CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO – HISTÓRIAS DE VIDA (DEPOIMENTOS ORAIS) – TRANSCRIÇÕES Meu nome é Cinthia Itiki, eu sou professora da Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo e sou vinculada ao Laboratório de Engenharia Biomédica do Departamento de
Engenharia de Telecomunicações e Controle.
Sobre o meu trabalho em si, eu trabalho com sinais biológicos na área de processamento
digital de sinais. São sinais provenientes dos músculos, ou captados no escalpo. Eles são
primeiramente captados e depois transferidos para o computador. Eu trabalho exatamente
nessa parte de processar os sinais no computador. Assim, a partir de técnicas de
engenharia nós tentamos extrair informações para obter alguns parâmetros que auxiliem
no diagnóstico médico. Essas informações podem ajudar, por exemplo, na identificação
de doenças neuro-musculares, na detecção de lesões no sistema nervoso, eventualmente
até na detecção de tumores. Enfim, são várias as aplicações do processamento de sinais
biológicos.
Voltando agora para a história da minha família, do lado materno a minha mãe nasceu em
Hiroshima em 1933, mas cresceu em Tóquio porque meu avô foi transferido para lá por
causa do emprego. Ela fez o ensino elementar em Tóquio e então com o início da
segunda guerra mundial o meu avô teve uma posição muito firme. Ele achava que as
cidades eram alvo de bombardeio. Portanto ele mandou minha mãe e meus tios de volta
para a cidade onde eles nasceram, na realidade não Hiroshima em si, mais no interior,
próximo a Hiroshima mas não tão próximo assim a ponto de a bomba atômica afetar a
vida deles. Mas eles foram para lá e o meu avô e a minha avó continuaram em Tóquio.
Depois do término da segunda guerra mundial eles retornaram para Tóquio e a minha
mãe voltou a estudar. Ela entrou na faculdade de farmácia em Tóquio e quase concluiu a
faculdade, mas antes disso, no último ano o meu avô teve a brilhante idéia de vir para o
Brasil porque ele queria se tornar extremamente rico e esse era o sonho que ele tinha em
relação a vinda para o Brasil. Eles vieram de navio para a região do Amazonas e,
obviamente a passagem do navio teria que ser paga ao dono da fazenda. Então os
homens teriam que continuar naquela região amazônica trabalhando na lavoura. Minha
mãe, sendo mulher, teve a oportunidade de deixar a região antes. Então ela veio para São
1 CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO – HISTÓRIAS DE VIDA (DEPOIMENTOS ORAIS) – TRANSCRIÇÕES Paulo antes de todo mundo e, como ela tinha cursado parte da faculdade no Japão ela
conseguiu emprego em um laboratório farmacêutico. Isso foi aproximadamente na década
de 50 ou 60, mas eu não tenho certeza sobre a data. Então ela veio sozinha do
Amazonas para São Paulo, arranjou emprego e uma coisa interessante aconteceu: ela
era uma pessoa que gostava muito de ler jornal e ela leu um artigo com técnicas para
aumentar a produção de arroz. Ela recortou então esse artigo e o enviou para o meu avô
que estava no Amazonas, ele aplicou as técnicas e conseguiu uma produção muito maior,
pagou a dívida da passagem de navio e portanto a família toda pôde vir para São Paulo.
Essa foi uma coisa muito importante para a história da minha família. Depois de um tempo
a minha mãe mudou de laboratório farmacêutico e na Pfizer ela acabou conhecendo o
meu pai que também era farmacêutico formado em uma universidade no Paraná. Eles se
conheceram e daí veio o casamento. Eu vim desse relacionamento surgido do meio
profissional.
Em relação à imigração do lado paterno, a história foi um pouco diferente. Os meus avós
vieram de uma cidade chamada Tachiarai, no sul do Japão e ambos eram de classe
média alta. Só que o meu avô veio um pouco antes. Eles não eram casados na época,
mas as famílias se conheciam no Japão e eles já estavam prometidos um para o outro.
