Um país em crescimento acelerado é sempre um país sedento de coisas portugueses estão a aproveitar um mercado que, embora ainda pequeno, novas e bonitas. É o que está a acontecer em Angola em relação à moda. E os criadores e marcas tem m uitas potencialidades. É só preciso gingar e ter cuidado para não matar a galinha dos ovos de ouro. TEXTO DE JOANA SIMÕES PIEDADE, EM LUANDA fotografia de rui sérgio afonso A moda 54 NOTÍCIAS Magazine ginga em Angola 55 NOTÍCIAS55 Magazine NOTÍCIAS Magazine angola N o mês em que abriu portas em Luanda, a marca portuguesa de calçado Seaside vendeu dez mil pares de sapatos. Foi uma loucura. A loja, de quinhentos metros quadrados, está, literalmente a calçar a cidade: vende, em média, duzentos a trezentos pares por dia. Os sapatos são desenhados para o gosto africano, modelos mais tropicais, ousados, mais fashion do que a marca vende em Portugal. Como as sandálias de salto vertiginoso forradas a padrão animal e cravejadas de pontiagudos spikes que uma jovem luandense tem na mão. O namorado, que entrou com ela na loja ao som de um sonoro afro house, e se passeia pelos corredores repletos de caixas empilhadas, atira: «Mas queres sapato ou uma arma?» Ela: «São lindos de mais, muito fashion...» E pede para embrulhar. Ele vai à procura de uns «relaxantes» – expressão africana para o que na Europa se convencionou chamar mocassins desportivos. Este par de namorados não é exceção. «O povo angolano é muito diferente do português, é muito mais fashion, gosta mais de moda», diz Paulo Condeço, um algarvio a viver em Luanda há dez anos e diretor-geral da Seaside em Angola. O sucesso da marca portuguesa tem muito que ver com isso. Os best sellers são os mais ousados. «O mercado estava carente de calçado a preços razoáveis, necessitava de um produto equilibrado. Havia produtos bons com preços superespeculativos e produtos maus muito caros.» O público da Seaside é transversal e abarca todos os segmentos com preços de dois mil a 18 mil kwanzas (entre vinte e 180 euros). A marca portuguesa conta com a demografia numa cidade que ronda os oito milhões de habitantes. E até ao fim do ano vai abrir mais cinco lojas em Angola. Num mercado diversificado e sedento, parece haver uma oportunidade em cada esquina: se os jovens preferem a moda, já as madres da Igreja de São Paulo, mesmo ao lado da loja Seaside, dão conta dos stocks da loja na gama conforto. Em breve, a Seaside também vai vender outras marcas, isto porque, como diz Paulo Condeço, «o público angolano gosta e está disponível para pagar o valor acrescentado». É o que acontece com os vestidos de João Rôlo, que já são presença habitual nas festas desta cidade em ebulição. São vendidos não muito longe da loja da Seaside, na boutique Ana Isabel, a mais antiga das lojas de marcas de luxo de Luanda – depois de terem feito um longo percurso no Atlântico, desde o porto de Leixões até ao muitas vezes «caótico» porto de Luanda, serem desalfandegados e terem pago as devidas taxas aduaneiras. Todo este percurso acaba por encarecê-los – custam, em média, dois mil euros – mas isso não parece ter muita importância. As coleções de João Rôlo estão mesmo a pedir festa e o costureiro encontrou aqui o seu nicho de mercado que lhe permite combater a crise do negócio em Portugal. «Quis perceber o que as angolanas usavam nas festas e foi fácil adaptar o meu estilo, se bem que o estilo delas seja muito europeu. Gostam de vestidos coloridos, brilhos, bordados. Ora, isso é exatamente o que faço.» Angola representa já quarenta por cento para o total dos negócios do criador. Na última presença, num dos eventos de moda em Luanda em que participou, João Rôlo inspirou-se nos azuis e verdes do mar da ilha da Sardenha, no glamour das festas em iates de luxo, e materializou esse imaginário