Redes Organizacionais de Produção Artesanal
Autoria: Gustavo Melo Silva
Resumo:
As organizações do setor artesanal vêm se adaptando e buscando alternativas com o
objetivo de racionalizar e aperfeiçoar sua atuação em ambientes sociais e econômicos
complexos que demandam diversas estratégias competitivas. A realidade atual destes sistemas
demanda por estudos organizacionais que enfatizem a descrição e análise das adaptações
próprias do processo de desenvolvimento, crescimento e estruturação de redes organizacionais
regionais. A rede organizacional de produção artesanal possui problemas que residem no seu
próprio crescimento caótico para suprir as demandas crescentes do mercado, a partir de
inovações gerenciais e estruturais em moldes da indústria capitalista. Neste processo
ocorreram modificações das características originárias do sistema de produção artesanal em
municípios do Estado de Minas Gerais, que com novas demandas mercadológicas, históricas e
sociais geraram problemas como serão descritos neste artigo teórico-empírico. O processo de
tomadas de decisões estratégicas na rede de organizações de produção artesanal valoriza a
maximização dos lucros em detrimento de uma abordagem sistêmica via uma gestão
corporativa que valorize seus ambientes institucionais, incluindo aspectos históricos, culturais
e peculiaridades enraizadas em seus contextos organizacionais.
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1 – Introdução
A produção artesanal sinaliza como um potencial regional via a comercialização de
suas mercadorias para mercados de consumo estaduais, nacionais e internacionais. As
adaptações identificadas no século XXI, pelas quais vem passando as organizações
responsáveis pela produção artesanal mineira foram demandas por mercados consumidores e
operacionalizadas com padrões gerenciais e estratégicos similares aos utilizados pelas
modernas organizações capitalistas. Conforme dados apresentados pelo Programa do
Artesanato Brasileiro do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, este
segmento envolve cerca de 8,5 milhões de pessoas em suas redes organizacionais,
movimentando cerca de 28 bilhões de reais por ano no território nacionali.
As organizações do setor artesanal vêm se adaptando e buscando alternativas com o
objetivo de racionalizar e aperfeiçoar sua atuação em ambientes sociais e econômicos
complexos que demandam diversas estratégias competitivas. A economia global não abrange
e inclui todos os processos econômicos, territórios e atividades das pessoas, mas afeta
indiretamente a vida e a estrutura social de toda a humanidade (CASTELLS: 1994).
A realidade do setor artesanal mineiro pode ser compreendida, por exemplo, a partir
dos municípios de Resende Costa com a produção têxtil e Catas Altas da Noruega, Mariana e
Ouro Preto com a produção de peças e utensílios domésticos de esteatito, que popularmente é
conhecido como pedra-sabão. A realidade atual destes sistemas demanda por estudos
organizacionais que enfatizem a descrição e análise das adaptações próprias do processo de
desenvolvimento, crescimento e estruturação organizacional regional e das respectivas
modificações em processos e mercadorias artesanais.
A rede organizacional de produção artesanal possui problemas que residem no seu
próprio crescimento caótico para suprir as demandas crescentes do mercado, a partir de
moldes das modernas organizações capitalistas. No processo de crescimento e
desenvolvimento desta rede organizacional ocorreram modificações das características
originárias do sistema de produção artesanal nestes municípios, que com novas demandas
mercadológicas, históricas e sociais geraram problemas como serão descritos neste artigo
teórico-empírico.
O processo de tomada de decisão estratégica na rede de organizações de produção
artesanal valoriza a maximização dos lucros em detrimento de uma abordagem sistêmica que
valorize seus ambientes institucionais, incluindo aspectos históricos, culturais e peculiaridades
enraizadas em contextos organizacionais e concretizadas em suas mercadorias regionais. A
busca pela identidade individual e coletiva, atribuída ou construída, que é uma fonte
fundamental do significado social, na realidade desta rede organizacional vem sendo
negligenciada em função do economicismo que impera nestas organizações locais. A adoção
desta lógica pode ser caracterizada como um paradoxo, já que as decisões tomadas para o
atendimento de um mercado em expansão descaracterizam os sistemas produtivos artesanais
ameaçando os diferenciais de seus outputs, ou seja, de suas mercadorias perante os produtos
similares da moderna indústria capitalista.
As mudanças organizacionais são constantes e necessárias, mas os resultados das
ações gerenciais e empreendedoras tomadas, seja, pelos gerentes ou pelos próprios
proprietários das organizações que compõe esta rede devem ser analisados, para que no
futuro, filões de mercado não sejam perdidos. Como, por exemplo, o caso da divisão e
especialização do trabalho, que no cotidiano destes municípios e de suas pequenas
organizações propicia a formação de redes organizacionais de produção artesanal que pode,
em longo prazo, descaracterizar o processo produtivo e fazer com que, não sejam mais
produzidos utensílios domésticos e peças decorativas têxteis e em pedra-sabão caracterizadas
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como artesanais que são os resultados de organizações regionais e consumidas no mercado
contemporâneo.
Para compreender a dinâmica organizacional da produção regional artesanal mineira e
os impactos das mudanças em suas organizações e mercadorias este artigo teórico-empírico
irá descrever esta realidade nas próximas seções enfatizando a aplicação de conceitos
administrativos modernos, especificamente as redes organizacionais. Inicialmente será tratada
a rede organizacional de produção artesanal, a especificidade regional das organizações de
produção artesanal, posteriormente é abordada a modificação dos processos e mercadorias, a
partir do processo de reestruturação produtiva e da formação de redes organizacionais, além
de algumas considerações e propostas de desdobramentos das pesquisas atuais e dos estudos
organizacionais para setores específicos da economia nacional como, por exemplo, o setor
artesanal.
