ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
SÉRGIO LUIS MIGUEL COSTA
AMAZÔNIA AZUL - NOVAS FRONTEIRAS
Rio de Janeiro
2013
SÉRGIO LUIS MIGUEL COSTA
AMAZÔNIA AZUL – NOVAS FRONTEIRAS
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia
apresentado ao Departamento de Estudos da Escola
Superior de Guerra como requisito à obtenção do
diploma do Curso de Altos Estudos de Política e
Estratégia.
Orientador:CMG (FN-RM1) Carlos Antonio Raposo de
Vasconcellos
Rio de Janeiro
2013
C2013 ESG
Este trabalho, nos termos da legislação que
resguarda os direitos autorais, é considerado
propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE
GUERRA (ESG). É permitida a transcrição
parcial de textos do trabalho, ou mencioná-lo
para comentários e citações, desde que sem
propósitos comerciais e que seja feita a
referência bibliográfica completa.
Os conceitos expressos neste trabalho são de
responsabilidade do autor e não representam,
necessariamente,
qualquer
orientação
institucional da ESG.
____________________________________
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Miguel, Sérgio Luis Costa.
Amazônia Azul: novas fronteiras / CMG Sérgio Luis Miguel Costa.  Rio
de Janeiro: ESG 2013.
33 f.: il.
Orientador: CMG (FN-RM1) Carlos Antonio Raposo de Vasconcelos
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia
(CAEPE), 2013.
1. Geopolítica na parte marítima. 2. Amazônia Azul. 3. Poder Marítimo e o
Poder Naval. I. Título.
AGRADECIMENTOS
Ao Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Julio Soares de Moura Neto, por
ter me designado para cursar o CAEPE-2013, TURMA FORÇA BRASIL, o que me
permitiu aprimorar os meus conhecimentos acadêmicos, interagindo com importantes
representantes dos mais diversos segmentos do Poder Nacional.
Ao Comando da Escola Superior de Guerra (ESG), professores e membros do Corpo
Permanente da ESG, e para o CMG (FN-RM1) Carlos Antonio Raposo de
Vasconcellos, meu orientador e grande incentivador deste trabalho, bem como a todos
aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho, o
meu muito obrigado.
Aos amigos da turma do CAEPE-2013, pelas demonstrações de apreço, amizade e
consideração, bem como pelo profícuo aprendizado decorrente da sadia convivência ao
longo de todo o curso.
A minha gratidão, em especial aos meus filhos Pedro e Miguel, pela compreensão,
como resposta aos momentos de minhas ausências e omissões, em dedicação às
atividades da ESG.
Ao meu pai, amigo, meu grande mestre e paradigma, agradeço o apoio e incentivo
constantes.
A todos, o meu muito obrigado!
RESUMO
As nações que ao longo do tempo souberam aproveitar o mar como via de
comunicação, tanto para o comércio como solução para a guerra, sobressairam-se em
relação as demais, ratificando a Teoria Geopolítica do Poder Marítimo. A possibilidade
de extrair do mar as oportunidades que ele oferece em benefícios para os seus
nacionais não tem sido igualmente praticado pelos diferentes Estados. O Brasil,
infelizmente, não está relacionado entre aqueles que se destacam pela efetiva
utilização do mar. Nas últimas décadas, o governo brasileiro vem colocando em
segundo plano os assuntos que fazem referência a defesa, levando as Forças
Armadas, principalmente a Marinha, a uma situação preocupante, no que se refere aos
meios, frente as dimensões estratégicas do Brasil, comprometendo dessa forma nosso
Poder Naval e em consequência nosso Poder Nacional. Cabe ressaltar que a
descoberta do pré-sal e as riquezas da nossa parte do Oceano Atlântico podem gerar
cobiça e o aumento do tráfego marítimo pode criar situações favoráveis para a pirataria
e crimes transnacionais. Os limites das águas jurisdicionais brasileiras, acordados em
tratados multilaterais, nossa Amazônia Azul, garantem direitos econômicos porém
explicitam a séria contrapartida de assumir os deveres e responsabilidades de ordem
política, ambiental e de segurança pública sobre a referida área.
Palavras-chave: Geopolítica. Poder Marítimo. Estratégia. Amazônia Azul.
ABSTRACT
The nations that, along History, were able to exploit the sea as a means of
communication, both for the trade as for war, stood out in relation to others, thus
corroborating the Geopolitics Theory of Maritime Power. The ability to remove from the
sea the opportunities that it offers benefits for their nationals do not have also been
practiced by different States. Brazil, unfortunately, is not listed among those that stand
out by effective use of the sea. In recent decades, the Brazilian government has been
placing in the background issues that make reference to defense, leading the Armed
Forces, especially the Navy, a worrying situation, with regard to the media, forward the
strategic dimensions of Brazil, compromising our Naval Power and in consequence our
National Power. It is worth noting that the discovery of pre-salt and the riches of our part
of the Atlantic Ocean can generate greed and the increase in maritime traffic can create
favorable circumstances for piracy and transnational crimes. The limits of Brazilian
jurisdictional waters, agreed in multilateral treaties, our Amazon Blue, ensure economic
rights but explicit the counterpart to assume the duties and responsibilities of political
order, environmental and public safety on the refered area.
Keywords: Geopolitcs. Maritime Power. Strategic. Amazon Blue.
SUMÁRIO
1
1
INTRODUÇÃO ...........................................................................................
5
2
A GEOPOLÍTICA APLICADA NA PARTE MARÍTIMA DO BRASIL .........
9
2.1
ASPECTOS HISTÓRICOS ..........................................................................
9
2.2
A GEOPOLÍTICA E AS POLÍTICAS DE ESTADO .....................................
13
2.3
A GEOPOLÍTICA DO BRASIL .....................................................................
15
3
A CONVENÇÃO DA JAMAICA …...............................................................
19
3.1
A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA RELATIVA AO MAR ...................................
20
4
A AMAZÔNIA AZUL …................................................................................
22
4.1
O CONCEITO DE AMAZÔNIA AZUL............................................................
22
4.2
AS PRINCIPAIS RIQUEZAS DA AMAZÔNIA AZUL....................................
22
5
PODER MARÍTIMO E O PODER NAVAL …...............................................
30
5.1
O SETOR MARÍTIMO NACIONAL …..........................................................
30
5.2
O CENÁRIO PROSPECTIVO DO SETOR MARÍTIMO NACIONAL …......
32
6
CONCLUSÃO ….........................................................................................
35
REFERÊNCIAS …......................................................................................
38
8
1 INTRODUÇÃO
Quem comanda o mar, comanda o intercâmbio; quem comanda o intercâmbio
comanda as riquezas do mundo e, conseqüentemente, o próprio mundo.
Sir Walter Raleigh
No litoral brasileiro possuímos riquezas que necessitam ser preservadas e
protegidas. O potencial de riqueza nele existente e o fato de 95% das exportações
brasileiras dependerem do transporte marítimo, fazem com que o mar tenha uma
destacada importância econômica para o Brasil. A descoberta de petróleo na camada
do pré-sal veio a turbinar ainda mais a importância do mar para o nosso país. Nas
últimas décadas, o governo brasileiro vem colocando em segundo plano os assuntos
que fazem referência a defesa, levando as Forças Armadas a uma situação
preocupante, no que se refere aos meios, frente as dimensões estratégicas do Brasil.
Devemos considerar que o pré-sal e as riquezas da nossa parte do Oceano Atlântico
podem gerar cobiça e o aumento do tráfego marítimo pode criar situações favoráveis a
crimes transnacionais.
A possibilidade de transformar as oportunidades que o mar oferece em
benefícios para os seus nacionais não tem sido igualmente aproveitada pelos diferentes
Estados. O Brasil, infelizmente, não pode ser incluído entre aqueles que se destacam
pela plena e efetiva utilização do mar (ALÍPIO, 2007).
Um marco importante na definição de responsabilidades dos países dentro de
cada espaço marítimo foi o encerramento da III Conferência das Nações Unidas sobre
o Direito do Mar (CNUDM), em 10 de dezembro de 1982, em Montego Bay, na
Jamaica. Naquela ocasião, o Brasil e mais 118 países elaboraram a CNUDM, também
denominada “Convenção”. ( VIDIGAL, 2006, p.34).
9
A referida Convenção enseja a ideia de que todos os problemas afetos aos
espaços oceânicos precisam ser considerados como um todo, pois, em verdade, estão
inter-relacionados. Seus 320 artigos e 9 anexos legislam sobre os diversos aspectos
desses espaços, tais como: delimitação, controle ambiental, investigação científica
marinha, atividades econômicas e comerciais, transferência de tecnologia e disputas
(VIDIGAL, 2006, p.34).
