Artigo Original Sensibilidade e especificidade do índice de massa corporal na estimativa da obesidade e comparação desse índice com métodos antropométricos usados na obtenção do diagnóstico nutricional de escolares Dielle Nazaré Reis de Queiroz, Liliane Maria Messias Machado, Sérgio Eduardo Moura Carmin, Liliane Cassia Ramos da Silva, Gisely Lopes Farias, Elenilma Barros da Silva, Karen Barbosa da Silva e Yonah Leda Vieira Figueira RESUMO Objetivos. Esse trabalho objetivou descrever o perfil antropométrico e investigar a correlação entre o índice de massa corporal, perímetro da cintura e percentual de gordura, assim como avaliar os valores de sensibilidade e especificidade entre três critérios de classificação do índice de massa corporal usando-se o percentual de gordura como padrão de referência. Método. Estudo transversal, analítico e descritivo, no total de 107 crianças de uma creche de BelémPA, de 5 a 10 anos de idade. Avaliaram-se os valores de sensibilidade e especificidade entre três critérios de classificação do índice de massa corporal, usando-se o percentual de gordura como padrão de referência. Os testes de sensibilidade, especificidade e curva de características de operação do receptor, ou curva ROC, do inglês receiver operating characteristic curve, foram utilizados para permitir a verificação do melhor dos três critérios de classificação de índice de massa corporal. O percentual de gordura foi calculado por meio da equação de Deurenberg e colaboradores (1991). Resultados. Houve correlação significativa entre o índice de massa corporal e as variáveis perímetro da cintura e percentual de gordura. Ao serem testadas a sensibilidade e a especificidade dos três critérios de classificação do índice de massa corporal verificou-se que o melhor padrão de referência foi o da Organização Mundial da Saúde (2007), pois apresentou os melhores valores para sensibilidade, especificidade, acurácia, área sob a curva ROC e distância nos meninos e nas meninas. Dielle Nazaré Reis de Queiroz – nutricionista graduada pelo curso de Nutrição do Instituto Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará Liliane Maria Messias Machado – nutricionista, professora adjunta da Faculdade de Nutrição, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará Sérgio Eduardo Moura Carmin – nutricionista graduado pelo curso de Nutrição do Instituto Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará Liliane Cassia Ramos da Silva – nutricionista graduada pelo curso de Nutrição do Instituto Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará Gisely Lopes Farias – nutricionista graduada pelo curso de Nutrição do Instituto Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará Elenilma Barros da Silva – nutricionista, professora substituta da Faculdade de Nutrição, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará Karen Barbosa da Silva – nutricionista graduada pelo curso de Nutrição do Instituto Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará Yonah Leda Viera Figueira – nutricionista, professora do curso de Nutrição da Escola Superior da Amazônia Correspondência: Liliane Maria Messias Machado. Campus IV da UFPA, Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto, com acesso pela Av. Perimetral, Bairro da Terra Firme. Belém, PA. CEP: 66.075-110. Telefones 91 32018452. Internet: [email protected] Recebido em 12-2-2013. Aceito em 20-5-2013. Local de realização da coleta de dados: Centro Educacional A Hora do Saber. Endereço: Av. Dalva, 305 – Marambaia. Belém, PA, CEP 66615-270. A pesquisa foi feita com recursos próprios e não há conflito de interesses. Brasília Med 2013;50(2):89-98 • 89 Artigo Original Conclusão. O critério da Organização Mundial da Saúde é o mais adequado para confirmar a presença de obesidade nessa população estudada. Palavras-chave. Índice de massa corporal; avaliação nutricional; antropometria; sensibilidade; especificidade. ABSTRACT Sensitivity and specificity of body mass index in the evaluation of obesity and comparison of this