2- A rede organizacional de produção artesanal
As redes organizacionais se configuram como relações de cooperação entre pequenas
e médias empresas com o intuito estratégico de aprimoramento tecnológico e gerencial, para
melhoria de posicionamento competitivo, mas seu estabelecimento não ocorre de forma
natural e espontânea, dependendo de políticas e diretrizes definidas por atores de fomento
regional (SOUZA & SOUZA: 2004). A formação das redes organizacionais de produção
artesanal não ocorreu via um ator de fomento regional. A falta de um ator responsável pelo
fomento e gerenciamento regional da rede organizacional vem gerando problemas como serão
descritos neste artigo. Os aspectos mais relevantes que justificam a estruturação em redes
organizacionais ou via arranjos produtivos locais são os seguintes: economias externas locais,
forma de organização, coordenação e condicionantes históricos, institucionais, sociais e
culturais (SUZIGAN: 2002).
Como destacado por Dadalto (2002), em sua análise do aglomerado da indústria do
vestuário de Colatina (ES), aspectos históricos, sociais e culturais decorrentes da imigração
italiana, da região denominada de Terceira Itália, para o Brasil contribuíram para a formação e
desenvolvimento desta rede organizacional e respectivamente para o desenvolvimento
regional. O ponto de convergência que viabilizou a aglomeração de sistemas produtivos
artesanais nos municípios analisados neste artigo também são aspectos históricos, culturais e
sociais enraizados em contextos de redes organizacionais, que de certa forma propiciaram o
estabelecimento da rede organizacional sem serem definidas políticas e diretrizes definidas
por atores de fomento regional.
Os aglomerados de produção ou clusters são concentrações de empresas e instituições
inter-relacionadas de um determinado setor. Pode ser considerada uma tipologia de rede
organizacional de concentração setorial e geográfica, caracterizada pelo ganho de eficiência
coletiva. Pode-se incluir aí, não somente as diretamente ligadas ao produto, mas todo o
conjunto de atores que lida e interage de alguma forma com o cluster ou seu produto em foco.
A concentração geográfica permite que os componentes do cluster possuam vantagens
competitivas de várias formas, como aumento da produtividade, direção e facilidade para
inovação, estímulo para formação de novos negócios, dentre outros. A cadeia de produção ou
cadeia produtiva trata de todo o ciclo de vida do produto, ou seja, envolve todas as operações
que se iniciam com a disponibilização da matéria-prima até a entrega ao cliente final de sua
mercadoria (PORTER: 1998).
O campo de atuação da rede organizacional de produção artesanal será delimitado por
aquele onde se constata como a atividade empreendedora é exercida e quais são seus impactos
sociais e econômicos. Neste campo existem racionalidades que são construídas socialmente,
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sendo diversas e complexas como são diversas e complexas as influências e realidades
humanas e sociais, devendo assim considerar a sua contextualização. Não sendo à base da
razão a lógica do mercado a partir de uma racionalidade instrumentalista, mas também,
conforme Schumpeter (1982), seu contexto social onde os fenômenos econômicos são
extraídos artificialmente, a partir de uma lógica social e humana. A variedade dos sistemas
sociais está relacionada com as necessidades e oportunidades de seus membros. Assim para
compreendermos as organizações devemos não só considerar como ponto central, o mercado,
mas compreender a delimitação dos sistemas sociais onde estas estão inseridas (RAMOS:
1981).
Para compreender as organizações de produção artesanal se recorrerá à razão que irá
nortear a análise de suas redes. Atualmente pode-se perceber a predominância absoluta de
uma racionalidade formal e instrumentalista que é determinada por expectativas de resultados,
ou seja, fins que podem ser calculados. Esta predominância ocorre em detrimento de uma
racionalidade substantiva de valor, que seria determinada de forma independente das
expectativas de resultados objetivamente mensurados. A racionalidade instrumentalista se
torna precária quando considera o ser humano delimitado pela capacidade de realizar cálculos
utilitários das conseqüências de suas ações, onde o mercado é o modelo com o qual a sua vida
associada deveria se organizar (RAMOS: 1981).
Para Lopes e Morais (2000) a discussão referente a redes organizacionais deve levar
em consideração conceitos como relacionamento social, ação econômica, racionalidade e
governança, para que os problemas organizacionais do dia-a-dia no mercado competitivo
sejam compreendidos em sua plenitude e complexidade inerentes às redes organizacionais. O
que se pretende enfatizar na descrição e análise da rede organizacional de produção artesanal
é que seu gerenciamento é definido somente por informações e parâmetros de eficiência
econômica, que ocorre em detrimento do relacionamento social e da racionalidade implícita
neste setor, que é causado pela falta de governaça corporativa da rede organizacional.
A estrutura organizacional em rede implica em novas realidades e exigências em sua
concepção e operacionalidade, pois ela provoca trocas de forma e de conteúdo na gestão
administrativa, para que se possam adotar novos padrões gerenciais. Os critérios de
planejamento, organização, direção e controle devem ser adaptados a este novo contexto, já
que os recursos humanos, financeiros e materiais são administrados com risco e benefícios
compartilhados (OLIVARES: 2003). Mas o que se contata na rede organizacional de
produção artesanal é que os empreendedores locais gerenciam, somente, os benefícios
decorrentes da possibilidade de aumento de suas capacidades de produção e flexibilidade em
detrimento de uma gestão que possa otimizar seu ambiente de negócios via a estruturação
efetiva de uma rede organizacional que possua governança corporativa.
