TEORIA GERAL DA ADMINISTRAÇÃO: Mais do que apenas avistar as Escolas do Pensamento Administrativo RESUMO Este artigo é fruto de uma pesquisa de natureza exploratória, que vem sendo desenvolvida nos últimos três anos. Nossa intenção nele é suscitar a interferência inevitável de tendências humanas de pensar o que é percebido, na determinação e explicação da realidade e assim, por analogia, da realidade organizacional. Por conseqüência, fundamentar os diversos modelos de organização, os vários significados do conceito de administração e de seu objeto de estudo, bem como as múltiplas índoles dos atos administrativos e seus resultados. Nossos estudos foram realizados de maneira eminentemente teórica, buscando configurar um modelo das tendências do pensamento humano na explicação da realidade. Isto se deu através da análise do pensamento, expresso nos discursos de autores de várias ordens – desde filósofos até administradores, propriamente ditos. Não fomos, ainda, exaustivos na revisão, mas devidamente intencionais na escolha de autores sobre o assunto, de modo que pudéssemos introduzir, consistentemente, a discussão. Como resultados primeiros, formulamos algumas hipóteses: (1) o indivíduo humano apresenta uma tendência dominante para a explicação da realidade; (2) a realidade é vista pelo indivíduo humano segundo determinado centramento que o mesmo faz nos conceitos de Deus, Natureza ou Homem (elemento não físico – humano); e (3) a realidade organizacional, vista como um conjunto de relações organizacionais, também pode ser explicada com base neste modelo e apresentada como o objeto de estudo geral da Administração. Considerações Iniciais: Tentando Configurar um Modo de Explicação da Realidade Um dos aspectos por demais angustiante no estudo da Administração, pelo menos para nós, é a diversidade de perspectivas e abordagens com que o assunto é pensado e tratado por vários autores da área de conhecimento, carregando consigo seus modos peculiares de ver as questões organizacionais. O que parece ser uma riqueza de abordagens múltiplas, mais condiz com uma grande panacéia de discursos ou amplitude da ignorância. O foco necessário de estudo para a consolidação do conhecimento nos parece estar comprometido, apesar de afirmar-se um avanço no estudo da Administração. Afinal, como este avanço pode ser afirmado se ainda há sérias dúvidas quanto a questões tão fundamentais a determinação de seu objeto de estudo? De outra forma, a desculpa de multidisciplinaridade tão comum no estudo da Administração, utilizada para justificar a indefinição ou a imprecisão de seu objeto, e não, para caracterizar a natureza do conhecimento administrativo, já é hora de ser pautada para uma discussão acadêmica mais aprofundada – aquela em que se deve questionar as razões de ordem fundamental. O tão famigerado tomar emprestado conceitos e outros elementos 2 das diversas áreas do conhecimento humano, sem o foco necessário da questão atinente, também já não faz mais sentido após quase um século de estudos formais. Mas, qual é efetivamente a questão administrativa – ou melhor, qual o objeto de estudo da administração? Não há, isto é evidente, um consenso entre os estudiosos. Destarte tal fato, algo nos parece preceder ao encaminhamento de uma definição do mesmo: a investigação sobre o conceito de Administração que está em jogo. Ilustrando, uma vista ao texto de MAXIMIANO (1997) nos mostra diversas abordagens à questão organizacional, propostas por renomados pensadores na área, ao longo do percurso histórico neste século. Apesar do referido autor tentar uma definição – Administração como um processo de tomar e colocar em prática decisões sobre objetivos e utilização de recursos (p. 16), percebe-se que outros autores guardam definições distintas. Outras respostas as referidas questões confirmam esta nossa leitura. Uma expressão de ETZIONI (1973:15) parece levar-nos a circular em torno daquilo que se está procurando saber – a questão básica é saber a melhor forma de coordenar as atividades humanas, a fim de compor uma unidade altamente racional e, ao mesmo tempo, manter a integração social, as responsabilidades normativas dos participantes e sua motivação para participação. Intérpretes de pensadores administrativos, como CHIAVENATO (1987:14), tentam precisar ainda mais, quando afirma que o objeto de estudo da administração sempre foi a ação organizacional inicialmente entendida como um conjunto de cargos e tarefas, mas além, como um conjunto de órgãos e funções, desdobrando-se posteriormente em uma complexa gama de variáveis até chegar à concepção de sistemas. De outra forma, o autor referido observou que as mais recentes teorias administrativas tem por objeto de estudo a organização, como um sistema composto de subsistemas que interagem entre si e com o ambiente externo (Chiavenato, 1987:14) Está claro que, outros autores guardam outras definições, como houvéramos dito antes, umas próximas, outras distantes entre si. É nítido assim que não há um acordo sobre o que consiste o fenômeno em pauta e seu respectivo objeto. Como conseqüência, surgem no estudo da Administração grandes perplexidades e fragilidades conceituais, fazendo-se necessários estudos de índole fundamental que justifiquem, fundamentem e expliquem o referido objeto e o próprio pensar administrativo. Discutindo isto de outra forma, examinemos aspectos evidentes na atualidade das organizações. Quando buscamos entender quais as maiores causas dos graves problemas que atingem nossa sociedade tendemos a visualizá-las como o que de mais próximo se nos apresenta. Na