index with anthropometric measurements used in the diagnosis of nutrition in young children at a daycare center in Brazil Introdução A infância é uma fase de rápido crescimento e desenvolvimento físico, psíquico e social, o que ocasiona aumento das necessidades nutricionais. Atualmente, o Brasil vive momento de transição nutricional, ou seja, está ocorrendo redução dos índices de desnutrição e aumento progressivo da obesidade.1 A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 20082009), ao avaliar crianças de 5 a 9 anos de idade, mostrou que o número de meninos acima do peso mais que dobrou de 1989 a 2009, passando de 15% para 34,8% respectivamente e, nas meninas, a variação foi ainda maior, passou de 11,9% para 32,0 %.2 Objectives. This study describes the anthropometric profile, investigates the correlation between body mass index (BMI), waist perimeter and body fat percentage, and evaluates the sensitivity and specificity of the classification criteria of BMI of three classifications using body fat percentage as a reference standard. No Brasil, o sobrepeso e a obesidade na população infantil são considerados um dos desvios nutricionais mais relevantes para esse grupo. Assim, percebe-se a importância do emprego de métodos de aferição antropométrica que possam estimar de forma rápida e precisa o diagnóstico nutricional, com vistas a prevenir ou controlar os casos de obesidade.3 Method. This was a cross-sectional, analytical and descriptive study that investigated 107 children, aged from 5 to 10 years, at a day care center in Belém-PA. Tests of sensitivity, specificity and the receiver operating characteristic curve were used to allow visualization of the best of the three classification criteria of BMI. Body fat percentage, used as reference, was calculated using the equation of Deurenberg et al. (1991). Diante da escassez de recursos dos serviços públicos de saúde para a aquisição de materiais que permitam a obtenção de melhor estimativa da composição corporal, os indicadores antropométricos são instrumentos alternativos para avaliação do excesso de gordura corporal de forma rápida, acessível e não invasiva. Sabe-se que a combinação dos resultados desses métodos pode conferir diagnóstico mais fidedigno.4 Results. There was a significant correlation between BMI and body fat percentage and waist perimeter. When the sensitivity and specificity of the three classification criteria of BMI were tested, it was found that the best reference standard was the one established by the WHO (2007), as it showed the best values for sensitivity, specificity, accuracy, area under the ROC curve and distance for boys and girls. O índice de massa corporal (IMC, em kg/m2), apresenta boa correlação com a gordura corporal, é de fácil obtenção e permite comparações com outros estudos. Contudo, a determinação de um referencial do estado nutricional é complexa, devido às diferenças populacionais e à ausência de validação entre os critérios. Isso acarreta dificuldade em escolher o critério de referência mais adequado.5 Conclusion. The criterion established by the WHO is most appropriate to confirm the presence of obesity in this population. Algumas das principais classificações de índice de massa corporal usadas em pesquisas brasileiras são os valores críticos sugeridos pela Organização Mundial da Saúde (OMS),6 bem como pela International Obesity Task Force (IOTF)7 e os sugeridos por Conde e Monteiro.8 Contudo, ainda não Key words. Body mass index; nutrition assessment; anthropometry; sensitivity; specificity. 