Alcoolização percutânea no carcinoma hepatocelular: análise crítica da literatura e proposta de indicação do método J orge A. 26 de S egadas S oares 1 O carcinoma hepatocelular (CHC) é o quinto tumor mais frequente no mundo e um milhão de novos casos surgem a cada ano1. Ocorre com mais frequência em cirróticos e em pacientes com hepatite B, mesmo sem cirrose. Nas últimas décadas, graças a programas de vigilância com ultrassom semestral em grupos de risco para CHC, o prognóstico desta doença melhorou. Os tumores passaram a ser detectados na sua fase inicial quando podemos empregar tratamentos curativos como a ressecção do tumor, ablação do nódulo ou transplante hepático. Os tratamentos ablativos estão indicados no estágio precoce do CHC, quando estiver contraindicada a ressecção do tumor ou na impossibilidade de realizar o transplante. Os métodos de ablação mais utilizados são: radiofrequência (ARF) e alcoolização percutânea (APC). Neste artigo apresentamos a análise crítica da literatura sobre a alcoolização percutânea no CHC e fazemos uma proposta de indicação deste método no Brasil. Mazzanti e colaboradores2 avaliaram a eficácia da APC em pacientes com CHC. Estudaram a sobrevida e fatores de prognóstico em 127 pacientes com um nódulo menor do que 3 cm ou com 2 nódulos cuja soma dos diâmetros fosse menor do que 5 cm. A necrose tumoral completa pós a APC, avaliada por TC um mês após o procedimento, foi obtida em todos os pacientes. Os resultados mostraram uma recorrência do CHC em 70% (89/127) dos pacientes, sendo que as recorrências mais frequentes foram novas lesões em áreas distantes do tumor primário alcoolizado, que surgiram em 81% (72/89) dos casos. A recidiva local ocorreu em 19% (17/89) dos casos. A recorrência local foi de apenas 15% nos tumores menores do que 3 cm, enquanto que foi de 32% nas lesões entre 3 e 5 cm. Os fatores prognósticos associados com uma maior sobrevida foram: diâmetro do CHC menor do que 3 cm (p= 0,048), presença de pseudocápsula na imagem (p=0,0008), valor de alfa feto proteína (AFP) menor do que 20 ng/ml (p=0,010), Child Pugh A (p<0,0001). A sobrevida em pacientes com fatores de prognóstico favoráveis foi de 61 meses. O autor conclui que a APC é um método seguro, eficaz e barato para tratar CHC com menos de 3 cm. Ebara e colaboradores3 avaliaram retrospectivamente a eficácia terapêutica da APC no tratamento do CHC ≤ 3 cm em 270 pacientes tratados entre 1983 e 2002. O diâmetro dos nódulos era menor do que 1 cm em 2% dos casos, entre 1 e 2 cm em 57% e entre 2,1 e 3,0 cm em 41%. A maioria (75%) dos pacientes apresentava apenas um nódulo, 22% com 2 nódulos e 4% com 3 tumores. A APC provocou necrose tumoral completa, avaliada por TC um mês após a alcoolização, em todos os pacientes. A taxa de recorrência local foi de 10% em 3 anos de seguimento. A sobrevida em 3 anos pós-tratamento foi de 82% e de 60% em 5 anos. As melhores taxas de sobrevida pós alcoolização foram encontradas nos pacientes Child A com um tumor único ≤ 2 cm (87% em 3 anos e 78% em 5 anos). Os fatores que influenciaram a sobrevida foram: função hepática (Child) e valor da alfa feto proteína (AFP). A recorrência de novas lesões em áreas distantes do tumor primário alcoolizado foi menor nos pacientes com CHC<2 cm e nos pacientes com nódulo único. Os autores concluem que a APC pode ser considerado um tratamento confiável em termos de eficácia e segurança em tumores pequenos. No início dos anos 2000 surge a ablação por radiofrequência (ARF) como um novo método terapêutico para o tratamento curativo do CHC em pacientes sem indicação de transplante ou de ressecção. As indicações de tratamento com ARF são muito semelhantes àquelas com APC e uma série de estudos comparativos entre os dois métodos terapêuticos foram publicados comparando as duas metodologias. Lin e colaboradores publicaram em 20044 um estudo, com 157 pacientes, comparando resultados entre ARF, APC e APC com alta dose álcool em tumores ≤4 cm. A necrose tumoral completa foi obtida em 88% dos pacientes com APC, 92% nos com APC com alta dose de álcool e 96% nos que foram submetidos à ARF. Após 2 anos de seguimento, nos pacientes em que foi obtida necrose completa do CHC, a progressão local do tumor foi de 35% na APC, 24% na APC com alta dose de álcool e de 14% na ARF. A sobrevida em 3 anos nos pacientes com CHC entre 1 e 2 cm foi de 78% nos tratados com ARF, 70% nos tratados com APC e de 71% no grupo APC com alta dose de álcool. No grupo de pacientes 1. Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFRJ - Supervisor do Ambulatório de Hepatologia do HUCFF GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72 J. A. com tumores entre 2,1 e 3,0 cm a sobrevida em 3 anos foi de 73% nos tratados com ARF, 62% nos tratados com APC e de 64% no grupo APC com alta dose de álcool. O aparecimento de novas lesões em áreas distantes do tumor primário foi de 36,5% no grupo tratado com APC, de 32% no grupo tratado com alta dose de álcool e de 30,7% no grupo da ARF. A análise multivariada mostrou que os fatores prognósticos foram: o tamanho do tumor, o método de tratamento (ARF melhor do que APC) e a diferenciação histológica. Os autores concluem que, em tumores menores do que 4 cm, o tratamento com ARF resulta em melhores desfechos clínicos do que alcoolização. Em 2009 foram publicadas duas metanálises comparando ARF e APC5,6 que mostraram uma superioridade da ARF sobre a APC em relação à eficácia. Em 2010, Germani7 e colaboradores publicaram uma metanálise comparando ARF e APC no tratamento do CHC. Foram incluídos na análise 6 estudos randomizados (3 da Europa e 3 da Ásia), totalizando 787 pacientes (396 ARF e 391 APC). Os autores analisaram sobrevida, recorrência local do tumor e à distância, necrose completa do tumor e complicações. Os resultados da comparação entre ARF e APC mostraram: a) Maior sobrevida para o grupo submetido à ARF (OR= 0,52 95% IC= 0,35-0,78; p=0,001), assim como maior redução no risco de morte para o grupo da ARF (hazard ratio= 0,53; 95% IC= 0,44–0,64; p < 0,00001); b) A ARF resultou em necrose completa do nódulo com mais frequência do que a APC (OR= 0,29; 95% CI= 0,16–0,53; p < 0,0001); S. S oares No editorial da revista8, Alexandro Forner e Jordi Bruix comentam o artigo e fazem uma excelente análise dos métodos ablativos. Reconhecem que a ARF é o melhor método, porém não descartam a APC como um tratamento ablativo eficaz em tumores menores do que 2 cm e nos casos em que a RFA represente um procedimento arriscado. Após a revisão da literatura, concluímos que a ablação por radiofrequência (ARF) é superior à alcoolização percutânea (APC) em relação à sobrevida global, recorrência local do tumor tratado e necrose completa do tumor. Em tumores menores do que 2 cm, os estudos não mostram diferenças significativas entre os 2 métodos. O Brasil, país com contrastes econômicos e tecnológicos acentuados, não dispõe da ablação por radiofrequência (ARF) na rede de saúde do SUS e com frequência este procedimento não está disponível na rede privada. A ARF é um método caro (acima de R$ 10.000,00 por sessão), necessita de equipamento especial e pessoal treinado, estando disponível apenas em centros avançados de hepatologia. A alcoolização percutânea é um método de tratamento eficaz, barato, com raros efeitos adversos graves e não necessita de equipamentos especiais. Na impossibilidade de empregarmos a ablação por radiofrequência, devemos optar pela alcoolização percutânea. Referências 1. 2. 3. c) Menor recidiva local do tumor no grupo da ARF (OR= 0,27; 95% CI 0,16–0,45; p < 0,00001) 4. d) Não houve diferença estatisticamente significativa no aparecimento de novos tumores longe do tumor primário tratado (OR= 0,87; 95% CI= 0,64–1.19; p = 0,38). 5. e) A ARF necessitou de um número menor de sessões para conseguir necrose completa do tumor. 6. Comparando a eficácia dos dois métodos ablativos no tratamento de tumores menores de 2 cm, os autores não encontraram diferenças significativas entre a ARF e a APC na taxa de mortalidade e de recorrência local do tumor. Na conclusão do estudo destacam a superioridade da ARF sobre a APC, em especial nos nódulos de CHC acima de 2 cm. de 7. 8. el Pozo, A. C. and P. Lopez (2007). “Management of D hepatocellular carcinoma.” Clin Liver Dis 11(2): 305-21. Mazzanti, R., U. Arena, et al. (2004). “Survival and prognostic factors in patients with hepatocellular carcinoma treated by percutaneous ethanol injection: a 10-year experience.” Can J Gastroenterol 18(10): 611-8. Ebara, M., S. Okabe, et al. (2005). “Percutaneous ethanol injection for small hepatocellular carcinoma: therapeutic efficacy based on 20-year observation.” J Hepatol 43(3): 458-64. Lin, S. M., C. J. Lin, et al. (2004). “Radiofrequency ablation improves prognosis compared with ethanol injection for hepatocellular carcinoma < or =4 cm.” Gastroenterology 127(6): 1714-23. Orlando, A., G. Leandro, et al. (2009). “Radiofrequency thermal ablation vs. percutaneous ethanol injection for small hepatocellular carcinoma in cirrhosis: meta-analysis of randomized controlled trials.” Am J Gastroenterol 104(2): 514-24. Cho, Y. K., J. K. Kim, et al. (2009). “Systematic review of randomized trials for hepatocellular carcinoma treated with percutaneous ablation therapies.” Hepatology 49(2): 453-9. Germani, G., M. 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