em vestidos de tecidos fluidos, tons dégradés, brilhos, bordados à mão com pedras semipreciosas, jade e ágata. Resultou em cheio, e na assistência a palavra que mais se ouvia, em sussurro, ou nem tanto, era «Quero!». Em Portugal, a crise está a levar a cortes, os primeiros nos produtos supérfluos. «A primeira coisa em que as pessoas cortam é nos luxos e, sem problema, repetem os vestidos», conta João Rôlo. Em Angola repetir vestidos nas festas não é opção. E as festas são muitas e a indumentária que se vê nelas é o sinal exterior de como a moda está a tornar-se um assunto sério em Luanda. Basta ir numa noite qualquer a uma das discotecas da ilha, ao pé da praia: aos primeiros acordes de qualquer música saltam para as pistas mulheres com vestidos justos que definem as curvas do corpo com cores vivas e saltos muito altos. Muitos dos vestidos têm origem em Portugal, que parece ser o país que mais está a ganhar com este boom da moda. Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmam que as exportações portuguesas de vestuá rio para Angola em 2012 representaram um volume de negócios de cerca de 42 milhões de euros, um aumento de 27,5 por cento face a 2011. No calçado os valores são de quase 15 milhões de euros, aumento de 12,2 por cento relativamente ao ano anterior. Hadjalmar El Vaim, produtor de eventos de moda e dono da agência de modelos Hadja Models, confirma a tendência: «Após a queda da economia em Portugal os criadores portugueses estão muito interessados em vir para Angola.» Ele próprio recebeu vários pedidos de informação. O departamento de research setorial do Banco Espírito Santo identificou em 2012 uma lista das oportunidades de negócio nas exportações portuguesas para Angola. No top 10 dos produtos estão fatos, casacos, calças, jardineiras e calções de uso masculino. Nas revistas e nas passerelles Maria Borges (aqui num modelo Ana Salazar para um artigo da revista Chocolate) é uma das modelos negras mais requisitadas atualmente no mundo inteiro. Desfila regularmente para Louis Vuitton ou Givenchy. N ão é de agora que a beleza angolana é reconhecida. Nomes como o da modelo Riquita, que saiu do Namibe para arrebatar o título de Miss Portugal em 1971, com um traje típico do povo mucubal, etnia do Sul de Angola, Ana Marta Faial, Manequim do Ano em Portugal nos anos 1980, ou a mais recente Nayma Mingas, estrela do socialite, todas contribuíram para criar a fama das «morenas de Angola», como cantava Chico Buarque. Todas estas foram o relâmpago que antecedeu a verdadeira tempestade tropical de beleza que tem assolado as passerelles internacionais em Paris, Milão e Nova Iorque. Maria Borges e Roberta Narciso estão no epicentro, desfilando para a Louis Vuitton, Givenchy ou Jil Sander. Ambas foram descobertas durante a primeira edição do concurso de modelos Elite Model Look Angola, em 2010. Organizado em oitenta países, o concurso foi trazido para Angola através da produtora de televisão Semba (dos irmãos Tchizé dos Santos e Coréon Dú, filhos do presidente). Antes de a febre do «querer ser modelo» assolar o país, impulsionada por este concurso, na linha da frente das agências de modelos já estava a «EM ANGOLA, REPETIR VESTIDOS EM FESTAS NÃO É OPÇÃO», DIZ O ESTILISTA PORTUGUÊS JOÃO ROLO. «E AS FESTAS SÃO MUITAS.» 