90 • Brasília Med 2013;50(2):89-98 Dielle Nazaré Reis de Queiroz e cols. • Diagnóstico nutricional de escolares há consenso entre os estudos quanto à escolha do critério de classificação do índice de massa corporal. Além disso, pesquisadores têm se preocupado com a precisão de diagnóstico dos parâmetros existentes.9 a crista ilíaca e a borda costal, no momento da mínima expiração. Para o diagnóstico foi usado o proposto pelo Waist Circumference Percentiles,10 sendo adotado o ponto de corte de P > 90 para obesidade. O presente estudo teve como objetivos identificar o estado nutricional com uso do perfil antropométrico, investigar a correlação entre índice de massa corporal, perímetro de cintura e percentual de gordura (%G); e avaliar os valores de sensibilidade e especificidade, comparando-se três critérios de classificação do índice de massa corporal com o percentual de gordura de crianças matriculadas em uma creche, no município de Belém-PA. O percentual de gordura foi determinado pela equação proposta por Deurenberg e colaboradores:11 Método Trata-se de estudo transversal analítico e descritivo com a finalidade de caracterizar o estado nutricional de todas as crianças (n = 115), com idades de 5 a 10 anos, matriculadas no Centro Educacional A Hora do Saber, escola localizada na área metropolitana de Belém, Estado do Pará. A coleta de dados foi realizada em dezembro de 2011. Os critérios de inclusão foram: serem alunos do Centro Educacional A Hora do Saber; estarem na faixa etária de 5 a 10 anos; estarem aptos mental e fisicamente para aferição de medidas antropométricas; não fazerem uso de medicamentos que pudessem interferir na composição corporal; que tivessem autorização prévia dos pais por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Como critérios de exclusão estabeleceram-se a recusa da criança em participar; crianças com dificuldades motoras; o não consentimento pelo responsável para a participação da criança na pesquisa. Foram registrados os dados pessoais (identificação, sexo e idade) e antropométricos dos escolares (peso, altura e perímetro da cintura). O perímetro da cintura foi mensurado com a criança em posição ortostática, colocando-se sobre a pele uma fita inelástica graduada em milímetros, no espaço correspondente ao menor perímetro entre %G = 1,51 x IMC – (0,70 x idade) – (3,6 x Y) +1,4 onde: Y = 1 para o sexo masculino e Y = 0 para o feminino. Os critérios de referências dos percentuais de gordura foram acima de 25% nos meninos e acima de 30% nas meninas para classificação de obesidade nas crianças.12 Para aferição do peso foi usada uma balança portátil digital da marca Plenna (Plenna Especialidades Ltda., Barra do Tibagi – São Paulo), com capacidade de 150 kg e precisão de 0,1 kg. A estatura foi mensurada em posição ortostática com estadiômetro de marca AlturaExata (AlturaExata®; Belo HorizonteMG), com precisão de 0,1 cm, de acordo com os procedimentos descritos na literatura.13-15 Com base nos valores de peso e altura, os dados foram comparados com padrões de referências estabelecidos pelo Multicentre Growth Reference Study mediante os indicadores: altura para a idade (A/I) e peso para a idade (P/I).13-15 O P/I expressa massa corporal para a idade cronológica e reflete a situação global do indivíduo, mas não diferencia o comprometimento nutricional atual (ou agudo) dos pregressos (ou crônicos). Os critérios de classificação adotados pela Organização Mundial da Saúde são: muito baixo peso para idade (escore Z < – 3); baixo peso para idade (escore Z ≥ – 3 e < -2); peso adequado para a idade (escore Z ≥ -2 e < + 2) e peso elevado para a idade (escore Z > + 2).13 A A/I expressa o crescimento linear da criança. É o índice que melhor indica o efeito cumulativo de situações adversas sobre o crescimento da criança. É considerado o indicador mais sensível para aferir a qualidade de vida de uma população. Os critérios de classificação adotados pela Organização Mundial da Saúde são: estatura muito baixa para idade (escore Z < – 3); baixa estatura Brasília Med 2013;50(2):89-98 • 91 Artigo Original para idade (escore Z ≥ – 3 e < -2) e estatura adequada para idade (escore Z ≥ -2).13 Foi calculado o índice de massa corporal pela fórmula peso(kg)/altura(m²). Para fins de classificação quanto ao estado nutricional da população estudada, utilizou-se o índice IMC/I (índice de massa corporal dividido pela idade) proposto pela Organização Mundial da Saúde, cujos critérios de classificação são: magreza acentuada (escore Z < -3); magreza (escore Z. ≥-3 e <-2); eutrofia (escore Z ≥-2 e < +1); risco de sobrepeso (escore Z ≥ +1 e < +2); sobrepeso (escore Z >+2 e ≤+3) e obesidade (escore Z > +3).13 O índice de massa corporal também foi usado para classificar obesidade segundo três critérios: Organização Mundial da Saúde,6 Cole e colaboradores7 e Conde e Monteiro.8 Adiposidade corporal foi definida com base no percentual de gordura, obtida pelas equações propostas por Deurenberg e colaboradores.11 Esse método é o mais indicado para diagnóstico de obesidade.16 A classificação foi feita segundo os pontos de corte sugeridos por Willians colaboradores.12 Para os cálculos de sensibilidade e de especificidade, adotou-se o percentual de gordura corporal como padrão de referência. Neste estudo, os autores se reportaram à sensibilidade como o percentual de crianças classificadas como obesas pelas classificações de índice de massa corporal 6-8 e que também se apresentaram como obesas pela classificação de percentual de gordura.11 Já a especificidade diz respeito às crianças eutróficas pelo percentual de gordura que obtiveram a mesma categorização pelo índice de massa corporal, segundo as três classificações anteriormente citadas.6-8 Além disso, foram calculados os falsos positivos (eutróficos pelo percentual de gordura e obesos pelo IMC) e falsos negativos (eutróficos pelo IMC e obesos pelo percentual de gordura). Estatística A base de dados foi toda digitada e conferida no programa Excel 2010 (Microsoft Office for Windows), assim como a realização da análise descritiva dos dados. O programa BioEstat 5.017 foi usado para verificar a correlação entre o índice de massa corporal, perímetro da cintura e o percentual de gordura. Para a escolha do teste mais apropriado para a correlação, foi verificada 92 • Brasília Med 2013;50(2):89-98 previamente a normalidade dos dados antropométricos por meio do teste de Kolmogorov-Smirnoff e pode-se constatar a assimetria dos dados. Assim, foi empregada a correlação de Spearman por se tratar de um teste não paramétrico. O valor de p foi considerado significativo quando menor ou igual a 0,05. Para estimativa dos valores de sensibilidade e especificidade, assim como a obtenção da curva de características de operação do receptor, foi usado novamente o programa BioEstat 5.0.17 Já a curva ROC (receiver operator characteristic) foi utilizada para permitir a verificação do melhor ponto de corte utilizado no diagnóstico nutricional de crianças obesas, sendo comparados os seguintes grupos: I) ponto A – IMC classificado por Cole e colaboradores7 versus percentual de gordura segundo Deurenberg e colaboradores;11 II) ponto B – IMC conforme a Organização Mundial da Saúde6 versus percentual de gordura segundo Deurenberg colaboradores;11 III) ponto C – IMC de acordo com Conde e Monteiro8 versus percentual de gordura por Deurenberg e colaboradores.11 A curva de características de operação do receptor é ferramenta poderosa para medir e especificar problemas no desempenho do diagnóstico por permitir estudar a variação da sensibilidade e especificidade para diferentes valores de corte. A curva permite evidenciar os valores para os quais existe maior otimização da sensibilidade em função da especificidade que corresponde ao ponto em que se encontra mais próxima do canto superior esquerdo do diagrama, uma vez que o índice de verdadeiros positivos é 1 e o de falsos positivos é zero. Assim, quanto mais próximos de d (distância) determinado grupo (A, B ou C) estiver, maior será a referida otimização. O valor do ponto de corte é definido com um valor que pode ser selecionado arbitrariamente pelo pesquisador entre os valores possíveis para a variável de decisão, acima do qual o indivíduo é classificado como positivo (teste positivo significa obeso) e abaixo do qual é classificado como negativo (teste de diagnóstico negativo significa eutrófico). Para cada ponto de corte são calculados valores de sensibilidade e especificidade, que podem ser então dispostos no gráfico. Um classificador perfeito corresponderia a uma linha horizontal no topo do gráfico, porém esta dificilmente será alcançada. Finalmente, com base em uma curva de características de operação do receptor, Dielle Nazaré Reis de Queiroz e cols. • Diagnóstico nutricional de escolares devemos poder selecionar o melhor limiar de corte para obter o melhor desempenho possível. Aspectos éticos O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal do Pará, sob o protocolo n.