Então o meu avô veio um pouco antes com a família dele. A família da minha avó também
veio para o Brasil, só que a minha avó tinha se tornado órfã de mãe. Então ela e o irmão
permaneceram no Japão com a avó deles e o pai e os outros irmãos vieram para o Brasil
no início da década de 20. Ambas as famílias compraram fazendas no interior de São
Paulo e a família da minha avó tinha uma das maiores fazendas da região de
Sorocabana, na época. Provavelmente quando ela completou uns dezoito anos ela veio
para o Brasil juntamente com o irmão e deixou a avó lá no Japão. Chegando aqui, depois
de um tempo, ela se casou com o meu avô e aí a história de vida mudou um pouco
porque apesar de a família do meu avô ter uma fazenda, era uma fazenda bem menor.
Eles não tinham tantos funcionários assim. Pela primeira vez ela teve que pegar na
enxada e fazer um trabalho braçal. Uma coisa que me toca bastante é quando ela
contava para mim que uma vez ela foi ao médico e ele olhou as mãos dela, os dedos
grossos... e ela era pequenininha, assim como eu, mas se percebe pelas mãos que os
2 CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO – HISTÓRIAS DE VIDA (DEPOIMENTOS ORAIS) – TRANSCRIÇÕES dedos são extremamente grossos ... então o médico olhou e falou: “A senhora trabalhou
muito quando jovem, não é?” e ela me contava isso. Uma coisa que ela contava também
é que ela, apesar de nunca ter pegado antes na enxada, no momento em que ela
descobriu que tinha que fazer isso, ela decidiu fazer o melhor possível. Isso é outra coisa
que eu acho interessante na história da família.
Os meus avós se casaram e ela teve uma filha, mas os meus avós perderam essa filha
ainda criança, se não me engano de tosse comprida. Isso foi muito triste na vida dela.
Logo em seguida, ela teve o meu pai e então mimou o meu pai ao máximo, principalmente
por ser o primeiro filho homem, o que é muito importante na cultura japonesa. Ela teve um
segundo filho, mas para manter o nome da família dela que é Kuroiwa, ela teve que doar
o filho para o irmão dela. O irmão dela havia se casado com a irmã do meu avô e eles
eram estéreis e então a minha avó “teve” que doar o segundo filho para o irmão. Isso ela
conta com muita tristeza, mas depois vieram vários outros filhos. Eu tenho duas tias e
dois tios, então eu tenho certeza que foi uma família extremamente grande e ela se
acostumou bastante à vida na fazenda. O meu avô também, ele que comercializava as
coisas, se comunicava muito bem em português, a minha avó nem tanto. De qualquer
forma eles conseguiram construir essa família. O meu pai, sendo o filho mais velho da
família, teve o privilégio de fazer faculdade, o meu avô pagou a faculdade para ele, ele foi
para o Paraná onde ele estudou e concluiu o curso de farmácia. Todos os meus tios não
tiveram esse privilégio naquela época e posteriormente alguns deles correram atrás e
obtiveram seus diplomas universitários depois, mas não naquele momento e naquela
situação.
