ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA SÉRGIO LUIS MIGUEL COSTA AMAZÔNIA AZUL - NOVAS FRONTEIRAS Rio de Janeiro 2013 SÉRGIO LUIS MIGUEL COSTA AMAZÔNIA AZUL – NOVAS FRONTEIRAS Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentado ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador:CMG (FN-RM1) Carlos Antonio Raposo de Vasconcellos Rio de Janeiro 2013 C2013 ESG Este trabalho, nos termos da legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitida a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-lo para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não representam, necessariamente, qualquer orientação institucional da ESG. ____________________________________ Biblioteca General Cordeiro de Farias Miguel, Sérgio Luis Costa. Amazônia Azul: novas fronteiras / CMG Sérgio Luis Miguel Costa. Rio de Janeiro: ESG 2013. 33 f.: il. Orientador: CMG (FN-RM1) Carlos Antonio Raposo de Vasconcelos Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2013. 1. Geopolítica na parte marítima. 2. Amazônia Azul. 3. Poder Marítimo e o Poder Naval. I. Título. AGRADECIMENTOS Ao Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Julio Soares de Moura Neto, por ter me designado para cursar o CAEPE-2013, TURMA FORÇA BRASIL, o que me permitiu aprimorar os meus conhecimentos acadêmicos, interagindo com importantes representantes dos mais diversos segmentos do Poder Nacional. Ao Comando da Escola Superior de Guerra (ESG), professores e membros do Corpo Permanente da ESG, e para o CMG (FN-RM1) Carlos Antonio Raposo de Vasconcellos, meu orientador e grande incentivador deste trabalho, bem como a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho, o meu muito obrigado. Aos amigos da turma do CAEPE-2013, pelas demonstrações de apreço, amizade e consideração, bem como pelo profícuo aprendizado decorrente da sadia convivência ao longo de todo o curso. A minha gratidão, em especial aos meus filhos Pedro e Miguel, pela compreensão, como resposta aos momentos de minhas ausências e omissões, em dedicação às atividades da ESG. Ao meu pai, amigo, meu grande mestre e paradigma, agradeço o apoio e incentivo constantes. A todos, o meu muito obrigado! RESUMO As nações que ao longo do tempo souberam aproveitar o mar como via de comunicação, tanto para o comércio como solução para a guerra, sobressairam-se em relação as demais, ratificando a Teoria Geopolítica do Poder Marítimo. A possibilidade de extrair do mar as oportunidades que ele oferece em benefícios para os seus nacionais não tem sido igualmente praticado pelos diferentes Estados. O Brasil, infelizmente, não está relacionado entre aqueles que se destacam pela efetiva utilização do mar. Nas últimas décadas, o governo brasileiro vem colocando em segundo plano os assuntos que fazem referência a defesa, levando as Forças Armadas, principalmente a Marinha, a uma situação preocupante, no que se refere aos meios, frente as dimensões estratégicas do Brasil, comprometendo dessa forma nosso Poder Naval e em consequência nosso Poder Nacional. Cabe ressaltar que a descoberta do pré-sal e as riquezas da nossa parte do Oceano Atlântico podem gerar cobiça e o aumento do tráfego marítimo pode criar situações favoráveis para a pirataria e crimes transnacionais. Os limites das águas jurisdicionais brasileiras, acordados em tratados multilaterais, nossa Amazônia Azul, garantem direitos econômicos porém explicitam a séria contrapartida de assumir os deveres e responsabilidades de ordem política, ambiental e de segurança pública sobre a referida área. Palavras-chave: Geopolítica. Poder Marítimo. Estratégia. Amazônia Azul. ABSTRACT The nations that, along History, were able to exploit the sea as a means of communication, both for the trade as for war, stood out in relation to others, thus corroborating the Geopolitics Theory of Maritime Power. The ability to remove from the sea the opportunities that it offers benefits for their nationals do not have also been practiced by different States. Brazil, unfortunately, is not listed among those that stand out by effective use of the sea. In recent decades, the Brazilian government has been placing in the background issues that make reference to defense, leading the Armed Forces, especially the Navy, a worrying situation, with regard to the media, forward the strategic dimensions of Brazil, compromising our Naval Power and in consequence our National Power. It is worth noting that the discovery of pre-salt and the riches of our part of the Atlantic Ocean can generate greed and the increase in maritime traffic can create favorable circumstances for piracy and transnational crimes. The limits of Brazilian jurisdictional waters, agreed in multilateral treaties, our Amazon Blue, ensure economic rights but explicit the counterpart to assume the duties and responsibilities of political order, environmental and public safety on the refered area. Keywords: Geopolitcs. Maritime Power. Strategic. Amazon Blue. SUMÁRIO 1 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 5 2 A GEOPOLÍTICA APLICADA NA PARTE MARÍTIMA DO BRASIL ......... 9 2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS .......................................................................... 9 2.2 A GEOPOLÍTICA E AS POLÍTICAS DE ESTADO ..................................... 13 2.3 A GEOPOLÍTICA DO BRASIL ..................................................................... 15 3 A CONVENÇÃO DA JAMAICA …............................................................... 19 3.1 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA RELATIVA AO MAR ................................... 20 4 A AMAZÔNIA AZUL …................................................................................ 22 4.1 O CONCEITO DE AMAZÔNIA AZUL............................................................ 22 4.2 AS PRINCIPAIS RIQUEZAS DA AMAZÔNIA AZUL.................................... 22 5 PODER MARÍTIMO E O PODER NAVAL …............................................... 30 5.1 O SETOR MARÍTIMO NACIONAL ….......................................................... 30 5.2 O CENÁRIO PROSPECTIVO DO SETOR MARÍTIMO NACIONAL …...... 32 6 CONCLUSÃO …......................................................................................... 35 REFERÊNCIAS …...................................................................................... 38 8 1 INTRODUÇÃO Quem comanda o mar, comanda o intercâmbio; quem comanda o intercâmbio comanda as riquezas do mundo e, conseqüentemente, o próprio mundo. Sir Walter Raleigh No litoral brasileiro possuímos riquezas que necessitam ser preservadas e protegidas. O potencial de riqueza nele existente e o fato de 95% das exportações brasileiras dependerem do transporte marítimo, fazem com que o mar tenha uma destacada importância econômica para o Brasil. A descoberta de petróleo na camada do pré-sal veio a turbinar ainda mais a importância do mar para o nosso país. Nas últimas décadas, o governo brasileiro vem colocando em segundo plano os assuntos que fazem referência a defesa, levando as Forças Armadas a uma situação preocupante, no que se refere aos meios, frente as dimensões estratégicas do Brasil. Devemos considerar que o pré-sal e as riquezas da nossa parte do Oceano Atlântico podem gerar cobiça e o aumento do tráfego marítimo pode criar situações favoráveis a crimes transnacionais. A possibilidade de transformar as oportunidades que o mar oferece em benefícios para os seus nacionais não tem sido igualmente aproveitada pelos diferentes Estados. O Brasil, infelizmente, não pode ser incluído entre aqueles que se destacam pela plena e efetiva utilização do mar (ALÍPIO, 2007). Um marco importante na definição de responsabilidades dos países dentro de cada espaço marítimo foi o encerramento da III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), em 10 de dezembro de 1982, em Montego Bay, na Jamaica. Naquela ocasião, o Brasil e mais 118 países elaboraram a CNUDM, também denominada “Convenção”. ( VIDIGAL, 2006, p.34). 