área empresarial, teríamos como exemplo a questão de desemprego, onde as pessoas normalmente indicam como sendo suas causas a implementação tecnológica, as intervenções negativas governamentais, a superpopulação, a despreocupação social da classe empresária, entre outras respostas comuns e possíveis. Pouco, porém, se percebe que cada uma destas citadas causas podem ser apenas conseqüências de um modelo de explicação maior que justifica e defende determinadas formas de pensar, decidir e agir. Este modelo, como causa original das formas de ação e pensamento, estará sempre centrado em uma unidade conceitual que lhes confere consistência e lhes define a perspectiva sob a qual está sendo explicada a realidade. Foucault (1986) traz-nos, através da análise dos tempos da Inquisição, as justificativas de numerosas e desumanas torturas na época. Acreditava-se, segundo o autor, que quanto mais doloroso o castigo, maior a piedade de Deus, e mais certa seria a salvação 2 3 seja pela morte, seja pela vitória sobre ela concedida por Deus ao infeliz. Diante de um pensamento místico tais ações eram consideradas justas, necessárias e até mesmo piedosas, pois garantiam a salvação eterna. Outra forma de justificar o quanto as perspectivas são definidoras das decisões e ações vem da própria era industrial. Era do início da produção em escala, da primazia das relações Homem x Coisa como fonte de satisfação humana, da concepção do Homem como máquina de produção. Huberman (1983), apresenta as desumanas explorações de mulheres, crianças e trabalhadores em geral, em longas jornadas de trabalho muitas vezes sem as mínimas condições de higiene e saúde, sem direitos, descanso e com salários insuficientes às necessidades humanas mínimas. Será que poderíamos entender algo justificando toda esta desumanidade? Sim. Diante de um pensamento em vista do Material, em que a felicidade do Homem era o Ter, poderia justificar esta exploração humana para a confirmação dos valores materialistas impregnados em uma sociedade que os critérios dominantes são de ordem eminentemente econômica. Na nossa sociedade atual marcada pela presença onipotente das empresas capitalistas em busca de situações cada vez mais rentáveis, conforme podemos interpretar em Aktouf (1996), esta busca de lucros também justificariam demissões em massa em vista de inovações tecnológicas para redução de custos e aumento de produtividade, programas de Lavagem Cerebral para a implementação eficiente de Programas de Qualidade em face das necessidades da empresa de participar do Mercado Global, entre outras posições que teríamos por desumanas mas que, na concepção dominante, são plenamente justificadas. O problema, então, se apresenta no modo de abordagem oriundo da tendência de explicação que se tenha da realidade, pois ela, a nosso ver, constitui a raiz das grandes questões humanas. Portanto, a questão administrativa não é um elemento objetivo, quando se trata de determiná-la. Pelo contrário, ao pensá-la, defini-la, aquele que a pensa já lhe embute um componente subjetivo de leitura, análise e interpretação da realidade organizacional, caracterizando, desta forma, uma tendência de explicação. Estas tendências, presentes de modo dominante no humano, quando este percebe a realidade, constituem um modo de explicação contido no pensamento humano, seja sobre a realidade geral, seja sobre a realidade organizacional, no caso específico, que interfere, inevitavelmente, no modo de pensar administrativo, na construção de abordagens às questões organizacionais. No intuito de desacobertar de dúvidas e de incongruências a definição do objeto de estudo da Administração e, assim, descobrir o próprio fundamento do fenômeno em questão, temo-nos dedicado a alguns estudos referenciais à abordagem deste tema. Estes estudos atravessaram desde a Teoria do Conhecimento até a leitura de obras de pensadores da Filosofia e da Administração, que nos permitiram identificar as diferentes determinações do objeto de estudo e as causas disto – mesmo porque, a diversidade na determinação do referido objeto é evidente na literatura administrativa, contudo, as justificações de tal não é algo explícito. Nossos estudos foram realizados de maneira eminentemente teórica, ou seja, pautou-se em uma pesquisa bibliográfica ou amostra da literatura, a fim de: (1) configurar um modelo explicativo das tendências do pensamento humano na leitura, análise e interpretação da realidade, o que somente nos pareceu possível através do estudo dos pensamentos, expressos em opiniões de pensadores contidas em suas obras; (2) aprofundar nossos estudos em temas como a Teoria do Conhecimento, o que julgamos, pela natureza 3 4 do assunto, imprescindível para o alcance dos resultados esperados; (3) respaldar-nos conceitualmente, pois, em estudos de índole fundamental, como é o nosso, a apreciação da realidade em geral precede ao estudo da realidade específica – no nosso caso, a realidade organizacional, o que nos levou, em um primeiro instante, a configurar um modelo geral de leitura, análise e interpretação da realidade, partindo de estudos na fonte, na mãe de todas as ciências – a filosofia; (4) tomarmos o discurso de alguns pensadores como se nosso fosse – dentre os mesmos, neste estágio ainda inicial da investigação, elegemos uma amostra intencional de três eminentes pensadores - ou seja, Santo Agostinho [354-430], Bacon [1561-1626] e Sartre [1905-1980], além de outros, circundantemente, como Comte, Heidegger e Hessen; primeiramente em leituras de seus intérpretes – por exemplos, Durant (1991), Andery et