º 261/11 e custeado pelo próprio grupo de pesquisadores. Resultados Foram avaliadas 107 crianças, pois oito precisaram ser excluídas da amostra por não estarem enquadradas nos critérios de inclusão. Do total de crianças avaliadas (n =107), observa-se que 48 (45%) foram do sexo masculino e 59 (55%) do sexo feminino. A média de idade foi 7,5±1,4 anos. As médias e os desvios-padrão encontrados para o perímetro de cintura e o índice de massa corporal, em ambos os sexos, foram 60 ± 7,27 cm e 18,4 ± 3,1 kg/m2, e para as meninas foram 62,2 ± 7,4 cm e 19 ± 3,2 kg/m2 e para os meninos 58,8 ± 6,8 e 18 ± 3 kg/m2 respectivamente. Na tabela 1, pode-se verificar a classificação do estado nutricional das crianças estudadas por meio de diferentes indicadores antropométricos, do perímetro da cintura e do percentual de gordura corporal. Segundo o IMC/Idade, verifica-se que 66% dos eutróficos e 54% dos com sobrepeso pertenciam ao Tabela 1. Perfil antropométrico das crianças por meio das classificações obtidas pelos indicadores antropométricos, perímetro da cintura e percentual de gordura, segundo o sexo e a amostra total pesquisada Meninos Indicadores Meninas Totais n % n % n % Eutrofia 17 35,4 33 55,9 50 46,7 Sobrepeso 13 27,0 15 25,4 28 26,1 Obesidade 12 25,0 7 11,8 19 17,5 Obesidade grave 6 5,6 4 6,7 10 9,3 Peso adequado 33 68,7 45 76,3 78 72,9 Peso elevado 15 31,3 14 23,7 29 27,1 1 2,0 0 0 1 0,9 47 98,0 59 100 106 99,1 Normal 41 85,4 53 89,3 94 87,8 Obesidade 7 14,6 6 10,7 13 12,2 Normal 40 83,3 56 94,9 96 89,7 Obesidade 8 16,7 3 5,1 11 10,3 IMC/Idade* Peso/Idade Estatura/Idade Baixa estatura Estatura adequada Perímetro da cintura† Percentual de gordura‡ * IMC = índice de massa corporal. IMC/idade, peso/idade e estatura/idade de acordo com a Organização Mundial da Saúde;6 † conforme Fernández e colaboradores,10 ‡percentual de gordura por Deurenberg e colaboradores11 e classificados como em Williams e colaboradores12 Brasília Med 2013;50(2):89-98 • 93 Artigo Original sexo feminino, e 63% dos obesos bem como 60% dos obesos em estado mais grave foram do sexo masculino. Além disso, observa-se que mais da metade das crianças avaliadas encontraram-se com excesso de peso. Quanto ao Peso/Idade, a maioria das crianças foi classificada como peso adequado (n = 78). Já a Estatura/Idade mostrou que apenas uma das crianças tinha baixa estatura. Ainda na mesma tabela, pode-se observar, conforme classificação pelo perímetro de cintura, que a maioria das crianças encontra-se dentro da normalidade (n = 94), sendo semelhante à quantidade de meninos e meninas obesos. Conforme o percentual de gordura, a maioria das crianças foi classificada como normal (n = 96). Na tabela 2, pode-se observar que houve correlação significativa (p < 0,0001) entre o índice de massa corporal e as variáveis perímetro de cintura e o percentual de gordura, em ambos os sexos e na amostra total, e as correlações mais fortes ocorreram entre o índice de massa corporal e o percentual de gordura. Ao serem testadas a sensibilidade e especificidade de três diferentes padrões de referência para a classificação de obesidade em meninos e meninas de acordo com o índice de massa corporal (tabela 3), verificou-se que para os meninos, o critério de Cole e colaboradores7 foi o padrão que apresentou a maior sensibilidade, e o de Conde e Monteiro 8 apresentou a maior especificidade. Contudo, foi a Organização Mundial da Saúde 6 que congregou valores de sensibilidade e especificidade moderados (85,7%) e alto (95%) respectivamente. Já para as meninas, o melhor padrão de referência