Os limites das águas jurisdicionais brasileiras, acordados em tratados
multilaterais, garantem direitos econômicos, porém explicitam a séria contrapartida de
assumir os deveres e responsabilidades de ordem política, ambiental e de segurança
pública sobre a referida área. Após o término de todo esse processo de
redimensionamento da plataforma continental, as águas jurisdicionais do Brasil poderão
totalizar cerca de 4,5 milhões de km 2 de área marítima, englobando a Zona Econômica
Exclusiva e a nova Plataforma Continental. O imenso patrimônio a ser acrescentado ao
inventário do nosso país potencializa a importância de ampliarmos nossas capacidades
para explorar e proteger os recursos aí existentes, garantindo, assim, os nossos
interesses nessa imensa área marítima (CAROLI, 2008).
Aproveitando esse importante momento histórico, a Marinha lançou o
conceito de “Amazônia Azul”, simbolizando a imensa extensão atlântica que se projeta
para além do litoral e das ilhas oceânicas brasileiras e sobre a qual o Estado possui
responsabilidades e direitos soberanos reconhecidos pela CNUDM, a fim de impedir
que o Brasil continue a viver de costas para o mar (VIDIGAL, 2006).
Amazônia Azul é, portanto, uma ideia força, que representa a vontade
nacional em transformar as nossas águas jurisdicionais em espaço efetivo de
exploração econômica, política e militar. Espera-se assim, alavancar a conscientização
da sociedade e dos governantes a respeito da importância do nosso Poder Marítimo.
Alimentos e energia deverão ser potenciais razões de disputa futura tendo
em vista a escassez de recursos naturais em nível mundial e o crescente aumento
populacional. Isto nos leva a ver o mar como fonte de alimentos e de energia, além de
outras riquezas, pensando assim de maneira sustentável.
10
É incontestável a importância estratégica da Amazônia Azul para o Brasil. Tal
importância nos leva a pensar sobre a questão da preservação dos interesses
nacionais e a consequente necessidade de efetivo monitoramento e constante
presença nessas áreas de valor estratégico para o País,
assegurando assim, a
exclusividade de exploração dos recursos existentes.
Neste ponto surge o seguinte problema: Com as atuais necessidades
mundiais de energia e alimentos e considerando em paralelo à crescente demanda por
recursos naturais, qual o nível de atenção que o Brasil está dispensando à Amazônia
Azul, para fazer frente as possíveis cobiças internacionais?
Assim, essa monografia tem a intenção de apresentar parte do pensamento
geopolítico brasileiro, verificando se está ressonante com realidade do País, levando
em consideração a ampliação das suas águas jurisdicionais, bem como analisar as
políticas voltadas para a Amazônia Azul e o Poder Marítimo brasileiro.
Na segunda seção, serão apresentados alguns embasamentos teóricos e
definições, com o propósito de situar o leitor no contexto dessa área de interesse
estratégico para o país. Nesta etapa, será conduzida uma abordagem baseada na
história e na geopolítica.
Na seção seguinte, será apresentada a Convenção da Jamaica que ampliou
os limites das águas jurisdicionais brasileiras, nossa Amazônia Azul, ampliando nossa
zona econômica porém explicitando a séria contrapartida de assumir os deveres e
responsabilidades de ordem política, ambiental e de segurança pública sobre a referida
área.
Na quarta seção, serão identificadas as principais riquezas da Amazônia Azul,
sendo este imenso patrimônio analisado dentro do contexto das expressões do Poder
Nacional, a serem apresentadas.
Na penúltima seção, serão enfocados alguns aspectos do Poder Marítimo,
especialmente, no tocante aos seus desdobramentos para a garantia da soberania
nacional na Amazônia Azul.
11
Ao final, como conclusão, serão realizadas considerações acerca dos
reflexos da Geopolítica sobre a Amazônia Azul e o Poder Marítimo Brasileiro.
12
2 A GEOPOLÍTICA APLICADA NA PARTE MARÍTIMA DO BRASIL
Observa-se que desde o início dos tempos, alguns povos apresentavam uma
vocação marítima, atribuindo ao mar elevada importância para sua sobrevivência,
expansão e cultura e da necessidade de exploração dos oceanos como fonte de
riquezas.
Elementos fisiográficos fazem com que existam povos de natureza
continental e outros de natureza marítima. Países de grandes dimensões, com solo
fértil, geralmente têm seus povos voltados para seu próprio território, de onde retiram
todas as condições necessárias ao seu sustento. Por não possuírem tais condições
favoráveis, outros povos se vêem obrigados a se fazer ao mar, na busca das condições
necessárias ao seu desenvolvimento (KUBRUSLY, 2008).
A prioridade desse trabalho é tratar do espaço marítimo brasileiro, desta
forma, será ressaltada a importância do mar para as nações e povos que se
destacaram ao longo dos tempos.
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS
Iniciaremos nossas observações a partir da Idade Média, período no qual o
comércio marítimo já era muito desenvolvido no Mediterrâneo, tendo como expoentes
principais as cidades de Gênova e Veneza, verdadeiras potências mercantis e
financeiras da Europa, com a manutenção de grandes frotas comerciais.
No século XV, após o período feudal, a população européia voltou a
crescer. O crescimento demográfico, contudo, não foi acompanhado por igual expansão
na oferta de gêneros alimentícios, devido à baixa produtividade nos campos. Esse
cenário foi propício para o surgimento do Mercantilismo na Europa, que foram as
práticas comerciais que visavam o lucro, com o acúmulo de metais preciosos e a
exploração das novas terras, visando à prosperidade do Estado e a busca do bem estar
para a sociedade. A revolução comercial necessitava de matérias-primas e mercados
13
consumidores para os produtos manufaturados, o que deu origem a expansão marítima
com a corrida das metrópoles européias em busca de colônias.
Os Estados procuravam manter suas balanças comerciais positivas, isso é,
diminuir as importações e incrementar as exportações, com o uso do protecionismo e
da intervenção estatal na economia. Com a prática do Pacto Colonial, foi estabelecido
um monopólio comercial entre as metrópoles e suas colônias. Com o desenvolvimento
das grandes navegações, a garantia da liberdade em utilizar os mares passou a ser
uma necessidade dos povos.
Nem todas as motivações que levaram os europeus a se lançar à grande
aventura das viagens transoceânicas foram de ordem econômica. Havia também, entre
elas, a intenção de converter outros povos ao cristianismo, além de uma enorme
curiosidade em conhecer novas terras e costumes. Essa curiosidade levou os europeus
dos séculos XV e XVI a vencer o medo do Oceano Atlântico, conhecido como Mar
Tenebroso, e a enfrentar o desafio do desconhecido. De certa forma, a curiosidade em
conhecer novos mundos está também na origem das viagens espaciais. Há muito
tempo, o ser humano se pergunta: estamos sós no universo, ou existem outros planetas
habitados? Desde os anos de 1950, quando foi lançado o primeiro satélite artificial da
Terra, o Sputinik, tentamos obter uma resposta a essa pergunta por meio de veículos
espaciais cada vez mais complexos (PAZZINATO, 2002).
Nesse período (século XV) observou-se Portugal, desprovido de recursos
naturais, iniciar uma
expansão ultramarina, desafiando à imensidão ainda
desconhecida dos oceanos, fazer grandes descobertas e se tornar potência
hegemônica por quase dois séculos. Favorecido por sua privilegiada posição
geográfica, voltado para o Atlântico, o país era ponto de escala obrigatório das rotas
marítimas de comércio. As navegações portuguesas tiveram um forte apoio oficial e um
aspecto de continuidade de seus governantes. Dessa maneira também ocorreu para
espanhóis que, lançaram-se ao mar em busca de novas colônias e riquezas,
consolidando o período das grandes navegações e descobrimentos. Uma de suas
14
consequências, por exemplo, é o descobrimento do Brasil, pelos portugueses, em 1500,
que a partir daí, passa a ter sua história ligada diretamente ao mar.
No século XVII Inglaterra e Holanda estavam voltadas para o mar e
incrementaram suas marinhas de guerra e mercante, vindo a dominar o tráfego
marítimo de então. O protecionismo inglês, traduzido no “Ato de Navegação” 1 de 1651,
os levou à guerra, da qual a Inglaterra saiu vencedora e, a partir de então, tornou-se a
maior potência marítima do mundo. A superioridade naval inglesa perdurou até a 2ª
Guerra Mundial (1939-1945), quando cedeu lugar à marinha dos Estados Unidos da
América (EUA) (KUBRUSLY, 2008).
