a sua execução. Mesmo assim hoje estão em pleno andamento programas de
reassentamento tanto na Bolívia, a cargo da OIM, como no Brasil, sob a
responsabilidade do INCRA, segundo planos acordados com o Ministério do
Desenvolvimento Agrário e participação de inúmeros órgãos e entidades brasileiros,
tanto em nível federal como estadual e municipal. Permanecem dificuldades não só
ligadas a mudanças em postos de comando do governo boliviano como à falta de
melhor coordenação entre autoridades centrais e locais para a implementação efetiva
do Acordo de Residência do Mercosul, essencial para a regularização migratória dos
brasileiros que decidiram permanecer na Bolívia e, portanto, para o seu
reassentamento nesse país.
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GUIANAS
Na fronteira norte – compreendendo o arco que vai da Colômbia à Guiana
Francesa, passando por Venezuela, Guiana e Suriname – a presença brasileira constitui
para o Itamaraty um dos problemas mais complexos e delicados, por estar em grande
parte associada – mesmo que às vezes de forma intencionalmente exagerada - à
criminalidade. Essa vinculação indesejável, como já visto, é extremamente prejudicial à
política da SGEB de valorização dos nossos expatriados, e tem como principais
motivações as atividades dos que se dedicam ao garimpo ilegal, sobretudo com uso de
mercúrio - que provoca sérios danos à saúde e ao meio ambiente - e à prostituição
irregular.
15.
Se de um lado a questão é incômoda para o Brasil pela percepção que causa de
que seus nacionais estariam exportando problemas para vizinhos menos desenvolvidos
e já com enormes dificuldades para o aproveitamento e preservação sustentáveis de
suas riquezas naturais, de outra há o componente da presença de uma potência
européia na fronteira, com todas as conseqüências que isso implica em termos de
importação de preocupações existentes na esfera continental, não bastasse o rigor
específico da política migratória francesa, frequentemente objeto de manchetes na
imprensa.
16.
Face à dimensão da comunidade brasileira na Guiana Francesa, estimada em
cerca de 14% de sua população, e à perspectiva de breve inauguração de ponte sobre
o Rio Oiapoque, o problema do combate ao garimpo ilegal e do controle do fluxo de
pessoas na fronteira tornou-se objeto de intensas negociações entre os dois países,
por intermédio de um mecanismo de conversações cujo formato se diferencia dos
demais que o MRE, através da SGEB, mantém com outros países, uma vez que com a
França a interlocução se dá diretamente com o Ministério da Imigração, da Integração,
da Identidade Nacional e do Desenvolvimento Solidário da República Francesa, com
interveniência do Ministério do Ultramar, de autoridades de Caiena e outras, mas
baixa ou nula participação do Quai d´Orsay.
17.
Nessas conversações o Brasil tem buscado aplicar – com sucesso apenas
relativo, dadas as diferenças de visões sobre o assunto - princípios básicos de sua
política migratória, tais como os de não ingerência em decisões individuais de
migração, respeito incondicional aos direitos e à dignidade de migrantes e viajantes,
diferenciação conceitual e de tratamento entre irregulares e ilegais (enquadrando nos
primeiros os indocumentados e nos últimos os criminosos, com as devidas
qualificações e gradações), dissociação entre migração e criminalidade (com cuidados
para que discussões e autoridades responsáveis sobre esses temas não se confundam,
e para que não se ofusquem os aspectos positivos da migração), estímulo à
regularização migratória (inclusive através de facilidades e incentivos para fins de
valorizá-la e evitar a informalidade, que contribui para a criação de solidariedades com
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pessoas ligadas ao crime), cuidados com a “tecnologização” excessiva dos temas
migratórios (apoiando a aplicação da biometria em controles de fronteira, mas sem
eximir agentes migratórios da utilização do bom juízo e bom senso, além de outras
considerações que possam relativizar averiguações meramente técnicas ou
burocráticas), defesa da colaboração em campanhas de informação sobre condições
de ingresso e permanência em outros países, reciprocidade de tratamento e simetria
de regimes migratórios e de vistos para brasileiros e estrangeiros etc.
