MARIZA DE CARVALHO SOARES cachaça estava proibida não só em Angola mas também no Brasil. Como a cachaça era produzida em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, tal proibição afetava não apenas o mercado de escravos, mas a economia dessas três importantes áreas coloniais, incentivando um comércio clandestino do produto que passava ao largo do porto de Luanda, disperso ao norte e ao sul para evitar punições. Como são escassas as informações sobre esse período o que torna difícil estimar a importância dos negócios e as redes comerciais envolvidas. Os desdobramentos dessa política deram origem à chamada Revolta da Cachaça (1660) na qual os produtores do Rio de Janeiro enfrentaram os interesses da Companhia Geral do Comércio e o poder da família Sá33. Associado aos negócios da companhia, Salvador de Sá defendeu o embargo à cachaça e o monopólio da companhia sobre o vinho, a farinha (de trigo), o azeite e o bacalhau enviados ao Brasil34. Controlada a revolta, beneficiaram-se dela os comerciantes portugueses de Portugal e também aqueles que, em Luanda, negociavam as mercadorias vindas do reino, em detrimento daqueles cujos laços comerciais mais estreitos estavam no Brasil. Em abril de 1679 foi baixada uma provisão proibindo o envio de cachaça do Brasil para Luanda e também sua comercialização nas feiras de Angola. Forçava-se que o comércio de escravos voltasse a ter no vinho seu meio de troca35. Descrevendo o comércio e o uso da gerebita em Angola no século XVIII, Joseph Miller associa a ida do produto do Rio de Janeiro para lá como parte do dessa rota de comércio de escravos, mostrando que a bebida era especialmente valorizada em Benguela onde comerciantes do Rio de Janeiro controlavam o comércio de escravos36. Entretanto, para o século XVII são escassos os dados levantados e falsa a avaliação da proximidade entre o Rio de Janeiro e Angola. Nessa época uma viagem de Luanda a Pernambuco durava em média 35 dias, a Salvador 40 dias e ao Rio de Janeiro 50. Somente no século XIX o avanço da navegação marítima permitiu reduzir o tempo de viagem entre o Rio de Janeiro e Luanda para 30 ou 35 dias37. O tempo de travessia do Atlântico no século XVII foi certamente uma boa razão para que Pernambuco e Bahia permanecessem como importantes parceiros comerciais de Angola e também para o fato de que embarcações destinadas ao Rio de Janeiro fizessem escala em Pernambuco. Em 1695 foi finalmente suspensa a proibição da venda de cachaça do Brasil em Angola. Legalizado o comércio, foi também possível melhor estimar a participação das diferentes áreas produtoras de cachaça no comércio com Angola38. Em 1699, 57% da cachaça comercializada em Angola vinha da Bahia, o restante correspondia 31% de Pernambuco e 11% do Rio de Janeiro39. Mesmo então, os números mostram que a produção do Rio de Janeiro era pequena em relação a Bahia e Pernambuco que comerciavam escravos em Angola durante todo o século XVII40. Existe portanto ao longo de todo o século XVII um uso extensivo do vinho português no comércio atlântico, tanto para consumo quanto para o comércio de escravos. Ademais, principalmente na segunda metade do século vai haver uma disputa por mercados envolvendo o vinho português e a cachaça do Brasil, 220