56 NOTÍCIAS Magazine Nuno Beja/ revista Chocolate MICAELA OLIVEIRA JOÃO RÔLO RICARDO PRETO JOSÉ ANTÓNIO TENENTE AUGUSTUS Os estilistas portugueses já são presença constante nos principais eventos de moda, como a Angola Fashion Week. Step Models de Karina Barbosa, onde estão representadas Maria Borges (recrutada depois do segundo lugar obtido no concurso da Elite), Sharam Diniz (o anjo da Victoria’s Secret) e Adélia Cachimano (que desfilou Miguel Vieira na última edição da ModaLisboa). ambém o mercado editorial ligado ao setor tem vindo a aumentar o seu portfólio. À revista de moda Chocolate, com seis anos no mercado, veio recentemente juntar-se o título Super Fashion e, entre Lisboa e Luanda, nos meandros do meio comenta-se que outras estão na calha, sustentadas pelo interesse crescente do público e dos anunciantes. Revistas cor-de-rosa como a Caras Angola e a People e revistas de lifestyle como a Caju (suplemento do semanário Sol em Angola) têm também contribuído para a fama de manequins e designers angolanos e estrangeiros. Os eventos vão-se multiplicando e, em abril, por exemplo, realizar-se-á na Feira Internacional de Luanda o Fashion Business Angola, uma feira internacional que reúne os profissionais do setor. T Uma oportunidade que levou o criador de moda do Porto Júlio Torcato a vir para Luanda. «Angola tem mostrado muito potencial nesta área dos fatos por medida», diz. A sua linha tailoring, a mais exclusiva da marca, traz a tradição de alfaiataria que é muito apreciada pelos homens angolanos. Júlio veio a Angola pela primeira vez no evento Angola Fashion Week, em junho de 2011, a convite da Associação Selectiva Moda. Percebeu logo que a sua marca se adaptaria ao cliente angolano e «particularmente ao lifestyle de Luanda, que é uma cidade com uma vida empresarial moderna e dinâmica e com um público bastante informado e exigente». Sapatos feitos à mão serão o próximo desafio da marca, que conta abrir um espaço de atendimento personalizado e exclusivo em Luanda até ao final do ano. Quase se podia dizer que, para além das grandes marcas internacionais, se há moda em Angola, ela é portuguesa. Por enquanto não há a concorrência de lojas de grande consumo. Micaela Oliveira, conhecida estilista de famosos e especialista em vestidos de noiva, que comercializa em Angola as suas coleções de noivas e alta-costura, diz que «o produto português é credível e com um grau elevado de reconhecimento». Ex-modelo em Portugal, produtora de moda e coproprietária da agência de modelos Step Models, Karina Barbosa representa manequins – como a estrela em ascensão Maria Borges – e tem uma coluna de moda na revista cor-de-rosa People (onde critica looks em sessões semanais 57 NOTÍCIAS Magazine angola de «corte e costura». É ela quem convida a maioria dos designers portugueses para os desfiles. «Seleciono aqueles cujo estilo mais tenha que ver com a mulher angolana. Não adianta por exemplo convidar um criador que seja demasiado alternativo ou demasiado minimalista», explica. Micaela Oliveira concorda: «Para nós, criadores de moda, é aliciante vestir a mulher angolana, que nos permite arrojar nas cores, aplicações e cortes exuberantes. É esbanjadora de sensualidade». Também na moda o mercado angolano funciona como extensão natural do português, por razões históricas e económicas, sendo a língua comum parte importante. Madalena Pereira é produtora de moda e trabalha há vários anos para revistas angolanas. Nasceu no Huambo (antiga Nova Lisboa) e tenta sempre fazer essa ligação luso-angolana. «Penso que nos cabe fazer a ponte de ligação entre os dois povos. Tentamos divulgar criadores angolanos em Portugal e vice-versa», diz a produtora. Madalena Pereira diz que «há muita vontade» de sedimentar este intercâmbio, mas falta «criar estruturas». Criar estruturas num país em crescimento acelerado não é fácil. As lojas oficiais ainda sofrem a concorrência da revenda informal de peças compradas em Portugal e no Brasil. As singularidades do mercado angolano da moda revelam-se nas vendas em showrooms de atendimento privado em casas ou em hotéis seletivos – com entrada reservada. A loja mais antiga de moda de luxo em Luanda, a boutique Ana Isabel (vende grandes marcas, de Elie Saab a Dolce & Gabbana, entre outras), está numa discreta vivenda sem letreiro