al. (1988), Vergez & Huisman (1988); para, só após isto nos enveredarmos na aventura de sermos seduzidos por algumas de suas obras; (5) no estudo da realidade organizacional retomamos estudos anteriores realizados por estes autores1, avançando na leitura de outros pensadores como Maximiano (1997) e uma amostra de pensadores clássicos: Taylor (1911) e Follett (1924, in Graham, 1997). A tentativa de formulação de modelos de explicação dos modos de pensar a realidade não é recente: estudiosos da Teoria do Conhecimento – por exemplo, HESSEN (1980) - de certo modo, partilham desta mesma intenção de compreender o pensamento humano em sua abordagem a realidade (objeto). A divisão tripartida na explicação da realidade também já foi tese defendida por COMTE, em Discurso sobre o espírito positivo, mas em seu modelo as formas de explicação mítica, metafísica e positiva – similares, em nosso modelo, às tendências espiritualista, humanista e fisicalista – apresentam-se evolutivamente sobrepostas, enquanto que, em nosso modelo interpretativo, todas as tendências coexistem no espaço/tempo, pois que pertinentes a cada indivíduo humano uma tendência destas como dominante. Além disto, outros autores como AKTOUF (1996), com suas preocupações acerca da inconsistência conceitual na formação de administradores e da ineficiência da administração atual na solução de relevantes problemas humanos - pobreza, destruição do meio ambiente, concentração de renda, entre outros – e CHANLAT (1992) com suas angústias sobre os problemas advindos na atual relação Homem – Organização, também nos influenciaram para a realização deste estudo e na consolidação de nossas hipóteses de trabalho. Os resultados preliminares desta pesquisa, de cunho exploratório2, levou-nos a construção inicial de um modelo que pudesse explicar, mesmo que incipientemente, os modos de pensamento humano e, por conseqüência, os modos de pensamento administrativo acerca da realidade organizacional, modelos estes configurados segundo conceitos fundamentais para o pensador. Melhor ainda, acreditamos, e muitos fatos e evidências nos levaram a isto, que toda a realidade, expressa através de modelos do pensamento humano, está atrelada à perspectiva3 de leitura, análise e interpretação que cada humano possa ter. Ou seja, a construção de um determinado conhecimento consiste em uma apropriação da realidade que se dá através de um processo humano de leitura, análise e interpretação do que é percebido pelo sujeito. Este processo humano depende da tendência, dentre outros fatores, do perceptor e configura não apenas o modo como é 1 Ver Seixas et al (1996), Seixas & Grave (1997) e Seixas & Grave (1998). Este conceito foi extraído de Selltiz et al . (1975) 3 Definimos perspectiva como o modo pessoal de ver ou perceber, perspicazmente, o que nos cerca. Acreditamos que a perspectiva seja constituída por uma inclinação pessoal (tendência humana), pelo histórico de vida (background) e pelo domínio conceitual (área de conhecimento) de cada um 2 4 5 percebido e explicado o objeto como também a própria determinação e definição deste objeto. Isto nos levou a formular algumas hipóteses: (1) o indivíduo humano apresenta uma tendência dominante para a explicação da realidade; (2) a realidade é vista pelo indivíduo humano segundo determinado centramento conceitual que o mesmo faz – em Deus, na Natureza ou no Homem (elemento não físico – humano). Estas tendências de focar a explicação da realidade em função destes conceitos configuram o modelo de leitura, análise e interpretação da mesma: tendência Humanista (centrada no humano); tendência Espiritualista (centrada no divino); tendência Fisicalista (centrada no físico); e (3) a realidade organizacional também pode ser explicada com base nestas tendências. Reafirmamos, portanto, que nossa intenção neste artigo é suscitar a interferência inevitável destas tendências humanas de pensar o que é percebido na determinação e explicação da realidade e, por analogia, da realidade organizacional. Assim, conseqüentemente, fundamentar os diversos modelos de organização e as várias índoles de atos administrativos e seus resultados, que chamamos de abordagens administrativas. Entendemos que a relevância da discussão, que aqui será procedida, se demonstra na configuração de importantes hipóteses explicitadoras do modo de pensar administrativo, através da explicação do fundamento de existência de diferentes modelos organizacionais e abordagens administrativas, diferenças estas talvez justificadas, em primeiríssima instância, pela diversidade da tendência dominante pertinente em seus construtores. Também, acreditamos, permitirá entender os diversos modos como a realidade organizacional e os significados de administração e de objeto de estudo, tem sido colocados, por vezes, completamente diferentes de um para outro autor em virtude das diferentes tendências explicativas de cada um deles. E mais, traz a baila uma questão de extrema importância na construção do conhecimento administrativo: a realidade organizacional como objeto de estudo da administração no âmbito geral; e relações organizacionais, de várias ordens, no âmbito restrito. Tendências Explicativas da Realidade e da Realidade Organizacional A questão aqui em jogo é uma forma do comportamento humano – aquele associado com o modo pessoal de apropriar-se da realidade. Neste sentido o que estamos buscando entender é o pensamento humano, não como processo, mas como conteúdo da interpretação individual que o humano faz quando se apropria da realidade. Mas, pode-se questionar: qual a validade de