TEORIA GERAL DA ADMINISTRAÇÃO: Mais do que apenas avistar as
Escolas do Pensamento Administrativo
RESUMO
Este artigo é fruto de uma pesquisa de natureza exploratória, que vem sendo
desenvolvida nos últimos três anos. Nossa intenção nele é suscitar a interferência
inevitável de tendências humanas de pensar o que é percebido, na determinação e
explicação da realidade e assim, por analogia, da realidade organizacional. Por
conseqüência, fundamentar os diversos modelos de organização, os vários significados do
conceito de administração e de seu objeto de estudo, bem como as múltiplas índoles dos
atos administrativos e seus resultados.
Nossos estudos foram realizados de maneira eminentemente teórica, buscando
configurar um modelo das tendências do pensamento humano na explicação da realidade.
Isto se deu através da análise do pensamento, expresso nos discursos de autores de várias
ordens – desde filósofos até administradores, propriamente ditos. Não fomos, ainda,
exaustivos na revisão, mas devidamente intencionais na escolha de autores sobre o assunto,
de modo que pudéssemos introduzir, consistentemente, a discussão.
Como resultados primeiros, formulamos algumas hipóteses: (1) o indivíduo
humano apresenta uma tendência dominante para a explicação da realidade; (2) a realidade
é vista pelo indivíduo humano segundo determinado centramento que o mesmo faz nos
conceitos de Deus, Natureza ou Homem (elemento não físico – humano); e (3) a realidade
organizacional, vista como um conjunto de relações organizacionais, também pode ser
explicada com base neste modelo e apresentada como o objeto de estudo geral da
Administração.
Considerações Iniciais: Tentando Configurar um Modo de Explicação da Realidade
Um dos aspectos por demais angustiante no estudo da Administração, pelo menos
para nós, é a diversidade de perspectivas e abordagens com que o assunto é pensado e
tratado por vários autores da área de conhecimento, carregando consigo seus modos
peculiares de ver as questões organizacionais. O que parece ser uma riqueza de abordagens
múltiplas, mais condiz com uma grande panacéia de discursos ou amplitude da ignorância.
O foco necessário de estudo para a consolidação do conhecimento nos parece estar
comprometido, apesar de afirmar-se um avanço no estudo da Administração. Afinal, como
este avanço pode ser afirmado se ainda há sérias dúvidas quanto a questões tão
fundamentais a determinação de seu objeto de estudo?
De outra forma, a desculpa de multidisciplinaridade tão comum no estudo da
Administração, utilizada para justificar a indefinição ou a imprecisão de seu objeto, e não,
para caracterizar a natureza do conhecimento administrativo, já é hora de ser pautada para
uma discussão acadêmica mais aprofundada – aquela em que se deve questionar as razões
de ordem fundamental. O tão famigerado tomar emprestado conceitos e outros elementos
2
das diversas áreas do conhecimento humano, sem o foco necessário da questão atinente,
também já não faz mais sentido após quase um século de estudos formais.
Mas, qual é efetivamente a questão administrativa – ou melhor, qual o objeto de
estudo da administração? Não há, isto é evidente, um consenso entre os estudiosos.
Destarte tal fato, algo nos parece preceder ao encaminhamento de uma definição do
mesmo: a investigação sobre o conceito de Administração que está em jogo. Ilustrando,
uma vista ao texto de MAXIMIANO (1997) nos mostra diversas abordagens à questão
organizacional, propostas por renomados pensadores na área, ao longo do percurso
histórico neste século. Apesar do referido autor tentar uma definição – Administração
como um processo de tomar e colocar em prática decisões sobre objetivos e utilização de
recursos (p. 16), percebe-se que outros autores guardam definições distintas. Outras
respostas as referidas questões confirmam esta nossa leitura. Uma expressão de ETZIONI
(1973:15) parece levar-nos a circular em torno daquilo que se está procurando saber – a
questão básica é saber a melhor forma de coordenar as atividades humanas, a fim de
compor uma unidade altamente racional e, ao mesmo tempo, manter a integração social,
as responsabilidades normativas dos participantes e sua motivação para participação.
Intérpretes de pensadores administrativos, como CHIAVENATO (1987:14), tentam
precisar ainda mais, quando afirma que o objeto de estudo da administração sempre foi a
ação organizacional inicialmente entendida como um conjunto de cargos e tarefas, mas
além, como um conjunto de órgãos e funções, desdobrando-se posteriormente em uma
complexa gama de variáveis até chegar à concepção de sistemas. De outra forma, o autor
referido observou que as mais recentes teorias administrativas tem por objeto de estudo a
organização, como um sistema composto de subsistemas que interagem entre si e com o
ambiente externo (Chiavenato, 1987:14)
Está claro que, outros autores guardam outras definições, como houvéramos dito
antes, umas próximas, outras distantes entre si. É nítido assim que não há um acordo sobre
o que consiste o fenômeno em pauta e seu respectivo objeto. Como conseqüência, surgem
no estudo da Administração grandes perplexidades e fragilidades conceituais, fazendo-se
necessários estudos de índole fundamental que justifiquem, fundamentem e expliquem o
referido objeto e o próprio pensar administrativo.
