O amor e o transtorno melancólico
Marcos Vinícius Brunhari
Introdução
A melancolia constitui campo de interesse da
psicanálise e sua abordagem acompanha o início dos escritos freudianos. Em
ocasião de suas primeiras publicações de cunho psicanalítico, Freud (1894),
dirigindo-se a Fliess, propõe um mecanismo da melancolia no qual esta surge a
partir de uma transformação desde um acúmulo na esfera psíquica. Perfila na
origem deste mecanismo, a anestesia a qual é marca de uma especificidade da
melancolia: a perda. É ao considerar a anestesia que se indica a ausência de
uma ligação ao grupo de ideias, permanecendo a tensão desvinculada de
significação. A perda melancólica é, já neste início da obra de Freud,
caracterizada como uma “perda na vida pulsional” (1895) acompanhada do
anseio por recuperar algo. Trata-se de “um grande anseio pelo amor em sua
forma psíquica” (Freud, 1893, p.237). Portanto, desde já, se reconhece que há
um atrelamento entre perda e amor na melancolia.
A perda dolorosa caracterizada como um escoamento
hemorrágico em seu atrelamento ao amor aguardou “Luto e melancolia” (1917
[1915]) para ter um alinhavo. A consideração de uma disposição patológica e
de uma perda de natureza mais ideal depõe o empobrecimento e o autoflagelo
do Eu melancólico sustentados em “uma perda objetal retirada da consciência”
(p.251). Embora retirada da consciência, a perda relativa ao Eu aponta para um
objeto amado e abandonado. É o amor que possibilita a via melancólica na
qual as recriminações recaem sobre o Eu na medida em que se estabelece
uma identificação narcísica ao objeto. A via melancólica se define pela
introdução do objeto no Eu, sob a forma de uma sombra, em nome da não
renúncia ao amor, embora o próprio objeto seja digno de tanto.
O atrelamento entre perda e amor delineia a
impossibilidade na relação entre o Eu e o objeto. Diante disto, propomos um
transtorno a partir da ausência da função de julgamento de atribuição. Função
esta que “como um substituto da união – pertence a Eros” (Freud, 1925, p.268)
e que é retomada por Lacan como Bejahung. Esta hipótese tem como objetivo
apontar que o amor na melancolia permite localizar esta no campo das
psicoses. A construção teórica é o método para a análise dos textos freudianos
“Luto e melancolia” (1917 [1915]) e “A negativa” (1925) e, também,
considerações de Lacan acerca das psicoses em 1954.
Desenvolvimento
Freud reconhece que há na melancolia uma forte
fixação ao objeto e, concomitantemente, uma fraca aderência do investimento
depositado neste. Diante disso, Freud aponta a base narcísica sobre a qual é
feita a escolha objetal, sendo que, perante certo obstáculo, o investimento de
carga depositado no objeto regride ao narcisismo, não renunciando à relação
amorosa. O amor depositado no objeto é substituído pela identificação
narcísica (importante mecanismo das afecções narcísicas). É assim que a
perda do objeto se torna perda do Eu. O devoramento do objeto representa
esse processo que não se dá sem a ambivalência e que remete ao narcisismo
original. É interessante observar que a incorporação do objeto supõe sua
abolição, mas o que se mostra na melancolia é o abandono da representação
do objeto, do grupo de ideias, restando apenas uma sombra. A fraca aderência
e a regressão narcísica direcionam ao Eu a perda situada no rompimento, na
abolição, da representação
O rompimento com o objeto remete a ambivalência
como base para o que se processa na melancolia. Segundo Freud, em relação
ao objeto, há uma luta entre amor e ódio que se localiza na “região dos traços
de memória de coisas (em contraste com a catexia da palavra)” (1917 [1915],
p.261). Topograficamente, o processo da melancolia que compreende a
ambivalência em sua fundamentação ocorre em um lugar diferente do das
palavras e, deste lugar, o caminho para a consciência é barrado (gesperrt).
A fraca aderência ao objeto e o conseqüente retorno
ao Eu eclipsado pela sombra e não pela representação desse objeto trazem à
tona as operações subjetivas destacadas por Freud (1925): o juízo de
atribuição e o de existência. Tendo que a função de julgamento assevera a
existência de uma representação, encontra-se a afirmação (Bejahung) como
condição para tal julgamento. O amor melancolizado é índice para se propor o
seguinte viés: na melancolia não se coloca a condição para que a
representação (Vorstellung) exista, ou seja, não há Bejahung. Podemos
sustentar essa posição com Lacan (1954), em resposta a Hyppolite, propondo
esta afirmação com uma simbolização primordial. Simbolização esta que se
opõe à Verwerfung, a qual tem efeito de abolição simbólica. O efeito de
abolição simbólica pode ser reconhecido nas afirmações freudianas acerca da
ausência de ligação ao grupo de ideias e da barreira que separa o processo
melancólico das palavras.
Quando abolida a simbolização, subsiste o domínio
do real. O dentro e o fora são retomados a partir da Verwerfung na proporção
em que esta determina o que está fora da simbolização. O que está fora da
simbolização coincide, neste momento da obra de Lacan (1954), com a
ausência de Bejahung.
Considerações finais
O amor melancolizado fundamenta-se na perda
especifica da melancolia. Desde então, se caracteriza como um anseio e por
uma impossibilidade apontada por Freud como um não investimento no grupo
de ideias (1895) e como uma fraca aderência ao objeto e o conseqüente
retorno ao Eu (1917 [1915]). Salvo o amor, perdido o Eu. É assim que
propomos que a perda melancólica, retirada da consciência, refere-se a uma
perda representacional, uma abolição simbólica e que o amor melancolizado aí
se sustenta.
Considerar que na melancolia se ausenta a Bejahung
em oposição à Verwerfung de maneira circunscrita na obra de Lacan (1954)
nos impõe problemas a serem trabalhados em outras ocasiões. Já no
seminário sobre as psicoses (1955-56), considerando as alucinações verbais,
Lacan afirma que por trás da verbalização existe a Bejahung e que basta esta
faltar para que sobrevenha a Verwerfung. Este processo Lacan (1955-56)
descreve como a “rejeição de um significante primordial em trevas exteriores”
(p.73), trata-se do Nome-do-pai. Portanto, é possível perguntar sobre este
significante, que é crucial na estrutura psicótica, em sua função na melancolia.
Um outro ponto a ser discutido é sobre abordar a Verwerfung como uma não
Bejahung ou como incidindo sobre a Bejahung pontualmente, foracluindo o
Nome-do-pai.
Bibliografia
1.
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se origina a angústia. In: Edição Standard Brasileira das obras
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Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
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Lacan, J. (1954) Resposta ao
comentário de Jean Hyppolite sobre a “Verneinung” de Freud. In:
Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
6.
Lacan, J. (1955-1956) O seminário,
livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
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