Com o declínio dos preços do café e do algodão os meus avós tiveram que vender essa
fazenda no interior de São Paulo e vieram para a cidade de São Paulo. No início foi uma
vida difícil, todos moravam juntos. O meu pai se casou e quando eu nasci ainda morava
com meus avós e todos os meus tios. Isso era no Brooklin Paulista. Posteriormente os
meus tios e avós se mudaram, alugaram uma casa e a gente passou a ter uma família um
pouco menor. Eu cresci nesse bairro. O meu irmão nasceu quando eu tinha três anos de
idade e a minha mãe achou melhor me colocar em uma escola. Nessa época os meus
tios ainda moravam conosco e ela comentava que não queria me deixar cercada de tios e
3 CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO – HISTÓRIAS DE VIDA (DEPOIMENTOS ORAIS) – TRANSCRIÇÕES que era melhor eu interagir com crianças da minha idade. Provavelmente foi um choque
porque tanto a minha mãe como os meus avós só falavam japonês comigo. Então eu
entrei na escola e lá acho que tive que me esforçar para aprender o português um pouco
melhor. Claro que os meus tios falavam em português comigo e o meu pai também, mas
aos quatro anos de idade eu entrei então em uma escola, no Saint George, que é uma
escola de herança britânica e foi o meu primeiro contato com a escola. Eu lembro que foi
um contato muito divertido por sinal e lembro que então passei a ter aulas de inglês e
achava isso muito interessante. Uma recordação que eu tenho é de um dia em que a
professora trouxe um caderninho todo bonito de caligrafia e olhando ela me perguntou:
“Você quer lição de casa?” “Eu quero”. Esse foi o meu primeiro contato com os estudos e
foi mesmo muito agradável. Depois disso eu fiz o pré-primário em uma outra escola
também naquele bairro que é uma escola chamada João de Barro e depois eu mudei para
o Beatíssima que também é no Brooklin Paulista, que era uma escola um pouco maior,
onde fiquei da segunda até a oitava série. No segundo grau mudei para o Rio de Janeiro,
por causa de transferência do meu pai em função do emprego. Estudei um ano no
Colégio Batista Brasileiro e dois anos no Instituto Guanabara. Nessa época tive uma crise
e fiz um teste vocacional para saber o que queria mesmo da vida porque, como eu tinha
facilidade em todas as áreas, também era um pouco difícil fazer a escolha. Como
resultado teve mais as áreas de computação, engenharia. Na época eu gostava muito de
piano, estudava bastante, mas eu vi que em termos profissionais essa não seria uma
opção. Por coincidência no terceiro ano do segundo grau meu pai recebeu uma proposta
de emprego em São Paulo, ele veio mais cedo para São Paulo, eu conclui o ensino médio
no Rio de Janeiro e já aproveitei o vestibular para entrar na USP e não nas universidades
do Rio de Janeiro. Passei, não sei como.
Fiz o curso de engenharia eletrônica com especialização em sistemas digitais, o que hoje
seria o equivalente à engenharia da computação. Nessa época eu fiz um estágio em
engenharia biomédica com o professor André Fabio Kohn e foi neste instante em que
comecei a fazer a iniciação científica e que eu comecei a me interessar pela atividade
acadêmica. Houve a possibilidade de fazer mestrado e decidi então continuar nessa
área. Portanto o meu mestrado é em sistemas eletrônicos, mas o meu trabalho de
4 CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO – HISTÓRIAS DE VIDA (DEPOIMENTOS ORAIS) – TRANSCRIÇÕES mestrado é na área de engenharia biomédica e na área de processamento de sinais
eletromiográficos. Posteriormente eu tive a oportunidade de ir para os Estados Unidos,
onde eu fiz o meu doutorado em engenharia biomédica com o professor Robert Kalaba,
um grande matemático. Então eu tive uma experiência fora do país que foi muito
importante para a minha formação e eu pude então retornar para a Universidade de São
Paulo com uma experiência um pouco diferenciada. Ainda no curso de mestrado eu fui
contratada pela USP, pois na época as contratações eram feitas independentemente do
título de doutor. Mas após o doutorado, retornei para a Universidade de São Paulo e
continuei trabalhando nas áreas que eu lecionava...
Desde o início da minha carreira acadêmica leciono laboratório de eletricidade, uma
disciplina mais básica do terceiro ano da engenharia elétrica. Tive a oportunidade de
lecionar algumas disciplinas da pós como “Introdução à neurociência”, ou melhor,
“Introdução à neurofisiologia”, depois participei da criação de uma disciplina que é
“Fundamentos científicos da engenharia biomédica” e leciono atualmente “Processamento
de sinais biológicos” e uma disciplina nova que seria “Métodos numéricos para a
engenharia biomédica II”. Toda a formação que obtive tanto aqui na Universidade de São
Paulo quanto no exterior, na University of Southern California foram fundamentais para
poder contribuir com a pós-graduação. Recentemente criamos uma disciplina de
graduação de processamento de sinais biomédicos. Lecionei pela primeira vez este ano.