Discutindo isto de outra forma, examinemos aspectos evidentes na atualidade das
organizações. Quando buscamos entender quais as maiores causas dos graves problemas
que atingem nossa sociedade tendemos a visualizá-las como o que de mais próximo se nos
apresenta. Na área empresarial, teríamos como exemplo a questão de desemprego, onde as
pessoas normalmente indicam como sendo suas causas a implementação tecnológica, as
intervenções negativas governamentais, a superpopulação, a despreocupação social da
classe empresária, entre outras respostas comuns e possíveis. Pouco, porém, se percebe que
cada uma destas citadas causas podem ser apenas conseqüências de um modelo de
explicação maior que justifica e defende determinadas formas de pensar, decidir e agir.
Este modelo, como causa original das formas de ação e pensamento, estará sempre
centrado em uma unidade conceitual que lhes confere consistência e lhes define a
perspectiva sob a qual está sendo explicada a realidade.
Foucault (1986) traz-nos, através da análise dos tempos da Inquisição, as
justificativas de numerosas e desumanas torturas na época. Acreditava-se, segundo o autor,
que quanto mais doloroso o castigo, maior a piedade de Deus, e mais certa seria a salvação
2
3
seja pela morte, seja pela vitória sobre ela concedida por Deus ao infeliz. Diante de um
pensamento místico tais ações eram consideradas justas, necessárias e até mesmo piedosas,
pois garantiam a salvação eterna. Outra forma de justificar o quanto as perspectivas são
definidoras das decisões e ações vem da própria era industrial. Era do início da produção
em escala, da primazia das relações Homem x Coisa como fonte de satisfação humana, da
concepção do Homem como máquina de produção. Huberman (1983), apresenta as
desumanas explorações de mulheres, crianças e trabalhadores em geral, em longas jornadas
de trabalho muitas vezes sem as mínimas condições de higiene e saúde, sem direitos,
descanso e com salários insuficientes às necessidades humanas mínimas. Será que
poderíamos entender algo justificando toda esta desumanidade? Sim. Diante de um
pensamento em vista do Material, em que a felicidade do Homem era o Ter, poderia
justificar esta exploração humana para a confirmação dos valores materialistas
impregnados em uma sociedade que os critérios dominantes são de ordem eminentemente
econômica.
Na nossa sociedade atual marcada pela presença onipotente das empresas
capitalistas em busca de situações cada vez mais rentáveis, conforme podemos interpretar
em Aktouf (1996), esta busca de lucros também justificariam demissões em massa em vista
de inovações tecnológicas para redução de custos e aumento de produtividade, programas
de Lavagem Cerebral para a implementação eficiente de Programas de Qualidade em face
das necessidades da empresa de participar do Mercado Global, entre outras posições que
teríamos por desumanas mas que, na concepção dominante, são plenamente justificadas. O
problema, então, se apresenta no modo de abordagem oriundo da tendência de explicação
que se tenha da realidade, pois ela, a nosso ver, constitui a raiz das grandes questões
humanas.
Portanto, a questão administrativa não é um elemento objetivo, quando se trata de
determiná-la. Pelo contrário, ao pensá-la, defini-la, aquele que a pensa já lhe embute um
componente subjetivo de leitura, análise e interpretação da realidade organizacional,
caracterizando, desta forma, uma tendência de explicação. Estas tendências, presentes de
modo dominante no humano, quando este percebe a realidade, constituem um modo de
explicação contido no pensamento humano, seja sobre a realidade geral, seja sobre a
realidade organizacional, no caso específico, que interfere, inevitavelmente, no modo de
pensar administrativo, na construção de abordagens às questões organizacionais.
No intuito de desacobertar de dúvidas e de incongruências a definição do objeto de
estudo da Administração e, assim, descobrir o próprio fundamento do fenômeno em
questão, temo-nos dedicado a alguns estudos referenciais à abordagem deste tema. Estes
estudos atravessaram desde a Teoria do Conhecimento até a leitura de obras de pensadores
da Filosofia e da Administração, que nos permitiram identificar as diferentes
determinações do objeto de estudo e as causas disto – mesmo porque, a diversidade na
determinação do referido objeto é evidente na literatura administrativa, contudo, as
justificações de tal não é algo explícito.
Nossos estudos foram realizados de maneira eminentemente teórica, ou seja,
pautou-se em uma pesquisa bibliográfica ou amostra da literatura, a fim de: (1) configurar
um modelo explicativo das tendências do pensamento humano na leitura, análise e
interpretação da realidade, o que somente nos pareceu possível através do estudo dos
pensamentos, expressos em opiniões de pensadores contidas em suas obras; (2) aprofundar
nossos estudos em temas como a Teoria do Conhecimento, o que julgamos, pela natureza
3
4
do assunto, imprescindível para o alcance dos resultados esperados; (3) respaldar-nos
conceitualmente, pois, em estudos de índole fundamental, como é o nosso, a apreciação da
realidade em geral precede ao estudo da realidade específica – no nosso caso, a realidade
organizacional, o que nos levou, em um primeiro instante, a configurar um modelo geral de
leitura, análise e interpretação da realidade, partindo de estudos na fonte, na mãe de todas
as ciências – a filosofia; (4) tomarmos o discurso de alguns pensadores como se nosso
fosse – dentre os mesmos, neste estágio ainda inicial da investigação, elegemos uma
amostra intencional de três eminentes pensadores - ou seja, Santo Agostinho [354-430],
Bacon [1561-1626] e Sartre [1905-1980], além de outros, circundantemente, como Comte,
Heidegger e Hessen; primeiramente em leituras de seus intérpretes – por exemplos, Durant
(1991), Andery et al. (1988), Vergez & Huisman (1988); para, só após isto nos
enveredarmos na aventura de sermos seduzidos por algumas de suas obras; (5) no estudo
da realidade organizacional retomamos estudos anteriores realizados por estes autores1,
avançando na leitura de outros pensadores como Maximiano (1997) e uma amostra de
pensadores clássicos: Taylor (1911) e Follett (1924, in Graham, 1997).