foi o da OMS,6 pois apresentou os Tabela 2. Correlação do índice de massa corporal com o perímetro de cintura e percentuais de gordura de crianças, de ambos os sexos, matriculadas em uma creche do Município de Belém, Pará Meninos Meninas Total Variáveis r p r p r p IMC x PCint 0,85 < 0,000 0,84 < 0,000 0,85 < 0,0001 IMC x %GDeu† 0,96 < 0,000 0,95 < 0,000 0,89 < 0,0001 * Correlação de Spearman com valor de p significativo quando ≤ 0,05; *correlação entre índice de massa corporal (IMC) e o perímetro da cintura (PCint); †correlação entre índice de massa corporal e percentual de gordura corporal de acordo com Deurenberg (GDeu) e colaboradores.11 Tabela 3. Sensibilidade e especificidade de três classificações (padrões de referência) de índice de massa corporal para obesidade, adotando-se como padrão o método de obtenção do percentual de gordura proposto por Deurenberg e colaboradores11 e classificado de acordo com Williams e colaboradores,12 de escolares matriculados em uma creche de Belém, Pará Meninos Meninas Parâmetros A* B† C‡ A* B† C‡ Sensibilidade (%) 87,5 57,1 85,7 100 100 100 Especificidade (%) 82,1 100 95 80,4 83 91,6 Falso Positivo 0,58 1,00 0,75 0,10 0,09 0,08 Falso Negativo 0,96 0,93 0,97 1,00 1,00 0,00 Acurácia (%) 83,3 93,4 93,6 80,9 83,3 91,8 Área sob a curva de ROC 0,84 0,79 0,90 0,90 0,92 0,96 Distância (d) 0,22 0,43 0,15 0,20 0,17 0,08 A = Cole e colaboradores7; †B = Conde e Monteiro;8 ‡C = Organização Mundial da Saúde6 * 94 • Brasília Med 2013;50(2):89-98 Dielle Nazaré Reis de Queiroz e cols. • Diagnóstico nutricional de escolares maiores valores de sensibilidade (100%) e especificidade (91,6%). Apesar de, para as meninas, os valores de sensibilidade de Cole e colaboradores7 e Conde e Monteiro8 terem sido 100%, a especificidade foi menor que o da Organização Mundial da Saúde6 Os maiores valores de acurácia foram obtidos pelos padrões da Organização Mundial da Saúde6 em ambos os sexos. Além disso, observase que os maiores valores da área sob a curva de características de operação do receptor e as menores distâncias obtidas (tabela 3, figuras 1 e 2), foram dos padrões de referência da Organização Mundial da Saúde.6 Nota: A = IMC por Cole e colaboradores;7 B = IMC por Conde e Monteiro;8 C = IMC pela Organização Mundial da Saúde,6 sendo todos esses versus percentual de gordura Deurenberg e colaboradores11 Figura 2. Curva ROC de três classificações de índice de massa corporal para obesidade, adotando-se como padrão de referência o método de obtenção do percentual de gordura proposto por Deurenberg e colaboradores11 e classificado de acordo com Williams e colaboradores12, de escolares do sexo masculino matriculadas em uma creche de Belém-Pará. Discussão Nota: A = IMC por Cole e colaboradores;7 B = IMC por Conde e Monteiro;8 C = IMC pela Organização Mundial da Saúde,6 sendo todos esses versus percentual de gordura Deurenberg e colaboradores11 Figura 1. Curva ROC de três classificações de índice de massa corporal para obesidade, adotando-se como padrão de referência o método de obtenção do percentual de gordura proposto por Deurenberg e colaboradores11 e classificado de acordo com Williams e colaboradores12 de escolares do sexo feminino matriculados em uma creche de Belém-PA. No plano geral, observou-se que, dos três critérios de classificação do índice de massa corporal usados neste estudo, o da Organização Mundial da Saúde6 foi o melhor padrão de referência, quando analisados em conjunto os valores de sensibilidade, especificidade, área sob a curva ROC, distância e acurácia desse padrão. Dessa forma, a proposta da OMS6 mostrou elevada capacidade de identificar os indivíduos que realmente estão obesos, ou seja, os verdadeiros positivos, assim como elevada capacidade de distinguir os indivíduos que estão eutróficos, reconhecendo-se, assim, os verdadeiros negativos. Brasília Med 2013;50(2):89-98 • 95 Artigo Original Analisando-se por sexo quanto à eficiência dos três critérios de classificação do índice de massa corporal no diagnóstico da obesidade para os meninos, o que teve melhor desempenho segundo a sensibilidade foi o de Cole e colaboradores,7 e para especificidade foi o de Conde e Monteiro. 