9 A referida Convenção enseja a ideia de que todos os problemas afetos aos espaços oceânicos precisam ser considerados como um todo, pois, em verdade, estão inter-relacionados. Seus 320 artigos e 9 anexos legislam sobre os diversos aspectos desses espaços, tais como: delimitação, controle ambiental, investigação científica marinha, atividades econômicas e comerciais, transferência de tecnologia e disputas (VIDIGAL, 2006, p.34). Os limites das águas jurisdicionais brasileiras, acordados em tratados multilaterais, garantem direitos econômicos, porém explicitam a séria contrapartida de assumir os deveres e responsabilidades de ordem política, ambiental e de segurança pública sobre a referida área. Após o término de todo esse processo de redimensionamento da plataforma continental, as águas jurisdicionais do Brasil poderão totalizar cerca de 4,5 milhões de km 2 de área marítima, englobando a Zona Econômica Exclusiva e a nova Plataforma Continental. O imenso patrimônio a ser acrescentado ao inventário do nosso país potencializa a importância de ampliarmos nossas capacidades para explorar e proteger os recursos aí existentes, garantindo, assim, os nossos interesses nessa imensa área marítima (CAROLI, 2008). Aproveitando esse importante momento histórico, a Marinha lançou o conceito de “Amazônia Azul”, simbolizando a imensa extensão atlântica que se projeta para além do litoral e das ilhas oceânicas brasileiras e sobre a qual o Estado possui responsabilidades e direitos soberanos reconhecidos pela CNUDM, a fim de impedir que o Brasil continue a viver de costas para o mar (VIDIGAL, 2006). Amazônia Azul é, portanto, uma ideia força, que representa a vontade nacional em transformar as nossas águas jurisdicionais em espaço efetivo de exploração econômica, política e militar. Espera-se assim, alavancar a conscientização da sociedade e dos governantes a respeito da importância do nosso Poder Marítimo. Alimentos e energia deverão ser potenciais razões de disputa futura tendo em vista a escassez de recursos naturais em nível mundial e o crescente aumento populacional. Isto nos leva a ver o mar como fonte de alimentos e de energia, além de outras riquezas, pensando assim de maneira sustentável. 10 É incontestável a importância estratégica da Amazônia Azul para o Brasil. Tal importância nos leva a pensar sobre a questão da preservação dos interesses nacionais e a consequente necessidade de efetivo monitoramento e constante presença nessas áreas de valor estratégico para o País, assegurando assim, a exclusividade de exploração dos recursos existentes. Neste ponto surge o seguinte problema: Com as atuais necessidades mundiais de energia e alimentos e considerando em paralelo à crescente demanda por recursos naturais, qual o nível de atenção que o Brasil está dispensando à Amazônia Azul, para fazer frente as possíveis cobiças internacionais? Assim, essa monografia tem a intenção de apresentar parte do pensamento geopolítico brasileiro, verificando se está ressonante com realidade do País, levando em consideração a ampliação das suas águas jurisdicionais, bem como analisar as políticas voltadas para a Amazônia Azul e o Poder Marítimo brasileiro. Na segunda seção, serão apresentados alguns embasamentos teóricos e definições, com o propósito de situar o leitor no contexto dessa área de interesse estratégico para o país. Nesta etapa, será conduzida uma abordagem baseada na história e na geopolítica. Na seção seguinte, será apresentada a Convenção da Jamaica que ampliou os limites das águas jurisdicionais brasileiras, nossa Amazônia Azul, ampliando nossa zona econômica porém explicitando a séria contrapartida de assumir os deveres e responsabilidades de ordem política, ambiental e de segurança pública sobre a referida área. Na quarta seção, serão identificadas as principais riquezas da Amazônia Azul, sendo este imenso patrimônio analisado dentro do contexto das expressões do Poder Nacional, a serem apresentadas. Na penúltima seção, serão enfocados alguns aspectos do Poder Marítimo, especialmente, no tocante aos seus desdobramentos para a garantia da soberania nacional na Amazônia Azul. 11 Ao final, como conclusão, serão realizadas considerações acerca dos reflexos da Geopolítica sobre a Amazônia Azul e o Poder Marítimo Brasileiro. 12 2 A GEOPOLÍTICA APLICADA NA PARTE MARÍTIMA DO BRASIL Observa-se que desde o início dos tempos, alguns povos apresentavam uma vocação marítima, atribuindo ao mar elevada importância para sua sobrevivência, expansão e cultura e da necessidade de exploração dos oceanos como fonte de riquezas. Elementos fisiográficos fazem com que existam povos de natureza continental e outros de natureza marítima. Países de grandes dimensões, com solo fértil, geralmente têm seus povos voltados para seu próprio território, de onde retiram todas as condições necessárias ao seu sustento. Por não possuírem tais condições favoráveis, outros povos se vêem obrigados a se fazer ao mar, na busca das condições necessárias ao seu desenvolvimento (KUBRUSLY, 2008). A prioridade desse trabalho é tratar do espaço marítimo brasileiro, desta forma, será ressaltada a importância do mar para as nações e povos que se destacaram ao longo dos tempos. 2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS Iniciaremos nossas observações a partir da Idade Média, período no qual o comércio marítimo já era muito desenvolvido no Mediterrâneo, tendo como expoentes principais as cidades de Gênova e Veneza, verdadeiras potências mercantis e financeiras da Europa, com a manutenção de grandes frotas comerciais. No século XV, após o período feudal, a população européia voltou a crescer. O crescimento demográfico, contudo, não foi acompanhado por igual expansão na oferta de gêneros alimentícios, devido à baixa produtividade nos campos. Esse cenário foi propício para o surgimento do Mercantilismo na Europa, que foram as práticas comerciais que visavam o lucro, com o acúmulo de metais preciosos e a exploração das novas terras, visando à prosperidade do Estado e a busca do bem estar para a sociedade. A revolução comercial necessitava de matérias-primas e mercados 13 consumidores para os produtos manufaturados, o que deu origem a expansão marítima com a corrida das metrópoles européias em busca de colônias. Os Estados procuravam manter suas balanças comerciais positivas, isso é, diminuir as importações e incrementar as exportações, com o uso do protecionismo e da intervenção estatal na economia. Com a prática do Pacto Colonial, foi estabelecido um monopólio comercial entre as metrópoles e suas colônias. Com o desenvolvimento das grandes navegações, a garantia da liberdade em utilizar os mares passou a ser uma necessidade dos povos. Nem todas as motivações que levaram os europeus a se lançar à grande aventura das viagens transoceânicas foram de ordem econômica. Havia também, entre elas, a intenção de converter outros povos ao cristianismo, além de uma enorme curiosidade em conhecer novas terras e costumes. Essa curiosidade levou os europeus dos séculos XV e XVI a vencer o medo do Oceano Atlântico, conhecido como Mar Tenebroso, e a enfrentar o desafio do desconhecido. De certa forma, a curiosidade em conhecer novos mundos está também na origem das viagens espaciais. Há muito tempo, o ser humano se pergunta: estamos sós no universo, ou existem outros planetas habitados? Desde os anos de 1950, quando foi lançado o primeiro satélite artificial da Terra, o Sputinik, tentamos obter uma resposta a essa pergunta por meio de veículos espaciais cada vez mais complexos (PAZZINATO, 2002). Nesse período (século XV) observou-se Portugal, desprovido de recursos naturais, iniciar uma expansão ultramarina, desafiando à imensidão ainda desconhecida dos oceanos, fazer grandes descobertas e se tornar potência hegemônica por quase dois séculos. Favorecido por sua privilegiada posição geográfica, voltado para o Atlântico, o país era ponto de escala obrigatório das rotas marítimas de comércio. As navegações portuguesas tiveram um forte apoio oficial e um aspecto de continuidade de seus governantes. Dessa maneira também ocorreu para espanhóis que, lançaram-se ao mar em busca de novas colônias e riquezas, consolidando o período das grandes navegações e descobrimentos. Uma de suas 14 consequências, por exemplo, é o descobrimento do Brasil, pelos portugueses, em 1500, que a partir daí, passa a ter sua história ligada diretamente ao mar. No século XVII Inglaterra e Holanda estavam voltadas para o mar e incrementaram suas marinhas de guerra e mercante, vindo a dominar o tráfego marítimo de então. O protecionismo inglês, traduzido no “Ato de Navegação” 1 de 1651, os levou à guerra, da qual a Inglaterra saiu vencedora e, a partir de então, tornou-se a maior potência marítima do mundo. A superioridade naval inglesa perdurou até a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), quando cedeu lugar à marinha dos Estados Unidos da América (EUA) (KUBRUSLY, 2008). Nos séculos XVIII e XIX, a Europa ocidental passou por um processo de grandes transformações econômicas, tecnológicas e sociais. Iniciadas na Inglaterra, essa transformações assumiram um caráter revolucionário, nunca antes visto. Nesse período a Inglaterra manteve os aspectos gerais de sua estratégia, quais foram: alimentar os aliados continentais com seu dinheiro, cada vez mais farto, fruto de sua contínua expansão colonial e manter a esquadra francesa dividida (Atlântico e Mediterrâneo), obtendo superioridade local e mantendo a França preocupada com suas fronteiras terrestres, o que lhe dividia as forças. Ao final do século XIX, em 1897, nos EUA, o almirante Alfred Thayer Mahan lança a Teoria do Poder Marítimo, na qual, a partir da observação de eventos históricos, notadamente da Inglaterra e de Portugal, reconhece a grande influência do mar na consecução da Política Nacional. Sendo o mar uma planície aberta e sem obstáculos, uma nação capaz de controlar esta planície, por meio de um Poder Marítimo e Naval 2, pode explorar as riquezas do mundo. De 1907 a 1909, o mundo assistiu ao famoso 1 Documento decretado em 1651 por Oliver Cromwell o qual determinava que todo o produto estrangeiro que chegasse à Inglaterra deveria ser transportado em navios ingleses ou do país que produzia a mercadoria. Essa providência afetou os interesses da Holanda, que declarou guerra à Inglaterra em 1652 (PAZZINATO, 2002). 