A tentativa de formulação de modelos de explicação dos modos de pensar a
realidade não é recente: estudiosos da Teoria do Conhecimento – por exemplo, HESSEN
(1980) - de certo modo, partilham desta mesma intenção de compreender o pensamento
humano em sua abordagem a realidade (objeto). A divisão tripartida na explicação da
realidade também já foi tese defendida por COMTE, em Discurso sobre o espírito
positivo, mas em seu modelo as formas de explicação mítica, metafísica e positiva –
similares, em nosso modelo, às tendências espiritualista, humanista e fisicalista –
apresentam-se evolutivamente sobrepostas, enquanto que, em nosso modelo interpretativo,
todas as tendências coexistem no espaço/tempo, pois que pertinentes a cada indivíduo
humano uma tendência destas como dominante. Além disto, outros autores como
AKTOUF (1996), com suas preocupações acerca da inconsistência conceitual na formação
de administradores e da ineficiência da administração atual na solução de relevantes
problemas humanos - pobreza, destruição do meio ambiente, concentração de renda, entre
outros – e CHANLAT (1992) com suas angústias sobre os problemas advindos na atual
relação Homem – Organização, também nos influenciaram para a realização deste estudo e
na consolidação de nossas hipóteses de trabalho.
Os resultados preliminares desta pesquisa, de cunho exploratório2, levou-nos a
construção inicial de um modelo que pudesse explicar, mesmo que incipientemente, os
modos de pensamento humano e, por conseqüência, os modos de pensamento
administrativo acerca da realidade organizacional, modelos estes configurados segundo
conceitos fundamentais para o pensador. Melhor ainda, acreditamos, e muitos fatos e
evidências nos levaram a isto, que toda a realidade, expressa através de modelos do
pensamento humano, está atrelada à perspectiva3 de leitura, análise e interpretação que
cada humano possa ter. Ou seja, a construção de um determinado conhecimento consiste
em uma apropriação da realidade que se dá através de um processo humano de leitura,
análise e interpretação do que é percebido pelo sujeito. Este processo humano depende da
tendência, dentre outros fatores, do perceptor e configura não apenas o modo como é
1
Ver Seixas et al (1996), Seixas & Grave (1997) e Seixas & Grave (1998).
Este conceito foi extraído de Selltiz et al . (1975)
3
Definimos perspectiva como o modo pessoal de ver ou perceber, perspicazmente, o que nos cerca.
Acreditamos que a perspectiva seja constituída por uma inclinação pessoal (tendência humana), pelo
histórico de vida (background) e pelo domínio conceitual (área de conhecimento) de cada um
2
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percebido e explicado o objeto como também a própria determinação e definição deste
objeto.
Isto nos levou a formular algumas hipóteses: (1) o indivíduo humano apresenta uma
tendência dominante para a explicação da realidade; (2) a realidade é vista pelo indivíduo
humano segundo determinado centramento conceitual que o mesmo faz – em Deus, na
Natureza ou no Homem (elemento não físico – humano). Estas tendências de focar a
explicação da realidade em função destes conceitos configuram o modelo de leitura,
análise e interpretação da mesma: tendência Humanista (centrada no humano); tendência
Espiritualista (centrada no divino); tendência Fisicalista (centrada no físico); e (3) a
realidade organizacional também pode ser explicada com base nestas tendências.
Reafirmamos, portanto, que nossa intenção neste artigo é suscitar a interferência inevitável
destas tendências humanas de pensar o que é percebido na determinação e explicação da
realidade e, por analogia, da realidade organizacional. Assim, conseqüentemente,
fundamentar os diversos modelos de organização e as várias índoles de atos
administrativos e seus resultados, que chamamos de abordagens administrativas.
Entendemos que a relevância da discussão, que aqui será procedida, se demonstra
na configuração de importantes hipóteses explicitadoras do modo de pensar administrativo,
através da explicação do fundamento de existência de diferentes modelos organizacionais e
abordagens administrativas, diferenças estas talvez justificadas, em primeiríssima
instância, pela diversidade da tendência dominante pertinente em seus construtores.
Também, acreditamos, permitirá entender os diversos modos como a realidade
organizacional e os significados de administração e de objeto de estudo, tem sido
colocados, por vezes, completamente diferentes de um para outro autor em virtude das
diferentes tendências explicativas de cada um deles. E mais, traz a baila uma questão de
extrema importância na construção do conhecimento administrativo: a realidade
organizacional como objeto de estudo da administração no âmbito geral; e relações
organizacionais, de várias ordens, no âmbito restrito.