8 Porém, devido à boa sensibilidade, elevada especificidade, acurácia e área sob a curva ROC, e baixa distância observados no critério da Organização Mundial da Saúde,6 esse foi o melhor padrão para diagnóstico de excesso de peso nos meninos neste estudo. Em relação às meninas, os três critérios analisados tiveram sensibilidade máxima para diagnóstico de excesso de peso, porém o critério da Organização Mundial da Saúde6 teve o maior valor de especificidade, o que implica menor número de falsos negativos. Sabe-se que quanto menor o número de falsos negativo encontrados melhor pode ser considerado o teste. Critérios que apresentam elevado número de falsos negativos podem retardar o estabelecimento do tratamento do excesso de peso e consequentemente agravar esse estado, pois estariam subestimando a prevalência desse desfecho.18 Portanto, o presente estudo sugere que critério da Organização Mundial da Saúde6 foi o mais adequado para confirmar o excesso de peso na população avaliada. Esses achados diferem do estudo que avaliou crianças de 7 a 12 anos de idade, pelo critério da Organização Mundial da Saúde6 para classificação do índice de massa corporal e que apresentou apenas a capacidade de distinguir os indivíduos sem excesso de peso, diminuindo assim os casos de falsos positivos. Esse padrão, porém, teve baixo poder em diagnosticar crianças com excesso de peso.9 Já os critérios sugeridos por Cole e colaboradores7 mostraram valor de sensibilidade elevado para as meninas e moderado para os meninos estudados e de especificidade moderado para ambos os sexos. Contudo, em estudo com crianças suíças de 6 a 12 anos de idade, os valores de referência para obesidade segundo Cole e colaboradores,7 apresentaram baixa sensibilidade e não se conseguiu identificar 40% a 50% das crianças obesas da amostra.19 96 • Brasília Med 2013;50(2):89-98 Quanto aos critérios sugeridos por Conde e Monteiro,8 o valor de sensibilidade foi baixo em meninos e alto em meninas, e o de especificidade foi alto em meninas e moderado em meninos. Dessa forma, esse critério tem melhor poder de diagnosticar excesso de peso (verdadeiro positivo) nas meninas do que nos meninos. Tais resultados divergem de estudo que tiveram maior poder de diagnosticar excesso de peso para os meninos, utilizando-se esse mesmo critério.9 Em pesquisa cujo objetivo foi identificar o critério internacional7 e nacional8 mais eficiente para classificação do excesso de adiposidade, em crianças de 6 a 9 anos de idade, constatou-se que o critério nacional8 teve mais vantagens para avaliação do excesso de peso em crianças, principalmente em virtude de sua alta sensibilidade.18 Pode-se observar que, neste estudo, foi elevada a prevalência de crianças classificadas como adequadas, em relação aos índices Peso/Idade e Estatura/ Idade. Esses achados foram semelhantes ao realizado com crianças de 2 a 10 anos de idade em ambos os sexos.20 Contudo, segundo o índice IMC/Idade, observou-se que a maioria dos meninos e quase metade das meninas estiveram com valores acima do normal (sobrepeso, obesidade ou obesidade grave) para esse índice. Esse tipo de achado vai de encontro ao realizado em crianças de 7 a 11 anos, que mostrou maior número de crianças classificadas como eutróficas, na cidade de Taguatinga-DF.21 Comparando-se os dados do Estudo Nacional da Despesa Familiar (ENDEF), realizado em 1974 e 1975, com os dados da pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV), realizada em 1996 e 1997, somente nas regiões Sudeste e Nordeste, verificou-se aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade de 4,1% para 13,9% em crianças e adolescentes com idades de 6 a 18 anos.22 Em algumas cidades, esses números mostram-se alarmantes, como a de Presidente Prudente, SP, em que o percentual de crianças com sobrepeso e obesas chegou a 35,7% nos meninos e 20% nas meninas.23 Diante do