se estudar um conteúdo assim tão abstrato e subjetivo como os modelos de pensamento humano? Diversas poderiam ser as justificativas. Mas, tentemos uma condizente, inclusive, com nosso discurso ao longo de todo este ensaio Se admitirmos a apologia Penso, logo existo torna-se defensável a hipótese de que uma possível essência justificadora do comportamento seja o pensamento. Assim, pode-se dizer que é o pensamento sobre uma determinada realidade, mais do que ela objetivamente em si, como muito se tem entendido, que orienta que o comportamento humano seja este ou aquele, que seleciona qual seja melhor ou pior. Do próprio conceito de pensamento4 4 Pensamento, do latim Pensare, (1) é a atividade da mente através da qual esta tematiza objetos ou toma decisões sobre a realização de uma ação; (2) é a atividade intelectual através da qual o espírito humano forma conceitos e juízos; Pensar, segundo Kant (in Prolegômenos), é unir as representações na consciência (...). A união das representações em uma consciência é o juízo. Pensar, por tanto, é julgar (Japiassu & 5 6 pode-se extrair esta conclusão. Logo, para entender qualquer ação ou decisão humana um dos elementos que deve ser necessariamente analisado é o próprio pensamento humano, pois que ele é, possivelmente, uma de suas mais importantes fontes. Mas este pensamento, o que lhe orienta? Por que encontramos opiniões, que são comportamentos de manifestação do pensamento, tão diversas sobre, às vezes, os mesmos temas? Haveria um algo a priori no humano que direcionaria este pensamento, fazendo-o enfatizar determinados elementos em detrimento de outros e a tratá-los de um modo peculiar? No estudo dos discursos de vários pensadores que realizamos ao longo de mais de três anos de investigação, pudemos constatar algumas peculiaridades, que sinalizam a respeito desta orientação: 1 - pensadores diferentes discursam de modo diverso mesmo em se tratando do mesmo objeto de análise (realidade). Isto parece significar que os objetos da realidade, quando apreendidos pelo pensamento humano são reconstruídos por ele, não se tratando de mera representação do objeto tal como ele é, mas sim, tal como o sujeito o percebe. Esta é a tese da corrente idealista na teoria do conhecimento no qual, seguindo Hessen (1980), o objeto real só pode ser o ente construído na consciência do sujeito humano, pois que, fora desta, nada tem existência ou é cognoscível. A realidade, assim, para os idealistas, compõe-se do ele mento pensado, aparente, do ideal, pois fora da consciência humana não há o real5. Se na apreensão do objeto pelo pensamento este se apresenta de forma diferenciada para cada pensador, deve-se entender, com os idealistas, que não há o objeto único, representado da mesma maneira por todo e qualquer indivíduo, cada qual o representa de um modo diferenciado; 2 - no entanto um mesmo pensador guarda, de modo dominante, coerência pelo fundamento que predomina em seu pensamento mesmo quando trata de objetos distintos. Há algo que parece justificar o fato dos objetos serem tratados diferentemente por diferentes pensadores, mas que, para um mesmo pensador, o fundamento na apreensão deste objeto é constante, ainda quando, ele trate de objetos distintos. Parece haver, então, algo que direciona este pensamento, alguma tendência humana de perceber a realidade de um ou de outro modo. O que justificaria esta dominância no modo de tratamento das questões em cada pensador? Interessantemente, Heidegger (1991:143), orienta-nos a refletir sobre o assunto. Afirma ele: toda compreensão (...) tem que se mover sempre num determinado ângulo de visão. Uma coisa qualquer, por exemplo, um relógio, permanecer-nos-á oculto naquilo que é enquanto, previamente não soubermos o que é o temp o. O ângulo visual da visão já deve estar antecipadamente aberto. Por isso chamamos de ângulo de Pré-visão a perspectiva. Destarte se mostrará que o Ser (a realidade) não apenas não é entendida de modo indeterminado como também que a compreensão do ser (da realidade) move-se, em si mesma, num ângulo de visão já predeterminado. 3 – a realidade é vista pelo indivíduo humano segundo determinado centramento conceitual que o mesmo faz – em Deus, na Natureza e no Humano. Inspirados pelo modelo dos três estados – mítico, metafísico e científico - de COMTE (in Discurso sobre o espírito Marcondes, 1991) 5 Segundo Hessen (1980), para o idealismo epistemológico não há coisas reais independentes da consciência. 6 7 positivo), percebemos que os pensadores tendiam, em seus discursos, a centrar-se em determinados conceitos para explicar a realidade; estes parecem fechar-se nos conceitos de Deus (ou do Divino), de Natureza (ou do Físico) e de Homem (ou do Humano), semelhantemente ao que houvera observado o supra citado autor. Haveria, assim, uma tendência humana de perceber a realidade, explicando-a com base no Espiritual6, com base no Físico 7, ou com base no Humano 8. Com base nestas considerações foi elaborado um possível modelo que representasse os modos de explicação da realidade – à tendência de centrar-se a percepção da realidade no conceito de Deus ou Divino, chamamos Tendência Espiritualista de explicação da realidade; à tendência de centrar-se no elemento físico, Tendência Fisicalista; e à tendência de centrá-la no elemento humano, Tendência Humanista. Conforme já observamos anteriormente, para evidenciar tais tendências – ou tentar demonstrá-las (as hipóteses referentes as mesmas), em princípio, além dos intérpretes de pensadores filosóficos, escolhemos, intencionalmente, três filósofos renomados e estudamos