Nos séculos XVIII e XIX, a Europa ocidental passou por um processo de
grandes transformações econômicas, tecnológicas e sociais. Iniciadas na Inglaterra,
essa transformações assumiram um caráter revolucionário, nunca antes visto. Nesse
período a Inglaterra manteve os aspectos gerais de sua estratégia, quais foram:
alimentar os aliados continentais com seu dinheiro, cada vez mais farto, fruto de sua
contínua expansão colonial e manter a esquadra francesa dividida (Atlântico e
Mediterrâneo), obtendo superioridade local e mantendo a França preocupada com suas
fronteiras terrestres, o que lhe dividia as forças.
Ao final do século XIX, em 1897, nos EUA, o almirante Alfred Thayer Mahan
lança a Teoria do Poder Marítimo, na qual, a partir da observação de eventos históricos,
notadamente da Inglaterra e de Portugal, reconhece a grande influência do mar na
consecução da Política Nacional. Sendo o mar uma planície aberta e sem obstáculos,
uma nação capaz de controlar esta planície, por meio de um Poder Marítimo e Naval 2,
pode explorar as riquezas do mundo. De 1907 a 1909, o mundo assistiu ao famoso
1
Documento decretado em 1651 por Oliver Cromwell o qual determinava que todo o produto estrangeiro que
chegasse à Inglaterra deveria ser transportado em navios ingleses ou do país que produzia a mercadoria. Essa
providência afetou os interesses da Holanda, que declarou guerra à Inglaterra em 1652 (PAZZINATO, 2002).
2
Entende-se como Poder Marítimo o componente do poder nacional de que a nação dispõe para atingir seus
propósitos ligados ao mar ou dele dependentes. Esses meios são de natureza política, econômica, militar e social e
incluem, entre vários outros, a consciência marítima do povo e da classe política, a Marinha Mercante e a Marinha de
Guerra, a indústria de construção naval, a indústria de pesca, orgãos ligados à Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e
à exploração /explotação dos recursos marinhos, os portos e a estrutura do comércio marítimo além do pessoal
empregado nas atividades ligadas ao mar. O Poder Naval é um sub-conjunto do Poder marítimo, é seu componente
militar (KUBRUSLY, 2008).
15
“Cruzeiro de Encouraçados”, quando dezesseis encouraçados americanos, de última
geração, deram uma demonstração de que os EUA estavam em condições de intervir
na defesa de seus interesses em qualquer parte do mundo. Falecido em 1914, o
almirante Mahan não viu concretizado o cenário que projetara. Hoje o poderio
americano está presente em todos os mares do mundo, com pontos de apoio em todos
os continentes para comércio e bases para sua marinha de guerra, capaz por tanto, de
explorar as riquezas do mundo (KUBRUSLY, 2008).
Em 1890, o Segundo Reich alemão, dirigido pelo Kaiser (imperador) Guilherme
II, abandonou o sistema de alianças defensivas, orientando-se para uma política de
expansão pela força. Baseada num acelerado desenvolvimento bélico, tal política criou
um clima favorável à guerra como forma de resolver as rivalidades alimentadas pela
corrida imperalista. Assim como a Alemanha, as demais potências se preocuparam em
fortalecer seus exércitos e marinhas, apoiando-se nos progressos da indústria e da
ciência em favor da tecnologia militar. Essa época de corrida armamentista e de
ausência de guerras na Europa – entre 1871 e 1914 - ficou conhecida como Paz
Armada. A adoção do serviço militar obrigatório, a crescente influência dos exércitos na
sociedade e na política, a exaltação patriótica e cívica, bem como as várias zonas
internacionais de tensão, estabeleceram condições extremamentes perigosas, que a
qualquer momento poderiam levar as potências européias ao cofronto direto. Em 1914,
tudo isso explodiu na Primeira Guerra Mundial (PAZZINATO, 2002).
No século XX ocorrem os dois grandes conflitos mundiais. Na Primeira Guerra
(1914-18), a Inglaterra contava com a maior esquadra do mundo e a Alemanha com o
maior exército. A Inglaterra se manteve firme em sua estratégia marítima, como sempre
o fez. Já na Segunda Guerra, a Alemanha não dispunha de opção naval pois o
pensamento de Hitler voltava-se para o continente, impregnado das idéias de Halford
Mackinder, que em 1904 lançou a Teoria do Poder Terrestre, que se contrapunha às
idéias de Mahan. Segundo a Teoria de Mackinder, os desenvolvimentos tecnológicos
da época, como a máquina a vapor e gasolina, redes de estradas de ferro e de
rodagem tiraram do mar o monopólio do transporte de grandes volumes de cargas.
16
Assim, quem obtivesse o controle do “Coração da Terra” (Sibéria ocidental e Rússia
européia) estaria em condições de exercer o maior poder. Enquanto isso, os britânicos
cuidavam de garantir a liberdade dos mares e por meio deles construíram suas
melhores defesas (KUBRUSLY, 2008).
Fazendo referência a História do Brasil, um marco relevante foi a derrota da
esquadra paraguaia frente à esquadra brasileira, na Batalha Naval do Riachuelo (1865).
O Paraguai era reconhecido na época como uma potência militar e industrial, e teve
cortada sua linha de comunicação com o oceano Atlântico, bloqueando-se assim a
porta de entrada para seus suprimentos logísticos, fundamentais a um estado interior. A
História demostra que a Batalha Naval do Riachuelo se tornou o ponto de inflexão da
Guerra da Tríplice Aliança.
Em todos os exemplos citados, o mar foi utilizado como via de comunicação,
tanto para o comércio como para a guerra, e sobressairam-se todas as nações que dele
bem souberam aproveitar.
2.2 A GEOPOLÍTICA E AS POLÍTICAS DE ESTADO
Geopolítica é a congruencia entre demasiados grupos de estratégias
adotadas pelo estado para administrar seu território. Desta forma, Geopolítica é um
campo de conhecimento multidisciplinar, que não se identifica com uma única
disciplina, mas se utiliza principalmente da Teoria Política e da Geologia & Geografia
ligado às Ciências Humanas e Ciências Sociais aplicadas. A geopolítica considera a
relação entre os processos políticos e as características geográficas (como localização,
território, posse de recursos naturais, contingente populacional e geológico) — como
topografia natural e clima e também os estudos intercontinental avalicional e
interpretacional em relações que estão interrelacionados com a Ecologia (aspectos
animais, vegetais e humanos), nas relações de poder internacionais entre os Estados e
entre Estado e Sociedade. As teorias geopolíticas clássicas pensavam o Estado como
17
um organismo territorial, sendo que essa comparação do Estado com um organismo foi
proposta pelo geógrafo Friedrich Ratzel em seu livro Geografia Política. Mas é
importante destacar que esse autor usava a palavra organismo não como metáfora
biológica, e sim no sentido que o pensamento romântico dava a esse termo, isto é,
como uma unidade indissociável entre diversos elementos naturais e humanos.
Para Ratzel, o Estado agia como organismo territorial porque mobilizava a sociedade
para um objetivo comum, que era a defesa territorial, e implementava uma série de
políticas visando garantir a coesão da sociedade e do território, unindo o povo ao solo.
Nesse sentido, a geografia política e a geopolítica utilizam os conhecimentos da
Geografia Física e da Geografia Humana, interrelacionadas com a Ecologia, para
orientar a ação política
do Estado. (Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Geopol
%C3%ADtica, consultado em 7de junho de 2013)
Em 1899, o sueco Rudolph Kjëllen, professor de Geografia e de Ciências
Políticas, usou pela primeira vez o vocábulo “Geopolítica” e fundou-a como um ramo da
Ciência Política. Kjëllen verificou a necessidade de atualização da Política, devido às
transformações que as Revoluções Inglesa e Francesa haviam produzido na
organização do Estado, tornando-o o grande propulsor do desenvolvimento, e
conferindo-lhe, além de uma função jurídica, outras atinentes às áreas social e
econômica. (BACKHEUSER, 1952).
A Geopolítica é o ramo da Política que estuda os fenômenos políticos
influenciados pelo solo, o território. Suas subdivisões são a Topopolítica, que é a
política oriunda da situação geográfica (lage); a Morfopolítica, a oriunda do espaço
(raum); e a Fisiopolítica, a oriunda do domínio (riquezas naturais). Kjëllen priorizava o
lado prático da Política, a arte de governar os povos, que ensina como os Estados são
de fato e, de acordo com as condições reais do poder de cada um, como podem ser. Se
Ratzel teve o mérito de perceber a decisiva influência dos fatores geográficos sobre os
fenômenos políticos, Kjëllen aprimorou esse estudo ao analisar o Estado pelo lado de
fora, na sua antiga concepção de ser vivo, mas que coexiste numa relação direta de
poder e de influência com os outros Estados (TOSTA, 1984).
