Virgem dos Pobres (Banneux - Bélgica) (1933) Contexto social O minúsculo e até miserável povoado de Banneux ficava uns 90 quilômetros a nordeste de Beauring e uns 10 quilômetros a leste da cidade histórica de Liège. Como Beauraing, Banneux aparecia em poucos mapas (e até hoje o atlas mundial do Times não o identifica). Na época, entretanto, ao contrário de Beauraing, boa parte da pequena população, nominalmente católica, de Banneux era favorável ao marxismo e quase nunca tinha alguma coisa a ver com a Igreja, se pudesse evitá-lo. No que era identificado como “os arredores mais pobres” do já muito pobre Banneux, Julian Beco, de 34 anos, sua mulher Louise e os sete filhos viviam em três pequenos cômodos. Julian era um guarda-fios desempregado que raramente saía de casa e também um “católico relapso” que mantinha a família afastada de contatos com a Igreja. Mariette Beco, a filha mais velha, nascera na festa da Anunciação, 25 de março de 1921, e, assim, em janeiro de 1933, faltavam dois meses para ela completar 12 anos. É descrita como “gazeteira”, além de não gostar da escola, tinha muito o que fazer como “mãe substituta” dos irmãos e irmãs e “administradora das finanças da família”. Ao anoitecer do domingo, 15 de janeiro de 1933, Mariette esperava à janela um de seus irmãos que fora à casa de um amigo e estava demorando para voltar. Era uma noite sem lua e nevava um pouco. Enquanto olhava pela janela, ela viu, sobre um canteiro do pequeno jardim, a tênue figura luminosa do que parecia ser uma mulher com a cabeça ligeiramente inclinada para um lado. Mariette contou à mãe que primeiro pensou tratar-se de uma “bruxa”. Alguns relatos afirmam que Louise olhou pela janela e também viu a figura luminosa de uma mulher, mas, de qualquer modo, Louise não viu as aparições subseqüentes. A aparição sumiu, mas não antes de Mariette decidir que era a Virgem Santíssima e descrevê-la detalhadamente. A Virgem estava envolta em uma “grande luz oval”. O vestido era de um branco deslumbrante e imaculado, castamente fechado na gola, e caía com “simplicidade” em pregas amplas. A faixa de um “azul inesquecível” estava solta ao redor da cintura e caía em duas pontas à altura do joelho esquerdo. Um véu de tecido transparente, mas totalmente branco como o vestido, cobria a cabeça e os ombros da Senhora que se inclinava para a esquerda e um pouco para frente. A bainha do vestido estava ligeiramente erguida e expunha o pé direito “enfeitado com uma rosa dourada”. Do braço direito, pendia um terço com o brilho de diamantes, e contas e cruz douradas que refletiam a aura oval. Quando soube da aparição, Julian Beco “não ficou impressionado” e falou sobre as tolas influências dos acontecimentos em Beauraing. No dia seguinte, Mariette foi à escola, depois de uma ausência de várias semanas. Lá ela contou a uma amiga sobre a aparição. A amiga achou que padre Jamim, pároco do povoado, deveria saber e, com permissão de Mariette, foi contarlhe. Padre Jamin não deu importância ao caso e não demonstrou interesse, também achando que era um simples eco de Beauraing. Na segunda-feira, 16 de janeiro, Mariette foi ao jardim e viu de novo a aparição. Para consternação de seu pai, viram-na ajoelhar-se e rezar, indiferente ao frio cortante. Na quarta-feira, 18 de janeiro, a Senhora falou pela primeira vez com Mariette, que se encontrava fora da casa, no frio intenso, do qual ninguém conseguia fazê-la entrar em casa. O pai de Mariette ficou “muito perturbado” e foi buscar o padre Jamin, que não estava em casa. Por isso, pediu a um vizinho para ajudar a persuadir Mariette a entrar em casa. Os dois, e talvez Louise Beco e os outros filhos, encontraram Mariette que, em transe, saía do jardim e ia para a estrada, dizendo: “Ela está me chamando”. O grupo seguiu-a, iluminando o caminho com uma lanterna, até que, depois de ajoelhar-se pelo caminho, Mariette chegou a uma pequena fonte perto da estrada. Mergulhou as mãos na fonte e, então, “pareceu voltar a si”. Interrogada, afirmou que a Mãe Santíssima lhe dissera: “Esta fonte está reservada para mim”, e depois acrescentara: Bonsoir, au revoir (Boa noite, adeus). Padre Jamin soube desses acontecimentos e, no dia seguinte, foi à casa dos Becos para averiguar. Nessa ocasião, para surpresa de