seu discursos em um de seus textos relevantes na literatura: SANTO AGOSTINHO, FRANCIS BACON e JEAN-PAUL SARTRE. Definimos o Espiritualismo como a tendência ou modo pessoal do indivíduo humano em explicar a realidade como um desígnio de Deus (divino, mítico, místico), determinando, em sua explicação da realidade a busca da origem e do fim divino em todas as coisas e firmando-se na idéia de Deus criador, salvador e análogos - exemplar deste modo de leitura encontramos em Santo Agostinho in Cidade de Deus. Esse pensador demonstrava em seu discurso uma eloqüente tendência espiritualista, afirmando a primazia do divino, a necessária entrega da vida a Deus, a intervenção de Deus na direção da vida e da vontade humana e do Universo e a natureza intuitiva e revelada do conhecimento humano. Para Santo Agostinho, em análise de JERPHAGNON (1992), ao homem nada caberia senão esperar a revelação divina; o conhecimento vinha da revelação de Deus; a libertação do pecado também dependia exclusivamente da vontade divina que escolhe seus eleitos. Afirmava Santo Agostinho a primazia da fé e do conhecimento advindo da revelação: Crê para compreender pois só a fé nos dá as chaves do Universo, ela nos fornece os dados fundamentais para interpretarmos os fatos da existência; (...) não há vontade proveniente do livre arbítrio; toda vontade humana é antes uma vontade de Deus revelada ao homem (in Vergez & Huisman, 1988:254/255). Em vista deste modo de explicar a realidade como um desígnio divino, enfatizando a entrega da vida a Deus, a salvação e a criação, pudemos afirmar que Santo Agostinho é um exemplo, de fato, de uma tendência espiritualista na explicação da realidade. Definimos Fisicalismo como a tendência de explicação ou o modo de leitura, análise e interpretação da realidade que busca explicá-la sempre em seus aspectos físicos centrando-se na idéia de Natureza – possível exemplo deste modo de leitura encontramos 6 Segundo Brugger (1961), consiste em um ser imaterial, simples e substancial, capaz de possuir-se a si mesmo mediante a autoconsciência e a livre determinação, bem como de compreender e realizar valores supra-sensíveis. 7 Segundo Brugger (1961), é um termo que designa os entes da natureza como entes capazes de realidade, em oposição ao imaginário, ao representado, conceitual, aparente, ao intencional e abstrato e ao meramente possível; caracterizam-se pela materialidade e podem ser captáveis aos sentidos. 8 Para nós, denota o elemento metafísico do homem – nem físico, nem espiritual, ou seja, seus conteúdos abstratos que envolvem, entre outros constantes da complexidade humana, pensamentos e afetos; não apresenta, aqui, o mesmo conceito de homem, para que não seja confundido com o homem físico – corpo, matéria. 7 8 em Francis Bacon in Novum Organum e Nova Atlântida. Esse pensador enfatiza a imprescindibilidade do estudo da natureza, da descoberta de suas leis e, assim, do seu domínio, como pressuposto para a harmonia e felicidade humana. Temos que recorrer a natureza, afirma Bacon, e não aos livros, às tradições e às autoridades; temos que colocar a natureza na câmara de tortura e obrigá -la a testemunhar até contra ela mesma, a fim de que possam controlá -la para atingir nossos objetivos. Também, suas asserções acerca de um método adequado para a ciência, denotam a tendência de seu pensamento. Afirma Bacon, em defesa da primazia da observação sobre a mera teorização imaginária constante, principalmente, na filosofia grega de Platão: O grande erro dos filósofos gregos foi passarem tanto tempo dedicados a teoria, e tão pouco à observação. (...) O homem, como ministro e intérprete da natureza, faz e compreende aquilo que suas observações da ordem da natureza lhe permitem; e não sabe, nem é capaz, de mais. Continua Bacon: O mundo que Platão descreve é meramente um mundo construído por Platão e retrata Platão, não o mundo. Para a descoberta da verdade acerca da natureza, e não da verdade que é conveniente ao pensador, adverte Bacon que o primeiro passo é o expurgo do intelecto; devemos tornar a ser como criancinhas, livres de ísmos e abstrações, despidos de quaisquer preconceitos e predisposições; temos que destruir os ídolos da mente. Esta parte do discurso de Bacon é marcada: i) pela busca incessante da verdade contida na natureza em si, ii) pela primazia da observação em detrimento a teorizações subjetivas e imaginárias, iii) pela pregação da necessidade de controle sobre as leis da natureza; iv) por ter o conhecimento sobre estas leis como um fim ao qual se deve dirigir a humanidade para alcançar felicidade; e v) pela sua contribuição na consolidação do método científico. Isto tudo nos parece demonstrar sua tendência fisicalista na explicação da realidade. Observe ainda que, em Nova Atlântida, Bacon reafirma sua tendência, quando constrói um modelo de sociedade governada pela ciência e por cientistas. Definimos Humanismo como a tendência de explicar a realidade como um desígnio do homem, centrando-se no ser humano - exemplo deste modo de leitura encontramos em Sartre in Existencialismo. Esse pensador afirma a primazia da subjetividade humana na determinação da verdade e da ação do homem, pois que, nada além da liberdade humana de determinar-se, definir-se segundo suas escolhas existenciais, está preestabelecido – nem mesmo Deus existe para esta determinação. Além disso, Sartre defende a realidade como construção existencial eminentemente humana. Resumindo parte das idéias sartreanas, tomemos um trecho de seu texto analisado: O sentido humanista do existencialismo é que o homem está constantemente fora de si, isto é, é projetando-se e perdendo-se fora de si que faz o homem existir. Por outro lado, é perseguindo objetivos transcendentes que ele pode existir. Sendo o homem esta superação e não se apoderando dos objetivos senão em relação a ela, ele se situa no centro desta superação. Não há, assim, outro universo além do universo humano, o universo de sua subjetividade. E é neste vínculo entre transcendência, como elemento constitutivo do homem, e a subjetividade, que chamamos de Humanismo Existencialista. Pela posição evidente de defender o humano como foco de toda a existência, visto afirmar ser ela uma construção eminentemente humana, nada havendo antes dela, nem Deus, podemos atribuir ao referido pensador uma tendência humanista na explicação da realidade. 