Tendências Explicativas da Realidade e da Realidade Organizacional
A questão aqui em jogo é uma forma do comportamento humano – aquele
associado com o modo pessoal de apropriar-se da realidade. Neste sentido o que estamos
buscando entender é o pensamento humano, não como processo, mas como conteúdo da
interpretação individual que o humano faz quando se apropria da realidade. Mas, pode-se
questionar: qual a validade de se estudar um conteúdo assim tão abstrato e subjetivo como
os modelos de pensamento humano? Diversas poderiam ser as justificativas. Mas,
tentemos uma condizente, inclusive, com nosso discurso ao longo de todo este ensaio
Se admitirmos a apologia Penso, logo existo torna-se defensável a hipótese de que
uma possível essência justificadora do comportamento seja o pensamento. Assim, pode-se
dizer que é o pensamento sobre uma determinada realidade, mais do que ela objetivamente
em si, como muito se tem entendido, que orienta que o comportamento humano seja este
ou aquele, que seleciona qual seja melhor ou pior. Do próprio conceito de pensamento4
4
Pensamento, do latim Pensare, (1) é a atividade da mente através da qual esta tematiza objetos ou toma
decisões sobre a realização de uma ação; (2) é a atividade intelectual através da qual o espírito humano
forma conceitos e juízos; Pensar, segundo Kant (in Prolegômenos), é unir as representações na consciência
(...). A união das representações em uma consciência é o juízo. Pensar, por tanto, é julgar (Japiassu &
5
6
pode-se extrair esta conclusão. Logo, para entender qualquer ação ou decisão humana um
dos elementos que deve ser necessariamente analisado é o próprio pensamento humano,
pois que ele é, possivelmente, uma de suas mais importantes fontes.
Mas este pensamento, o que lhe orienta? Por que encontramos opiniões, que são
comportamentos de manifestação do pensamento, tão diversas sobre, às vezes, os mesmos
temas? Haveria um algo a priori no humano que direcionaria este pensamento, fazendo-o
enfatizar determinados elementos em detrimento de outros e a tratá-los de um modo
peculiar? No estudo dos discursos de vários pensadores que realizamos ao longo de mais
de três anos de investigação, pudemos constatar algumas peculiaridades, que sinalizam a
respeito desta orientação:
1 - pensadores diferentes discursam de modo diverso mesmo em se tratando do mesmo
objeto de análise (realidade). Isto parece significar que os objetos da realidade, quando
apreendidos pelo pensamento humano são reconstruídos por ele, não se tratando de mera
representação do objeto tal como ele é, mas sim, tal como o sujeito o percebe. Esta é a tese
da corrente idealista na teoria do conhecimento no qual, seguindo Hessen (1980), o objeto
real só pode ser o ente construído na consciência do sujeito humano, pois que, fora desta,
nada tem existência ou é cognoscível. A realidade, assim, para os idealistas, compõe-se do
ele mento pensado, aparente, do ideal, pois fora da consciência humana não há o real5. Se
na apreensão do objeto pelo pensamento este se apresenta de forma diferenciada para cada
pensador, deve-se entender, com os idealistas, que não há o objeto único, representado da
mesma maneira por todo e qualquer indivíduo, cada qual o representa de um modo
diferenciado;
2 - no entanto um mesmo pensador guarda, de modo dominante, coerência pelo
fundamento que predomina em seu pensamento mesmo quando trata de objetos distintos.
Há algo que parece justificar o fato dos objetos serem tratados diferentemente por
diferentes pensadores, mas que, para um mesmo pensador, o fundamento na apreensão
deste objeto é constante, ainda quando, ele trate de objetos distintos. Parece haver, então,
algo que direciona este pensamento, alguma tendência humana de perceber a realidade de
um ou de outro modo. O que justificaria esta dominância no modo de tratamento das
questões em cada pensador? Interessantemente, Heidegger (1991:143), orienta-nos a
refletir sobre o assunto. Afirma ele:
toda compreensão (...) tem que se mover sempre num determinado
ângulo de visão. Uma coisa qualquer, por exemplo, um relógio,
permanecer-nos-á oculto naquilo que é enquanto, previamente não
soubermos o que é o temp o. O ângulo visual da visão já deve estar
antecipadamente aberto. Por isso chamamos de ângulo de Pré-visão a
perspectiva. Destarte se mostrará que o Ser (a realidade) não apenas
não é entendida de modo indeterminado como também que a
compreensão do ser (da realidade) move-se, em si mesma, num ângulo
de visão já predeterminado.
3 – a realidade é vista pelo indivíduo humano segundo determinado centramento
conceitual que o mesmo faz – em Deus, na Natureza e no Humano. Inspirados pelo modelo
dos três estados – mítico, metafísico e científico - de COMTE (in Discurso sobre o espírito
Marcondes, 1991)
5
Segundo Hessen (1980), para o idealismo epistemológico não há coisas reais independentes da consciência.
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7
positivo), percebemos que os pensadores tendiam, em seus discursos, a centrar-se em
determinados conceitos para explicar a realidade; estes parecem fechar-se nos conceitos de
Deus (ou do Divino), de Natureza (ou do Físico) e de Homem (ou do Humano),
semelhantemente ao que houvera observado o supra citado autor. Haveria, assim, uma
tendência humana de perceber a realidade, explicando-a com base no Espiritual6, com base
no Físico 7, ou com base no Humano 8.
Com base nestas considerações foi elaborado um possível modelo que
representasse os modos de explicação da realidade – à tendência de centrar-se a percepção
da realidade no conceito de Deus ou Divino, chamamos Tendência Espiritualista de
explicação da realidade; à tendência de centrar-se no elemento físico, Tendência
Fisicalista; e à tendência de centrá-la no elemento humano, Tendência Humanista.