18
Vale dizer que a Geopolítica continua evoluindo como parte da Ciência
Política e afirmando-se como ferramenta à disposição do Estado para a elaboração das
Estratégias de Poder no século XXI. Torna-se imprescindível consolidar a conformação
do pensamento geopolítico brasileiro à nova realidade geopolítica, a fim de influenciar a
elaboração de políticas e planos governamentais que verdadeiramente contemplem a
consecução dos interesses brasileiros no mar: a Amazônia Azul (domínio marítimo
brasileiro), como área de crescimento político, econômico e militar; o Atlântico Sul,
como área de interesse estratégico; e o Poder Marítimo, como elemento vital do Poder
Nacional (ALÍPIO, 2007).
O reconhecimento da importância da Geopolítica em vários países motivou a
formação de diferentes escolas. As duas principais escolas são a determinística
(alemã), que observa o fator geográfico como determinante no processo civilizatório - “o
homem é o produto do meio”, e a possibilista (francesa), que considera o fator
geográfico como menos ponderável que o político - “a natureza propõe e o homem
dispõe” (MATTOS, 2002, p. 19).
É evidente a importância estratégica e econômica da Amazônia Azul para o
Brasil. Como brasileiros, devemos pensar sobre a questão da preservação dos
interesses nacionais e a consequente necessidade de efetivo monitoramento e
constante presença nessas áreas de alto valor estratégico para o País.
2.3 A GEOPOLÍTICA DO BRASIL
A Escola de Sagres pode ser considerada o marco inicial da contribuição da
Geopolítica para o destino do Brasil, Estado que nasceu grande, favorecido pela
natureza e que cresceu fazendo politicamente parte de uma única Nação. A fronteira
oeste do Brasil foi inicialmente delimitada pelo Tratado de Tordesilhas, negociado com
a Espanha devido à discordância de Portugal sobre os termos estabelecidos pelo Papa
Alexandre VI na bula Inter Coetera. Essa negociação teve como propósito garantir a
posse lusitana das duas costas do Atlântico Sul e a do Oceano Índico, no caminho
19
marítimo para as Índias. No período da união das coroas ibéricas, o avanço continuou
para oeste, facilitado pelos caminhos naturais de alguns rios, ultrapassando os limites
estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas e chegando aos pés da cordilheira dos
Andes. Essa conquista foi fruto da visão dos governantes, do caráter pioneiro do povo e
da inspiração do diplomata brasileiro Alexandre de Gusmão, que, pelo Tratado de
Madri, contribuiu para legitimá-la em 1750. A intenção de Portugal em definir as
fronteiras do Brasil em função de acidentes naturais, a fundação da Colônia de
Sacramento (1680), a manutenção da unidade nacional após a independência, a
compra do Acre à Bolívia (1903) e a mudança da capital de Salvador para o Rio de
Janeiro e, posteriormente, para o planalto Central (1960) são outros exemplos de
contribuições geopolíticas da história brasileira (ALÍPIO, 2007).
Com a criação da Escola Superior de Guerra, ganhou destaque o projeto
desenvolvimentista do General Golbery do Couto e Silva e a sua influência sobre a
elaboração de uma Política de Segurança Nacional. No pós-guerra, o pensamento
geopolítico de Golbery tratou tanto de problemas de segurança interna, devido à
ameaça de expansão do comunismo, quanto de vulnerabilidades externas, resultantes
da relação entre a imensa faixa marítima disponível e a ampla massa territorial a
integrar. Ele ressaltou tanto a importância estratégica do saliente nordestino,
dominando a zona de estrangulamento do Atlântico Natal-Dakar, quanto as
vulnerabilidades do núcleo central do território nacional às ameaças vindas do mar e da
fronteira sul às ameaças de caráter regional (FREITAS, 2004).
Golbery considerava que o Brasil possui cinco áreas geopolíticas distintas,
com dinâmicas próprias e sem comunicações adequadas entre si e as três áreas
ecumênicas avaliadas centralizadoras de progresso (Rio - São Paulo – Belo Horizonte;
Paraná – Santa Catarina – Rio Grande do Sul; e Recife-Fortaleza). Por isso,
estabeleceu um conjunto de tarefas visando à coesão, integração e vitalização do
espaço brasileiro, começando no sentido leste-oeste e indo do centro para noroeste, a
fim de promover a ocupação e evitar fronteiras vazias 3.Destaca-se, ainda, a sua
3
As cinco áreas geopolíticas definidas por Golbery são as seguintes:
20
preocupação em fortalecer o poder do Estado, por meio da busca de soluções
autóctones, do planejamento estratégico e da decorrente formulação de uma Política de
Estado, que contemple os Objetivos Nacionais - permanentes, atuais e conjunturais - e
oriente as ações governamentais.Entretanto, o alerta feito sobre a necessidade de
tomada de uma decisão político-estratégica entre as forças continentais e as atrações
marítimas pode ter colaborado para que a superação das vulnerabilidades da ampla
massa territorial a integrar tenha relegado politicamente a fronteira marítima a um
segundo plano. Ainda que o seu trabalho tenha considerado a importância do Atlântico
Sul para a segurança e o desenvolvimento nacionais, ele não incluiu as águas
jurisdicionais brasileiras entre áreas geopolíticas de importância, nem atribuiu tarefas
especificamente voltadas para o fortalecimento das atividades marítimas (ALÍPIO,
2007).
O General Carlos de Meira Mattos é outro nome expoente da ESG, que
completou esse ano o centenário do seu nascimento. Referência nesta Escola, tinha
sua preocupação voltada para a integração da Amazônia, projeção mundial do Brasil e
pela valorização de uma civilização dos trópicos sendo construída pelo povo brasileiro.
Na avaliação dos efeitos da modernidade sobre a Geopolítica do Brasil, é
reconhecida a importância, para o Estado, da garantia da segurança atlântica até a
costa africana, em especial dos pontos de choque oceânicos (eixo Natal-Dakar, Cabo
da Boa Esperança, Canal de Beagle e Estreito de Magalhães) e da Antártica. Também
é citada a dependência do comércio brasileiro em relação ao transporte marítimo e a
decorrente necessidade de nacionalizá-lo, concomitantemente com a revitalização da
indústria naval. O Atlântico Sul é chamado de pulmão do Brasil para o mundo exterior
(MATTOS, 2002).
a) área geopolítica de reserva geral ou de manobra central, à qual pertencem os estados do Rio de Janeiro, São
Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais e o sul de Goiás com o Distrito Federal;
b) da ala norte, formada por estados do Nordeste;
c) da ala sul, composta pelos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul;
d) do oeste, que engloba os atuais estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia (heartland);
e) da Amazônia, englobando os atuais estados do Amazonas, Pará, Acre, Tocantins, Amapá e Roraima (ALÍPIO,
2007).
21
A Professora Therezinha de Castro foi a primeira mulher a ganhar reputação
por notáveis trabalhos sobre geografia e geopolítica, o que pode ser creditado à
influência recebida de Delgado de Carvalho e Octávio Tosta. Ela apresenta trabalhos
de Geopolítica e de Geoestratégia aplicadas à Amazônia e ao Atlântico Sul, onde
identifica a presença dos trampolins insulares e a importância da Antártica. Segundo
ela, o triângulo estratégico, formado pelas ilhas britânicas de Ascenção, Santa Helena e
Tristão da Cunha, seria um trampolim para a América do Sul e base de apoio na rota
marítima do Cabo, enquanto as ilhas das Malvinas, Trindade e Fernando de Noronha
seriam os postos avançados para a defesa sul-americana. Foi reconhecida, também, a
importância do Poder Marítimo e da existência de duas faces litorâneas brasileiras, uma
voltada para o hemisfério continental norte e outra para o hemisfério oceânico sul. Com
uma preocupação de pensar o Brasil como centro da projeção geográfica do mundo, a
Professora estabelece as condições para que o Estado se qualifique como nação
emergente e acrescenta, ao trabalho do General Meira Mattos intitulado “A Geopolítica
e as Projeções de Poder”, a noção da “necessidade do Brasil ter um consciencioso
desenvolvimento marítimo e a correspondente influência transatlântica para base de
sua expansão econômica e garantia de desafogada liberdade de movimento no seu
tráfego através dos mares” (CASTRO, 1984, p. 44).