no bairro da Maianga. A verdade é que os criadores têm muita dificuldade em encontrar lojas bem localizadas e os preços são muitas vezes incomportáveis. Uma loja na baixa pode custar entre cinco e dez mil euros, valores semelhantes ao das principais artérias comerciais de Lisboa. A conhecida marca Rosa & Teixeira abriu recentemente uma loja na Rua Rainha Ginga, em Luanda, e realizou uma parceria com a Casa Paris, fundada em 1997. Ao lado dos fatos para homem da marca portuguesa há Salvatore Ferragamo, Canalli, Brioni, Façonnable e Escada. Até há bem pouco tempo, as lojas estavam concentradas num único centro comercial, mas a abertura de outros, novos, seguros, com rendas mais baixas proporcionou a abertura de mais lojas, como as duas da marca portuguesa de jeans Salsa, no Belas Shopping e no novo Atrium Nova Vida. «Já contávamos com um grande número de angolanos fãs da marca em Portugal, mas a calorosa recetividade aos nossos produtos surpreendeu-nos», refere Eliana Fernandes, do departamento de comunicação da marca. As vendas já DE ACORDO COM O INE, as EXPORTAÇÕES PORTUGUESAS DE VESTUÁRIO PARA ANGOLA ATINGIRAM 42 MILHÕES DE EUROS EM 2012. UM AUMENTO DE 27,5 por cento FACE A 2011. Os desafios da moda tropical T odos querem saber que país é este para além do petróleo e dos diamantes. Que lugar origina sons como o kuduro e mulheres como as manequins internacionais Maria Borges, Sharam Diniz ou Leila Lopes. Fechada ao mundo durante décadas, Angola está de novo na moda. E isso reflete-se no dinamismo de designers locais como Nadir Tati ou a dupla Tekasala e Shunnoz, os criativos do Projecto Mental. A moda, diz Shunnoz, «contribui para que vejam que Angola não é um pais amorfo, adormecido ou cego». moda é a nossa cultura e a « forma de nos expressarmos em 10 ou 15 minutos de show», diz Nadir Tati, a mais conhecida estilista angolana da atualidade. Presença assídua em semanas da moda no continente africano e até na semana de moda africana em Nova Iorque (Africa Fashion Week NYC), Nadir voltou a ter grande exposição mediática ao fazer o vestido que a atriz congolesa Rachel Mwanza usou na mais badalada red carpet do mundo: os Óscares. dupla Tekasala e Shunnoz, que já participou na ModaLisboa, é outra referência. O duo faz enorme sucesso no Japão onde chegou em março de 2011, para a semana de moda de Tóquio. O evento foi cancelado devido ao tsunami, mas a dupla voltou em A A 58 NOTÍCIAS Magazine outubro e, com uma explosão de cor na passerelle, arrasou. Já apareceram na Vogue Homme Japão, I-D Magazine, GQ Style e Vogue do Reino Unido. «É um reconhecimento pelo nosso trabalho de colocar a moda angolana no mapa internacional», diz Shunnoz. A produção artesanal e os acabamentos luxuosos caraterizam as peças criadas pela marca que já tem vários pontos de venda na Ásia. Os angolanos voltaram em março deste ano a Tóquio para apresentar a coleção outono-inverno 2013-14, que inclui uma parceria com o artista visual português João Murillo na linha de T-shirts. odos os criadores angolanos se queixam do mesmo: a indústria tem de se desenvolver. «Precisamos de escolas de moda, faculdades de arte, isso abriria portas para futuros artistas, designers, ilustradores, professores, fotógrafos, planeadores de eventos e editores de moda», diz Delfina Geraldo, uma das três irmãs da marca Geraldo Fashions, que já leva quase vinte anos e cujas criações definem como sendo uma combinação de alfaiataria detalhada e cores vibrantes. Em 2012, a marca subiu à passerelle de Nova Iorque na Africa Fashion Week e tem participado em inúmeros eventos internacionais. T O s designers apontam falta de fábricas, equipamentos de produção e mão-de-obra qualificada. Falta tudo, das linhas às tesouras, e tudo tem de vir de fora. «É muito difícil para a produção das nossas