Conforme já observamos anteriormente, para evidenciar tais tendências – ou tentar
demonstrá-las (as hipóteses referentes as mesmas), em princípio, além dos intérpretes de
pensadores filosóficos, escolhemos, intencionalmente, três
filósofos renomados e
estudamos seu discursos em um de seus textos relevantes na literatura: SANTO
AGOSTINHO, FRANCIS BACON e JEAN-PAUL SARTRE.
Definimos o Espiritualismo como a tendência ou modo pessoal do indivíduo
humano em explicar a realidade como um desígnio de Deus (divino, mítico, místico),
determinando, em sua explicação da realidade a busca da origem e do fim divino em todas
as coisas e firmando-se na idéia de Deus criador, salvador e análogos - exemplar deste
modo de leitura encontramos em Santo Agostinho in Cidade de Deus. Esse pensador
demonstrava em seu discurso uma eloqüente tendência espiritualista, afirmando a primazia
do divino, a necessária entrega da vida a Deus, a intervenção de Deus na direção da vida e
da vontade humana e do Universo e a natureza intuitiva e revelada do conhecimento
humano. Para Santo Agostinho, em análise de JERPHAGNON (1992), ao homem nada
caberia senão esperar a revelação divina; o conhecimento vinha da revelação de Deus; a
libertação do pecado também dependia exclusivamente da vontade divina que escolhe seus
eleitos. Afirmava Santo Agostinho a primazia da fé e do conhecimento advindo da
revelação: Crê para compreender pois só a fé nos dá as chaves do Universo, ela nos
fornece os dados fundamentais para interpretarmos os fatos da existência; (...) não há
vontade proveniente do livre arbítrio; toda vontade humana é antes uma vontade de Deus
revelada ao homem (in Vergez & Huisman, 1988:254/255). Em vista deste modo de
explicar a realidade como um desígnio divino, enfatizando a entrega da vida a Deus, a
salvação e a criação, pudemos afirmar que Santo Agostinho é um exemplo, de fato, de uma
tendência espiritualista na explicação da realidade.
Definimos Fisicalismo como a tendência de explicação ou o modo de leitura,
análise e interpretação da realidade que busca explicá-la sempre em seus aspectos físicos
centrando-se na idéia de Natureza – possível exemplo deste modo de leitura encontramos
6
Segundo Brugger (1961), consiste em um ser imaterial, simples e substancial, capaz de possuir-se a si
mesmo mediante a autoconsciência e a livre determinação, bem como de compreender e realizar valores
supra-sensíveis.
7
Segundo Brugger (1961), é um termo que designa os entes da natureza como entes capazes de realidade, em
oposição ao imaginário, ao representado, conceitual, aparente, ao intencional e abstrato e ao meramente
possível; caracterizam-se pela materialidade e podem ser captáveis aos sentidos.
8
Para nós, denota o elemento metafísico do homem – nem físico, nem espiritual, ou seja, seus conteúdos
abstratos que envolvem, entre outros constantes da complexidade humana, pensamentos e afetos; não
apresenta, aqui, o mesmo conceito de homem, para que não seja confundido com o homem físico – corpo,
matéria.
7
8
em Francis Bacon in Novum Organum e Nova Atlântida. Esse pensador enfatiza a
imprescindibilidade do estudo da natureza, da descoberta de suas leis e, assim, do seu
domínio, como pressuposto para a harmonia e felicidade humana. Temos que recorrer a
natureza, afirma Bacon, e não aos livros, às tradições e às autoridades; temos que colocar
a natureza na câmara de tortura e obrigá -la a testemunhar até contra ela mesma, a fim de
que possam controlá -la para atingir nossos objetivos. Também, suas asserções acerca de
um método adequado para a ciência, denotam a tendência de seu pensamento. Afirma
Bacon, em defesa da primazia da observação sobre a mera teorização imaginária constante,
principalmente, na filosofia grega de Platão: O grande erro dos filósofos gregos foi
passarem tanto tempo dedicados a teoria, e tão pouco à observação. (...) O homem, como
ministro e intérprete da natureza, faz e compreende aquilo que suas observações da ordem
da natureza lhe permitem; e não sabe, nem é capaz, de mais. Continua Bacon: O mundo
que Platão descreve é meramente um mundo construído por Platão e retrata Platão, não o
mundo. Para a descoberta da verdade acerca da natureza, e não da verdade que é
conveniente ao pensador, adverte Bacon que o primeiro passo é o expurgo do intelecto;
devemos tornar a ser como criancinhas, livres de ísmos e abstrações, despidos de
quaisquer preconceitos e predisposições; temos que destruir os ídolos da mente. Esta
parte do discurso de Bacon é marcada: i) pela busca incessante da verdade contida na
natureza em si, ii) pela primazia da observação em detrimento a teorizações subjetivas e
imaginárias, iii) pela pregação da necessidade de controle sobre as leis da natureza; iv) por
ter o conhecimento sobre estas leis como um fim ao qual se deve dirigir a humanidade para
alcançar felicidade; e v) pela sua contribuição na consolidação do método científico. Isto
tudo nos parece demonstrar sua tendência fisicalista na explicação da realidade. Observe
ainda que, em Nova Atlântida, Bacon reafirma sua tendência, quando constrói um modelo
de sociedade governada pela ciência e por cientistas.