Como já comentado, Estados que adotaram políticas nacionais voltadas para
a utilização do mar obtiveram sucesso. Percebe-se que alguns fatores contribuíram
para que essa Teoria não fosse adotada pelo Brasil e para que aqui não se
desenvolvesse uma mentalidade marítima. As ameaças observadas perto da fronteira
terrestre, podem explicar a falta de prioridade atribuída ao Poder Marítimo. É patente a
unanimidade no pensamento geopolítico brasileiro sobre a importância da fronteira
terrestre do País e da defesa da integridade territorial. A preocupação com a ocupação
do interior do Brasil por parte de diferentes governos, comprova a influência que a
Geopolítica tem exercido sobre a formulação dos planos governamentais, um bom
exemplo é Brasília, com a transferência da capital para o interior.
22
3 A CONVENÇÃO DA JAMAICA
Por pressão da indústria de petróleo americana, em 1945, os EUA
declararam de forma unilateral direitos de jurisdição sobre todos os recursos naturais da
plataforma continental daquele País, tais como petróleo, gás, minerais, etc. Os EUA
foram seguidos pela Argentina, que em 1946 reivindicou direitos de soberania sobre a
sua plataforma continental e a massa d‘água sobrejacente. Chile e Peru (1947),
seguidos por Equador (1950), afirmaram direitos de soberania sobre o mar até 200
milhas de suas costas, com o intuito de limitar o acesso de frotas de pesca estrangeiras
aos seus recursos pesqueiros, para evitar o seu esgotamento e posterior dano às suas
economias nacionais. Nesse mesmo período pós Segunda Guerra Mundial, outros
países como Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Líbia, Venezuela e alguns países do Leste
Europeu reivindicaram um mar territorial de 12 milhas, abandonando o limite de três
milhas tradicionalmente utilizado e aceito até então. O Canadá afirmou o seu direito de
regulamentar a navegação em uma área que se estendia por 100 milhas de suas
costas, a fim de proteger as águas do Ártico contra a poluição. A necessidade de um
ordenamento jurídico sobre o mar, a fim de aperfeiçoar o seu uso, de promover uma
melhor gestão dos recursos oceânicos e gerar harmonia e boa vontade entre os
Estados, resultou na convocação de três Conferências das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar (SEGOVIA, 2009).
Um marco importante na definição de responsabilidades dos países dentro de
cada espaço marítimo foi o encerramento da III Conferência das Nações Unidas sobre
o Direito do Mar, em 10 de dezembro de 1982, em Montego Bay, na Jamaica. Naquela
ocasião, o Brasil e mais 118 países elaboraram a CNUDM, também denominada
“Convenção”. A referida Convenção enseja a ideia de que todos os problemas afetos
23
aos espaços oceânicos precisam ser considerados como um todo, pois, em verdade,
estão inter-relacionados. Seus 320 artigos e 9 anexos legislam sobre os diversos
aspectos desses espaços, tais como: delimitação, controle ambiental, investigação
científica marinha, atividades econômicas e comerciais, transferência de tecnologia e
disputas (VIDIGAL, 2006, p.34).
Em 1994, um ano após sua ratificação pelo sexagésimo país, a Convenção
efetivamente entrou em vigor. Em setembro de 2009, 159 Estados já a haviam
ratificado, inclusive a União Européia.
A CNUDM consagrou os conceitos de mar
territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva e Área, sendo por isso também
conhecida como a Lei do Mar. Para tratar dos aspectos acima, a Convenção criou três
órgãos: a Comissão de Limites da Plataforma Continental, instalada na sede das
Nações Unidas, em Nova Iorque; a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos,
sediada em Kingston, Jamaica, que tem por finalidade organizar e controlar as
atividades na Área; e o Tribunal Internacional do Direito do Mar, com sede em
Hamburgo, que diferentemente da Corte Internacional de Haia, admite, dentro de
determinadas condições, o acesso de particulares, organizações internacionais e da
Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, além do tradicional acesso de Estados
(GARCIA, 2008, p.9).
Desta forma penso que a aprovação da Convenção das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar (Convenção da Jamaica), além de uma grande conquista do
Direito Internacional Público, foi também um avanço na evolução das relações
internacionais. A entrada em vigor da Convenção trouxe consigo uma maior visibilidade
e importância para os oceanos.
3.1
A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA RELATIVA AO MAR
Em 22 de dezembro de 1988, o Brasil ratificou a CNUDM ao apresentar o
documento formal pertinente ao Secretário-Geral da ONU, na qualidade de fiel
depositário daquela Convenção. A Constituição Federal e a Lei 8.617/1993 abarcaram
24
os conceitos de mar territorial, zona contígua, ZEE e plataforma continental,
considerando as dimensões máximas previstas na CNUDM, internalizando a Lei do Mar
no Sistema Jurídico brasileiro. Assim, o Brasil possui um mar territorial de 12 milhas
marítimas de extensão, uma zona contígua que se estende das 12 as 24 milhas
marítimas, e uma ZEE que se estende das 12 as 200 milhas marítimas, a partir das
linhas de base. Com relação à extensão da plataforma continental além das 200 milhas
marítimas, o pleito brasileiro é baseado no Levantamento da Plataforma Continental
Brasileira (LEPLAC), um trabalho realizado pela Marinha do Brasil, Petrobras e
comunidade científica nacional, com a coordenação da Comissão Interministerial para
os Recursos do Mar (CIRM), que teve início em 1987. Após 17 anos, o Brasil entregou
a sua proposta à CLPC em agosto de 2004, cumprindo o previsto no Artigo 76 da
CNUDM. A reivindicação brasileira contempla uma área do solo e subsolo oceânico de
cerca de 950 mil km2, além das 200 milhas, onde o País exercerá os direitos de
exploração dos recursos naturais do solo e subsolo do mar (GOLDSTEIN, 2009).
As responsabilidades da Marinha do Brasil também foram aumentadas pela
Convenção da Jamaica. Portanto, será vital que o fortalecimento das atividades
marítimas seja, no mínimo, acompanhado pelo crescimento do Poder Naval. Dele
depende a vigilância e a defesa da Amazônia Azul, bem como a proteção do mar e dos
que usam o mar numa área que ultrapassa as áreas Juridicionais Brasileira.
25
4 A AMAZÔNIA AZUL
Correspondendo a aproximadamente metade da superfície do Brasil (cerca
de 4,5 milhões de km²), essa extensa área marítima atlântica ao longo da costa
brasileira compara-se à “Amazônia Verde”, não só pela dimensão, mas também pela
biodiversidade, riquezas e pelo esforço a ela dedicado por pesquisadores, para a
compreensão de sua magnitude, nos mais diversos campos da ciência e da tecnologia.
4.1 O CONCEITO DE AMAZÔNIA AZUL
Empregada
originalmente
pelo
Comandante
da
Marinha
(CM),
em
“Tendências/Debates: A outra Amazônia”, na Folha de São Paulo, em 2004, a
expressão “Amazônia Azul” enseja um amplo horizonte de valores, recursos e
iniciativas (VIDIGAL, 2006, p. 18).
A partir dessa ocasião a Marinha passou a adotar esse conceito, seja como
objetivo educacional ou cultural, seja como objetivo político. O objetivo maior da
Marinha é despertar na Sociedade Brasileira uma mentalidade marítima consistente,
coerente com as dimensões e importância dessa região para o Brasil. O uso dessa
idéia força nessa última década e sua imediata aceitação por parte da população
apontam para um êxito dessa empreitada.
4.2 AS PRINCIPAIS RIQUEZAS DA AMAZÔNIA AZUL
O Brasil tem uma costa de mais de 8.500 km no Atlântico Sul, além de
valores geopolíticos e econômicos a serem explorados. Possui a maior parte de sua
população concentrada no litoral, cerca de 40 portos marítimos litorâneos e inúmeras
atividades socioeconômicas relacionadas e dependentes do mar.
26
Embora a ocupação do Brasil pelos europeus tenha se efetuado pelo mar,
80% da sua população viva a menos de 200 km do seu litoral e o mar tenha sido até as
primeiras décadas do século XX, a única via de comunicação significante entre as
cidades litorâneas brasileiras e entre o Brasil e o mundo, atualmente não é percebida
uma firme mentalidade marítima no brasileiro. O brasileiro médio visualiza o mar
fundamentalmente como fonte de alimentos (pesca e sal) e de lazer, poucos se dando
conta da importância do mar como fonte de recursos energéticos (petróleo e gás) e
como meio de transporte (MOURA NETO, 2012).
O fantástico aumento do fluxo de bens, de informações e de capitais
decorrentes da globalização tem incrementado a interdependência entre as nações,
com consequências diretas no fluxo internacional de comércio que, por sua vez, tem
produzido um desenvolvimento extraordinário do transporte marítimo, já que cerca de
90% do comércio mundial medido em peso e volume é realizado por via marítima.