Um dos aspectos das posições brasileiras é a disposição de reforçar a
colaboração policial em questões migratórias e no combate ao crime mesmo que
contra brasileiros, em troca da flexibilização de restrições em termos de exigências de
entrada e permanência de brasileiros na Guiana Francesa. A propósito, o MRE
concordou com a assinatura de acordo com a França contra o garimpo ilegal mediante
compromisso francês de aprovar a criação do citado mecanismo de consultas,
justamente para propiciar foro de conversações sobre aquelas questões. Nelas a SGEB
tem tido a oportunidade de demonstrar o que o Brasil já vem fazendo para
desestimular a imigração irregular, incentivar a migração regular e prevenir viajantes
quanto a condições de ingresso em outros países, mediante a realização de seminários
de informação e orientação, “consulados itinerantes” no Brasil para divulgar tais
assuntos em cidades de onde parte para o exterior número expressivo de brasileiros
(como Goiânia), publicação de folheto com requisitos para viagem à Europa e, mais
recentemente, de um Guia de Retorno ao Brasil. Tem procurado chamar a atenção
francesa, em especial, para a importância de projeto interministerial, multidisciplinar e
integrado por várias esferas e níveis de governo lançado pelo Itamaraty no início do
corrente ano, com o objetivo de proceder a uma ampla avaliação do problema dos
garimpeiros brasileiros que atuam na fronteira norte e estabelecer políticas para o seu
equacionamento, inclusive nos seus aspectos econômicos, sociais, trabalhistas e
ambientais.
19.
NEGOCIAÇÕES CONSULARES E MIGRATÓRIAS COM PAÍSES DESENVOLVIDOS OU NÃO
FRONTEIRIÇOS
As conversações com os franceses foram tratadas no tópico anterior por
estarem mais ligadas – mesmo que não exclusivamente - ao entorno geográfico
brasileiro do que à Europa continental, embora tenham estreita relação e sejam
balizadas pela experiência da SGEB com negociações prévias com outros países
europeus, em particular com a Espanha. Como é sabido, no primeiro trimestre de
2008, a partir de um episódio de inadmissão de pesquisadora brasileira no aeroporto
de Barajas, em Madri, teve origem a chamada “guerra dos inadmitidos”, que acabou se
transformando na crise mais séria da história do relacionamento entre os dois países.
Uma reunião de alto nível realizada no dia primeiro de abril na capital espanhola
colocou fim ao conflito mediante a criação de linha direta entre consulados brasileiros
e autoridades migratórias locais, troca de visitas e estágios de agentes migratórios
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para melhor conhecimento mútuo e das práticas utilizadas nos respectivos aeroportos
para controle de chegada de passageiros, ampliação da divulgação de requisitos de
entrada e realização de seminários com esse e outros objetivos.
Esse denominado “modelo espanhol” foi aplicado em negociações com o Reino
Unido e levou esse país a suspender planos de reintrodução de vistos ao Brasil, apesar
da inamovível posição brasileira contra a instalação em nossos aeroportos de sistemas
conjuntos de controle prévio de documentação de viajantes com destino a Londres,
como desejavam os britânicos. O mesmo modelo foi adotado – com adaptações – para
os entendimentos com a França, como ocorreu na primeira reunião do mecanismo
bilateral de consultas migratórias realizada em Paris em setembro de 2009.
21.
Com Portugal, graças à maior aproximação e convergência de posições entre os
dois países, além da inexistência de crises ou problemas mais graves na área
migratória, foi criado um grupo de trabalho para conversações consulares e
migratórias com base numa agenda pré-definida que o MRE considera propiciar as
melhores condições o para o bom encaminhamento desses assuntos. Essa agenda
compreende discussões entre os dois lados estruturadas nos seguintes assuntos: a)
políticas e ações para diásporas nacionais; b) circulação de pessoas, em âmbitos
nacionais e regionais; c) aplicação de novas tecnologias nas áreas de atendimento
consular, documentação de viagem e controles migratórios; d) questões pontuais e
conciliação de diferenças; e e) possibilidades de cooperação e ações conjuntas.
22.
Esse “modelo português” tem sido proposto a outros países e recebido muito
boa receptividade, tendo já balizado a última reunião consular e jurídica Brasil-EUA,
realizada em Brasília em junho passado, bem como a segunda reunião consular de alto
nível com a Espanha, em setembro. Também é utilizado em conversações com o
México, país com o qual o Brasil mantém intensa colaboração em matéria de políticas
para nacionais no exterior e em temas consulares, inclusive através de cooperação
operacional entre os respectivos Consulados-Gerais em Nova York e Chicago. Com o
Japão as conversações têm agenda diferente, dada a situação migratória regular da
quase totalidade dos brasileiros que vivem naquele país, o que permite ao MRE
encaminhar – ao lado de temas consulares, policiais e jurídicos – negociações sobre
questões mais amplas do interesse daqueles nacionais, tais como acordos de
previdência, cooperação jurídica e similares, além de assuntos da alçada de diferentes
Ministérios japoneses relacionados com educação, trabalho e moradia de brasileiros e
seus dependentes.