Definimos Humanismo como a tendência de explicar a realidade como um desígnio
do homem, centrando-se no ser humano - exemplo deste modo de leitura encontramos em
Sartre in Existencialismo. Esse pensador afirma a primazia da subjetividade humana na
determinação da verdade e da ação do homem, pois que, nada além da liberdade humana
de determinar-se, definir-se segundo suas escolhas existenciais, está preestabelecido – nem
mesmo Deus existe para esta determinação. Além disso, Sartre defende a realidade como
construção existencial eminentemente humana. Resumindo parte das idéias sartreanas,
tomemos um trecho de seu texto analisado:
O sentido humanista do existencialismo é que o homem está
constantemente fora de si, isto é, é projetando-se e perdendo-se fora de
si que faz o homem existir. Por outro lado, é perseguindo objetivos
transcendentes que ele pode existir. Sendo o homem esta superação e
não se apoderando dos objetivos senão em relação a ela, ele se situa no
centro desta superação. Não há, assim, outro universo além do universo
humano, o universo de sua subjetividade. E é neste vínculo entre
transcendência, como elemento constitutivo do homem, e a subjetividade,
que chamamos de Humanismo Existencialista.
Pela posição evidente de defender o humano como foco de toda a existência, visto afirmar
ser ela uma construção eminentemente humana, nada havendo antes dela, nem Deus,
podemos atribuir ao referido pensador uma tendência humanista na explicação da
realidade.
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9
Para caracterizar estas tendências buscamos determinar, em cada uma, de modo
essencial:
(1) O quê é percebido, ou seja, o objeto maior de estudo, a grande referência básica
e fundamental;
(2) Como é percebido, ou seja, o modo como tal percepção se dá, o meio pelo qual
perceptor e percebido entram em contato, o método que justifica a percepção
como verdadeira ao sujeito.
(3) Por quê é percebido aquele objeto daquela maneira, a grande busca do
perceptor quando apreende a realidade, como ele justifica suas percepções.
A razão em selecionarmos, estes elementos, está no fato de que na estrutura de todo
e qualquer discurso, necessariamente, esses três elementos são cogitados 9. O que
diferencia, então os discursos? Exatamente o objeto de estudo em consideração, as razões
atinentes a cada objeto de estudo e a cada discurso e o modo como se dá o
desenvolvimento seja do estudo seja do discurso. O que fundamenta estas diferenças são as
tendências distintas dos humanos explicarem a realidade, podendo ser detectados através
destes três elementos referenciais de reflexão.
Quadro A – Hipótese da Características que Possivelmente Identificam as Tendências
Humanas de Leitura, Análise e Interpretação da Realidade
O QUE
COMO
POR
QUÊ
ESPIRITUALISMO
ESPÍRITO/DIVINO
Ente sobrenatural
Fé
Transcendente
TEOLÓGICO
Centrado em Deus
Revelação/ Intuição
Transobjetivo
ESPIRITUALIDADE
Aceitação/Salvação
Encontro com Deus
Reverência
FISICALISMO
FÍSICO
Ente natural
Matéria
Concreto
CIENTÍFICO
Centrado na Natureza
Sensibilidade/Observação
Objetivo
FISICALIDADE
Domínio/Ordem
Encontro com as Leis
Disciplina
HUMANISMO
HUMANO
Ente extranatural
Interesse
Abstrato
METAFÍSICO
Centrado no Homem
Reflexão/ Razão
Subjetivo
HUMANIDADE
Conhecimento/Justiça
Encontro com o Outro
Liberdade
OBSERVAÇÃO: Os conceitos até aqui utilizados neste quadro se encontram em fase de estudo de
consistência – um plano de hipóteses - podendo ainda sofrerem alterações no decorrer
das investigações. Pretendemos, com a elaboração do referido quadro, sistematizar
cada vez mais os elementos das hipóteses em estudo, orientando-nos na investigação e
confirmação futura de características que possam identificar as tendências que temos
procurado demonstrar ao longo de todo o nosso estudo nos últimos três anos.
A realidade organizacional, como projeção particular da realidade geral, é também,
por hipótese, explicável segundo os enfoques gerais – explicação centrada no humano, no
espiritual ou no físico, dominantemente, conforme o pensador que a esteja explicando. Ou
seja, no estudo da Organização, o pensador também lhe embutirá sua tendência dominante
de leitura, análise e interpretação, o que nos leva supor que, existindo maneiras diversas de
9
Cabe ressaltar que, mesmo que estejamos tentando explicar os modos de pensamento humano – para
explicar o objeto realidade, eles, por si só, podem ser objeto de estudo, pois que existem em cada ser humano.
Nossas conclusões acerca do pensamento advieram dos estudos dos discursos, que são expressões
exteriorizadas do pensamento.
9
10
abordar as questões organizacionais de natureza administrativa, isto implica e justifica,
agora, no devido reconhecimento das várias ordens de objeto de estudo da administração.
Assim, não apenas os conceitos atinentes à organização variam conforme as
tendências de explicação, como também as abordagens administrativas são, em seu âmago,
fundamentadas por estas tendências. Logo, ainda como hipótese, pode-se entender que a
razão que fundamenta as diversas abordagens ou modelos organizacionais sejam as
diferentes tendências explicativas da realidade organizacional presentes nos
compositores destas abordagens e modelos. Ou seja, uma explicação para a existência de
tamanha divergência e diversidade de conceitos sobre a realidade organizacional, dos
vários modos de tratá-la e da constituição de modelos organizacionais, existente no
conhecimento e na ação organizacional, em primeiríssima instância, se justificaria na
diversidade de modos de leitura, análise e interpretação pertinente a cada pensador.