É uma disciplina recente e eu vejo que é uma área que, apesar de parecer ser nova, por
ser uma área de fronteira, é uma área bem estabelecida não só no exterior mas também
no Brasil. No nosso programa da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, nós
temos uma subárea de sistemas eletrônicos da pós-graduação e, se não me engano, já
há quase dez anos nós temos uma opção nessa área que é a de engenharia biomédica,
na qual eu atuo.
Agora eu vou falar da escolha da Escola Politécnica como opção. Eu acho que eu sempre
quis, até por inspiração. Eu tenho um tio que é engenheiro formado pela Mauá e ele se
casou com uma politécnica. Nessa época, acho que eu era pré-adolescente, eu olhava
5 CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO – HISTÓRIAS DE VIDA (DEPOIMENTOS ORAIS) – TRANSCRIÇÕES para eles e olhava para a minha tia em particular e pensava: “Ah, eu quero ser igual a
ela.” Isso realmente foi uma inspiração, os dois são engenheiros civis e eu lembro que,
quando entrei na Poli, eu queria fazer engenharia civil, mas posteriormente, por uma
questão mesmo de vocação, de afinidade, eu acabei optando por engenharia elétrica e
depois eletrônica e sistemas digitais. Então acho que essa influência é muito forte. Eu
acho que outra coisa que foi fundamental para escolher a carreira acadêmica foi o fato de
que a minha bisavó materna se tornou viúva muito jovem e isso no Japão, onde as
pessoas dependiam muito da agricultura, foi um baque muito forte. Obviamente isso
causou um impacto financeiro muito grande. Ela tinha vários filhos para sustentar, o meu
avô inclusive. E uma coisa que ela sempre falou era que os homens e os meninos
poderiam trabalhar na lavoura, que ela não se preocupava, mas às meninas ela não podia
prover um bom casamento, afinal de contas os casamentos na época eram combinados.
Portanto as mulheres deveriam estudar. Isso veio como herança do lado materno da
minha família. Um fato curioso é que todas minhas primas do lado materno fizeram USP.
Isso é uma coisa bem marcante. É uma coisa até meio subliminar, natural, de que a gente
busca educação, busca fazer um mestrado, um doutorado, isso é uma coisa que veio na
família.
Outra coisa que eu não comentei é que eu tenho dois irmãos. O Reynold se formou em
odontologia, depois ele fez uma especialização em uma área completamente diversa que
é a organização de eventos, mas ele ainda está tentando se situar profissionalmente. Ele
não sabe exatamente pelo que ele vai optar. O meu irmão caçula também fez a Escola
Politécnica e engenharia elétrica, mas na ênfase de energia e automação elétricas. E ele
trabalha hoje em uma empresa chamada CENEC, que é o ramo da engenharia do grupo
Camargo Corrêa. E ele tem se especializado em projeto de termoelétricas e agora ele
está fazendo um curso semelhante a um MBA na área de gestão de projetos.
Eu queria agora voltar ao Japão e contar como a guerra influenciou a minha família. Eu
contei brevemente que a minha mãe e os meus tios se mudaram de Tóquio para o
interior, próximo a Hiroshima, na região vizinha a Hiroshima. E a minha mãe contava que
ela passou após a bomba atômica em Hiroshima e observou toda a destruição. Eu
mesma, quando fui para a cidade de Hiroshima, fiquei muito tocada pelas imagens, pelos
6 CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO – HISTÓRIAS DE VIDA (DEPOIMENTOS ORAIS) – TRANSCRIÇÕES museus. Isso me impactou bastante. E eu consegui fazer uma conexão com uma história
que minha mãe contava. Ela perdeu tios com a bomba atômica. Na verdade o tio e a tia
estavam em um prédio do correio e esse prédio desabou e a tia da minha mãe morreu
soterrada pedindo por socorro e o tio da minha mãe não podia ajudá-la porque era um
prédio muito pesado. No fim ele acabou deixando a cidade e perdendo então a esposa. A
minha mãe conta também sobre um outro tio que tinha um lado mais assistencialista e
que após a bomba quis ajudar as pessoas da cidade. Ele lá permaneceu e por causa do
efeito radioativo ele acabou falecendo, até porque na época ninguém conhecia os efeitos
e acabou morrendo em função disso.