Conforme Cândido e Abreu (2000), o conceito de rede surge como uma saída ao
questionamento acerca da eficácia da estrutura burocrática e de modelos de produção
verticalmente integrados versus um conjunto de relações com outras organizações. O que se
constata nas redes organizacionais de produção artesanal é a opção por um modelo de
produção flexível e descentralizado, nos moldes pós-Fordistas, que valoriza a atitude
empreendedora de produtores de artesanato locais que viabilizam seus negócios com a
possibilidade de aumento e de especialização da produção. Para Cândido e Abreu (2004), os
fatores críticos de sucesso das redes organizacionais podem ser agrupados em quatro
dimensões, que são as seguintes: Ambiente de Negócios; Políticas Macroeconômicas;
Processo de Formação; e, Aspectos Antropológicos e Sócio-Culturais. Na rede organizacional
de produção artesanal estruturada nos municípios analisados é constatado que os aspectos
antropológicos e sócio-culturais são à base de toda a rede e que não existem ações gerenciais
que potencializem as variáveis positivas e minimizem as variáveis negativas existentes em
seus ambientes de negócios, que possam potencializar as políticas macroeconômicas e
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valorizem o seu processo de formação, como será descrito e analisado nas próximas seções
deste artigo.
3- A especificidade regional das organizações de produção artesanal
Os produtos de base artesanal são alternativas concretas de produção, exemplificada
em Minas Gerais, por exemplo, nos municípios de Resende Costa com a tecelagem artesanal e
em Catas Altas da Noruega, Mariana e Ouro Preto com a produção de peças e utensílios
domésticos de pedra-sabão. Os sistemas produtivos de base artesanal se tornam concretos em
mercadorias, a partir de seu valor de uso e de troca. O valor de uso destas mercadorias se
concretiza em bens e serviços com diferencial competitivo definido a partir do enraizamento
de variáveis históricas, sociais e culturais regionais, que são formatadas por empreendedores
locais. O valor de troca destas mercadorias é definido a partir da singularidade do trabalho
abstrato que é expresso em bens e serviços regionais.
A rede organizacional de base artesanal destes municípios tem sua origem nas relações
históricas da produção com a sociedade destas regiões do Estado, onde o produto artesanal
possui características centenárias, mas que tanto o processo como os produtos vem passando
por modificações (ABREU: 2002). A potencialidade econômica destas mercadorias é uma
conseqüência do desenvolvimento do sistema de produção em redes organizacionais de
produção artesanal, que é operacionalizada para atender demandas dos mercados e mediada
pelos empreendedores locais. É fato que a atividade produtiva de base artesanal de hoje não se
configura da mesma forma que a de meados do século XVIII.
A análise no município de Resende Costa, Catas Altas da Noruega, Mariana e Ouro
Preto são casos típicos da produção artesanal do Estado e agregam em si peculiaridades
comuns a estes sistemas. Os pontos comuns estão estruturados nas variáveis históricas, sociais
e culturais e no envolvimento produtivo de grande parte de sua população que, conforme
Santos, Silva e Moretti (1998), envolvem diretamente 38% dos moradores da sede do
município de Resende Costa. Além de estar a aproximadamente 20 anos enraizada nesta
comunidade como uma atividade econômica e social de importância para a geração de
trabalho e renda regional (SANTOS & SILVA: 1997).
Os dados da pesquisa nos municípios de Catas Altas da Noruega, Mariana e Ouro
Preto mostram que a atividade está estruturada na região há mais de 10 anos para 70,71% das
Unidades de Produção Artesanal (UPAs) pesquisadas. Para 10% das UPAs a atividade é
exercida há menos de 10 anos, para 17,86% de 05 a 10 anos, para 31,43% de 10 a 20 anos,
para 39,28% há mais de 20 anos e 1,43% não responderam ao questionamento. Os dados
relacionados à rede organizacional de produção artesanal estruturada nestes municípios
indicam uma tendência de crescimento, já que nos últimos 5 anos houve a criação de 14 novas
UPAs, o que representa um crescimento de 10%. (RELATÓRIO DO LEVANTAMENTO
DAS UNIDADES DE PRODUÇÃO ARTESANAL DE PEDRA-SABÃO: 2005).
Nos municípios de Catas Altas da Noruega, Mariana e Ouro Preto foram identificadas
166 UPAs, sendo que em 21 não foram encontrados os proprietários, 05 não quiseram
responder a pesquisa, a partir da alegação do não conhecimento dos objetivos desta e temendo
a fiscalização de órgãos estaduais e federais, sendo assim entrevistadas 140 UPAs. Os dados
referentes à distribuição destas por municípios, mostram alguns aspectos como, por exemplo,
a concentração de 62,04% das unidades no município de Ouro Preto, contra 34,34% em
Mariana e 3,62% em Catas Altas da Noruega (RELATÓRIO DO LEVANTAMENTO DAS
UNIDADES DE PRODUÇÃO ARTESANAL DE PEDRA-SABÃO: 2005).
Os colonizadores da região do atual município de Resende Costa ao introduzirem o
conhecimento e a técnica artesanal possibilitaram o desenvolvimento de produtos para
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abastecer a propriedade rural (SANTOS & SILVA: 1997). Neste sentido, o perfil do
trabalhador e para quem os produtos eram destinados está ligado a um ciclo de negócios
específico deste período, onde a subsistência da propriedade rural era a razão para sua
produção. As variáveis históricas deste município que tem sua origem em 1749, quando foi
erguida uma capela no lugar denominado “Lage”. A origem atual do nome do município está
no fato de dois de seus primeiros moradores terem ligado seus nomes à história de Minas
Gerais e do país com o envolvimento na Inconfidência Mineira. Estas variáveis históricas são
decorrentes da herança da colonização portuguesa e da exploração do ouro que trouxeram
escravos, senhores de engenho e também seus teares para Resende Costa (SANTOS &
SILVA: 1997).
A realidade decorrente do processo de colonização em decorrência da exploração do
ouro também é observada nos municípios de Catas Altas da Noruega, Mariana e Ouro Pretoii.