A título ilustrativo, numa primeira tentativa, buscando corroborar nossas
afirmações, estudamos o discurso de dois pensadores administrativos: TAYLOR e
FOLLETT, chegando, preliminarmente, a seguinte interpretação:
Quadro B – Primeira Tentativa de Identificação de Tendência Explicativa da Realidade
Organizacional em Pensadores da Administração
Parâmetros
Objeto de Estudo
Finalidade
Modo de
Tratamento
Conclusão
TAYLOR
FÍSICO
- Tarefa
SOCIEDADE MAIS
EFICIENTE
Prosperidade
Maior produção e riqueza
CIENTÍFICO
Racionalização do
processo de trabalho
Tendência fisicalista
FOLLETT
HUMANO
- Relações humanas
SOCIEDADE MAIS
JUSTA
Realização pessoal
Democracia
METAFÍSICO
Integração humana
Tendência humanista
Obs.: Os termos aqui colocados, ainda, estão sob julgamento, admitindo-se que tenha que
haver um rigor maior quando de sua explicitação final.
Considerações Finais: Discutindo a Realidade Organizacional como Objeto de Estudo
da Administração
A questão principal é sobre o que estamos falando tanto em termos gerais quanto
específicos. É uma questão que nos parece tanto preceder quanto encaminhar a discussão
para níveis de aprofundamento que explicarão o fenômeno em pauta. Daí, uma hipótese
central: explicar a realidade, em termos gerais, e a realidade organizacional, em
termos específicos, compreende a questão principal, antecedente, quando procuramos
discutir o fenômeno da administração.
Defendemos que a explicação da realidade organizacional está subjugada a uma
estrutura a anteriori do explicador que o permite apropriar-se da mesma. Tal defesa está
consubstanciada na interpretação que fizemos até aqui dos pensadores que acessamos. Esta
estrutura é o que anteriormente definimos como modelo das tendências de explicação da
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realidade, demonstrado a partir dos modos de leitura, análise e interpretação de cada
pensador. Supondo que sim, então, existem maneiras diversas de perceber a realidade
organizacional conforme se constate ser a mesma explicada por enfoques físicos, humanos
ou divinos.
Se assim for, não apenas os conceitos atinentes à organização variam conforme seja
a tendência de explicação, como também as abordagens administrativas são, em seu
âmago, fundamentadas por esta tendência. Ou seja, repetindo, uma explicação da
diversidade de conceitos sobre a realidade organizacional, dos vários modos de tratá-la e
da constituição de modelos organizacionais, existente no conhecimento e ação
organizacional, em primeiríssima instância, se justificaria na diversidade das tendência de
leitura, análise e interpretação pertinente a cada pensador.
De outra forma, sendo o pensamento um dos fundamentos possíveis do
comportamento, poderiam ser arrazoadas as diversas índoles de ações e decisões
gerenciais. Pode-se afirmar, nesta lógica, que não há discursos neutros, meramente
objetivos, como se o objeto – no caso a realidade organizacional – pudesse ser apreendido
em si mesmo e, assim, da mesma forma por todo e qualquer ser humano. Todo e qualquer
pensamento humano estaria condicionado a perceber a realidade conforme a tendência
humana, que lhe seja pertinente, havendo, assim, sempre, uma apreensão subjetiva deste
objeto. Mesmo o nosso discurso evoca uma tendência particular de explicar a realidade,
quando colocamos o humano como epicentro da referida explicação. A literatura
administrativa é muito rica na demonstração deste raciocínio, pois nitidamente se percebe
que alguns pensadores, mesmo tratando do mesmo objeto específico – a Organização –
entendem-na de modo completamente diverso como se coisas distintas fossem – por
exemplo, no Quadro B, em que comparamos Taylor e Follett.
Reforçando tal discurso, na Administração, se formos analisar seu avanço histórico,
poderemos constatar vários modos de tratamento das questões organizacionais. Na fase do
movimento da Administração Científica, a ênfase era na relação pessoa x meios de
trabalho; o homem era um elemento de produção como era qualquer máquina ou
equipamento; o administrador se preocupava com o processo de produção e com seus
resultados. A perspectiva dominante era, assim, em nosso entender, fisicalista, pois eram
considerados apenas os aspectos físicos do trabalho, mesmo quando envolvia o elemento
humano. Na fase do movimento das Relações Humanas alguns aspectos humanos
começaram a ser considerados; entretanto, o homem ainda era considerado um instrumento
de trabalho e produção. É possível que naquela fase a perspectiva humanista, na orientação
das abordagens, começou a tomar forma. Atualmente, na análise de Tôrres (in Chanlat,
1992), os estudos sobre o comportamento humano tem conduzido a questionamentos não
só sobre a função da Organização como também a aspectos sócio-culturais do indivíduo, o
que tem feito surgir reflexões sobre a própria formação do Administrador, até então
marcada por aspectos mecanicistas e quantitativos, não adequados a um entendimento e
atuação global em uma Organização Humana. Segundo ela, as preocupações com o
humano vem, gradualmente, ganhando espaço nas discussões, em detrimento da defesa de
valores exclusivamente econômicos, o que pode trazer modificações em conceitos como
eficácia, medidas de desempenho, rendimento , entre outros.