2 Entende-se como Poder Marítimo o componente do poder nacional de que a nação dispõe para atingir seus propósitos ligados ao mar ou dele dependentes. Esses meios são de natureza política, econômica, militar e social e incluem, entre vários outros, a consciência marítima do povo e da classe política, a Marinha Mercante e a Marinha de Guerra, a indústria de construção naval, a indústria de pesca, orgãos ligados à Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e à exploração /explotação dos recursos marinhos, os portos e a estrutura do comércio marítimo além do pessoal empregado nas atividades ligadas ao mar. O Poder Naval é um sub-conjunto do Poder marítimo, é seu componente militar (KUBRUSLY, 2008). 15 “Cruzeiro de Encouraçados”, quando dezesseis encouraçados americanos, de última geração, deram uma demonstração de que os EUA estavam em condições de intervir na defesa de seus interesses em qualquer parte do mundo. Falecido em 1914, o almirante Mahan não viu concretizado o cenário que projetara. Hoje o poderio americano está presente em todos os mares do mundo, com pontos de apoio em todos os continentes para comércio e bases para sua marinha de guerra, capaz por tanto, de explorar as riquezas do mundo (KUBRUSLY, 2008). Em 1890, o Segundo Reich alemão, dirigido pelo Kaiser (imperador) Guilherme II, abandonou o sistema de alianças defensivas, orientando-se para uma política de expansão pela força. Baseada num acelerado desenvolvimento bélico, tal política criou um clima favorável à guerra como forma de resolver as rivalidades alimentadas pela corrida imperalista. Assim como a Alemanha, as demais potências se preocuparam em fortalecer seus exércitos e marinhas, apoiando-se nos progressos da indústria e da ciência em favor da tecnologia militar. Essa época de corrida armamentista e de ausência de guerras na Europa – entre 1871 e 1914 - ficou conhecida como Paz Armada. A adoção do serviço militar obrigatório, a crescente influência dos exércitos na sociedade e na política, a exaltação patriótica e cívica, bem como as várias zonas internacionais de tensão, estabeleceram condições extremamentes perigosas, que a qualquer momento poderiam levar as potências européias ao cofronto direto. Em 1914, tudo isso explodiu na Primeira Guerra Mundial (PAZZINATO, 2002). No século XX ocorrem os dois grandes conflitos mundiais. Na Primeira Guerra (1914-18), a Inglaterra contava com a maior esquadra do mundo e a Alemanha com o maior exército. A Inglaterra se manteve firme em sua estratégia marítima, como sempre o fez. Já na Segunda Guerra, a Alemanha não dispunha de opção naval pois o pensamento de Hitler voltava-se para o continente, impregnado das idéias de Halford Mackinder, que em 1904 lançou a Teoria do Poder Terrestre, que se contrapunha às idéias de Mahan. Segundo a Teoria de Mackinder, os desenvolvimentos tecnológicos da época, como a máquina a vapor e gasolina, redes de estradas de ferro e de rodagem tiraram do mar o monopólio do transporte de grandes volumes de cargas. 16 Assim, quem obtivesse o controle do “Coração da Terra” (Sibéria ocidental e Rússia européia) estaria em condições de exercer o maior poder. Enquanto isso, os britânicos cuidavam de garantir a liberdade dos mares e por meio deles construíram suas melhores defesas (KUBRUSLY, 2008). Fazendo referência a História do Brasil, um marco relevante foi a derrota da esquadra paraguaia frente à esquadra brasileira, na Batalha Naval do Riachuelo (1865). O Paraguai era reconhecido na época como uma potência militar e industrial, e teve cortada sua linha de comunicação com o oceano Atlântico, bloqueando-se assim a porta de entrada para seus suprimentos logísticos, fundamentais a um estado interior. A História demostra que a Batalha Naval do Riachuelo se tornou o ponto de inflexão da Guerra da Tríplice Aliança. Em todos os exemplos citados, o mar foi utilizado como via de comunicação, tanto para o comércio como para a guerra, e sobressairam-se todas as nações que dele bem souberam aproveitar. 2.2 A GEOPOLÍTICA E AS POLÍTICAS DE ESTADO Geopolítica é a congruencia entre demasiados grupos de estratégias adotadas pelo estado para administrar seu território. Desta forma, Geopolítica é um campo de conhecimento multidisciplinar, que não se identifica com uma única disciplina, mas se utiliza principalmente da Teoria Política e da Geologia & Geografia ligado às Ciências Humanas e Ciências Sociais aplicadas. A geopolítica considera a relação entre os processos políticos e as características geográficas (como localização, território, posse de recursos naturais, contingente populacional e geológico) — como topografia natural e clima e também os estudos intercontinental avalicional e interpretacional em relações que estão interrelacionados com a Ecologia (aspectos animais, vegetais e humanos), nas relações de poder internacionais entre os Estados e entre Estado e Sociedade. As teorias geopolíticas clássicas pensavam o Estado como 17 um organismo territorial, sendo que essa comparação do Estado com um organismo foi proposta pelo geógrafo Friedrich Ratzel em seu livro Geografia Política. Mas é importante destacar que esse autor usava a palavra organismo não como metáfora biológica, e sim no sentido que o pensamento romântico dava a esse termo, isto é, como uma unidade indissociável entre diversos elementos naturais e humanos. Para Ratzel, o Estado agia como organismo territorial porque mobilizava a sociedade para um objetivo comum, que era a defesa territorial, e implementava uma série de políticas visando garantir a coesão da sociedade e do território, unindo o povo ao solo. Nesse sentido, a geografia política e a geopolítica utilizam os conhecimentos da Geografia Física e da Geografia Humana, interrelacionadas com a Ecologia, para orientar a ação política do Estado. (Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Geopol %C3%ADtica, consultado em 7de junho de 2013) Em 1899, o sueco Rudolph Kjëllen, professor de Geografia e de Ciências Políticas, usou pela primeira vez o vocábulo “Geopolítica” e fundou-a como um ramo da Ciência Política. Kjëllen verificou a necessidade de atualização da Política, devido às transformações que as Revoluções Inglesa e Francesa haviam produzido na organização do Estado, tornando-o o grande propulsor do desenvolvimento, e conferindo-lhe, além de uma função jurídica, outras atinentes às áreas social e econômica. (BACKHEUSER, 1952). A Geopolítica é o ramo da Política que estuda os fenômenos políticos influenciados pelo solo, o território. Suas subdivisões são a Topopolítica, que é a política oriunda da situação geográfica (lage); a Morfopolítica, a oriunda do espaço (raum); e a Fisiopolítica, a oriunda do domínio (riquezas naturais). Kjëllen priorizava o lado prático da Política, a arte de governar os povos, que ensina como os Estados são de fato e, de acordo com as condições reais do poder de cada um, como podem ser. Se Ratzel teve o mérito de perceber a decisiva influência dos fatores geográficos sobre os fenômenos políticos, Kjëllen aprimorou esse estudo ao analisar o Estado pelo lado de fora, na sua antiga concepção de ser vivo, mas que coexiste numa relação direta de poder e de influência com os outros Estados (TOSTA, 1984). 