O município de Ouro Preto foi formado pela corrida do ouro no Brasil, sendo que em 1720 foi
criada a Capitania de Minas Gerais. As Casas de Fundição, após reservar o quinto do rei
fundiam o metal em barras e colocavam o selo oficial. O fato que diferenciou Ouro Preto das
demais cidades mineiras foi sua condição de sede do Governo Provincial, a maior Casa de
Câmara e Cadeia da colônia, a implantação da Casa dos Contos, a vida religiosa e o requinte
de uma sociedade intelectualizada pelos seus estudos e sua cultura nas artes. O atual
município de Mariana foi explorado inicialmente pelo bandeirante Salvador Fernandes
Furtado de Mendonça em 1696. O motivo da fixação neste local foi a descoberta de grande
quantidade de pepitas de ouro no Ribeirão do Carmo, às margens do qual nasceu o Arraial de
Nossa Senhora do Carmo, que meio século depois se tornaria Mariana. O município de Catas
Altas da Noruega surgiu em torno de uma capela erguida em 1727. Em 30 de dezembro de
1962 é criado o município, desmembrado do município de Conselheiro Lafaiete.
Os colonizadores trouxeram para estes municípios, o conhecimento tácito da
tecelagem artesanal e da produção de utensílios em pedra-sabão, que atualmente movimentam
sua economia. Sistemas produtivos que inicialmente eram desenvolvidos para autosubsistência da propriedade rural, mas que hoje é sofisticado no sentido de sua organização e
das relações de trabalho. A organização do trabalho que anteriormente era caracterizada por
um artesão que dominava todo o processo de produção, atualmente é divida e especializada
por funções e produtos. No município de Resende Costa existem trabalhadores especializados
na tecelagem, picação de retalhos da indústria têxtil, no processo de fiação e até mesmo
divisões e especializações do trabalho conforme o tipo de produto como, por exemplo,
tecelões especializados em tapetes e colchas de diversas dimensões, caminhos de mesa, etc.
Nos municípios de Catas Altas da Noruega, Mariana e Ouro Preto existem localidades
especializadas em produtos e trabalhadores especializados em funções como, por exemplo,
acabador, torneiro, colocador de alças, escultor e vendedor.
O desenvolvimento sócio-econômico da rede organizacional de produção artesanal
pode ser entendido a partir dos empreendimentos que se materializaram a partir de novas
combinações desenvolvidas pelos empreendedores locais. Como no caso de Resende Costa
onde a proximidade geográfica de pólos produtivos da indústria têxtil mineira como São João
del Rei, Divinópolis e Juiz de Fora possibilitou o aproveitamento do refugo das malharias
como matéria-prima para sua produção artesanal (SANTOS & SILVA: 1997). Esta nova
combinação da ferramenta tear de madeira com o refugo da indústria têxtil é fruto de tomadas
de decisões estratégicas, que foram realizadas por empreendedores artesãos com o intuito de
viabilizar a produção em massa. Nos municípios de Catas Altas da Noruega, Mariana e Ouro
Preto, o desenvolvimento e a estruturação de sua vocação turística e de seu potencial mineral
levaram empreendedores locais a desenvolverem redes organizacionais de produção minero
artesanal.
Atualmente ocorrem novas combinações dos fatores de produção e de novas formas de
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organização do trabalho executadas pelos empreendedores locais. Nas últimas décadas o
sistema de produção artesanal destes municípios vem sofrendo modificações em sua cadeia de
produção. Não só em relação à matéria-prima como, por exemplo, no caso de Resende Costa,
onde o algodão que antes era cultivado na região e que hoje não é mais, como também no
perfil da mão-de-obra e dos consumidores, nas características dos processos e dos produtos.
As modificações e inovações que ocorreram nestes sistemas de produção viabilizaram
ganhos competitivos a partir do aumento do fornecimento de matéria-prima, que eram
fabricados na própria residência dos artesãos, no caso de Resende Costa. De um lado esta
inovação gera ganhos econômicos e possibilidades de aumento da capacidade de produção e
de redução do custo unitário dos produtos, mas por outro lado, esta estratégia descaracteriza
os sistemas de produção artesanal, que envolvem variáveis históricas, sociais e culturais,
influenciando, inclusive, a estrutura social regional. As modificações existentes, não ocorrem
por acaso, são paralelas a um período histórico de reestruturação global do capitalismo. Mas a
especificidade deste sistema não vem sendo modificada somente pela inovação na matériaprima, veremos a seguir o que atualmente é uma tendência em todas as etapas do processo
produtivo, que é o processo de divisão e especialização do trabalho que vem gerando,
inclusive demandas por novas formas organizacionais para o sistema de produção artesanal.
4- Reestruturação e formação de rede organizacional
O processo de divisão e especialização do trabalho que vem ocorrendo nas últimas
duas décadas no sistema de produção artesanal de Resende Costa, Catas Altas da Noruega,
Mariana e Ouro Preto foi gerado pela busca de uma produção em grande escala ou de massa.
Atualmente, a rede organizacional de produção artesanal de Resende Costa movimenta
aproximadamente 495 teares com uma produção mensal, por exemplo, de 34.558 tapetinhos
lisos, 2.206 passadeiras, 4.045 tapetinhos de bico, 1.390 colchas lisas, que são os mais
seguinificativos itens entre os 20 produtos identificados no seu portfólio de produção
(SANTOS, SILVA & MORETTI: 1998).