8 9 Para caracterizar estas tendências buscamos determinar, em cada uma, de modo essencial: (1) O quê é percebido, ou seja, o objeto maior de estudo, a grande referência básica e fundamental; (2) Como é percebido, ou seja, o modo como tal percepção se dá, o meio pelo qual perceptor e percebido entram em contato, o método que justifica a percepção como verdadeira ao sujeito. (3) Por quê é percebido aquele objeto daquela maneira, a grande busca do perceptor quando apreende a realidade, como ele justifica suas percepções. A razão em selecionarmos, estes elementos, está no fato de que na estrutura de todo e qualquer discurso, necessariamente, esses três elementos são cogitados 9. O que diferencia, então os discursos? Exatamente o objeto de estudo em consideração, as razões atinentes a cada objeto de estudo e a cada discurso e o modo como se dá o desenvolvimento seja do estudo seja do discurso. O que fundamenta estas diferenças são as tendências distintas dos humanos explicarem a realidade, podendo ser detectados através destes três elementos referenciais de reflexão. Quadro A – Hipótese da Características que Possivelmente Identificam as Tendências Humanas de Leitura, Análise e Interpretação da Realidade O QUE COMO POR QUÊ ESPIRITUALISMO ESPÍRITO/DIVINO Ente sobrenatural Fé Transcendente TEOLÓGICO Centrado em Deus Revelação/ Intuição Transobjetivo ESPIRITUALIDADE Aceitação/Salvação Encontro com Deus Reverência FISICALISMO FÍSICO Ente natural Matéria Concreto CIENTÍFICO Centrado na Natureza Sensibilidade/Observação Objetivo FISICALIDADE Domínio/Ordem Encontro com as Leis Disciplina HUMANISMO HUMANO Ente extranatural Interesse Abstrato METAFÍSICO Centrado no Homem Reflexão/ Razão Subjetivo HUMANIDADE Conhecimento/Justiça Encontro com o Outro Liberdade OBSERVAÇÃO: Os conceitos até aqui utilizados neste quadro se encontram em fase de estudo de consistência – um plano de hipóteses - podendo ainda sofrerem alterações no decorrer das investigações. Pretendemos, com a elaboração do referido quadro, sistematizar cada vez mais os elementos das hipóteses em estudo, orientando-nos na investigação e confirmação futura de características que possam identificar as tendências que temos procurado demonstrar ao longo de todo o nosso estudo nos últimos três anos. A realidade organizacional, como projeção particular da realidade geral, é também, por hipótese, explicável segundo os enfoques gerais – explicação centrada no humano, no espiritual ou no físico, dominantemente, conforme o pensador que a esteja explicando. Ou seja, no estudo da Organização, o pensador também lhe embutirá sua tendência dominante de leitura, análise e interpretação, o que nos leva supor que, existindo maneiras diversas de 9 Cabe ressaltar que, mesmo que estejamos tentando explicar os modos de pensamento humano – para explicar o objeto realidade, eles, por si só, podem ser objeto de estudo, pois que existem em cada ser humano. Nossas conclusões acerca do pensamento advieram dos estudos dos discursos, que são expressões exteriorizadas do pensamento. 9 10 abordar as questões organizacionais de natureza administrativa, isto implica e justifica, agora, no devido reconhecimento das várias ordens de objeto de estudo da administração. Assim, não apenas os conceitos atinentes à organização variam conforme as tendências de explicação, como também as abordagens administrativas são, em seu âmago, fundamentadas por estas tendências. Logo, ainda como hipótese, pode-se entender que a razão que fundamenta as diversas abordagens ou modelos organizacionais sejam as diferentes tendências explicativas da realidade organizacional presentes nos compositores destas abordagens e modelos. Ou seja, uma explicação para a existência de tamanha divergência e diversidade de conceitos sobre a realidade organizacional, dos vários modos de tratá-la e da constituição de modelos organizacionais, existente no conhecimento e na ação organizacional, em primeiríssima instância, se justificaria na diversidade de modos de leitura, análise e interpretação pertinente a cada pensador. A título ilustrativo, numa primeira tentativa, buscando corroborar nossas afirmações, estudamos o discurso de dois pensadores administrativos: TAYLOR e FOLLETT, chegando, preliminarmente, a seguinte interpretação: Quadro B – Primeira Tentativa de Identificação de Tendência Explicativa da Realidade Organizacional em Pensadores da Administração Parâmetros Objeto de Estudo Finalidade Modo de Tratamento Conclusão TAYLOR FÍSICO - Tarefa SOCIEDADE MAIS EFICIENTE Prosperidade Maior produção e riqueza CIENTÍFICO Racionalização do processo de trabalho Tendência fisicalista FOLLETT HUMANO - Relações humanas SOCIEDADE MAIS JUSTA Realização pessoal Democracia METAFÍSICO Integração humana Tendência humanista Obs.: Os termos aqui