Tentamos identificar os modos explicativos da realidade organizacional,
configurando um possível quadro hipotético, em conformidade com o modelo teórico que
está servindo de base. Segundo o modo de leitura, análise e interpretação de cada pensador,
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na abordagem à organização, parece tender ele a focar sua explicação em algum dos tipos
de modo dominante. Mas, podemos perceber que, seja quem for o pensador,
independentemente, de qual seja sua tendência dominante, alguns elementos se apresentam
comuns na configuração de seu objeto de estudo: (1) realidade organizacional; (2) uma
definição nuclear da mesma; e (3) a caracterização dos elementos constituintes da
realidade. Evoluindo a análise desse possível fato, poderíamos, consequentemente,
entender a organização como um conjunto de relações organizacionais , relações estas que
admitiriam um escopo em conformidade com as tendências explicitadas.
Daí, nossa próxima hipótese de trabalho: a realidade organizacional pode ser
definida como um conjunto de relações, que denominamos relações organizacionais,
sendo as mesmas o objeto de estudo da administração. Mas, relações de que tipo? Na
tendência espiritualista, percebemos o elemento espiritual, predominando, na explicação da
realidade organizacional, a tendência de vê-la como um desígnio criado e dirigido, em
última instância, por Deus – implicando, portanto, num conjunto de relações entre aspectos
de natureza espiritual. Na tendência fisicalista, o material, a objetividade se acentua,
tendendo o pensador a se fixar sobre os aspectos físicos da realidade organizacional – logo,
um conjunto de relações organizacionais de natureza física. Na tendência humanista, os
leitores da Organização tenderiam a explicá-la como uma associação humana, um conjunto
de relações humanas organizacionais e aspectos desta natureza – nesta tendência os
conceitos de indivíduo humano10 e pessoa 11 se acentuam, bem como as preocupações com
os elementos criados pela relação humana.
Destarte isto, a realidade organizacional pode ser entendida como
predominantemente um conjunto de relações entre indivíduos humanos entre si e entre
indivíduos não humanos e estes entre si. Percebe-se que a atenção predominante do
pensador a explicar a Organização como um destes tipos de relação de modo dominante
decorre do seu modo de leitura, análise e interpretação da realidade que lhe é próprio. A
realidade organizacional, assim, é complexa e envolve elementos de várias índoles que são
objetos de estudo de ciências particulares – psicologia organizacional, economia,
administração, engenharia organizacional, sociologia das organizações, entre outras – e
não apenas, note bem, restrita a área da administração. O desafio agora é definir qual é a
questão administrativa por excelência, ou seja, qual deve ser, nesta série de objetos
possíveis constantes na realidade organizacional, o objeto de estudo da administração.
O que justifica a existência e a necessidade do conhecimento administrativo.
Isto nos leva a uma segunda hipótese a respeito, que, ainda, estamos estudando: o
objeto de estudo da administração se restringe a apenas algumas destas relações. Esta
delimitação é extremamente necessária para o entendimento da verdadeira questão
administrativa, evitando a panacéia de conceitos acerca da administração e de seu objeto de
estudo tão freqüentes no conhecimento administrativo e que tanta confusão geram acerca
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Em uma perspectiva humanista o indivíduo é considerado sob variadas abordagens: (1) como o ente
portador de todas as determinações do humano, ou seja, ente que é determinado por todas as relações e
atribuições humanas (sentido absoluto de indivíduo), tais como o conceituam Wolff e Hegel (in Abbagnano,
1970:529); (2) como pessoa, ou como sujeito concreto ao qual advém as relações e o status que determinam a
pessoa - tal como na política, na moral e nas ciências sociais (in Fundação Getúlio Vargas, 1986: 591); (3)
como ente único, considerado em sua singularidade e distinção com todos os demais entes em determinado
lugar histórico - espaço, tempo - (sentido particular e não generalizante de indivíduo).
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Pessoa é, conceito humano de conteúdo relacional. A pessoa é mais que um indivíduo; é o resultado da
relação de um indivíduo frente a outro indivíduo – um individual relacional, ou seja, visto na relação do eu
com o outro.
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de sua primordial finalidade. Mas, qualquer que seja a definição, algo já podemos concluir:
as relações organizacionais se nos apresentam como o objeto de estudo da
administração. A questão que fica, agora, para uma definição mais precisa é – de que
tipo? De qualquer tipo, não, conforme a análise que foi procedida.
Tomemos a organização em vista dos que dela, de certa forma, se beneficiam (ou
que tem interesse): participantes, beneficiários ou interessados organizacionais.
Sistematizemos, de alguma maneira, em categorias que já são do domínio dos literatos da
Administração, estes elementos: o público em geral e os representantes do Estado –
participantes, beneficiários ou interessados externos indiretamente envolvidos com a
Organização; os concorrentes, os fornecedores de recursos e os clientes – participantes,
beneficiários ou interessados externos diretamente envolvidos; os proprietários, os
investidores ou os associados – participantes, beneficiários ou interessados internos
indiretamente envolvidos; e os administradores e os administrados – participantes,
beneficiários ou interessados internos diretamente envolvidos. Ora, assim caracterizado, as
relações organizacionais poderiam, na perspectiva em que estamos tratando o assunto, ser
vista como um conjunto de relações entre os sujeitos de interesse. Daí, nossa terceira
hipótese para futura investigação: as relações organizacionais como objeto de estudo da
Administração são as relações de interesse entre os participantes, beneficiários ou
interessados, externos ou internos, envolvidos direta ou indiretamente com os negócios ou
operações da Organização.
A dúvida continua, por certo; mas, estamos cercando-a, sem dúvida!
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