criações. Temos de comprar materiais fora do país, o que acaba por ser muito caro», diz Delfina, que compra os tecidos na Namíbia, Portugal e França. mesmo problema sente Rose Palhares, mentora da marca angolana Kivesty. Recém-chegada do Brasil, onde passou quatro O anos a estudar Design de Moda, fundou um atelier que se destaca pelas cores vivas e os padrões vibrantes das peças. Os tecidos, embora pareçam africanos, são feitos na Holanda pela Vlisco. «Os tecidos que compramos cá desbotam com facilidade. Estes têm muita diversidade e são diferentes dos que encontramos à venda nas ruas de Angola», diz, mergulhada entre croquis dispersos na mesa de trabalho e as redes sociais ligadas no laptop. A confeção das suas peças ainda é garantida por A dupla Tekasala e Shunnoz está entre os principais criadores angolanos. Tal como Nadir Tati, autora do vestido que a atriz congolesa Rachel Mwanza usou nos Óscares. uma equipa de cinco costureiras em Santa Catarina, no Brasil, mas Rose vai deslocalizar a pequena fábrica para Luanda e contratar angolanos de forma a controlar todo o processo. exportar para o Quénia, especialmente peças masculinas, à semelhança do que aconteceu com Tekasala e Shunnoz, Rose Palhares foi recentemente contactada para desfilar na próxima edição da Moda Lisboa. «Vamos ver se se concretiza. É uma boa montra para o nosso trabalho e pode levar-nos mais longe.» Moda Luanda, este ano na 16.ª edição, o Angola Fashion Week e o Belas Fashion são três dos mais significativos eventos anuais de moda em Angola. Por vezes são o pontapé de saída para os estilistas. Mirian Abreu, Avelino Nascimento e a sua marca Me Sente, Ruy Lopes, Tina Souvenir, Lucrécia Moreira, Elisabeth Santos, Jurema Ramos e Dianthus di Kangala começaram assim. Todos eles são nomes com que se cose a moda em Angola. E, a cada ano, mais «sangue novo» vai circulando nas passerelles nacionais. O público angolano é cúmplice – não faltam pretextos para desfilar novas e originais criações seja em eventos, restaurantes, festas ou clubes – e não tem medo de arriscar aquilo que veste. A O 59 NOTÍCIAS Magazine angola ultrapassam 1200 jeans por mês. As preferências vão para os modelos inovadores que esculpem as silhuetas feminina e masculina e custam, em média, cerca de 16 mil kwanzas (160 euros). A inconstância do mercado angolano é, no entanto, algo que várias marcas portuguesas já experimentaram na pele. Depois de ter aberto em 2008 uma loja, a Lanidor acabou por ter de fechála no início de 2012. A faturação chegou a atingir quinhentos mil euros em 2010, mas «desentendimentos na sociedade», conforme justificou na altura o administrador do grupo português, João Reis, ditaram o fim do negócio. Em Angola, é sempre preciso ter um sócio local, assim ditam as regras – as escritas e as não ditas. João Rôlo chegou a comunicar à imprensa angolana a abertura de uma loja em Luanda, no bairro nobre Miramar, onde se situam as embaixadas e mansões. «O grupo económico que me convidou acabou por não levar o projeto avante», explica o criador. Além disso, diz, «a mulher angolana gosta de exclusividade e, com uma loja aberta ao público, ia ter grande exposição». Também a criadora madeirense Fátima Lopes, anunciada como sendo a primeira estilista internacional a abrir uma loja em Angola, em 2010, acabou por ter de encerrá-la no ano passado. Estava no primeiro hotel de cinco estrelas da capital, com um aluguer a rondar cinco mil dólares por metro quadrado. O estilista Augustus, que viveu em Angola até 1976 e chegou a ter uma loja em Luanda nessa altura, é o único português que mantém um atelier, aberto há cerca de três anos, e que conta com a colaboração de uma equipa local. É por tudo isto que Miguel Vieira, designer português, entrou no mercado angolano com prudência. «Há quem