(SILVA, 2002, p. 96).
Além de via essencial de comunicação, os mares e oceanos se tornam cada
vez mais importantes como fontes de riquezas (recursos energéticos, minerais e
biológicos) e pela sua atuação no equilíbrio do meio ambiente. E a importância dos
espaços marítimos tende a crescer na medida em que novas pesquisas demonstram as
potencialidades dos recursos do mar e as novas tecnologias possibilitam a exploração
econômica dessas riquezas. (SILVA, 2002, p. 95).
Na imensa área marítima definida como Amazônia Azul, destacam-se os
interesses de natureza econômica (as linhas de comunicação marítimas, a explotação
de campos de petróleo e de gás na Plataforma Continental, os recursos vivos e os
recursos minerais), embora também importantes sejam as responsabilidades de
protegê-la e de manter a segurança do tráfego aquaviário, a salvaguarda da vida
humana no mar e a prevenção da poluição ambiental por plataformas e navios. Com o
notável desenvolvimento tecnológico atual, além da tradicional utilização da massa
líquida para o transporte (cargas e pessoas) e para a pesca extrativa marinha, a
utilização econômica do mar se dá por meio da explotação de recursos energéticos
27
(petróleo e gás) em águas e camadas abaixo do leito marinho cada vez mais profundas;
da explotação de recursos minerais (nódulos polimetálicos do leito do mar ou dos
minerais dissolvidos na água do mar); do desenvolvimento da aquicultura (que permitirá
a produção em larga escala de proteína animal); da utilização crescente das algas
marinhas para a alimentação e para a farmacologia (SEGOVIA, 2012).
Algumas potencialidades do mar para utização econômica:
A- O Petróleo e o Gás Natural
O Petróleo já foi motivo de varias Guerras, por ser considerado a principal
fonte de energia do mundo, como a primeira Guerra do Golfo e a Guerra Irã – Iraque. A
existência de petróleo significa riqueza e poder para um País. Além de servir como
matéria prima para fabricação da gasolina, principal combustível dos automóveis,
também são derivados do petróleo vários outros produtos como o gás natural, nafta,
diesel, óleos lubrificante, plásticos e etc. O Brasil já tomou conciência da importância do
petróleo e do gás natural como verdadeiras riquezas explotadas da Amazônia Azul.
Com a descoberta na plataforma continental brasileira do petróleo na camada do présal, o Oceano Atlântico adquire relevância ainda maior, em termos econômicos, para o
País.
Segundo o Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis – 2011 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP, 2011), no final de 2010, as reservas totais de petróleo do Brasil
foram contabilizadas em 28,5 bilhões de barris, um acréscimo de 34,7% em
comparação a 2009, em parte devido à inclusão de reservas do pré-sal. Já as reservas
provadas aumentaram 10,7% e atingiram a marca de 14,2 bilhões de barris, volume
que representou 50% das reservas totais. Das reservas provadas, 93,6% se
localizavam no mar e 6,4% se situavam em terra. As reservas provadas são aqueles
reservatórios de petróleo ou gás natural sobre os quais os peritos petrolíferos têm
28
elevado grau de confiança de que podem e irão produzir, com geralmente cerca de
90% de chances de produção (SEGOVIA, 2012).
B- O Transporte Marítimo
O transporte marítimo é um dos modais mais importante para logística de
transporte para o Brasil. Possui importância estratégica tanto sob o enfoque da
economia quanto da segurança nacional, apesar de todas as dificuldades que enfrenta
com portos inadequados, burocracia e altas tarifas.
Considerando que 95% do nosso comércio exterior é transportado por via
marítima e movimentou valores de US$ 202 bilhões, em 2008; US$ 150 bilhões, em
2009; US$ 201 bilhões, em 2010; e US$ 256 bilhões, em 2011 (MOURA NETO, 2012),
possuir uma frota mercante de real capacidade não é só questão de desenvolvimento
comercial, mas, também de segurança e estratégia. Em termos de segurança, essa
frota pode se tornar um grande suporte para a Marinha de Guerra. Devemos nos
preocupar com qualquer interferência no livre trânsito do comércio marítimo de
interesse brasileiro, que além de causar prejuízos financeiros, pode levar o País a um
colapso pela falta de importantes produtos necessários à economia nacional.
Os navios que transitam na Amazônia Azul são acompanhados pela Marinha,
por intermédio do Comando do Controle Naval do Tráfego Marítimo. Todos os aspectos
relacionados à imposição da lei no mar, especialmente, no tocante à segurança do
tráfego aquaviário estão a cargo da Autoridade Marítima, que no caso do Brasil,
também é exercida pela Marinha do Brasil, sendo os Comandos de Distritos Navais, a
Diretoria de Portos e Costas e a Diretoria de Hidrografia e Navegação seus principais
representantes.O Brasil possui uma área marítima de responsabilidade SAR (“search
and rescue” – sigla internacional para busca e salvamento) que equivale a uma vez e
meia o nosso território e o seu ponto mais distante da costa brasileira fica a 1.850
milhas náuticas, ou seja, quase 3.500 quilômetros. É uma área em que a Marinha do
Brasil e a Força Aérea Brasileira têm que atuar no socorro a pessoas acidentadas ou
29
enfermas, em obediência a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (LIMA
FILHO, 2010).
C- Os Recursos Biológicos
Os mares e oceanos representam mais de 70% da superfície da Terra, são
uma fonte abundante de recursos biológicos, comparável as florestas tropicais. A
explotação de recursos animais e vegetais do mar tem como objetivo prioritário à
alimentação, embora também seja utilizada em menor escala para uso medicinal e
decorativo (peixes ornamentais, conchas e corais).
A pesca possui importância socioeconômica mundial, seja como fonte de
alimentos, seja como geradora de emprego. A zona econômica exclusiva brasileira não
possui estoques pesqueiros significativos devido às baixas concentrações de
nutrientes. No entanto, existem regiões de maior produtividade situadas ao Sul de Cabo
Frio-RJ, em razão de o mar ser favorecido pela ressurgência e pela invasão sazonal da
corrente das Malvinas. Estima-se que na Amazônia Azul, do ponto de vista econômico
e social, a atividade da pesca e derivados gere 800 mil empregos que, direta e
indiretamente, sirvam de sustento para quatro milhões de pessoas. A produção
nacional de pescado de origem marinha é derivada de dois sistemas produtivos: a
pesca extrativa, constituída da pesca artesanal e industrial, e a aquicultura (COSTA,
2012, p. 142).
A pesca artesanal é responsável por quase dois terços da produção nacional
de pescado na pesca extrativa. Contudo, em razão de se concentrar em espécies
nobres e de maior valor comercial, em termos econômicos a participação relativa da
pesca artesanal é ainda maior (HAZIN et al., 2007).
Ainda segundo Hazin et al. (2007) e Costa (2012), com exceção da pesca de
atuns e afins, a pesca das demais espécies ou já alcançou o rendimento máximo
sustentável (plenamente explotado) ou já atingiu o patamar da sobrepesca (sobreexplotado), não havendo a possibilidade de aumento do esforço de pesca sem
30
comprometer
a
sustentabilidade
dos estoques
explotados.
Assim,
a
grande
oportunidade para crescimento do setor no Brasil é a aquicultura. A aquicultura tem
crescido de forma bastante acentuada em anos recentes. Enquanto a produção
nacional por pesca extrativa passou de 606.708,0 toneladas, em 1995, para 783.176,5
toneladas, em 2007, um aumento de cerca de 29%, a produção pela aquicultura no
mesmo período saltou de 46.202,5 para 289.049,5 toneladas, equivalendo a um
aumento de cerca de 526%; sendo que a aquicultura marinha (maricultura) teve um
extraordinário aumento de 1.346%, passando de 5.420,5 toneladas para 78.405,0
toneladas (SEGOVIA, 2012).
D- Os Recursos Minerais
Todos os elementos químicos naturais conhecidos são encontrados na água
do mar, e a maior parte dos depósitos minerais atualmente sendo explotados nos
continentes, teve a sua origem, direta ou indiretamente, ligada aos oceanos (COSTA,
2012).