18 Vale dizer que a Geopolítica continua evoluindo como parte da Ciência Política e afirmando-se como ferramenta à disposição do Estado para a elaboração das Estratégias de Poder no século XXI. Torna-se imprescindível consolidar a conformação do pensamento geopolítico brasileiro à nova realidade geopolítica, a fim de influenciar a elaboração de políticas e planos governamentais que verdadeiramente contemplem a consecução dos interesses brasileiros no mar: a Amazônia Azul (domínio marítimo brasileiro), como área de crescimento político, econômico e militar; o Atlântico Sul, como área de interesse estratégico; e o Poder Marítimo, como elemento vital do Poder Nacional (ALÍPIO, 2007). O reconhecimento da importância da Geopolítica em vários países motivou a formação de diferentes escolas. As duas principais escolas são a determinística (alemã), que observa o fator geográfico como determinante no processo civilizatório - “o homem é o produto do meio”, e a possibilista (francesa), que considera o fator geográfico como menos ponderável que o político - “a natureza propõe e o homem dispõe” (MATTOS, 2002, p. 19). É evidente a importância estratégica e econômica da Amazônia Azul para o Brasil. Como brasileiros, devemos pensar sobre a questão da preservação dos interesses nacionais e a consequente necessidade de efetivo monitoramento e constante presença nessas áreas de alto valor estratégico para o País. 2.3 A GEOPOLÍTICA DO BRASIL A Escola de Sagres pode ser considerada o marco inicial da contribuição da Geopolítica para o destino do Brasil, Estado que nasceu grande, favorecido pela natureza e que cresceu fazendo politicamente parte de uma única Nação. A fronteira oeste do Brasil foi inicialmente delimitada pelo Tratado de Tordesilhas, negociado com a Espanha devido à discordância de Portugal sobre os termos estabelecidos pelo Papa Alexandre VI na bula Inter Coetera. Essa negociação teve como propósito garantir a posse lusitana das duas costas do Atlântico Sul e a do Oceano Índico, no caminho 19 marítimo para as Índias. No período da união das coroas ibéricas, o avanço continuou para oeste, facilitado pelos caminhos naturais de alguns rios, ultrapassando os limites estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas e chegando aos pés da cordilheira dos Andes. Essa conquista foi fruto da visão dos governantes, do caráter pioneiro do povo e da inspiração do diplomata brasileiro Alexandre de Gusmão, que, pelo Tratado de Madri, contribuiu para legitimá-la em 1750. A intenção de Portugal em definir as fronteiras do Brasil em função de acidentes naturais, a fundação da Colônia de Sacramento (1680), a manutenção da unidade nacional após a independência, a compra do Acre à Bolívia (1903) e a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro e, posteriormente, para o planalto Central (1960) são outros exemplos de contribuições geopolíticas da história brasileira (ALÍPIO, 2007). Com a criação da Escola Superior de Guerra, ganhou destaque o projeto desenvolvimentista do General Golbery do Couto e Silva e a sua influência sobre a elaboração de uma Política de Segurança Nacional. No pós-guerra, o pensamento geopolítico de Golbery tratou tanto de problemas de segurança interna, devido à ameaça de expansão do comunismo, quanto de vulnerabilidades externas, resultantes da relação entre a imensa faixa marítima disponível e a ampla massa territorial a integrar. Ele ressaltou tanto a importância estratégica do saliente nordestino, dominando a zona de estrangulamento do Atlântico Natal-Dakar, quanto as vulnerabilidades do núcleo central do território nacional às ameaças vindas do mar e da fronteira sul às ameaças de caráter regional (FREITAS, 2004). Golbery considerava que o Brasil possui cinco áreas geopolíticas distintas, com dinâmicas próprias e sem comunicações adequadas entre si e as três áreas ecumênicas avaliadas centralizadoras de progresso (Rio - São Paulo – Belo Horizonte; Paraná – Santa Catarina – Rio Grande do Sul; e Recife-Fortaleza). Por isso, estabeleceu um conjunto de tarefas visando à coesão, integração e vitalização do espaço brasileiro, começando no sentido leste-oeste e indo do centro para noroeste, a fim de promover a ocupação e evitar fronteiras vazias 3.Destaca-se, ainda, a sua 3 As cinco áreas geopolíticas definidas por Golbery são as seguintes: 20 preocupação em fortalecer o poder do Estado, por meio da busca de soluções autóctones, do planejamento estratégico e da decorrente formulação de uma Política de Estado, que contemple os Objetivos Nacionais - permanentes, atuais e conjunturais - e oriente as ações governamentais.Entretanto, o alerta feito sobre a necessidade de tomada de uma decisão político-estratégica entre as forças continentais e as atrações marítimas pode ter colaborado para que a superação das vulnerabilidades da ampla massa territorial a integrar tenha relegado politicamente a fronteira marítima a um segundo plano. Ainda que o seu trabalho tenha considerado a importância do Atlântico Sul para a segurança e o desenvolvimento nacionais, ele não incluiu as águas jurisdicionais brasileiras entre áreas geopolíticas de importância, nem atribuiu tarefas especificamente voltadas para o fortalecimento das atividades marítimas (ALÍPIO, 2007). O General Carlos de Meira Mattos é outro nome expoente da ESG, que completou esse ano o centenário do seu nascimento. Referência nesta Escola, tinha sua preocupação voltada para a integração da Amazônia, projeção mundial do Brasil e pela valorização de uma civilização dos trópicos sendo construída pelo povo brasileiro. Na avaliação dos efeitos da modernidade sobre a Geopolítica do Brasil, é reconhecida a importância, para o Estado, da garantia da segurança atlântica até a costa africana, em especial dos pontos de choque oceânicos (eixo Natal-Dakar, Cabo da Boa Esperança, Canal de Beagle e Estreito de Magalhães) e da Antártica. Também é citada a dependência do comércio brasileiro em relação ao transporte marítimo e a decorrente necessidade de nacionalizá-lo, concomitantemente com a revitalização da indústria naval. O Atlântico Sul é chamado de pulmão do Brasil para o mundo exterior (MATTOS, 2002). a) área geopolítica de reserva geral ou de manobra central, à qual pertencem os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais e o sul de Goiás com o Distrito Federal; b) da ala norte, formada por estados do Nordeste; c) da ala sul, composta pelos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; d) do oeste, que engloba os atuais estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia (heartland); e) da Amazônia, englobando os atuais estados do Amazonas, Pará, Acre, Tocantins, Amapá e Roraima (ALÍPIO, 2007). 21 A Professora Therezinha de Castro foi a primeira mulher a ganhar reputação por notáveis trabalhos sobre geografia e geopolítica, o que pode ser creditado à influência recebida de Delgado de Carvalho e Octávio Tosta. Ela apresenta trabalhos de Geopolítica e de Geoestratégia aplicadas à Amazônia e ao Atlântico Sul, onde identifica a presença dos trampolins insulares e a importância da Antártica. Segundo ela, o triângulo estratégico, formado pelas ilhas britânicas de Ascenção, Santa Helena e Tristão da Cunha, seria um trampolim para a América do Sul e base de apoio na rota marítima do Cabo, enquanto as ilhas das Malvinas, Trindade e Fernando de Noronha seriam os postos avançados para a defesa sul-americana. Foi reconhecida, também, a importância do Poder Marítimo e da existência de duas faces litorâneas brasileiras, uma voltada para o hemisfério continental norte e outra para o hemisfério oceânico sul. Com uma preocupação de pensar o Brasil como centro da projeção geográfica do mundo, a Professora estabelece as condições para que o Estado se qualifique como nação emergente e acrescenta, ao trabalho do General Meira Mattos intitulado “A Geopolítica e as Projeções de Poder”, a noção da “necessidade do Brasil ter um consciencioso desenvolvimento marítimo e a correspondente influência transatlântica para base de sua expansão econômica e garantia de desafogada liberdade de movimento no seu tráfego através dos mares” (CASTRO, 1984, p. 44). Como já comentado, Estados que adotaram políticas nacionais voltadas para a utilização do mar obtiveram sucesso. Percebe-se que alguns fatores contribuíram para que essa Teoria não fosse adotada pelo Brasil e para que aqui não se desenvolvesse uma mentalidade marítima. As ameaças observadas perto da fronteira terrestre, podem explicar a falta de prioridade atribuída ao Poder Marítimo. É patente a unanimidade no pensamento geopolítico brasileiro sobre a importância da fronteira terrestre do País e da defesa da integridade territorial. A preocupação com a ocupação do interior do Brasil por parte de diferentes governos, comprova a influência que a Geopolítica tem exercido sobre a formulação dos planos governamentais, um bom exemplo é Brasília, com a transferência da capital para o interior. 