Em relação ao meu pai ele viveu a segunda guerra de uma maneira diferente da minha
mãe porque ele estava aqui no Brasil. Ele cresceu em uma fazenda no interior de São
Paulo, que tinha uma abundância de comida, e o que ele conta é um pouco da
discriminação que ele sofreu, afinal de contas havia um preconceito em relação aos
alemães, em relação aos japoneses e aos italianos também, mas nem tanto. O meu pai
conta que sentiu essa discriminação na pele. Mas eu acredito que estando no interior do
Brasil ele não tenha sofrido tanto quanto a minha mãe no pós-guerra, com a falta de
comida, com as condições precárias que ela tinha no Japão. Uma coisa que eu me
lembrei e que eu acho importante também é que a minha mãe comentava que ela, no pós
guerra, foi obrigada na escola a pegar os livros de história e passar uma tinta preta em
alguns capítulos que eram inconvenientes aos norte-americanos. Isso marcou bastante
porque parte da história estava sendo apagada. E isso era uma imposição vinda dos
vencedores da guerra. Quando pequena, em Tóquio, quando ainda estava morando lá,
ela chegou a ver um avião norte-americano passando por cima da escola. Esse avião
tinha uma estrela desenhada, um símbolo americano. Ela contava isso porque deve ter
sido uma coisa marcante para ela que era uma criança ainda. Isso são coisas da guerra
que marcaram a vida dos meus parentes no caráter, na vida, de uma forma permanente.
Em termos de discriminação eu acho que eu mesma sofri um pouco disso na minha pele.
Eu acho que as crianças são muito cruéis sem querer ser. Quando eu era criança eu
lembro de uma amiga minha que fez um comentário que me deu uma idéia clara de que
não era bom ser japonês. Era uma apresentação de balé e ela virou para mim e falou
7 CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO – HISTÓRIAS DE VIDA (DEPOIMENTOS ORAIS) – TRANSCRIÇÕES assim: “porque você vai fazer a japonesinha, enquanto eu vou fazer o papel da alemã” e é
muito engraçado porque na realidade ela era a minha melhor amiga, era loirinha, enfim,
ela deveria ser descendente de alemães, mas foi uma coisa que me marcou bastante. O
fato de ser japonesa não era uma coisa muito valorizada, principalmente na época em
que eu nasci. Eu acho que isso norteou até a minha formação. Quando eu era
pequenininha minha mãe e minha tia nos levavam ao Bunkyo e a gente tinha aulas de
desenho com crayon, esse tipo de coisa, mas fora isso, eu não me lembro de uma
interação muito forte com a comunidade e a cultura japonesa. A minha mãe também tem
uma característica que ajudou nesse processo: é que ela lia muitos jornais, só falava
português em casa. Então isso nos desvinculou um pouco da língua japonesa em si. Na
verdade foi a primeira língua que eu aprendi, mas hoje eu não sei falar muito bem. Eu
entendo um pouco, mas eu sempre brinco que o meu vocabulário é o de uma criança de
três anos de idade, porque depois que eu entrei na escola eu passei a conversar em
português. Acho que isso foi muito importante também.