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NOVAS TECNOLOGIAS NAS ÁREAS CONSULAR E MIGRATÓRIA
Embora, como assinalado, o Brasil condene uma “tecnologização”
desumanizada dos controles sobre estrangeiros, não deixa de reconhecer a
importância da aplicação de novas tecnologias nas áreas consular e migratória. Tanto é
assim que desenvolveu projeto de grande importância e alcance nesse campo, o
Sistema Consular Integrado – SCI, desenvolvido em parceria com o SERPRO, que
informatiza e integra todas as atividades de controle e emissão de passaportes, vistos,
atos notariais e registros civis, mediante formulários eletrônicos de preenchimento via
Internet e completa padronização de documentos notariais e de viagem. Inclui ainda o
Portal Consular, concebido para tornar-se o principal meio de solicitação e obtenção
de informações, serviços e documentos consulares, bem como para interação com o
MRE sobre temas consulares.
24.
Todos esses serviços são prestados diretamente pelos postos no exterior
mediante estações de trabalho dotadas dos equipamentos necessários para tal fim
(terminais, coletores de digitais, leitores de códigos, laminadores, máquinas
fotográficas, scanners, impressoras especiais etc). Convênios assinados ou em
negociação com a Polícia Federal, Ministério da Defesa, Justiça Eleitoral e Receita
Federal permitirão compartilhamento de dados com vistas a verificações e aumento da
segurança dos documentos. Por suas características únicas, por já ter se incorporado
na rotina dos postos consulares brasileiros e pelo grau de satisfação e segurança que
tem proporcionado, o SCI tem sido invariavelmente objeto de admiração de
interlocutores estrangeiros que o conhecem ou dele tomam conhecimento, o que se
reflete muito positivamente na percepção internacional sobre a seriedade e a
competência do Brasil nessa área.
25.
Dentre as inúmeras outras formas de aplicação de tecnologias avançadas o
Brasil tem se interessado particularmente, na área de controle migratório, pelo
sistema “Rapid” português (baseado na verificação de conformação do rosto e
conferência com informações sobre os passageiros contidas em bases de dados
biométricas), que deverá ser instalado experimentalmente no Aeroporto de Brasília, e
sistemas como o espanhol para atendimento consular de rotina e administração de
crises, cujos atributos – se incorporados ao NAB - Núcleo de Assistência a Brasileiros
do MRE – contribuiriam para o aprimoramento dos seus serviços. O terremoto no Haiti
de 2009 mostrou a utilidade do sistema de vídeo-conferências originamente instalado
no Departamento Consular e de Brasileiros no Exterior para funcionar em situações de
emergência em casos de crise aviária, suína ou outras pandemias; afetada a Embaixada
brasileira em Porto Príncipe, durante algum tempo os contatos com a Secretaria de
Estado em Brasília tiveram que ser feitos por essa via através das bases militares
brasileiras naquela capital.
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A aplicação de novas tecnologias nos setores consular e migratório, além de
fator de aprimoramento de tais serviços, passou a ter inclusive importância política em
negociações sobre tais temas com outros países. Esta é uma das razões pelas quais o
SCI passou a ser incluído na agenda dessas conversações, quando então se procura
apresentar também outros projetos importantes brasileiros nas áreas de segurança
pública e documentação de brasileiros em geral, como o Pronasci - Programa Nacional
de Segurança Pública com Cidadania, o Afis - Sistema Automatizado de Identificação
por Impressões Digitais e o RIC - Registro Único de Identidade Civil. Com isso aumenta
a credibilidade brasileira nessa área e também na migratória, com reflexos favoráveis
– por exemplo – no tratamento dispensado por agentes migratórios estrangeiros a
passageiros brasileiros, sobretudo quando portam documentos de viagem biométricos
produzidos pelo SCI, em muito diferentes dos modelos antigos, sujeitos a falsificações
e outras formas de irregularidades.
27.
PLANO DIRETOR DE REFORMA CONSULAR
Também constitui fator importante nessas negociações a demonstração do
empenho do Brasil em aprimorar seus serviços consulares tradicionais e também
passar a prestar outros em benefício de seus nacionais no exterior, os denominados
serviços de segunda geração, assim considerados os que – indo além da atividade
consular clássica - visam à educação, cultura, saúde, trabalho e previdência social
desses compatriotas, à preservação dos seus vínculos com o Brasil, sua inserção
harmoniosa nas sociedades locais, sua valorização e seu aproveitamento para fins de
divulgação do Brasil no exterior.
