Alcoolização percutânea no carcinoma hepatocelular: análise
crítica da literatura e proposta de indicação do método
J orge A.
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de
S egadas S oares 1
O carcinoma hepatocelular (CHC) é o quinto tumor mais
frequente no mundo e um milhão de novos casos surgem a
cada ano1. Ocorre com mais frequência em cirróticos e em
pacientes com hepatite B, mesmo sem cirrose. Nas últimas
décadas, graças a programas de vigilância com ultrassom
semestral em grupos de risco para CHC, o prognóstico desta
doença melhorou. Os tumores passaram a ser detectados
na sua fase inicial quando podemos empregar tratamentos
curativos como a ressecção do tumor, ablação do nódulo ou
transplante hepático. Os tratamentos ablativos estão indicados
no estágio precoce do CHC, quando estiver contraindicada
a ressecção do tumor ou na impossibilidade de realizar o
transplante. Os métodos de ablação mais utilizados são:
radiofrequência (ARF) e alcoolização percutânea (APC).
Neste artigo apresentamos a análise crítica da literatura sobre
a alcoolização percutânea no CHC e fazemos uma proposta
de indicação deste método no Brasil.
Mazzanti e colaboradores2 avaliaram a eficácia da APC
em pacientes com CHC. Estudaram a sobrevida e fatores
de prognóstico em 127 pacientes com um nódulo menor
do que 3 cm ou com 2 nódulos cuja soma dos diâmetros
fosse menor do que 5 cm. A necrose tumoral completa pós
a APC, avaliada por TC um mês após o procedimento, foi
obtida em todos os pacientes. Os resultados mostraram uma
recorrência do CHC em 70% (89/127) dos pacientes, sendo
que as recorrências mais frequentes foram novas lesões em
áreas distantes do tumor primário alcoolizado, que surgiram
em 81% (72/89) dos casos. A recidiva local ocorreu em 19%
(17/89) dos casos. A recorrência local foi de apenas 15% nos
tumores menores do que 3 cm, enquanto que foi de 32% nas
lesões entre 3 e 5 cm.
Os fatores prognósticos associados com uma maior sobrevida
foram: diâmetro do CHC menor do que 3 cm (p= 0,048),
presença de pseudocápsula na imagem (p=0,0008), valor de
alfa feto proteína (AFP) menor do que 20 ng/ml (p=0,010),
Child Pugh A (p<0,0001). A sobrevida em pacientes com
fatores de prognóstico favoráveis foi de 61 meses. O autor
conclui que a APC é um método seguro, eficaz e barato para
tratar CHC com menos de 3 cm.
Ebara e colaboradores3 avaliaram retrospectivamente a
eficácia terapêutica da APC no tratamento do CHC ≤ 3 cm
em 270 pacientes tratados entre 1983 e 2002. O diâmetro
dos nódulos era menor do que 1 cm em 2% dos casos,
entre 1 e 2 cm em 57% e entre 2,1 e 3,0 cm em 41%.
A maioria (75%) dos pacientes apresentava apenas um
nódulo, 22% com 2 nódulos e 4% com 3 tumores. A APC
provocou necrose tumoral completa, avaliada por TC um
mês após a alcoolização, em todos os pacientes. A taxa de
recorrência local foi de 10% em 3 anos de seguimento. A
sobrevida em 3 anos pós-tratamento foi de 82% e de 60%
em 5 anos. As melhores taxas de sobrevida pós alcoolização
foram encontradas nos pacientes Child A com um tumor
único ≤ 2 cm (87% em 3 anos e 78% em 5 anos). Os fatores
que influenciaram a sobrevida foram: função hepática (Child)
e valor da alfa feto proteína (AFP). A recorrência de novas
lesões em áreas distantes do tumor primário alcoolizado foi
menor nos pacientes com CHC<2 cm e nos pacientes com
nódulo único. Os autores concluem que a APC pode ser
considerado um tratamento confiável em termos de eficácia
e segurança em tumores pequenos.
No início dos anos 2000 surge a ablação por radiofrequência
(ARF) como um novo método terapêutico para o tratamento
curativo do CHC em pacientes sem indicação de transplante
ou de ressecção. As indicações de tratamento com ARF são
muito semelhantes àquelas com APC e uma série de estudos
comparativos entre os dois métodos terapêuticos foram
publicados comparando as duas metodologias.