colocados, ainda, estão sob julgamento, admitindo-se que tenha que haver um rigor maior quando de sua explicitação final. Considerações Finais: Discutindo a Realidade Organizacional como Objeto de Estudo da Administração A questão principal é sobre o que estamos falando tanto em termos gerais quanto específicos. É uma questão que nos parece tanto preceder quanto encaminhar a discussão para níveis de aprofundamento que explicarão o fenômeno em pauta. Daí, uma hipótese central: explicar a realidade, em termos gerais, e a realidade organizacional, em termos específicos, compreende a questão principal, antecedente, quando procuramos discutir o fenômeno da administração. Defendemos que a explicação da realidade organizacional está subjugada a uma estrutura a anteriori do explicador que o permite apropriar-se da mesma. Tal defesa está consubstanciada na interpretação que fizemos até aqui dos pensadores que acessamos. Esta estrutura é o que anteriormente definimos como modelo das tendências de explicação da 10 11 realidade, demonstrado a partir dos modos de leitura, análise e interpretação de cada pensador. Supondo que sim, então, existem maneiras diversas de perceber a realidade organizacional conforme se constate ser a mesma explicada por enfoques físicos, humanos ou divinos. Se assim for, não apenas os conceitos atinentes à organização variam conforme seja a tendência de explicação, como também as abordagens administrativas são, em seu âmago, fundamentadas por esta tendência. Ou seja, repetindo, uma explicação da diversidade de conceitos sobre a realidade organizacional, dos vários modos de tratá-la e da constituição de modelos organizacionais, existente no conhecimento e ação organizacional, em primeiríssima instância, se justificaria na diversidade das tendência de leitura, análise e interpretação pertinente a cada pensador. De outra forma, sendo o pensamento um dos fundamentos possíveis do comportamento, poderiam ser arrazoadas as diversas índoles de ações e decisões gerenciais. Pode-se afirmar, nesta lógica, que não há discursos neutros, meramente objetivos, como se o objeto – no caso a realidade organizacional – pudesse ser apreendido em si mesmo e, assim, da mesma forma por todo e qualquer ser humano. Todo e qualquer pensamento humano estaria condicionado a perceber a realidade conforme a tendência humana, que lhe seja pertinente, havendo, assim, sempre, uma apreensão subjetiva deste objeto. Mesmo o nosso discurso evoca uma tendência particular de explicar a realidade, quando colocamos o humano como epicentro da referida explicação. A literatura administrativa é muito rica na demonstração deste raciocínio, pois nitidamente se percebe que alguns pensadores, mesmo tratando do mesmo objeto específico – a Organização – entendem-na de modo completamente diverso como se coisas distintas fossem – por exemplo, no Quadro B, em que comparamos Taylor e Follett. Reforçando tal discurso, na Administração, se formos analisar seu avanço histórico, poderemos constatar vários modos de tratamento das questões organizacionais. Na fase do movimento da Administração Científica, a ênfase era na relação pessoa x meios de trabalho; o homem era um elemento de produção como era qualquer máquina ou equipamento; o administrador se preocupava com o processo de produção e com seus resultados. A perspectiva dominante era, assim, em nosso entender, fisicalista, pois eram considerados apenas os aspectos físicos do trabalho, mesmo quando envolvia o elemento humano. Na fase do movimento das Relações Humanas alguns aspectos humanos começaram a ser considerados; entretanto, o homem ainda era considerado um instrumento de trabalho e produção. É possível que naquela fase a perspectiva humanista, na orientação das abordagens, começou a tomar forma. Atualmente, na análise de Tôrres (in Chanlat, 1992), os estudos sobre o comportamento humano tem conduzido a questionamentos não só sobre a função da Organização como também a aspectos sócio-culturais do indivíduo, o que tem feito surgir reflexões sobre a própria formação do Administrador, até então marcada por aspectos mecanicistas e quantitativos, não adequados a um entendimento e atuação global em uma Organização Humana. Segundo ela, as preocupações com o humano vem, gradualmente, ganhando espaço nas discussões, em detrimento da defesa de valores exclusivamente econômicos, o que pode trazer modificações em conceitos como eficácia, medidas de desempenho, rendimento , entre outros. Tentamos identificar os modos explicativos da realidade organizacional, configurando um possível quadro hipotético, em conformidade com o modelo teórico que está servindo de base. Segundo o modo de leitura, análise e interpretação de cada pensador, 11 12 na abordagem à organização, parece tender ele a focar sua explicação em algum dos tipos de modo dominante. Mas, podemos perceber que, seja quem for o pensador, independentemente, de qual seja sua tendência dominante, alguns elementos se apresentam comuns na configuração de seu objeto de estudo: (1) realidade organizacional; (2) uma definição nuclear da mesma; e (3) a caracterização dos elementos constituintes da realidade. Evoluindo a análise desse possível fato, poderíamos, consequentemente, entender a organização como um conjunto de relações organizacionais , relações estas que admitiriam um escopo em conformidade com as tendências explicitadas. Daí, nossa próxima hipótese de trabalho: a realidade organizacional pode ser definida como um conjunto de relações, que denominamos relações organizacionais, sendo as mesmas o objeto de estudo da