22 3 A CONVENÇÃO DA JAMAICA Por pressão da indústria de petróleo americana, em 1945, os EUA declararam de forma unilateral direitos de jurisdição sobre todos os recursos naturais da plataforma continental daquele País, tais como petróleo, gás, minerais, etc. Os EUA foram seguidos pela Argentina, que em 1946 reivindicou direitos de soberania sobre a sua plataforma continental e a massa d‘água sobrejacente. Chile e Peru (1947), seguidos por Equador (1950), afirmaram direitos de soberania sobre o mar até 200 milhas de suas costas, com o intuito de limitar o acesso de frotas de pesca estrangeiras aos seus recursos pesqueiros, para evitar o seu esgotamento e posterior dano às suas economias nacionais. Nesse mesmo período pós Segunda Guerra Mundial, outros países como Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Líbia, Venezuela e alguns países do Leste Europeu reivindicaram um mar territorial de 12 milhas, abandonando o limite de três milhas tradicionalmente utilizado e aceito até então. O Canadá afirmou o seu direito de regulamentar a navegação em uma área que se estendia por 100 milhas de suas costas, a fim de proteger as águas do Ártico contra a poluição. A necessidade de um ordenamento jurídico sobre o mar, a fim de aperfeiçoar o seu uso, de promover uma melhor gestão dos recursos oceânicos e gerar harmonia e boa vontade entre os Estados, resultou na convocação de três Conferências das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (SEGOVIA, 2009). Um marco importante na definição de responsabilidades dos países dentro de cada espaço marítimo foi o encerramento da III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em 10 de dezembro de 1982, em Montego Bay, na Jamaica. Naquela ocasião, o Brasil e mais 118 países elaboraram a CNUDM, também denominada “Convenção”. A referida Convenção enseja a ideia de que todos os problemas afetos 23 aos espaços oceânicos precisam ser considerados como um todo, pois, em verdade, estão inter-relacionados. Seus 320 artigos e 9 anexos legislam sobre os diversos aspectos desses espaços, tais como: delimitação, controle ambiental, investigação científica marinha, atividades econômicas e comerciais, transferência de tecnologia e disputas (VIDIGAL, 2006, p.34). Em 1994, um ano após sua ratificação pelo sexagésimo país, a Convenção efetivamente entrou em vigor. Em setembro de 2009, 159 Estados já a haviam ratificado, inclusive a União Européia. A CNUDM consagrou os conceitos de mar territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva e Área, sendo por isso também conhecida como a Lei do Mar. Para tratar dos aspectos acima, a Convenção criou três órgãos: a Comissão de Limites da Plataforma Continental, instalada na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque; a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, sediada em Kingston, Jamaica, que tem por finalidade organizar e controlar as atividades na Área; e o Tribunal Internacional do Direito do Mar, com sede em Hamburgo, que diferentemente da Corte Internacional de Haia, admite, dentro de determinadas condições, o acesso de particulares, organizações internacionais e da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, além do tradicional acesso de Estados (GARCIA, 2008, p.9). Desta forma penso que a aprovação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Convenção da Jamaica), além de uma grande conquista do Direito Internacional Público, foi também um avanço na evolução das relações internacionais. A entrada em vigor da Convenção trouxe consigo uma maior visibilidade e importância para os oceanos. 3.1 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA RELATIVA AO MAR Em 22 de dezembro de 1988, o Brasil ratificou a CNUDM ao apresentar o documento formal pertinente ao Secretário-Geral da ONU, na qualidade de fiel depositário daquela Convenção. A Constituição Federal e a Lei 8.617/1993 abarcaram 24 os conceitos de mar territorial, zona contígua, ZEE e plataforma continental, considerando as dimensões máximas previstas na CNUDM, internalizando a Lei do Mar no Sistema Jurídico brasileiro. Assim, o Brasil possui um mar territorial de 12 milhas marítimas de extensão, uma zona contígua que se estende das 12 as 24 milhas marítimas, e uma ZEE que se estende das 12 as 200 milhas marítimas, a partir das linhas de base. Com relação à extensão da plataforma continental além das 200 milhas marítimas, o pleito brasileiro é baseado no Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (LEPLAC), um trabalho realizado pela Marinha do Brasil, Petrobras e comunidade científica nacional, com a coordenação da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), que teve início em 1987. Após 17 anos, o Brasil entregou a sua proposta à CLPC em agosto de 2004, cumprindo o previsto no Artigo 76 da CNUDM. A reivindicação brasileira contempla uma área do solo e subsolo oceânico de cerca de 950 mil km2, além das 200 milhas, onde o País exercerá os direitos de exploração dos recursos naturais do solo e subsolo do mar (GOLDSTEIN, 2009). As responsabilidades da Marinha do Brasil também foram aumentadas pela Convenção da Jamaica. Portanto, será vital que o fortalecimento das atividades marítimas seja, no mínimo, acompanhado pelo crescimento do Poder Naval. Dele depende a vigilância e a defesa da Amazônia Azul, bem como a proteção do mar e dos que usam o mar numa área que ultrapassa as áreas Juridicionais Brasileira. 25 4 A AMAZÔNIA AZUL Correspondendo a aproximadamente metade da superfície do Brasil (cerca de 4,5 milhões de km²), essa extensa área marítima atlântica ao longo da costa brasileira compara-se à “Amazônia Verde”, não só pela dimensão, mas também pela biodiversidade, riquezas e pelo esforço a ela dedicado por pesquisadores, para a compreensão de sua magnitude, nos mais diversos campos da ciência e da tecnologia. 4.1 O CONCEITO DE AMAZÔNIA AZUL Empregada originalmente pelo Comandante da Marinha (CM), em “Tendências/Debates: A outra Amazônia”, na Folha de São Paulo, em 2004, a expressão “Amazônia Azul” enseja um amplo horizonte de valores, recursos e iniciativas (VIDIGAL, 2006, p. 18). A partir dessa ocasião a Marinha passou a adotar esse conceito, seja como objetivo educacional ou cultural, seja como objetivo político. O objetivo maior da Marinha é despertar na Sociedade Brasileira uma mentalidade marítima consistente, coerente com as dimensões e importância dessa região para o Brasil. O uso dessa idéia força nessa última década e sua imediata aceitação por parte da população apontam para um êxito dessa empreitada. 4.2 AS PRINCIPAIS RIQUEZAS DA AMAZÔNIA AZUL O Brasil tem uma costa de mais de 8.500 km no Atlântico Sul, além de valores geopolíticos e econômicos a serem explorados. Possui a maior parte de sua população concentrada no litoral, cerca de 40 portos marítimos litorâneos e inúmeras atividades socioeconômicas relacionadas e dependentes do mar. 26 Embora a ocupação do Brasil pelos europeus tenha se efetuado pelo mar, 80% da sua população viva a menos de 200 km do seu litoral e o mar tenha sido até as primeiras décadas do século XX, a única via de comunicação significante entre as cidades litorâneas brasileiras e entre o Brasil e o mundo, atualmente não é percebida uma firme mentalidade marítima no brasileiro. O brasileiro médio visualiza o mar fundamentalmente como fonte de alimentos (pesca e sal) e de lazer, poucos se dando conta da importância do mar como fonte de recursos energéticos (petróleo e gás) e como meio de transporte (MOURA NETO, 2012). O fantástico aumento do fluxo de bens, de informações e de capitais decorrentes da globalização tem incrementado a interdependência entre as nações, com consequências diretas no fluxo internacional de comércio que, por sua vez, tem produzido um desenvolvimento extraordinário do transporte marítimo, já que cerca de 90% do comércio mundial medido em peso e volume é realizado por via marítima. (SILVA, 2002, p. 96). Além de via essencial de comunicação, os mares e oceanos se tornam cada vez mais importantes como fontes de riquezas (recursos energéticos, minerais e biológicos) e pela sua atuação no equilíbrio do meio ambiente. E a importância dos espaços marítimos tende a crescer na medida em que novas pesquisas demonstram as potencialidades dos recursos do mar e as novas tecnologias possibilitam a exploração econômica dessas riquezas. (SILVA, 2002, p. 95). Na imensa área marítima definida como Amazônia Azul, destacam-se os interesses de natureza econômica (as linhas de comunicação marítimas, a explotação de campos de petróleo e de gás na Plataforma Continental, os recursos vivos e os recursos minerais), embora também importantes sejam as responsabilidades de protegê-la e de manter a segurança do tráfego aquaviário, a salvaguarda da vida humana no mar e a prevenção da poluição ambiental por plataformas e