Os depósitos minerais marinhos, classificados pela sua natureza e forma de
apresentação como fluidos, inconsolidados e consolidados, são pouco explotados (a
exceção dos hidrocarbonetos e do sal marinho), em razão da abundância de depósitos
encontrados no continente que suprem a demanda e principalmente pela inexistente
tecnologia necessária à explotação mineral marinha, o que torna essa atividade ainda
antieconômica. Dentre os minerais atualmente confirmados com potencial de
exploração na Amazônia Azul destacam-se:
1 - Areias e cascalhos, utilizados na recuperação de praias e como insumos na
construção civil;
2 - Granulados bioclásticos (carbonatos), utilizados como fertilizante, como insumo de
rações animais, como complemento alimentar, como implante em cirurgias ósseas, na
indústria cosmética;
31
3 - Fosfatos, utilizado como fertilizante e na indústria química;
4 - Sais minerais, compostos por substâncias como anídrica, gipsita, halita, potássio
(utilizado como fertilizante e na indústria química) e sais de manganês;
5 - Minerais pesados como ilmenita, rutilo, monazita e zircônio;
6 - Carvão, utilizado para a geração de energia;
7 - Hidratos de metano, conhecidos como o combustível do futuro. Semelhantes ao gelo
são a combinação cristalina entre as moléculas de metano e as moléculas de água;
8 - Enxofre, utilizado como fertilizante e na indústria química; e
9 - Sal-gema, utilizado na alimentação e na indústria cloroquímica.
E- Turismo
Em 2009, mais de oitenta navios de passageiros visitaram portos do Brasil,
país que tem no mar, uma admirável fonte de atração turística. Localidades como Rio
de Janeiro, Búzios, Ilha Bela, Maceió, Fernando de Noronha, entre outras, são destinos
especiais e desejados por turistas procedentes de diversas partes do mundo. Estes
navios permanecem no Atlântico Sul visitando, principalmente, portos brasileiros no
período de novembro a março. A título de exemplo, em 2009, mais de 300.000
passageiros desembarcaram no porto do Rio de Janeiro, enquanto 92.000
desembarcaram em 2006. A tendência é que este número cresça ainda mais, tendo em
vista os elevados investimentos em infraestrutura portuária que estão sendo realizados
pelo governo federal, dentro dos projetos do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC). Além do que, inúmeras embarcações de médio porte (escunas e catamarãs)
32
trafegam em águas costeiras em uma importante atividade de turismo náutico 4 que
movimenta bilhões de reais ao ano. (LIMA FILHO, 2010)
É incontestável a importância estratégica da Amazônia Azul para o Brasil. Tal
importância nos leva a pensar sobre a questão da preservação dos interesses
nacionais e a consequente necessidade de efetivo monitoramento e constante
presença nessas áreas de valor estratégico para o País,
assegurando assim, a
exclusividade de exploração dos recursos existentes.
Observa-se que os recursos econômicos assumem dimensões cada vez
mais relevantes, há a possibilidade de ocorrerem conflitos de interesses entre atores
estatais ou não. Contudo, no momento em que os interesses de outros atores vierem a
ser prejudicados, inclusive dentro do cenário marítimo, há a possibilidade de que
passemos a sofrer pressões de variados atores internacionais, podendo surgir conflitos,
com conseqüências irreparáveis para a nação.
4
Turismo Náutico caracteriza-se pela utilização de embarcações náuticas com a finalidade da
movimentação turística. Pode ocorrer em lagoas, rios, represas, lagos ou no mar e envolve também as
atividades de cruzeiros (marítimos ou fluviais), passeios, excursões e outras viagens realizadas em
embarcações náuticas com finalidade turística (LIMA FILHO, 2010).
33
5 PODER MARÍTIMO
Após a Segunda Guerra Mundial, observou-se uma grande expansão do
comércio mundial, levando a reboque um aumento do preço internacional dos fretes.
Devido a isso, a balança de pagamentos do Brasil atingiu considerável déficit. A
preocupação com esse problema, levou o governo a adotar medidas, visando ao
fortalecimento do setor marítimo, tais como a implantação de estaleiros e a contratação
de um grande número de embarcações nacionais.
5.1 O SETOR MARÍTIMO NACIONAL
A marinha mercante brasileira foi protegida por legislação de 1970 a 1986,
proteção essa que incluía reserva de mercado, concessão de subsídios e estabelecia a
vinculação do seu crescimento ao da construção naval. Nesse período, foi dado um
grande impulso à navegação de longo curso com a frota mercante brasileira registrando
um crescimento de aproximadamente quatro vezes o tamanho de sua frota no início
dos anos 70, isso devido a uma intervenção direta do governo nas decisões das
empresas, direcionando a aquisição dos tipos e quantidades de navios.
Considera-se pertinente salientar, de forma breve, a correlação que deve
existir entre o crescimento do Poder Naval e o das demais atividades marítimas. Após o
término da Segunda Guerra Mundial, a Marinha do Brasil passou a contar apenas com
navios tecnologicamente menos evoluídos e, devido à transferência de navios e
sobressalentes pelo governo dos EUA, a construção de navios de guerra praticamente
foi interrompida. Entretanto, o crescimento do transporte marítimo a partir da década de
70 motivou o reaparelhamento da Marinha de Guerra. Ao final dessa época, foram
adquiridos os navios-varredores Classe “ARATÚ”, as fragatas Classe “NITERÓI” e os
submarinos Classe “HUMAITÁ” e, em seguida, os submarinos Classe “TUPI”. Ademais,
viabilizou-se a retomada da construção naval pelo AMRJ, com a construção de 2
fragatas e 4 submarinos (ALÍPIO, 2007).
34
Ao final dos anos 80, foram realizadas alterações no setor marítimo que
provocaram a retração dos investimentos de renovação e ampliação das frotas, com a
redução no número de embarcações de bandeira brasileira, a despeito do crescimento
do comércio internacional do País, acarretando a uma paralisação do parque industrial
de construção naval, por falta de encomendas de empresas nacionais.
Na década de 90, a navegação brasileira passou por sério processo de
empobrecimento, devido em grande parte à conjuntura econômica do País. O Brasil
atravessava um período de baixo crescimento, recorrentes crises de balanço de
pagamentos e de uma inflação excessiva.
Em 1995, o Brasil recebia apenas 8,8% do valor dos fretes marítimos, um
sinal claro da tendência de diminuição do número de navios de bandeira brasileira no
comércio exterior e da necessidade de novas ações governamentais (FERNANDES,
1998).
A navegação comercial no Brasil hoje enfrenta problemas de competitividade
junto ao cenário mundial. O principal fator determinante para este desempenho é a
pequena e desatualizada frota mercante brasileira, resultado da política estabelecida
para o setor, em especial a partir dos anos 90. Outro fator que prejudica a
competitividade dos armadores nacionais é o custo da mão-de-obra. As empresas
brasileiras, por força da legislação trabalhista, são oneradas com maiores encargos
sociais quando comparadas às suas concorrentes internacionais. Não obstante essas
observações, pouco se pode fazer para reduzir custos trabalhistas no âmbito de política
setorial de navegação, visto que os maiores óbices e custos advêm da legislação
trabalhista nacional (PETRONIO, 2010).
Entre as razões que dificultam a preparação de medidas para defesa da
marinha mercante e da construção naval está a falta de percepção, por parte das
pessoas formadoras de opinião, acerca da importância do modal aquaviário no sistema
de transportes brasileiro. Pode-se citar como exemplo o trabalho coordenado pelo exMinistro do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso, destinado a “discutir uma nova
política econômica que prepare o terreno para uma retomada do crescimento, na
35
oportunidade da renovação do quadro político e administrativo resultante das eleições
gerais de outubro de 2002”. Na análise feita sobre os problemas na infra-estrutura de
transportes que podem se tornar obstáculos ao crescimento do Brasil, nem sequer
foram incluídos o modal aquaviário e a sua indispensável conexão com os modais
terrestre e ferroviário, apesar da correta identificação do grave desequilíbrio existente
na matriz de transportes do País (LEITE; VELLOSO, 2002, p. 17).
Observando o histórico do Poder Marítimo brasileiro, chama atenção a
alternancia de crescimento ao longo do tempo, períodos com fortes apoio
governamental seguem-se de fases com completo abandono. Essa descontinuidade
das ações em investimentos são reflexos de dificuldades internas ou alterações no
cenário mundial, o que demostra uma completa falta de coordenação do governo e uma
inexistente política de Estado para o setor marítimo brasileiro, razões que dificultam a
preparação de medidas para defesa da marinha mercante, marinha de guerra e da
construção naval.
5.2
O CENÁRIO PROSPECTIVO DO SETOR MARÍTIMO NACIONAL
Observa-se que no contexto mundial, o setor marítimo brasileiro não reflete
as potencialidades e expressão do País. Com sua matriz energética, estrutura
produtiva, recursos naturais e sua capacidade de produção de alimentos, colocam o
Brasil em um patamar muito superior em termos potenciais em relação a vários países
que apresentam um Poder Marítimo bem mais robustecido. É evidente que temos
dificuldades e diversos desafios a superar, como a desigualdade social, a carência da
infraestrutura e principalmente no campo da educação, impactando o desenvolvimento
de mão-de-obra especializada.