Nos municípios de Catas Altas da Noruega, Mariana e Ouro Preto fica evidente o
processo de especialização que vem ocorrendo na rede organizacional de produção artesanal,
considerando-se que o município de Mariana é especialista na produção de panelas e os
municípios de Ouro Preto e Catas Altas da Noruega em utensílios e peças de decoração. Outro
dado importante é que o principal produto dessa rede é a panela de pedra-sabão, que é
produzida em 30% das UPAs. O município de Mariana concentra as UPAs responsáveis pelo
principal produto da rede organizacional de produção artesanal, principalmente o distrito de
Cachoeira do Brumado, que representa 52,4% da produção de panelas. Estes municípios
conjuntamente processam mensalmente 612 toneladas de pedra-sabão (RELATÓRIO DO
LEVANTAMENTO DAS UNIDADES DE PRODUÇÃO ARTESANAL DE PEDRASABÃO: 2005).
Além da panela, outros 54 produtos se destacam no portfólio da produção local desta
rede organizacional como, por exemplo, o tabuleiro e peças de xadrez que é encontrado em
11,43% das UPAs, esculturas em 10,71%, as fontes e cascatas em 10% e as esculturas de
animais em 6,43%. Destas UPAs especializadas em peças e utensílios de decoração, existe
uma concentração de 40,38% de organizações especializadas em esculturas e, principalmente
em tabuleiros e peças de jogo de xadrez no distrito de Santa Rita de Ouro Preto e uma
concentração de 30,77% de organizações especializadas em esculturas e, principalmente, em
fontes e cascatas no distrito de Cachoeira do Campo, ambos no município de Ouro Preto
(RELATÓRIO DO LEVANTAMENTO DAS UNIDADES DE PRODUÇÃO ARTESANAL
DE PEDRA-SABÃO: 2005).
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A flexibilidade e especialização que vem se formando na estrutura social regional é
explicitada em redes organizacionais de produção artesanais especializadas, que estão se
difundindo e expandindo. É bom lembrar Castells (1994) na discussão da rede de empresas a
partir do paradigma tecnológico da informação, que quando as redes se difundem seu
crescimento se torna exponencial, mas em contrapartida os riscos de estar fora da rede são
mais efetivos já que as oportunidades são definidas pela nova lógica de produção global.
A divisão e especialização é um fato importante para compreender a realidade das
modificações que estão ocorrendo e viabilizando ganhos de produtividade via escala e
diversificação de produtos na rede organizacional de produção artesanal. Além de ser uma
contradição que se coloca ao sistema de produção artesanal, já que o artesão clássico vem
sendo substituído por classes de trabalhadores especializados em determinadas atividades do
processo de produção ou até mesmo por produtos. Em pesquisa realizada por Santos, Silva e
Moretti (1998) foram identificadas as seguintes funções na rede organizacional de produção
artesanal de Resende Costa: picadores, tecelões, vendedores de artesanato e fornecedores de
matérias-primas. A distribuição dos trabalhadores pelas funções identificadas por estes
autores é a seguinte: 41,5% de picadores, 39,6% de tecelões, 1,3 % de vendedores, 0,9% de
fornecedores e 16,7% de trabalhadores que exercem mais de uma função. Estes dados
confirmam que já no final do século XX o artesão havia sido substituído por classes de
trabalhadores de base artesanal.
Além da formação das redes organizacionais de produção artesanal serem
caracterizadas pela especialização em produtos nos municípios de Catas Altas da Noruega,
Mariana e Ouro Preto, no universo de 370 trabalhadores de base artesanal distribuídos em 140
UPAs foi constatado outra origem da formação desta rede que é a especialização por funções.
A função mais representativa é a de artesão, que corresponde a 53,24% dos trabalhadores
pesquisados, o que sinaliza uma preservação de características das atividades artesanais, ou
seja, o trabalhador é responsável por todas as etapas do processo de produção deste sistema.
Mas pode-se observar que existe uma tendência à divisão e especialização do trabalho. Essa
tendência aparece com 9,19% de trabalhadores na função de escultor, 7,03% na função de
operador de serra de poli-corte, 10% na função de torneiro e 7,57% na função de acabador de
peças (RELATÓRIO DO LEVANTAMENTO DAS UNIDADES DE PRODUÇÃO
ARTESANAL DE PEDRA-SABÃO: 2005). A especialização por funções nas UPAs estão
gerando novas organizações especializadas como, por exemplo, unidades responsáveis na
rede pelo torneamento dos blocos de pedra-sabão ou até mesmo no acabamento das panelas e
grelhas, sendo responsável pela fixação das alças de cobre ou de aço.
Para Durkheim (1999), a divisão e especialização do trabalho não ocorrem somente no
interior dos sistemas de produção, mas nas ocupações que se separaram e se especializam
infinitamente, como cada manufatura é, ela própria, uma especialidade que supõem outras. A
lógica da divisão e especialização do trabalho para este autor é natural, sendo composta de
elementos antagônicos, que se limitam e se ponderam mutuamente. Mas a naturalidade do
processo de divisão e especialização do trabalho é contraditória a especificidade histórica,
social e cultural destas organizações de produção artesanal.
O progresso da divisão do trabalho evolui quanto mais indivíduos estejam em contato
de interdependência para agirem e reagirem uns sobre os outros para a execução do processo
produtivo. A causa da divisão e especialização do trabalho está na relação de quanto mais
elevado for o número de concorrentes das mesmas mercadorias mais novas especializações
serão demandadas, conforme as correspondentes necessidades sociais, que também são
geradas pelo sistema capitalista, que estão relacionadas com a sobrevivência no mesmo
ambiente. Para pressupor a divisão do trabalho as células dividas devem possuir canais de
comunicação e integração (DURKHEIM: 1999).
Este processo também é decorrência de uma realidade de produção em massa que em
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um segundo estágio, conforme Piore e Sabel (1984) e Raynolds (1994), gera a flexibilização
de pequenas organizações integradas em redes que dependem de cooperação, mas também de
competição. A especialização por produtos e funções das pequenas organizações integradas
em redes de produção artesanal só foram possíveis pela busca dos empreendedores locais pela
produção em escala ou massa, que foi viabilizada pela expansão comercial ocorrida nas
últimas duas décadas. Tanto a produção em massa como a especialização flexível das
organizações em rede está gerando a padronização da produção, o que descaracteriza os
sistemas de produção artesanais e modifica as estruturas sociais regionais, além de
desconsiderar o enraizamento histórico, social e cultural destas organizações.