navios. Com o notável desenvolvimento tecnológico atual, além da tradicional utilização da massa líquida para o transporte (cargas e pessoas) e para a pesca extrativa marinha, a utilização econômica do mar se dá por meio da explotação de recursos energéticos 27 (petróleo e gás) em águas e camadas abaixo do leito marinho cada vez mais profundas; da explotação de recursos minerais (nódulos polimetálicos do leito do mar ou dos minerais dissolvidos na água do mar); do desenvolvimento da aquicultura (que permitirá a produção em larga escala de proteína animal); da utilização crescente das algas marinhas para a alimentação e para a farmacologia (SEGOVIA, 2012). Algumas potencialidades do mar para utização econômica: A- O Petróleo e o Gás Natural O Petróleo já foi motivo de varias Guerras, por ser considerado a principal fonte de energia do mundo, como a primeira Guerra do Golfo e a Guerra Irã – Iraque. A existência de petróleo significa riqueza e poder para um País. Além de servir como matéria prima para fabricação da gasolina, principal combustível dos automóveis, também são derivados do petróleo vários outros produtos como o gás natural, nafta, diesel, óleos lubrificante, plásticos e etc. O Brasil já tomou conciência da importância do petróleo e do gás natural como verdadeiras riquezas explotadas da Amazônia Azul. Com a descoberta na plataforma continental brasileira do petróleo na camada do présal, o Oceano Atlântico adquire relevância ainda maior, em termos econômicos, para o País. Segundo o Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – 2011 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP, 2011), no final de 2010, as reservas totais de petróleo do Brasil foram contabilizadas em 28,5 bilhões de barris, um acréscimo de 34,7% em comparação a 2009, em parte devido à inclusão de reservas do pré-sal. Já as reservas provadas aumentaram 10,7% e atingiram a marca de 14,2 bilhões de barris, volume que representou 50% das reservas totais. Das reservas provadas, 93,6% se localizavam no mar e 6,4% se situavam em terra. As reservas provadas são aqueles reservatórios de petróleo ou gás natural sobre os quais os peritos petrolíferos têm 28 elevado grau de confiança de que podem e irão produzir, com geralmente cerca de 90% de chances de produção (SEGOVIA, 2012). B- O Transporte Marítimo O transporte marítimo é um dos modais mais importante para logística de transporte para o Brasil. Possui importância estratégica tanto sob o enfoque da economia quanto da segurança nacional, apesar de todas as dificuldades que enfrenta com portos inadequados, burocracia e altas tarifas. Considerando que 95% do nosso comércio exterior é transportado por via marítima e movimentou valores de US$ 202 bilhões, em 2008; US$ 150 bilhões, em 2009; US$ 201 bilhões, em 2010; e US$ 256 bilhões, em 2011 (MOURA NETO, 2012), possuir uma frota mercante de real capacidade não é só questão de desenvolvimento comercial, mas, também de segurança e estratégia. Em termos de segurança, essa frota pode se tornar um grande suporte para a Marinha de Guerra. Devemos nos preocupar com qualquer interferência no livre trânsito do comércio marítimo de interesse brasileiro, que além de causar prejuízos financeiros, pode levar o País a um colapso pela falta de importantes produtos necessários à economia nacional. Os navios que transitam na Amazônia Azul são acompanhados pela Marinha, por intermédio do Comando do Controle Naval do Tráfego Marítimo. Todos os aspectos relacionados à imposição da lei no mar, especialmente, no tocante à segurança do tráfego aquaviário estão a cargo da Autoridade Marítima, que no caso do Brasil, também é exercida pela Marinha do Brasil, sendo os Comandos de Distritos Navais, a Diretoria de Portos e Costas e a Diretoria de Hidrografia e Navegação seus principais representantes.O Brasil possui uma área marítima de responsabilidade SAR (“search and rescue” – sigla internacional para busca e salvamento) que equivale a uma vez e meia o nosso território e o seu ponto mais distante da costa brasileira fica a 1.850 milhas náuticas, ou seja, quase 3.500 quilômetros. É uma área em que a Marinha do Brasil e a Força Aérea Brasileira têm que atuar no socorro a pessoas acidentadas ou 29 enfermas, em obediência a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (LIMA FILHO, 2010). C- Os Recursos Biológicos Os mares e oceanos representam mais de 70% da superfície da Terra, são uma fonte abundante de recursos biológicos, comparável as florestas tropicais. A explotação de recursos animais e vegetais do mar tem como objetivo prioritário à alimentação, embora também seja utilizada em menor escala para uso medicinal e decorativo (peixes ornamentais, conchas e corais). A pesca possui importância socioeconômica mundial, seja como fonte de alimentos, seja como geradora de emprego. A zona econômica exclusiva brasileira não possui estoques pesqueiros significativos devido às baixas concentrações de nutrientes. No entanto, existem regiões de maior produtividade situadas ao Sul de Cabo Frio-RJ, em razão de o mar ser favorecido pela ressurgência e pela invasão sazonal da corrente das Malvinas. Estima-se que na Amazônia Azul, do ponto de vista econômico e social, a atividade da pesca e derivados gere 800 mil empregos que, direta e indiretamente, sirvam de sustento para quatro milhões de pessoas. A produção nacional de pescado de origem marinha é derivada de dois sistemas produtivos: a pesca extrativa, constituída da pesca artesanal e industrial, e a aquicultura (COSTA, 2012, p. 142). A pesca artesanal é responsável por quase dois terços da produção nacional de pescado na pesca extrativa. Contudo, em razão de se concentrar em espécies nobres e de maior valor comercial, em termos econômicos a participação relativa da pesca artesanal é ainda maior (HAZIN et al., 2007). Ainda segundo Hazin et al. (2007) e Costa (2012), com exceção da pesca de atuns e afins, a pesca das demais espécies ou já alcançou o rendimento máximo sustentável (plenamente explotado) ou já atingiu o patamar da sobrepesca (sobreexplotado), não havendo a possibilidade de aumento do esforço de pesca sem 30 comprometer a sustentabilidade dos estoques explotados. Assim, a grande oportunidade para crescimento do setor no Brasil é a aquicultura. A aquicultura tem crescido de forma bastante acentuada em anos recentes. Enquanto a produção nacional por pesca extrativa passou de 606.708,0 toneladas, em 1995, para 783.176,5 toneladas, em 2007, um aumento de cerca de 29%, a produção pela aquicultura no mesmo período saltou de 46.202,5 para 289.049,5 toneladas, equivalendo a um aumento de cerca de 526%; sendo que a aquicultura marinha (maricultura) teve um extraordinário aumento de 1.346%, passando de 5.420,5 toneladas para 78.405,0 toneladas (SEGOVIA, 2012). D- Os Recursos Minerais Todos os elementos químicos naturais conhecidos são encontrados na água do mar, e a maior parte dos depósitos minerais atualmente sendo explotados nos continentes, teve a sua origem, direta ou indiretamente, ligada aos oceanos (COSTA, 2012). Os depósitos minerais marinhos, classificados pela sua natureza e forma de apresentação como fluidos, inconsolidados e consolidados, são pouco explotados (a exceção dos hidrocarbonetos e do sal marinho), em razão da abundância de depósitos encontrados no continente que suprem a demanda e principalmente pela inexistente tecnologia necessária à explotação mineral marinha, o que torna essa atividade ainda antieconômica. Dentre os minerais atualmente confirmados com potencial de exploração na Amazônia Azul destacam-se: 1 - Areias e cascalhos, utilizados na recuperação de praias e como insumos na construção civil; 2 - Granulados bioclásticos (carbonatos), utilizados como fertilizante, como insumo de rações animais, como complemento alimentar, como implante em cirurgias ósseas, na indústria cosmética; 31 3 - Fosfatos, utilizado como fertilizante e na indústria química; 4 - Sais minerais, compostos por substâncias como anídrica, gipsita, halita, potássio (utilizado como fertilizante e na indústria química) e sais de manganês; 5 - Minerais pesados como ilmenita, rutilo, monazita e zircônio; 6 - Carvão, utilizado para a geração de energia; 7 - Hidratos de metano, conhecidos como o combustível do futuro. Semelhantes ao gelo são a combinação cristalina entre as moléculas de metano e as moléculas de água; 8 - Enxofre, utilizado como fertilizante e na indústria química; e 9 - Sal-gema, utilizado na alimentação e na indústria cloroquímica. E- Turismo Em 2009, mais de oitenta navios de passageiros visitaram portos do Brasil, país que tem no mar, uma admirável fonte de atração turística. Localidades como Rio de