Falando ainda de idiomas e aproveitando o fato de já ter morado nos Estados Unidos, eu
decidi aproveitar um pouco o estudo do inglês e acabei fazendo um curso de tradução e
interpretação na Associação Alumni. Então o meu currículo tem um fato inusitado que é o
de que sou tradutora e intérprete consecutivo e simultâneo de inglês para o português e
do português para o inglês. Gosto de estudar idiomas e também fiz francês e cursei parte
do francês na FFLCH, no curso de difusão cultural, depois eu fiz os cursos avançados 1 e
2 na Aliança Francesa e depois fiz o Nancy 1, também na Aliança Francesa. Agora estou
estudando italiano no Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro porque tenho a intenção de, no
futuro, talvez, fazer um pós-doc ou algo nesse gênero, ficar uns três meses na Itália, acho
que seria uma coisa interessante. Mas essa é uma característica minha também, acho
que tenho a ver um pouco com a área de humanas.
O piano eu estudei desde os sete anos de idade até os dezoito ou dezenove anos de
idade. E quando eu deixei o Rio de Janeiro para fazer o vestibular em São Paulo foi um
pouco complicado, porque eu gostava muito do meu professor, um senhorzinho já de
idade e que me tratava como a filha ou a netinha dele, professor Werther Politano. E foi
um pouco difícil esse processo de deixar o professor e vir para cá fazer a Poli. Acabei
8 CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO – HISTÓRIAS DE VIDA (DEPOIMENTOS ORAIS) – TRANSCRIÇÕES retornando aos estudos de piano há alguns anos atrás e estudei mais uns três ou quatro
anos. Só no inicio desse ano que eu tive que parar por uma questão de tempo mesmo,
mas apresentei agora no mês de artes da Escola Politécnica algumas peças de piano,
acompanhei a professora Selma Melnikoff que estuda canto lírico nas horas vagas. Isso
também faz parte da minha vida.
Orientei cinco alunos de mestrado e nenhum de doutorado. Eu fiz a minha Livre Docência
há dois anos aproximadamente. Uma outra coisa que eu não comentei é que eu perdi o
meu avô materno quando tinha uns sete anos de idade, a minha avó materna quando já
estava na faculdade, eu devia ter uns vinte anos aproximadamente, meu avô paterno um
ano antes de defender o doutorado, eu deveria ter uns vinte e três anos de idade. E a
minha mãe eu perdi há uns dois anos e meio atrás. Para mim foi um processo bem
doloroso porque foi um tipo de câncer incurável. Ela tinha consciência disso e o médico
disse: “Ela tem seis meses de vida.” Uma coisa muito cruel. Graças a Deus ela teve um
ano e cinco meses de vida e ela não sofreu muito, ela era muito batalhadora, muito
otimista, ela encarou muito bem a doença, então aproveitamos muito esse um ano e cinco
meses, viajamos muito, fizemos muitas coisas que a gente tinha que fazer para dar um
fecho. Mas foi um processo difícil. Eu acho que na realidade esse processo também me
ajudou na minha carreira no sentido de que ela faleceu no final de 2005 e havia um certo
tempo que eu já queria fazer a livre docência. Como tinha algumas obrigações de
relatórios de iniciação cientifica no início de janeiro eu resolvi esse “problema”, sentei com
os meus alunos, fechei os relatórios e logo em seguida eu decidi fazer a livre docência.
Em um mês eu escrevi a tese de livre docência e depositei um dia antes do prazo, No dia
seguinte estava indo participar de uma banca de efetivação de professor doutor na USP
de Pirassununga. Então acho que foi parte do processo de luto e de lidar com a raiva. Foi
muito importante: eu sentar e direcionar minha raiva em um projeto que eu achasse
relevante. Então a minha livre docência foi minha válvula de escape e eu sempre brinco
que nós falamos para os alunos para não deixarem os trabalhos para o último mês, mas
foi mais ou menos isso que eu fiz. Em um mês eu concluí minha tese, até porque eu
precisava de uma coisa para lidar melhor com a dor. Isso foi uma coisa importante para
mim.
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Cintia Itiki