Domingo, 23 de Novembro de 2008 | Versão Impressa
Mapa descreve onde e como vivem os pobres mais
pobres do Brasil
Para organizar dados, Ministério do Desenvolvimento Social criou o Índice de Desenvolvimento Familiar
Lisandra Paraguassú
Os pobres mais pobres do Brasil estão onde o assistencialismo público equivale a pouco mais
do que uma esmola social e o trabalho assalariado praticamente inexiste. A combinação
desses dois fatores com a baixíssima escolaridade faz do Amazonas o Estado com a pior
situação de miséria, seguido do Pará e Maranhão. Nove dos 10 municípios com os muito
pobres do Brasil são da Região Norte.
Veja a pesquisa completa
Esse mapa sobre como vivem e onde vivem os miseráveis brasileiros, a que o Estado teve
acesso com exclusividade, foi montado pelo Ministério do Desenvolvimento Social com a ajuda
do Cadastro Único, um monumental estoque de informações sobre as famílias assistidas pelo
Bolsa-Família. Para organizar esses dados, o governo criou o Índice de Desenvolvimento
Familiar (IDF), que será apresentado amanhã.
O IDF juntou seis itens - vulnerabilidade familiar, escolaridade, acesso ao trabalho, renda,
desenvolvimento infantil e condições de habitação - e revela que onde chega o
assistencialismo, mas não há políticas públicas articuladas, o presente dos pobres é quase
igual ao passado.
É assim em Jordão (AC), cidade de pouco mais de 6 mil habitantes, espalhados por mais de 5
mil quilômetros quadrados na fronteira com o Peru. No IDF, Jordão divide com Uiramutã (RR)
o título de município onde a população pobre enfrenta mais dificuldades - tem 0,35 em um
índice que vai de zero (o pior) a um. Colonizada na época áurea da extração da borracha,
Jordão quase desapareceu com o fim do ciclo, na década de 80.
"O governo nunca se preocupou conosco. Quando a borracha acabou, ficamos sem nada. Sem
emprego, sem produção, sem educação", diz o prefeito da cidade, Hilário de Holanda Melo
(PT), que acabou de ser reeleito. "Estamos aqui sentados guardando a riqueza da floresta e
mergulhados na pobreza."
ANALFABETISMO
Jordão também tem o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País e mais
de 60% da população é analfabeta. A economia restringe-se à agricultura de subsistência e ao
extrativismo vegetal. Não tem saneamento ou tratamento de esgoto e a energia vem de um
gerador. Para chegar até lá, só de barco ou avião - caso típico de Estado ausente até por falta
de infra-estrutura.
"Não é o fim do mundo não, minha filha. Uma hora e meia de avião ou 18 horas de barco se
chega a Rio Branco", diz o prefeito. Reconhece, no entanto, que a falta de acesso prejudica
qualquer tentativa de desenvolver o turismo, artesanato ou outro tipo de produção local. É o
retrato extremo de realidade que o Bolsa-Família sozinho não muda.
O que o IDF mais expõe, porém, não é a falta de infra-estrutura viária. Os piores são os
indicadores de acesso ao conhecimento - presença de analfabetos ou pessoas com menos de
quatro anos de estudo na família - e ao trabalho, que leva em conta pessoas ocupadas com
rendimento acima de um salário mínimo, os piores na maior parte dos municípios. "São as
pessoas que têm muitas dificuldades por conta da sua própria condição de pobreza", explica a
secretária de Renda e Cidadania, Lúcia Modesto.
O indicador que trata de trabalho é o que mais revela essas dificuldades. Em 61 municípios, o
IDF relacionado ao acesso ao trabalho é 0. E, se é dominada pelos Estados mais pobres do
País, a lista inclui cidades em Minas, Rio, Rio Grande do Sul e Goiás. Em mais de 3 mil
municípios, o índice é de 0,05, na escala que vai até 1.
Isso significa que praticamente ninguém, dentre as famílias mais pobres dessas localidades,
têm emprego formal ou mesmo fixo fora da agricultura de subsistência. E, mesmo que
procurem, terão muita dificuldade em encontrar algo que os ajude a sair da dependência de
programas como o Bolsa-Família.
GASTOS
Nas cidades em que os pobres são mais pobres não há trabalho. Apesar da universalização
recente do acesso à escola, a geração de jovens e adultos ainda foi pouco além das primeiras
séries do ensino fundamental. E, na maior demonstração de que ali está a pobreza
marginalizada, mora-se muito mal. Há excesso de gente habitando casas precárias, sem
saneamento, água tratada, esgoto, coleta de lixo ou mesmo eletricidade.
Há cerca de um mês, um estudo apresentado pelo professor Carlos Monteiro, da Escola de
Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), em um seminário sobre alimentação,
mostrou que a única região do País onde a desnutrição infantil ainda permanece alta (14%) é o
Norte. A falta de saneamento é o problema: com diarréia crônica, causada por água mal
tratada, as crianças não absorvem nutrientes.
Entre as capitais brasileiras, onde o Estado brasileiro está mais próximo, a situação é um
pouco melhor. Não há nenhuma capital entre os 500 municípios com piores IDFs. Macapá (AP)
e Porto Velho (RO) têm as piores situações, com IDF 0,48. Mas Belém (PA), Manaus (AM) e Rio
Branco (AC) aparecem com 0,49 apenas. São Paulo, a cidade mais rica do País, tem um IDF de
0,55, igual ao de Teresina (PI), Natal (RN) e Aracaju (SE). Curitiba e Salvador são as melhores
capitais, com 0,59 e 0,58, respectivamente.
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