aumento do excesso de peso, tem-se observado a preocupação com o tipo de distribuição Dielle Nazaré Reis de Queiroz e cols. • Diagnóstico nutricional de escolares de gordura corporal, devido à sua relação com o prognóstico de risco para a saúde. Sabendo-se que os índices antropométricos não discriminam a distribuição da gordura corporal, foi usada a medida do perímetro da cintura, a qual apresenta correlação com índice de massa corporal e detecta adiposidade central, segundo investigações epidemiológicas em adultos.24 Quanto ao perímetro de cintura e ao valor percentual de gordura, verificou-se que a maioria das crianças avaliadas teve diagnóstico de normalidade. Ao contrário do estudo, que, ao avaliar escolares com idades de 7 a 9 anos, mostrou que 53 (38,4%) meninas e 55 (44,7%) meninos tiveram aumento do perímetro abdominal.25 O perímetro de cintura é a medida que representa melhor a distribuição da gordura visceral e esta, por sua vez, tem mais relação com as alterações metabólicas do que a gordura subcutânea, indicando o risco de a criança ou de o adolescente desenvolver doença cardiovascular na vida futura.26 O presente estudo mostrou boa correlação entre o índice de massa corporal e o perímetro de cintura, assim como aquele realizado em Fortaleza-CE, com crianças de ambos os sexos e ambas as idades com variação de 6 a 11 anos (r = 0,816 e p < 0,001).1 Da mesma forma como em outras pesquisas nacionais e internacionais, que encontram boa correlação entre essas variáveis,27,28 sugerindo que o perímetro de cintura possa ser usado no diagnóstico de sobrepeso e obesidade infantil.29 O presente trabalho tem algumas limitações. Apesar de terem sido pesquisados quase o total de crianças matriculadas na referida creche, o número da amostra é pequeno e os resultados não podem ser transpostos para a população de BelémPA. Entretanto, os resultados servem de indicativo quanto à responsividade do emprego desse tipo de método na perspectiva de verificar qual das classificações para o índice de massa corporal traz melhor poder de identificar excesso de peso nos escolares estudados. Outra limitação foi a não utilização de referência padrão-ouro, por exempo, tomografia computadorizada, para obtenção do percentual de gordura corporal. Em vez disso, utilizou-se o percentual de gordura por Deurenberg e colaboradores.11 Contudo, outros estudos também utilizaram como padrão de referência valores obtidos por parâmetros antropométricos.9,30 Porém, o referido método usado para obtenção do percentual de gordura mostrou o melhor desempenho no diagnóstico tanto da presença quanto da ausência de obesidade na população estudada.16 Em todos os critérios analisados, observou-se menor eficiência para a classificação do excesso de adiposidade em meninos, particularmente em virtude do maior número de falsos positivos. Esses achados podem resultar tanto da maior massa magra no sexo masculino, quanto da deficiência dos critérios para classificação do índice de massa corporal, causada principalmente pela baixa especificidade. Vale ressaltar a importância do uso de indicadores antropométricos associados (IMC/Idade, Peso/ Idade, Estatura/Idade, perímetro de cintura e o percentual de gordura) como uma ferramenta prática de trabalho, sobretudo, na atenção básica, visto que se trata de procedimentos simples, básicos e de baixo custo. Referências 1. Damasceno MMC, Fragoso LVC, Lima AKG, Lima ACS, Viana PCS. Correlação entre índice de massa corporal circunferência da cintura em crianças. Acta Paul Enferm. 2010;23(5):652-7. 2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [Internet]. POF 2008 2009 – Antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. 2010 [Acesso 04 jan 2013]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009_encaa/pof_20082009_encaa.pdf 3. Cocetti M, Castilho SD, Barros Filho AA. Dobras cutâneas e bioimpedância elétrica perna-perna na avaliação da composição corporal de crianças. Rev Nutr. 2009;22(4):527-536. 4. 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