O fundamento básico para a existência de uma marinha mercante própria é o
de contar com uma frota mínima de embarcações que permita ao País não depender de
empresas estrangeiras para escoar sua produção. Além disso, a consolidação da
marinha mercante é um importante passo para o desenvolvimento de atividades ligadas
36
ao mar, como a construção naval e a prospecção mineral ou biológica, entre outras.
Para isso, será necessário a alteração das atuais políticas públicas vigentes, com foco
na desvinculação entre as políticas de incentivo à construção naval e ao setor de
navegação e, na evolução da educação formal juntamente com a ampliação de novas
conquistas no campo da expressão científico-tecnológica do poder nacional. A política
governamental sempre foi baseada na existência de sinergias tecnológicas entre a
construção naval e a frota de navios da marinha mercante. A instalação da indústria de
construção naval vinculada à ampliação da marinha mercante acabou por elevar os
custos dos dois programas. Seria recomendável a separação das políticas,
direcionando-se os incentivos ao setor de construção naval para a obtenção de ganhos
de produtividade e a redução dos custos de produção, de forma a torná-lo moderno e
competitivo no mercado de construção de embarcações. Na atual política de construção
naval, o governo não avalia o retorno para a sociedade dos benefícios concedidos aos
estaleiros nem exige contrapartida de eficiência tecnológica ou de redução de custos.
As alternativas de financiamento propostas para a compra de navios devem ser
reavaliadas para melhor refletirem a atual política econômico-financeira. Mas a
aquisição de navios é uma premissa básica para viabilizar um aumento da participação
da modalidade aquaviária na matriz de transportes brasileira, em especial na
navegação internacional, onde o País é dependente em 95% de suas trocas comerciais
(PETRONIO, 2010).
O inglês Sir Julian Corbett destacou esse caráter relativo do Poder Marítimo,
cujos reflexos são percebidos nos Estados mais fortes e naqueles com os quais eles se
relacionam. Outro inglês, Geoffrey Till, ressaltou o maior sucesso alcançado pelos
Estados que perceberam a vantagem existente na associação entre os componentes
militares e mercantis do Poder Marítimo (TILL, 2004).
A análise da forma como diferentes Estados construíram e usaram o Poder
Marítimo e a verificação isolada da contribuição de cada um dos seus dois
componentes permitem melhor compreender o desenvolvimento e a situação desse
poder no Brasil.
37
O componente mercantil foi destacado, entre outros, por Mahan, Corbett e
Sir Walter Raleigh. A obtenção de um Poder Naval forte e do domínio do mar por si só,
sem interesses ou reflexos maiores para a vida nacional, foram por eles identificados
como não representando o objetivo final a ser alcançado pelo Estado. O que deve ser
realmente buscada é a capacidade de utilizar o mar com liberdade, sem qualquer tipo
de pressão externa, para promover o desenvolvimento, garantir a segurança e exercer
influência sobre outros Estados (TILL, 2004).
Entre os Estados que construíram um grande Poder Naval, aqueles que
buscaram fortificar simultaneamente as demais atividades marítimas obtiveram maior
sucesso em permanecer como potências marítimas e defender por mais tempo seus
interesses no mar. China, Holanda, Grã-Bretanha, Portugal e Estados Unidos tornaramse potências marítimas que, em diferentes épocas, construíram um Poder Marítimo
mais equilibrado e estável do que França e Rússia, por exemplo, cujos sucessos no
mar, antes do século XX, podem ser considerados bem discretos.
38
6
CONCLUSÃO
O mar sempre foi a principal via dos contatos internacionais, facilitador de
migrações e descobrimentos, veículo das revoluções econômicas, fonte de alimentos e
desafio para a defesa dos Estados. As nações que durante a história souberam
aproveitar o mar como via de comunicação, tanto para o comércio como para a guerra,
sobressairam-se em relação as demais, corroborando a Teoria Geopolítica do Poder
Marítimo, de Mahan. A possibilidade de aproveitar as oportunidades que o mar oferece
em benefícios para os seus nacionais não tem sido igualmente observado pelos
diferentes Estados. O Brasil não pode ser incluído entre aqueles que se destacam pela
efetiva utilização do mar.
Desta forma, Estados que compreenderam e buscaram seguir os seus
preceitos por meio de políticas nacionais voltadas para a utilização do mar obtiveram
um grande sucesso. Alguns fatores contribuíram para que essa Teoria não fosse
adotada pelo Brasil e para que aqui não se desenvolvesse uma forte mentalidade
marítima. As ameaças observadas perto da fronteira terrestre, em especial após a
Guerra do Paraguai, podem explicar a falta de prioridade atribuída ao Poder Marítimo. É
patente a unanimidade no pensamento geopolítico brasileiro sobre a importância da
fronteira terrestre do País e da defesa da integridade territorial. A preocupação com a
ocupação do interior do Brasil por parte de diferentes governos, comprova a influência
que a Geopolítica tem exercido sobre a formulação dos planos governamentais.
No intuito de se evitar os erros do passado, como as atrocidades das
guerras, observou-se modificações dos relacionamentos entre os Estados. Surgiram
assim, organismos com a função de estreitar e acelerar as relações de Estados. Para
essa harmonização de disputas de poder, as Nações adotaram respeitar o Direito
Internacional Público, e aos seus meios coercitivos de resolução de Controvérsias
Internacionais. Nesse contexto, a aprovação da Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar (Convenção da Jamaica) pode ser considerada não só uma vitória do
Direito Internacional Público como também um avanço na evolução das relações
39
internacionais. A entrada em vigor da Convenção trouxe consigo uma maior visibilidade
para os oceanos, cuja utilização tem sido defendida como sendo mais importante para
o fortalecimento do poder dos Estados do que a conquista de territórios.
O aumento do fluxo de bens, de informações e de capitais decorrentes da
globalização tem incrementado as relações entre as nações, com consequências
diretas no fluxo internacional de comércio que, por sua vez, tem produzido um
desenvolvimento extraordinário do transporte marítimo, acrescido a isso a definição de
responsabilidades dos países dentro de cada espaço marítimo devido ao início da
vigência da CNUDM, que tem propiciado uma nova Ordem Mundial. Países
desenvolvidos tem demostrado enorme interesse em todos os cantos do planeta,
especialmente em espaços ricos, como o Atlântico Sul. Portanto, o grande patrimônio
colocado à disposição do Brasil pela Convenção e a obrigação de fazer valer a
legislação internacional e a ordem na Amazônia Azul necessitam ser bem
compreendidos e tratados com prioridade pelo Estado.
Observando o histórico do Poder Marítimo brasileiro, chama atenção a
alternancia de crescimento ao longo do tempo, períodos com fortes apoio
governamental seguem-se de fases com completo abandono. Essa descontinuidade
das ações em investimentos são reflexos de dificuldades internas ou alterações no
cenário mundial, o que demostra uma completa falta de coordenação do governo e uma
inexistente política de Estado para o setor marítimo brasileiro, razões que dificultam a
preparação de medidas para defesa da marinha mercante, marinha de guerra e da
construção naval.
Desta forma, interpletando os aspectos elencados neste trabalho, pode-se
garantir que no momento em que os recursos econômicos assumem dimensões cada
vez mais relevantes, há a possibilidade de ocorrerem conflitos de interesses entre
atores estatais ou não. Contudo, no momento em que os interesses de outros atores
vierem a ser prejudicados, inclusive dentro do cenário marítimo, há a possibilidade de
que passemos a sofrer pressões de variados atores internacionais, podendo surgir
conflitos, com conseqüências irreparáveis para a nação, se não forem evitados de
40
forma preventiva ou respondidos de forma adequada e compatível com o prestígio e
dimensões político-estratégicas do país.
É importante perceber que a Geopolítica evolui como um ramo da Ciência
Política e apresenta-se como instrumento à disposição do Estado para a elaboração de
suas Estratégias. Desta forma, devemos atualizar o pensamento geopolítico brasileiro à
nova realidade mundial, a fim de orientar a elaboração de políticas e planos
governamentais que contemplem a consecução dos interesses brasileiros no mar. Não
me parece prudente descuidarmos dos diversos componentes do nosso Poder
Marítimo, e muito menos deixar de alocar à Marinha do Brasil os recursos e os meios
necessários para que ela possa não só atuar na vigilância e na proteção desse imenso
patrimônio, mas também honrar nossos compromissos internacionais.
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