ache que Angola é uma mina de diamantes e que as pessoas compram tudo. Não é verdade. Quando se trata do segmento luxo, falamos de pessoas com poder financeiro muito alto e para quem é muito fácil e natural ir a Paris fechar a Louis Vuitton ou a Dior para fazerem as suas compras.» Luxo é luxo 60 NOTÍCIAS Magazine GERALDO FASHIONS NADIR TATI Fotografia Rui Sérgio Afonso/ facebook/rsafonso Styling e maquilhagem Welwitschia Neto Manequim Esperança Miranda/Step Models Agradecimentos Kivesty (roupa) e Espaço Selecta (acessórios) A ideia de que as grandes marcas atraem o mercado angolano – compradores assíduos e generosos nas lojas da Avenida da Liberdade em Lisboa e noutras capitais europeias – foi a que esteve por detrás da ideia de Oriane Queirós, gerente da MC Boutique. A jovem portuguesa, que trabalhava como vitrinista no grupo Inditex, emigrou há seis meses e fundou uma empresa de grandes marcas que recebe ministras, secretárias de Estado, empresárias e mulheres de altos dirigentes… Vende Valentino, Prada, Dior, Carolina Herrera, Armani, Roberto Cavalli ou Celine. Das portuguesas vende Helsar, marca de calçado de luxo de Santa Maria da Feira, e joias Eugénio Campos. TEKASALA E SHUNNOZ Há cada vez mais costureiros angolanos conhecidos fora do país. Entre fronteiras, queixam-se da falta de indústria, o que os obriga a importar tudo. Mas as coisas estão a mudar... A Casa Paris, reinaugurada em novembro de 2012, é um dos locais mais requisitados para compra de roupa de autor em Luanda. Gastar 42 mil dólares em roupa de uma só vez? «Sim, é possível», diz Oriane, que recebe por marcação e à porta fechada. Os vestidos de cerimónia da marca francesa Fauste, por exemplo, têm valores entre setecentos e oito mil dólares e só são postas à venda peças únicas de cada modelo. As peças para o dia a dia vêm no máximo duas de cada e as clientes são avisadas. «Em Angola leva-se muito a sério a originalidade e a exclusividade», diz a empresária. A cidade, pelo menos a parte do asfalto, é pequena, os sítios que as classes altas frequentam e os eventos onde se cruzam são os mesmos. Ninguém quer arriscar ficar igual à pessoa do lado. «Quisemos dar uma nova cultura de marcas aos nossos clientes e a oportunidade de fazerem compras aqui em Angola, sem terem de viajar ou pedir a alguém para o fazer», diz Márcia Nunes, sócia-gerente do Espaço Selecta, loja que vende Dior, YSL, Prada, Gucci, Ballenciaga, Loewe, Bottega&Veneta. Aqui tem-se a garantia de comprar marcas «verdadeiras»: a contrafação vendida noutros espaços é capaz de iludir os mais incautos. Um senão: «A maior parte dos fornecedores ao saber que a mercadoria vem para Angola aumenta a sua margem», diz Márcia. No entanto, os preços não podem ser muito inflacionados, já que as próprias marcas impõem limites. Fora do género lojas multimarca de luxo, apenas a Hugo Boss, a Lacoste e a Boutique dos Relógios Plus têm espaços exclusivos em Luanda. Do pronto-a-vestir mais acessível até ao segmento de luxo, os players da moda portuguesa não duvidam que Angola é um mercado muito interessante e estão a investir. Mas faturar só porque há no país um poder de compra muito acima da média, salvar temporadas «despachando» peças para Angola a preços especulativos ou os estereótipos de que «tudo se vende» já não vingam. Os tempos de crescimento económico a dois dígitos já lá vão e, apesar de as previsões continuarem a apontar números acima da média mundial, a tendência será para a estabilização. «Temos de ver Angola como uma excelente oportunidade, mas temos de ter o produto certo com um preço justo, pois só assim podemos estabelecer parcerias e fazer vendas regulares e não pontuais», diz a estilista Micaela Oliveira. Para que haja negócio mesmo depois do fim do boom económico angolano. 61 NOTÍCIAS Magazine