administração. Mas, relações de que tipo? Na tendência espiritualista, percebemos o elemento espiritual, predominando, na explicação da realidade organizacional, a tendência de vê-la como um desígnio criado e dirigido, em última instância, por Deus – implicando, portanto, num conjunto de relações entre aspectos de natureza espiritual. Na tendência fisicalista, o material, a objetividade se acentua, tendendo o pensador a se fixar sobre os aspectos físicos da realidade organizacional – logo, um conjunto de relações organizacionais de natureza física. Na tendência humanista, os leitores da Organização tenderiam a explicá-la como uma associação humana, um conjunto de relações humanas organizacionais e aspectos desta natureza – nesta tendência os conceitos de indivíduo humano10 e pessoa 11 se acentuam, bem como as preocupações com os elementos criados pela relação humana. Destarte isto, a realidade organizacional pode ser entendida como predominantemente um conjunto de relações entre indivíduos humanos entre si e entre indivíduos não humanos e estes entre si. Percebe-se que a atenção predominante do pensador a explicar a Organização como um destes tipos de relação de modo dominante decorre do seu modo de leitura, análise e interpretação da realidade que lhe é próprio. A realidade organizacional, assim, é complexa e envolve elementos de várias índoles que são objetos de estudo de ciências particulares – psicologia organizacional, economia, administração, engenharia organizacional, sociologia das organizações, entre outras – e não apenas, note bem, restrita a área da administração. O desafio agora é definir qual é a questão administrativa por excelência, ou seja, qual deve ser, nesta série de objetos possíveis constantes na realidade organizacional, o objeto de estudo da administração. O que justifica a existência e a necessidade do conhecimento administrativo. Isto nos leva a uma segunda hipótese a respeito, que, ainda, estamos estudando: o objeto de estudo da administração se restringe a apenas algumas destas relações. Esta delimitação é extremamente necessária para o entendimento da verdadeira questão administrativa, evitando a panacéia de conceitos acerca da administração e de seu objeto de estudo tão freqüentes no conhecimento administrativo e que tanta confusão geram acerca 10 Em uma perspectiva humanista o indivíduo é considerado sob variadas abordagens: (1) como o ente portador de todas as determinações do humano, ou seja, ente que é determinado por todas as relações e atribuições humanas (sentido absoluto de indivíduo), tais como o conceituam Wolff e Hegel (in Abbagnano, 1970:529); (2) como pessoa, ou como sujeito concreto ao qual advém as relações e o status que determinam a pessoa - tal como na política, na moral e nas ciências sociais (in Fundação Getúlio Vargas, 1986: 591); (3) como ente único, considerado em sua singularidade e distinção com todos os demais entes em determinado lugar histórico - espaço, tempo - (sentido particular e não generalizante de indivíduo). 11 Pessoa é, conceito humano de conteúdo relacional. A pessoa é mais que um indivíduo; é o resultado da relação de um indivíduo frente a outro indivíduo – um individual relacional, ou seja, visto na relação do eu com o outro. 12 13 de sua primordial finalidade. Mas, qualquer que seja a definição, algo já podemos concluir: as relações organizacionais se nos apresentam como o objeto de estudo da administração. A questão que fica, agora, para uma definição mais precisa é – de que tipo? De qualquer tipo, não, conforme a análise que foi procedida. Tomemos a organização em vista dos que dela, de certa forma, se beneficiam (ou que tem interesse): participantes, beneficiários ou interessados organizacionais. Sistematizemos, de alguma maneira, em categorias que já são do domínio dos literatos da Administração, estes elementos: o público em geral e os representantes do Estado – participantes, beneficiários ou interessados externos indiretamente envolvidos com a Organização; os concorrentes, os fornecedores de recursos e os clientes – participantes, beneficiários ou interessados externos diretamente envolvidos; os proprietários, os investidores ou os associados – participantes, beneficiários ou interessados internos indiretamente envolvidos; e os administradores e os administrados – participantes, beneficiários ou interessados internos diretamente envolvidos. Ora, assim caracterizado, as relações organizacionais poderiam, na perspectiva em que estamos tratando o assunto, ser vista como um conjunto de relações entre os sujeitos de interesse. Daí, nossa terceira hipótese para futura investigação: as relações organizacionais como objeto de estudo da Administração são as relações de interesse entre os participantes, beneficiários ou interessados, externos ou internos, envolvidos direta ou indiretamente com os negócios ou operações da Organização. A dúvida continua, por certo; mas, estamos cercando-a, sem dúvida! Referências Bibliográficas e Fontes de Consulta ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970 AKTOUF, Omar. A administração entre a tradiçã o e a renovação. São Paulo: Atlas, 1996 ANDERY, M. A.; MICHELETTO, N.; SÉRIO, T. M. P.; RUBANO, D. R. et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo; São Paulo: EDUC, 1988 BACON, Francis. Novum Organum ou Verdadeiras indicações acerca da interpretação da Natureza. São Paulo: Nova Cultural, 1997 BARNARD, Chester I. As funções do executivo. São Paulo: Atlas, 1971 (1938) BRUGGER, Walter. Dicionário de filosofia. 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