Janeiro, Búzios, Ilha Bela, Maceió, Fernando de Noronha, entre outras, são destinos especiais e desejados por turistas procedentes de diversas partes do mundo. Estes navios permanecem no Atlântico Sul visitando, principalmente, portos brasileiros no período de novembro a março. A título de exemplo, em 2009, mais de 300.000 passageiros desembarcaram no porto do Rio de Janeiro, enquanto 92.000 desembarcaram em 2006. A tendência é que este número cresça ainda mais, tendo em vista os elevados investimentos em infraestrutura portuária que estão sendo realizados pelo governo federal, dentro dos projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Além do que, inúmeras embarcações de médio porte (escunas e catamarãs) 32 trafegam em águas costeiras em uma importante atividade de turismo náutico 4 que movimenta bilhões de reais ao ano. (LIMA FILHO, 2010) É incontestável a importância estratégica da Amazônia Azul para o Brasil. Tal importância nos leva a pensar sobre a questão da preservação dos interesses nacionais e a consequente necessidade de efetivo monitoramento e constante presença nessas áreas de valor estratégico para o País, assegurando assim, a exclusividade de exploração dos recursos existentes. Observa-se que os recursos econômicos assumem dimensões cada vez mais relevantes, há a possibilidade de ocorrerem conflitos de interesses entre atores estatais ou não. Contudo, no momento em que os interesses de outros atores vierem a ser prejudicados, inclusive dentro do cenário marítimo, há a possibilidade de que passemos a sofrer pressões de variados atores internacionais, podendo surgir conflitos, com conseqüências irreparáveis para a nação. 4 Turismo Náutico caracteriza-se pela utilização de embarcações náuticas com a finalidade da movimentação turística. Pode ocorrer em lagoas, rios, represas, lagos ou no mar e envolve também as atividades de cruzeiros (marítimos ou fluviais), passeios, excursões e outras viagens realizadas em embarcações náuticas com finalidade turística (LIMA FILHO, 2010). 33 5 PODER MARÍTIMO Após a Segunda Guerra Mundial, observou-se uma grande expansão do comércio mundial, levando a reboque um aumento do preço internacional dos fretes. Devido a isso, a balança de pagamentos do Brasil atingiu considerável déficit. A preocupação com esse problema, levou o governo a adotar medidas, visando ao fortalecimento do setor marítimo, tais como a implantação de estaleiros e a contratação de um grande número de embarcações nacionais. 5.1 O SETOR MARÍTIMO NACIONAL A marinha mercante brasileira foi protegida por legislação de 1970 a 1986, proteção essa que incluía reserva de mercado, concessão de subsídios e estabelecia a vinculação do seu crescimento ao da construção naval. Nesse período, foi dado um grande impulso à navegação de longo curso com a frota mercante brasileira registrando um crescimento de aproximadamente quatro vezes o tamanho de sua frota no início dos anos 70, isso devido a uma intervenção direta do governo nas decisões das empresas, direcionando a aquisição dos tipos e quantidades de navios. Considera-se pertinente salientar, de forma breve, a correlação que deve existir entre o crescimento do Poder Naval e o das demais atividades marítimas. Após o término da Segunda Guerra Mundial, a Marinha do Brasil passou a contar apenas com navios tecnologicamente menos evoluídos e, devido à transferência de navios e sobressalentes pelo governo dos EUA, a construção de navios de guerra praticamente foi interrompida. Entretanto, o crescimento do transporte marítimo a partir da década de 70 motivou o reaparelhamento da Marinha de Guerra. Ao final dessa época, foram adquiridos os navios-varredores Classe “ARATÚ”, as fragatas Classe “NITERÓI” e os submarinos Classe “HUMAITÁ” e, em seguida, os submarinos Classe “TUPI”. Ademais, viabilizou-se a retomada da construção naval pelo AMRJ, com a construção de 2 fragatas e 4 submarinos (ALÍPIO, 2007). 34 Ao final dos anos 80, foram realizadas alterações no setor marítimo que provocaram a retração dos investimentos de renovação e ampliação das frotas, com a redução no número de embarcações de bandeira brasileira, a despeito do crescimento do comércio internacional do País, acarretando a uma paralisação do parque industrial de construção naval, por falta de encomendas de empresas nacionais. Na década de 90, a navegação brasileira passou por sério processo de empobrecimento, devido em grande parte à conjuntura econômica do País. O Brasil atravessava um período de baixo crescimento, recorrentes crises de balanço de pagamentos e de uma inflação excessiva. Em 1995, o Brasil recebia apenas 8,8% do valor dos fretes marítimos, um sinal claro da tendência de diminuição do número de navios de bandeira brasileira no comércio exterior e da necessidade de novas ações governamentais (FERNANDES, 1998). A navegação comercial no Brasil hoje enfrenta problemas de competitividade junto ao cenário mundial. O principal fator determinante para este desempenho é a pequena e desatualizada frota mercante brasileira, resultado da política estabelecida para o setor, em especial a partir dos anos 90. Outro fator que prejudica a competitividade dos armadores nacionais é o custo da mão-de-obra. As empresas brasileiras, por força da legislação trabalhista, são oneradas com maiores encargos sociais quando comparadas às suas concorrentes internacionais. Não obstante essas observações, pouco se pode fazer para reduzir custos trabalhistas no âmbito de política setorial de navegação, visto que os maiores óbices e custos advêm da legislação trabalhista nacional (PETRONIO, 2010). Entre as razões que dificultam a preparação de medidas para defesa da marinha mercante e da construção naval está a falta de percepção, por parte das pessoas formadoras de opinião, acerca da importância do modal aquaviário no sistema de transportes brasileiro. Pode-se citar como exemplo o trabalho coordenado pelo exMinistro do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso, destinado a “discutir uma nova política econômica que prepare o terreno para uma retomada do crescimento, na 35 oportunidade da renovação do quadro político e administrativo resultante das eleições gerais de outubro de 2002”. Na análise feita sobre os problemas na infra-estrutura de transportes que podem se tornar obstáculos ao crescimento do Brasil, nem sequer foram incluídos o modal aquaviário e a sua indispensável conexão com os modais terrestre e ferroviário, apesar da correta identificação do grave desequilíbrio existente na matriz de transportes do País (LEITE; VELLOSO, 2002, p. 17). Observando o histórico do Poder Marítimo brasileiro, chama atenção a alternancia de crescimento ao longo do tempo, períodos com fortes apoio governamental seguem-se de fases com completo abandono. Essa descontinuidade das ações em investimentos são reflexos de dificuldades internas ou alterações no cenário mundial, o que demostra uma completa falta de coordenação do governo e uma inexistente política de Estado para o setor marítimo brasileiro, razões que dificultam a preparação de medidas para defesa da marinha mercante, marinha de guerra e da construção naval. 5.2 O CENÁRIO PROSPECTIVO DO SETOR MARÍTIMO NACIONAL Observa-se que no contexto mundial, o setor marítimo brasileiro não reflete as potencialidades e expressão do País. Com sua matriz energética, estrutura produtiva, recursos naturais e sua capacidade de produção de alimentos, colocam o Brasil em um patamar muito superior em termos potenciais em relação a vários países que apresentam um Poder Marítimo bem mais robustecido. É evidente que temos dificuldades e diversos desafios a superar, como a desigualdade social, a carência da infraestrutura e principalmente no campo da educação, impactando o desenvolvimento de mão-de-obra especializada. O fundamento básico para a existência de uma marinha mercante própria é o de contar com uma frota mínima de embarcações que permita ao País não depender de empresas estrangeiras para escoar sua produção. Além disso, a consolidação da marinha mercante é um importante passo para o desenvolvimento de atividades ligadas 36 ao mar, como a construção naval e a prospecção mineral ou biológica, entre outras. Para isso, será necessário a alteração das atuais políticas públicas vigentes, com foco na desvinculação entre as políticas de incentivo à construção naval e ao setor de navegação e, na evolução da educação formal juntamente com a ampliação de novas conquistas no campo da expressão científico-tecnológica do poder nacional. A política governamental sempre foi baseada na existência de sinergias tecnológicas entre a construção naval e a frota de navios da marinha mercante. A