28.
Para isso está sendo elaborado um Plano Diretor de Reforma Consular, com
cerca de 200 ações que já começaram a ser implementadas e que serão continuadas e
complementadas a partir de 2011. O Plano é resultado do mais abrangente exercício
de reflexão realizado pelo Itamaraty sobre o serviço consular brasileiro. Lançado em
2007, consultou todas as unidades e funcionários consulares do MRE sobre como tais
serviços poderiam ser aprimorados. Compreende – além de novos serviços de segunda
geração – aperfeiçoamento de práticas, criação de novos tipos de repartições e de
prestação de serviços consulares (agências consulares, “consulados sobre rodas”,
“road shows” consulares no Brasil, redes de solidariedade e apoio consular; “call
centers” consulares etc), estímulos ao bom atendimento ao público etc.
29.
Muitas das ações do Plano atendem também a reivindicações de brasileiros no
exterior apresentadas em diversas reuniões que promoveram e que foram
consubstanciadas em textos como o Documento de Lisboa de 2002, a Carta de Boston
de 2005 e o Documento de Bruxelas de 2007. As Conferências Brasileiros no Mundo,
organizadas desde 2008 pela SGEB em parceria com a FUNAG, têm procurado resgatar
e atualizar essas demandas e para isso aprovaram a criação de uma “Ata Consolidada”
dessas reivindicações, que – institucionalizada pelo Decreto número 7.214/2010 –
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constitui hoje um verdadeiro plano de ação e referencial para prestação de contas do
governo a seus expatriados.
NOVA INTERAÇÃO ENTRE O GOVERNO E OS BRASILEIROS QUE VIVEM NO EXTERIOR
A “Ata Consolidada” é um dos frutos do sistema de “Conferências Brasileiros no
Mundo”, que deu origem também ao CRBE – Conselho de Representantes de
Brasileiros no Exterior, composto por 16 membros titulares e suplentes, em
representação de todas as regiões do mundo, com atribuições de assessorar o MRE na
preparação das CBMs e na observância do atendimento das demandas contidas na
“Ata”, além de outras funções consignadas em Regimento. Seus membros serão
eleitos em novembro de 2010 através de sistema de votação eletrônica “on line”, via
Internet, concebido integralmente pelo Itamaraty, com apoio e cessão de bases de
dados sobre eleitores no exterior do Tribunal Regional Eleitoral de Brasília e dos postos
consulares do MRE no tocante a brasileiros matriculados.
31.
Atestando o interesse na participação no diálogo aberto pelo Governo
brasileiro com a sua diáspora, mais de duzentos candidatos estão concorrendo a essa
eleição e têm participado de debates públicos em várias regiões do mundo para
apresentar suas idéias e planos de ação. Enquanto isso, dezenas de Ministérios, órgãos
públicos e estatais estão sendo solicitados – assim como ocorreu no ano passado, mas
desta vez por determinação de decreto presidencial - a se pronunciar sobre as
demandas da “Ata Consolidada” que dizem respeito às suas competências. O Senhor
Presidente da República deverá comparecer à III Conferência Brasileiros no Mundo em
dezembro de 2010 para dar posse ao primeiro conselho dos seus representantes
previsto formalmente na legislação brasileira.
32.
Cabe dizer que tanto o CRBE – que sucede ao Conselho Provisório de
Representantes (CPR), que funcionou entre a primeira e a segunda CBMs – quanto o
próprio sistema de Conferências Brasileiros no Mundo constituem criações brasileiras,
diferentes de mecanismos do gênero que existem há décadas em outros países com
diásporas mais antigas, maiores, mais localizadas e com outras características, como
Portugal, Itália, França e México, dos quais foram recolhidos valiosos subsídios,
sobretudo para evitar caminhos que essa experiência revelou trazer resultados menos
satisfatórios. Para isso têm sido extremamente úteis as conversações sobre diásporas
mantidas em reuniões bilaterais de consultas consulares e migratórias, bem como a
interlocução diária dos brasileiros no exterior com o Itamaraty, através sobretudo do
portal das comunidades (www.brasileirosnomundo.mre.gov.br), das unidades do
Departamento Consular e de Brasileiros no Exterior da SGEB, da Ouvidoria Consular e,
naturalmente, das “Conferências Brasileiros no Mundo”.
33.