A rede, conforme Gereffi et. al (1994), é um novo paradigma organizacional que
permite mais adequadamente a formulação de ligamentos, correlações de processos existentes
entre micro e macro estruturas sociais dentro de unidades de análises de contextos globais,
nacionais e locais. Mas quais são os canais de comunicação e de integração, ou seja, de
coordenação legítima que viabilizam a otimização desta nova organização em rede de
produção artesanal que tem sua origem nas classes de trabalhadores por funções e produtos?
Para atender as demandas do mercado o processo de divisão e especialização das
organizações de produção de artesanal foi coordenado pelo empreendedor comerciante?
Observa-se uma tendência de que o empreendedor comerciante tem tido como função
coordenar os negócios integrados em uma rede de relacionamento destas unidades
organizacionais e produtivas que a compõe, similar à descrita por Castells (1994), ocupando
um papel central nesta rede organizacional de produção artesanal.
Conforme Santos, Silva e Moretti (1998) dos 37 estabelecimentos comerciais
pesquisados 65% eram produtores e vendedores de artesanato, 11% somente vendedores de
artesanato e 24% eram fornecedores de matéria-prima, tanto do fio de algodão industrializado
como de retalhos da indústria têxtil. Os estabelecimentos produtores e vendedores possuem
vínculos informais com os trabalhadores artesanais, que na realidade podem ser
compreendidos como pequenas indústrias informais que estão diluídas em suas residências
micro-regulamentadas pelas unidades organizacionais comerciais.
Já nos municípios de Catas Altas da Noruega, Mariana e Ouro Preto da região
produtora de artesanato de pedra-sabão é caracterizada por um sistema que compreende desde
a lavra da pedra-sabão, a produção artesanal, por exemplo, de panelas, grelhas, esculturas de
diversas dimensões e sua respectiva comercialização. O levantamento mostra que a atividade
de lavra representa 0,7% do total das organizações, mas quando esta é associada à produção
artesanal, representa 25% das atividades produtivas existentes. A associação das atividades de
lavra, produção artesanal e comercialização representam 10%. A produção artesanal
representa 38,6% e a produção artesanal conjuntamente com a comercialização para
consumidores finais 25% das UPAs pesquisadas (RELATÓRIO DO LEVANTAMENTO
DAS UNIDADES DE PRODUÇÃO ARTESANAL DE PEDRA-SABÃO: 2005). Estes dados
sinalizam que a formação de redes organizacionais de produção artesanal também é uma
realidade nestes municípios de produção em pedra-sabão similar a estruturação organizacional
no município de produção artesanal têxtil.
O que se constata é que a produção ocorre nas residências dos trabalhadores ou até
mesmo em pequenas oficinas que, por exemplo, concentram alguns teares em Resende Costa
e tornos mecânicos em Catas Altas da Noruega, Mariana e Ouro Preto, que podem ser
configuradas como pequenas unidades organizacionais dos estabelecimentos produtores e
vendedores interligados em redes organizacionais. Mas qual a influência da sociedade
regional, a partir de características étnicas, políticas ou religiosas, na formação e
desenvolvimento destas redes organizacionais? Quais instituições seriam responsáveis,
conforme Piore e Sabel (1984), pela micro e macro-regulamentação desta rede organizacional
de produção artesanal?
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A divisão e especialização do trabalho inerente aos ganhos de escala e de
diversificação neste processo de produção o descaracteriza em aspectos históricos, sociais e
culturais que garantem a este seu filão de mercado, a partir dos gostos e preferências de seus
consumidores. A análise de Bourdieu (1986) contesta o pressuposto neoclássico econômico
de que as preferências são exógenas e imutáveis. O julgamento dos gostos ou preferências
considera a conciliação da razão e da sensibilidade, sendo a razão objetiva e direcionada, por
exemplo, pelo lucro, mas também substantiva que considera influências sociais, que auxiliam
na compreensão de como é o individuo realizado. O consumidor dos outputs desta rede
organizacional possui uma preferência pelo que é artesanal, sendo esta uma característica de
consumo que deveria ser considerada no gerenciamento desta rede.
Outro fato a ser considerado no seu gerenciamento seria a compreensão se o poder e
os interesses econômicos dominantes dos empreendedores locais existem em detrimento dos
interesses e do conhecimento específico da comunidade legítima proprietária do potencial
produtivo artesanal, que está enraizado regionalmente e se o modelo de estruturação
organizacional em redes viabiliza o seu desenvolvimento de forma sustentável.
Sustentabilidade que é ameaçada inclusive, conforme Oliveira e Echternacht (2005), com a
atual organização do trabalho, dividido e especializado, e pela remuneração por
produtividade, que interfere operacionalmente no processo produtivo enraizado em Resende
Costa, gerando a intensificação e aumento dos ritmos de trabalho, que tem possivelmente
como conseqüência o aparecimento de sintomas de dores musculoesqueléticas.
A abordagem organizacional destes fenômenos econômicos e produtivos se torna
necessária para realizar uma correlação de que o desenvolvimento sustentável não se encontra
na racionalidade econômica, nem no poder e ação coletiva social, mas nas organizações que
são os ambientes onde estas forças sociais se materializam (MARX: 2003). Assim torna-se
necessário para uma análise das redes organizacionais de produção artesanal a compreensão
das modificações do processo produtivo que podem gerar novas fases nos ciclos de negócios
deste setor econômico a partir de novas formas organizacionais, de processos e de produtos,
que modificam as estruturas sociais regionais. Conforme Castells (1994), as revoluções nos
sistemas de produção industrial difundiram-se por todo o sistema econômico e permearam
todo o tecido social. Mas pode-se perceber que as influências das mudanças ocorridas no setor
industrial ocorreram também no setor artesanal, através de inovações tecnológicas nos
insumos, mas também em aspectos organizacionais e de gerenciamento, que vem permeando
o tecido social regional daqueles que sobrevivem deste sistema de produção.