todos, Julian Beco perguntou quando poderia confessar-se. Seu desejo foi prontamente satisfeito. Depois de receber a absolvição, comungou na missa da manhã seguinte, 20 de janeiro, o que o transformou em motivo de chacota entre os marxistas-socialistas de Banneux. No jardim, quando Mariette lhe perguntou quem ela era, a Senhora respondeu: “Sou a Virgem Santíssima dos Pobres”. Na fonte, quando Mariette pediu à Senhora que explicasse o significado das palavras “esta fonte está reservada para mim”, a Mãe Santíssima explicou que a fonte era “para todas as nações, para os doentes” e que ela veio “trazer alívio aos que estão doentes”. Em 18 ou 19 de janeiro, Mariette assistiu à aula de catecismo, “ao contrário do que costumava fazer”, o que impressionou a todos no povoado e também deu a padre Jamin, agora interessado, a oportunidade de interrogá-la e tomar notas. Apesar do “adeus” anterior, Mariette ajoelhava-se todas as noites no jardim. Porém a aparição só voltou a surgir em 11 de fevereiro, 15 de fevereiro, 20 de fevereiro e, pela última vez, em 2 de março. Em 2 de março, a Mãe Santíssima deu a Mariette uma daquelas mensagens “secretas” (até onde foi possível descobrir, nunca revelada) e depois despediu-se pela última vez com as palavras: “”Eu sou a Mãe do Salvador, a Mãe de Deus. Reze bastante. Adeus.” Essa aparição de despedida aconteceu durante uma chuva torrencial e um frio cortante, com centenas de espectadores de pé perto da choça dos Becos. A certa altura, a fonte virou “A Fonte” e quase imediatamente relataram-se curas por intermédio de sua água. Em 1934, a água começara a ser engarrafada e enviada a todo o mundo e Julian Beco construíra em seu jardim uma “pequena edificação primitiva” para servir de capela. Logo foram construídos prédios melhores, o que ameaçava “transformar o caráter indigente do cenário”, segundo afirmou uma repórter contemporânea. Barracas e tendas com artigos religiosos à venda começaram a ladear as estradas para Banneux. Multidões de romeiros e visitantes invadiram Banneux. Mariette Beco foi despachada para um colégio interno, para ficar livre das inoportunas, embora bem-intencionadas, solicitações dos romeiros. Uma comissão local, que incluía dois médicos, dois padres e alguns dos residentes mais instruídos, depressa investigou os fatos e, com a mesma rapidez, concluiu unanimemente que não havia nenhuma fraude envolvida nem por parte de Mariette nem de sua família e que Mariette gozava de boa saúde física e mental, com nada que sugerisse tendências anormais. Entre outras coisas, os investigadores concluíram que a frase “Virgem Santíssima dos Pobres” não havia sido tirada de nenhuma invocação com a qual Mariette estivesse familiarizada e, na verdade, que nenhum conceito semelhante jamais surgira dentro da Igreja. Além disso, a frase “vim trazer alívio aos que estão doentes” está em francês (língua na qual a Senhora falou): Je viens soulager les malades. Concluiu-se que Mariette nunca tinha ouvido a palavra soulager (trazer alívio). O “caso de Banneux” não foi resolvido pelo clero belga e sim submetido diretamente ao Vaticano, no fim de 1941, pelo bispo Kerkhofs de Liége. A resposta do Vaticano foi de uma rapidez extraordinária e a veneração da Virgem dos Pobres foi quase imediatamente aprovada e solene e oficialmente iniciada, mas com a condição de que o entusiasmo pela aparição não tivesse precedência sobre as necessidades dos pobres. Um hospital de 250 leitos para os pobres foi depressa construído em Banneux, seguido de outros hospitais semelhantes, dirigidos por nove ordens religiosas. Foram instalados cinco centros internacionais de informações sobre a Virgem dos Pobres. Em todo o mundo, mais de trezentas capelas, mais de três mil monumentos e santuários e 25 igrejas foram dedicados à Virgem dos Pobres. Mais de quinhentas mil pessoas visitam Banneux anualmente e, até 1953, mais de cinqüenta curas milagrosas foram autenticadas. Mariette Beco casou-se, teve filhos, e foi inflexível na resistência a qualquer publicidade. As aparições em Beauraing e em Banneux foram as últimas a obter aprovação eclesiástica oficial. A Sagrada Congregação da Santa Sé em Roma decidiu, em última instância, que a aprovação eclesiástica sobre as aparições já não era necessária.