instalação da indústria de construção naval vinculada à ampliação da marinha mercante acabou por elevar os custos dos dois programas. Seria recomendável a separação das políticas, direcionando-se os incentivos ao setor de construção naval para a obtenção de ganhos de produtividade e a redução dos custos de produção, de forma a torná-lo moderno e competitivo no mercado de construção de embarcações. Na atual política de construção naval, o governo não avalia o retorno para a sociedade dos benefícios concedidos aos estaleiros nem exige contrapartida de eficiência tecnológica ou de redução de custos. As alternativas de financiamento propostas para a compra de navios devem ser reavaliadas para melhor refletirem a atual política econômico-financeira. Mas a aquisição de navios é uma premissa básica para viabilizar um aumento da participação da modalidade aquaviária na matriz de transportes brasileira, em especial na navegação internacional, onde o País é dependente em 95% de suas trocas comerciais (PETRONIO, 2010). O inglês Sir Julian Corbett destacou esse caráter relativo do Poder Marítimo, cujos reflexos são percebidos nos Estados mais fortes e naqueles com os quais eles se relacionam. Outro inglês, Geoffrey Till, ressaltou o maior sucesso alcançado pelos Estados que perceberam a vantagem existente na associação entre os componentes militares e mercantis do Poder Marítimo (TILL, 2004). A análise da forma como diferentes Estados construíram e usaram o Poder Marítimo e a verificação isolada da contribuição de cada um dos seus dois componentes permitem melhor compreender o desenvolvimento e a situação desse poder no Brasil. 37 O componente mercantil foi destacado, entre outros, por Mahan, Corbett e Sir Walter Raleigh. A obtenção de um Poder Naval forte e do domínio do mar por si só, sem interesses ou reflexos maiores para a vida nacional, foram por eles identificados como não representando o objetivo final a ser alcançado pelo Estado. O que deve ser realmente buscada é a capacidade de utilizar o mar com liberdade, sem qualquer tipo de pressão externa, para promover o desenvolvimento, garantir a segurança e exercer influência sobre outros Estados (TILL, 2004). Entre os Estados que construíram um grande Poder Naval, aqueles que buscaram fortificar simultaneamente as demais atividades marítimas obtiveram maior sucesso em permanecer como potências marítimas e defender por mais tempo seus interesses no mar. China, Holanda, Grã-Bretanha, Portugal e Estados Unidos tornaramse potências marítimas que, em diferentes épocas, construíram um Poder Marítimo mais equilibrado e estável do que França e Rússia, por exemplo, cujos sucessos no mar, antes do século XX, podem ser considerados bem discretos. 38 6 CONCLUSÃO O mar sempre foi a principal via dos contatos internacionais, facilitador de migrações e descobrimentos, veículo das revoluções econômicas, fonte de alimentos e desafio para a defesa dos Estados. As nações que durante a história souberam aproveitar o mar como via de comunicação, tanto para o comércio como para a guerra, sobressairam-se em relação as demais, corroborando a Teoria Geopolítica do Poder Marítimo, de Mahan. A possibilidade de aproveitar as oportunidades que o mar oferece em benefícios para os seus nacionais não tem sido igualmente observado pelos diferentes Estados. O Brasil não pode ser incluído entre aqueles que se destacam pela efetiva utilização do mar. Desta forma, Estados que compreenderam e buscaram seguir os seus preceitos por meio de políticas nacionais voltadas para a utilização do mar obtiveram um grande sucesso. Alguns fatores contribuíram para que essa Teoria não fosse adotada pelo Brasil e para que aqui não se desenvolvesse uma forte mentalidade marítima. As ameaças observadas perto da fronteira terrestre, em especial após a Guerra do Paraguai, podem explicar a falta de prioridade atribuída ao Poder Marítimo. É patente a unanimidade no pensamento geopolítico brasileiro sobre a importância da fronteira terrestre do País e da defesa da integridade territorial. A preocupação com a ocupação do interior do Brasil por parte de diferentes governos, comprova a influência que a Geopolítica tem exercido sobre a formulação dos planos governamentais. No intuito de se evitar os erros do passado, como as atrocidades das guerras, observou-se modificações dos relacionamentos entre os Estados. Surgiram assim, organismos com a função de estreitar e acelerar as relações de Estados. Para essa harmonização de disputas de poder, as Nações adotaram respeitar o Direito Internacional Público, e aos seus meios coercitivos de resolução de Controvérsias Internacionais. Nesse contexto, a aprovação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Convenção da Jamaica) pode ser considerada não só uma vitória do Direito Internacional Público como também um avanço na evolução das relações 39 internacionais. A entrada em vigor da Convenção trouxe consigo uma maior visibilidade para os oceanos, cuja utilização tem sido defendida como sendo mais importante para o fortalecimento do poder dos Estados do que a conquista de territórios. O aumento do fluxo de bens, de informações e de capitais decorrentes da globalização tem incrementado as relações entre as nações, com consequências diretas no fluxo internacional de comércio que, por sua vez, tem produzido um desenvolvimento extraordinário do transporte marítimo, acrescido a isso a definição de responsabilidades dos países dentro de cada espaço marítimo devido ao início da vigência da CNUDM, que tem propiciado uma nova Ordem Mundial. Países desenvolvidos tem demostrado enorme interesse em todos os cantos do planeta, especialmente em espaços ricos, como o Atlântico Sul. Portanto, o grande patrimônio colocado à disposição do Brasil pela Convenção e a obrigação de fazer valer a legislação internacional e a ordem na Amazônia Azul necessitam ser bem compreendidos e tratados com prioridade pelo Estado. Observando o histórico do Poder Marítimo brasileiro, chama atenção a alternancia de crescimento ao longo do tempo, períodos com fortes apoio governamental seguem-se de fases com completo abandono. Essa descontinuidade das ações em investimentos são reflexos de dificuldades internas ou alterações no cenário mundial, o que demostra uma completa falta de coordenação do governo e uma inexistente política de Estado para o setor marítimo brasileiro, razões que dificultam a preparação de medidas para defesa da marinha mercante, marinha de guerra e da construção naval. Desta forma, interpletando os aspectos elencados neste trabalho, pode-se garantir que no momento em que os recursos econômicos assumem dimensões cada vez mais relevantes, há a possibilidade de ocorrerem conflitos de interesses entre atores estatais ou não. Contudo, no momento em que os interesses de outros atores vierem a ser prejudicados, inclusive dentro do cenário marítimo, há a possibilidade de que passemos a sofrer pressões de variados atores internacionais, podendo surgir conflitos, com conseqüências irreparáveis para a nação, se não forem evitados de 40 forma preventiva ou respondidos de forma adequada e compatível com o prestígio e dimensões político-estratégicas do país. É importante perceber que a Geopolítica evolui como um ramo da Ciência Política e apresenta-se como instrumento à disposição do Estado para a elaboração de suas Estratégias. Desta forma, devemos atualizar o pensamento geopolítico brasileiro à nova realidade mundial, a fim de orientar a elaboração de políticas e planos governamentais que contemplem a consecução dos interesses brasileiros no mar. Não me parece prudente descuidarmos dos diversos componentes do nosso Poder Marítimo, e muito menos deixar de alocar à Marinha do Brasil os recursos e os meios necessários para que ela possa não só atuar na vigilância e na proteção desse imenso patrimônio, mas também honrar nossos compromissos internacionais. 41 REFERÊNCIAS ALÍPIO, Jorge Rodrigues da Silva. Amazônia Azul: a nova realidade geopolítica brasileira. 2007. 51 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Política e Estratégia Marítima) - Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, 2007. BACKHEUSER, Everardo. Curso de Geopolítica Geral e do Brasil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1952. 275 p. CAROLI, Luis Henrique. A importância Estratégica do Mar para o Brasil no Século XXI. 2008. 56 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia) - Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, 2008. CASTRO, Therezinha de. José Bonifácio e a unidade nacional. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1984. 108 p. 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