O conjunto de relações produtivas constitui a estrutura econômica da sociedade e
correspondem a determinadas formas de consciência social (MARX: 2003). As modificações
que estão em andamento e que novas demandas são necessárias para que estas redes
organizacionais sobrevivam no ambiente dinâmico capitalista. E para atender a lógica do
mercado artesanal, também se torna necessária a valorização de variáveis específicas
enraizadas neste sistema de produção, que deve ser coordenado de forma corporativa para que
se obtenham os objetivos de sustentabilidade, não só do processo produtivo e de seus
produtos, mas também da qualidade de vida de seus trabalhadores e de suas respectivas
estruturas sociais e organizacionais.
A compreensão da causa da especialização flexível da organização da produção
artesanal pode definir as conseqüências futuras para a estrutura organizacional, produtiva e
social regional. Conforme Raynolds (1994), o debate sobre o modelo pós-Fordista tem uma
importância para compreender as mudanças sociais e econômicas, tendo este modelo um
papel importante para melhoria produtiva e econômica de empresas e setores. A
institucionalização da fexibilização das empresas se dá a partir do volume e diferenciação de
seus produtos, a sua gestão e a variação de fatores internos e sua relação com outras empresas,
fornecedores e compradores.
10
A busca pela sobrevivência no mercado capitalista das organizações artesanais
fortalece e propicia a divisão e especialização do trabalho e das unidades organizacionais por
produtos, mas este processo de reestruturação produtiva a partir da especialização por
subprogramas, ou seja, a especialização por processos, funções e produtos demanda maior
interdependência das unidades da organização e exigem na sua realidade prática coordenação.
A divisão e especialização do trabalho gera também problemas e conflitos entre indivíduos e
entre as unidades e classes de trabalhadores da organização que devem ser coordenadas. A
flexibilidade e especialização que vem se formando na estrutura social regional é explicitada
em redes organizacionais de produção artesanais especializadas que estão se difundindo e
expandindo, mas que não são gerenciadas com o objetivo estratégico de sobrevivência
duradoura no mercado artesanal.
A necessidade de gerenciamento corporativo desta rede organizacional de produção
artesanal deve considerar os aspectos básicos da organização, que derivam das características
dos processos de solução de problemas e das escolhas racionais humanas. Escolhas estas que
neste sistema de produção vem sendo orientadas, pelo menos até o momento, para o sucesso
das unidades comerciais em detrimento de condições de produção coletivas onde as variáveis
históricas, sociais e culturais deveriam ser consideradas, objetivando, também a continuidade
e sobrevivência não só das unidades organizacionais comerciais, mas do potencial produtivo
regional de toda a sociedade envolvida.
A formação das redes organizacionais de produção artesanal é constituída a partir do
capital social existente nestes municípios, que propicia a formação inicialmente de redes
sociais. Para Lin (2001) várias formas e contextos têm emergido salientando o conceito de
capital social, principalmente pela necessidade humana moderna de cooperação mutua e pelos
dilemas da ação coletiva. Para Putnam (1996), a superação dos dilemas da ação coletiva e
individual depende do contexto social mais amplo. A cooperação voluntária é mais provável
em uma comunidade que tenha como herança um estoque de capital social, que pode ocorrer
ou se manifestar a partir da confiança gerada por regras de reciprocidade e sistemas de
participação cívica. Putnam (1996) e Coleman (1988) discutem o capital social a partir da
ação e da estrutura, que não pode ser internalizada pelos indivíduos. Coleman (1988) enfatiza
as formas do capital social em estruturas de confiança, de canais de informação e de normas
sociais, enfocando somente as conseqüências positivas das redes sociais. Desta forma, o
capital social desta rede organizacional é alavancada pela influência da família e de outros
laços sociais no sistema produtivo que é base de estruturação e também de sua organização. A
base familiar e dos demais grupos sociais também gera um aumento da confiança entre os
atores das comunidades que compõe esta rede organizacional de produção artesanal.
Para Granovetter (1973), a confiança é estimulada e a desconfiança desestimulada
quando as ações estão inseridas em estruturas mais amplas de relações pessoais e
intercâmbios sociais. Sua abordagem do capital social enfatiza uma síntese das relações micro
e macro sociais, onde são consideradas além dos laços fortes os laços fracos, com foco na
formação e desenvolvimento das redes sociais, observando nestas as influências tanto
individuais como coletivas.
Para Bourdieu (2002), o capital social é uma integração de recursos atuais ou
potenciais que são ligados pela posse de redes duráveis, mais ou menos institucionalizadas,
através de relacionamentos mútuos de conhecimento e reconhecimento de membros de grupos
(étnicos, familiares, gêneros, classes, geográficos, etc.), a partir de vários sensos ou de
credenciais sociais. Ou seja, as redes de relacionamento produzem estratégias de
investimentos, individuais ou coletivas, conscientes ou inconscientes, apontando o
estabelecimento ou reprodução social de relacionamentos que são diretamente usuais no curto
ou no longo prazo, podendo ser internalizado.