Lin e colaboradores publicaram em 20044 um estudo, com
157 pacientes, comparando resultados entre ARF, APC e
APC com alta dose álcool em tumores ≤4 cm. A necrose
tumoral completa foi obtida em 88% dos pacientes com APC,
92% nos com APC com alta dose de álcool e 96% nos que
foram submetidos à ARF. Após 2 anos de seguimento, nos
pacientes em que foi obtida necrose completa do CHC, a
progressão local do tumor foi de 35% na APC, 24% na APC
com alta dose de álcool e de 14% na ARF. A sobrevida em 3
anos nos pacientes com CHC entre 1 e 2 cm foi de 78% nos
tratados com ARF, 70% nos tratados com APC e de 71% no
grupo APC com alta dose de álcool. No grupo de pacientes
1. Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFRJ - Supervisor do Ambulatório de Hepatologia do HUCFF
GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72
J. A.
com tumores entre 2,1 e 3,0 cm a sobrevida em 3 anos foi
de 73% nos tratados com ARF, 62% nos tratados com APC e
de 64% no grupo APC com alta dose de álcool.
O aparecimento de novas lesões em áreas distantes do
tumor primário foi de 36,5% no grupo tratado com APC, de
32% no grupo tratado com alta dose de álcool e de 30,7%
no grupo da ARF. A análise multivariada mostrou que os
fatores prognósticos foram: o tamanho do tumor, o método
de tratamento (ARF melhor do que APC) e a diferenciação
histológica. Os autores concluem que, em tumores menores
do que 4 cm, o tratamento com ARF resulta em melhores
desfechos clínicos do que alcoolização.
Em 2009 foram publicadas duas metanálises comparando
ARF e APC5,6 que mostraram uma superioridade da ARF
sobre a APC em relação à eficácia.
Em 2010, Germani7 e colaboradores publicaram uma metanálise comparando ARF e APC no tratamento do CHC.
Foram incluídos na análise 6 estudos randomizados (3 da
Europa e 3 da Ásia), totalizando 787 pacientes (396 ARF
e 391 APC). Os autores analisaram sobrevida, recorrência
local do tumor e à distância, necrose completa do tumor e
complicações. Os resultados da comparação entre ARF e
APC mostraram:
a) Maior sobrevida para o grupo submetido à ARF (OR= 0,52
95% IC= 0,35-0,78; p=0,001), assim como maior redução
no risco de morte para o grupo da ARF (hazard ratio= 0,53;
95% IC= 0,44–0,64; p < 0,00001);
b) A ARF resultou em necrose completa do nódulo com mais
frequência do que a APC (OR= 0,29; 95% CI= 0,16–0,53;
p < 0,0001);
S. S oares
No editorial da revista8, Alexandro Forner e Jordi Bruix
comentam o artigo e fazem uma excelente análise dos
métodos ablativos. Reconhecem que a ARF é o melhor
método, porém não descartam a APC como um tratamento
ablativo eficaz em tumores menores do que 2 cm e nos casos
em que a RFA represente um procedimento arriscado.
Após a revisão da literatura, concluímos que a ablação por
radiofrequência (ARF) é superior à alcoolização percutânea
(APC) em relação à sobrevida global, recorrência local do
tumor tratado e necrose completa do tumor. Em tumores
menores do que 2 cm, os estudos não mostram diferenças
significativas entre os 2 métodos. O Brasil, país com contrastes
econômicos e tecnológicos acentuados, não dispõe da
ablação por radiofrequência (ARF) na rede de saúde do SUS
e com frequência este procedimento não está disponível na
rede privada. A ARF é um método caro (acima de R$ 10.000,00
por sessão), necessita de equipamento especial e pessoal
treinado, estando disponível apenas em centros avançados
de hepatologia. A alcoolização percutânea é um método de
tratamento eficaz, barato, com raros efeitos adversos graves e
não necessita de equipamentos especiais. Na impossibilidade
de empregarmos a ablação por radiofrequência, devemos
optar pela alcoolização percutânea.
Referências
1.
2.
3.
c) Menor recidiva local do tumor no grupo da ARF (OR=
0,27; 95% CI 0,16–0,45; p < 0,00001)
4.
d) Não houve diferença estatisticamente significativa no
aparecimento de novos tumores longe do tumor primário
tratado (OR= 0,87; 95% CI= 0,64–1.19; p = 0,38).
5.
e) A ARF necessitou de um número menor de sessões para
conseguir necrose completa do tumor.
6.
Comparando a eficácia dos dois métodos ablativos no
tratamento de tumores menores de 2 cm, os autores não
encontraram diferenças significativas entre a ARF e a APC
na taxa de mortalidade e de recorrência local do tumor.
Na conclusão do estudo destacam a superioridade da ARF
sobre a APC, em especial nos nódulos de CHC acima de 2 cm.
de
7.
8.
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D
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Hepatol 52(3): 310-2.
GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72
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Alcoolização percutânea no carcinoma hepatocelular: análise crítica