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10
CONCLUSÃO
Se a política externa de um país pode ser avaliada por seus atos e
manifestações em termos de coerência, observância do direito internacional e
atendimento dos interesses nacionais, bem como do estrito respeito dos direitos e
liberdades da pessoa humana, a do Governo brasileiro em relação à sua diáspora –
pelo que foi esboçado nas linhas precedentes – parece contribuir para o seu bom
conceito e credibilidade. Essa é a percepção que se colhe de comentários de
representantes de outros países em reuniões consulares e migratórias com o Brasil em
que tal política é explicitada. Esse mesmo sentimento parece ser amplamente
majoritário entre os brasileiros no exterior, com cujos representantes o Itamaraty vem
construindo e institucionalizando, de forma evolutiva e democrática, uma nova forma
de interlocução.
34.
Naturalmente não passa despercebida a outros países a firmeza do Brasil na
proteção dos seus nacionais no exterior. Exemplos disso foram, entre outros, a reação
brasileira à morte de Jean Charles de Menezes em Londres em 2005 como resultado
de ação anti-terrorista equivocada da polícia londrina, o resgate de 3 mil brasileiros do
Líbano em 2006, a defesa da reciprocidade perante a Espanha durante a crise dos
inadmitidos de 2008 e os pronunciamentos oficiais do Brasil em relação à Diretiva de
Retorno, ao Pacto Europeu sobre Imigração e Asilo e a outras medidas européias ou
nacionais de controle que, na percepção do Governo brasileiro, ferem ou abrem
possibilidades de ferir a dignidade e os direitos de viajantes e migrantes brasileiros.
35.
Por outro lado, pode ser constatada a disposição do Governo brasileiro de
reconhecer certos aspectos menos favoráveis em relação à sua diáspora e de procurar
modificá-los; de colaborar em matéria migratória com outros países em projetos que
busquem inibir a imigração irregular e combater o crime transnacional, desde que não
atentem contra a soberania brasileira, não discriminem nossos nacionais e não
pressuponham arbitrariamente seus comportamentos futuros; de respeitar
estritamente o direito internacional, acordos e outros compromissos assumidos em
matérias consulares e migratórias; e de encontrar fórmulas criativas e consensuais
para equacionar problemas de alta complexidade envolvendo seus nacionais no
exterior, como por exemplo através das jornadas migratórias no Paraguai e dos
programas de reassentamento na Bolívia.
36.
Um aspecto que parece impressionar os interlocutores do Brasil em
conversações consulares é a total sintonia entre Ministérios e outros órgãos
governamentais brasileiros que delas participam sob a coordenação do Itamaraty, algo
dificilmente encontrado do lado de outros países, sobretudo dos mais desenvolvidos,
já que questões de segurança, criminalidade, perda de empregos e outras vêm dando
a ministérios estrangeiros da Justiça, Interior, Migração e Assuntos Interiores
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proeminência sobre o das Relações Exteriores, às vezes até com virtual exclusão deste,
como ocorre no caso da França em negociações migratórias com o Brasil.
Além das “Conferências Brasileiros no Mundo”, da “Ata Consolidada” de
reivindicações da diáspora, do “Conselho de Representantes de Brasileiros no
Exterior”, do “Plano Diretor de Reforma Consular” e do “Sistema Consular Integrado”,
que foram institucionalizados e articulados pelo Decreto 7.214 como instrumentos
para a implementação da política governamental para a diáspora brasileira, desde
setembro passado o Brasil passou a contar com um Embaixador Extraordinário para
Assuntos Migratórios, que já vem atuando em estreita e permanente coordenação
com a Subsecretaria-Geral das Comunidades Brasileiras no Exterior e que contribuirá
para uma participação ainda mais efetiva do Brasil em foros internacionais migratórios.
38.
Estes, resumidamente, são alguns traços da política brasileira consular e de
apoio a nacionais no exterior que lhe vêm angariando respeitabilidade e projeção.
Como ocorre em outros países, a singularidade da ação consular é a de lidar – quase
sempre - diretamente com pessoas, de tratar de assuntos que podem afetar
imediatamente suas vidas e seus relacionamentos, que envolvem frequentemente
vulnerabilidades econômico-sociais e que possuem não raro forte carga emocional e
notável potencial de chegar aos parlamentos, aos órgãos de defesa dos direitos
humanos e à mídia. Seu manejo é assim objeto de grande visibilidade e escrutínio,
tanto em âmbito doméstico como externo. Sua avaliação positiva, portanto, tem
considerável influência para o conceito favorável de que desfruta a diplomacia
brasileira, contribuindo assim para a credibilidade e afirmação do Brasil no cenário
internacional.
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a política consular e de apoio a brasileiros como fator de