11
5- Considerações finais
Mesmo não sendo a principal atividade econômica de Minas Gerais, a rede
organizacional de produção artesanal requer a atenção do Estado e da iniciativa privada, além
da pesquisa e estudos organizacionais, para que seus negócios sejam potencializados, mas
sem perder de vista o conhecimento tácito local que garante a estas organizações um
diferencial no mercado. Este conhecimento vem sendo ameaçado com o processo de divisão e
especialização do trabalho que alimenta a formação de redes organizacionais, fazendo com
que os artesãos que conhecem todo o processo de produção sejam substituídos por classes de
trabalhadores organizados em redes organizacionais de produção e detentores de
conhecimentos fragmentados. Mesmo que a produção em escala e padronizada seja uma
proposta atual, não é pertinente que a base artesanal seja abandonada, desconsiderando-se
todo o saber tácito local construído ao longo dos últimos séculos.
É fato que o mercado consome os produtos têxteis e em pedra-sabão regionais por
serem artesanais, mas as ações gerenciais em andamento que buscam viabilizar a produção
em massa com a especialização de organizações e redução de custos unitários, podem
direcionar a produção artesanal local para uma manufatura o que descaracterizaria o foco
mercadológico que garante a esta um espaço no mercado capitalista. A produção em escala e
a formação de redes organizacionais em busca de padronização tem inviabilizado a gestão de
um portfólio de produção em rede, que congregue em si produtos que resgatem o
conhecimento tácito da produção artesanal local.
Os empreendedores desta rede organizacional de produção artesanal vêm se
fortalecendo e existe uma tendência que se posicionem no mercado local como proprietários
dos fatores de produção, ou seja, teares de madeira, tornos mecânicos e matérias-primas,
remunerando os trabalhadores divididos em classes como, por exemplo, de tecelões e
picadores, torneiros e acabadores, pelos seus serviços produtivos prestados na rede
organizacional. Conforme Penrose (1995), os serviços produtivos agregam valor e podem ser
caracterizados como inputs do processo de transformação dos sistemas de produção. Mas a
sociedade regional, que herdou através de seu processo histórico os conhecimentos
necessários para a execução dos processos produtivos está sendo considerada simplesmente
como inputs do processo de transformação?
O homem em conjunto, ou seja, a coletividade produz um ambiente humano com a
totalidade de suas formações sócio-culturais e psicológicas. Conforme, a vida conjunta, neste
caso as organizações de trabalhadores artesanais, define-se por uma esfera ampliada de rotinas
que são supostamente naturais e certas. Criam-se então as condições para a divisão e
especialização do trabalho abrindo o caminho para inovações que exigem um nível mais alto
de atenção conduzindo a formação de novos hábitos, ou seja, ações importantes para os atores
sociais em situação comum. A relação entre o homem, o produtor e o mundo social produto
dele é e permanece sendo uma relação dialética, isto é, o homem, evidentemente não o
homem isolado, mas em coletividade e seu mundo social atuam reciprocamente um sobre o
outro (BERGER & LUCKMANN: 1985).
Os atores individuais têm papéis específicos e as origens dos papéis encontram-se no
mesmo processo fundamental de hábitos e na sua objetivação. Logo, um estoque comum de
conhecimento que contém tipificações recíprocas de conduta está em processo de formação na
rede organizacional de produção artesanal, em que aparecem os papéis que representam à
ordem institucional e que teria o caráter de mediação de particulares setores do acervo comum
do conhecimento artesanal local. O grau de separação do conhecimento com relação às suas
origens existenciais depende de um considerável número de variáveis históricas, onde a
relação entre o conhecimento e sua base social é dialética, isto é, o conhecimento é um
produto social e é um fator de transformação que deve ser coordenado (BERGER &
12
LUCKMANN: 1985).
As estruturas sociais da rede organizacional de produção artesanal possuem um
significado que é fundir um valor, além das exigências técnicas da tarefa, mas do ponto de
vista da pessoa encarregada, onde a organização não é enfocada como um instrumento
dispendioso, mas uma fonte valiosa de satisfação pessoal. No ponto de vista dos sistemas
sociais, e não de pessoas individualmente, as organizações tornam-se imbuídas de valor
quando passam a simbolizar as aspirações da sociedade, o seu senso de identidade e em
última instância viabilizar a preservação da organização produtiva (SELZINICK: 1972).
Assim além de ser coordenado é pertinente analisar se a liderança do sistema de produção de
base artesanal vem atuando de forma que as necessidades psicológicas e a satisfação pessoal
dos trabalhadores sejam alcançadas, não só de maneira individual e fisiológica, mas também
do ponto de vista da preservação e sustentabilidade social e econômica desta produção
regional.
Na rede organizacional de produção artesanal não existem organizações formais que
se responsabilizem pela macro-regulamentação e gerenciamento dos conflitos inerentes ao seu
desenvolvimento. As mudanças nas estruturas das organizações parecem ser motivadas, cada
vez menos, pelo enraizamento regional ou pela necessidade da eficiência e sustentabilidade de
todo o sistema social. Mas além das organizações sofrerem as limitações e as adaptações
decorrentes dos ambientes, estas também podem mudar o ambiente social (POWELL & DR.
MAGGIO: 1999).
Um fato constatado é que o setor não é alvo de uma atuação sistemática de instituições
públicas ou privadas, que possam auxiliar no seu crescimento e desenvolvimento sustentável
via uma gestão corporativa efetiva da rede organizacional, seja, propondo soluções como o
desenvolvimento de equipamentos, sistemas gerenciais, gerenciamento de portfólio,
desenvolvimento de novos materiais ou até mesmo no acesso a novos mercados. Os estudos
organizacionais e gerenciais devem estar atentos a realidade de setores específicos como, por
exemplo, o artesanal. No país setores marginais vêm se desenvolvendo e crescendo e a falta
de gestão corporativa de suas redes organizacionais os leva a cometerem erros estratégicos
que podem levar inclusive a sua inviabilidade, seja por fatores econômicos, sociais ou até
mesmo mercadológicos.
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