Antes mesmo de abrir o livro, já me intrigava com seu título. Qual o rosto escondido por trás da máscara? Por que “Perfume”? Qual o significado desta alegoria? O primeiro passo foi situar o livro dentro do contexto histórico. Toda a trama corre entre os anos de 1738 e 1767, respectivamente anos de nascimento e morte do herói-vilão que protagoniza a obra. Isso posiciona a narrativa dentro dos anos que antecedem a revolução francesa (1789). Uma época em que a França se tornara apática e massacrada pelos interesses burgueses. Jean-Baptiste Grenouille, um ser totalmente inodoro, vem ao mundo em meio a podridão de uma peixaria. A mãe abandona-o à morte, mas ele acaba sendo resgatado, enquanto a jovem mãe desnaturada é condenada à decapitação. O nascimento do anti-herói em meio aos restos de peixes representa o estado da nação francesa comprometida desde as origens com ideais espúrios. Paris era o símbolo desta sujeira, não só figurativa como também literalmente: “Naturalmente, em Paris o fedor era maior...” O fato de Grenouille, não ter cheiro algum é um indicador de que ele não tem identidade, mas também não compactua com a podre situação reinante: Ele não tem o “cheiro” que todos têm. Jean-Baptiste se torna, então, um herói épico que parte em busca de sua identidade, do seu “cheiro” característico, do seu perfume. O Perfume perfeito. O livro está repleto de mensagens alegóricas incrustadas no texto. Por exemplo, quando Grenouille trabalha no curtume totalmente submisso e indiferente ao próprio sofrimento, ele adoece. Uma doença que o autor chama de “esplenite” 1, que viria a ser uma inflamação do baço. Esta doença incomum, mas não sem propósito, tem o objetivo de descrever o sentimento de Grenouille naquele momento. Assim como o coração é o órgão associado ao amor, o “Spleen”, ou baço em inglês, é o órgão responsável pela melancolia para os românticos. Então, quando o autor diz que Grenouille tem uma “esplenite”, ele está dizendo que ele está com uma inflamação de melancolia, um excesso. Grenouille descobre que o aroma perfeito pode ser obtido através de jovens moças virgens. Uma clássica alegoria à pureza. Ele mata então a primeira jovem na tentativa de roubar-lhe o perfume vital. “Esse aroma era a chave para ordenar todos os outros, que não entenderia nada de aromas se não entendesse esse.” Finalmente desejo: Grenouille revela seu grande “Ser um grande alambique que inundasse o mundo inteiro com os destilados por ele mesmo criados...” Esta passagem demonstra que o grande sonho de nosso herói é ser um líder, um catalisador, uma guia para uma França desorientada e fétida. Porém Jean-Baptiste toma consciência de sua insuficiência. Grenouille volta-se para dentro de si mesmo em busca de respostas. Queria “ser” ao invés de “ter” : “Queria externar o seu interior que ele considerava mais maravilhoso de que tudo que o mundo externo tinha para lhe oferecer...” Ele se isola, então, em uma caverna a fim de encontrar a si mesmo. A caverna é uma alegoria ao próprio eu. Lá ele organiza seus pensamentos, seus odores e sai pronto para fabricar o aroma perfeito: “Abriram-se os escuros interior e ele entrava” portões do seu Ele vai parar em Montpellier e encontra um cientista o marquês de la TailladeEspinasse que acredita que a terra possui fluidos mortais e o ar fluidos vitais, ou seja, quanto mais próximo da terra mais mortal, quanto mais alto mais vital. Grenouille inventa que foi preso por seqüestradores durante sete anos num poço. O que leva o cientista a afirmar que o estado deplorável de Grenouille é a prova de sua teoria. Com esta passagem o autor afirma que até a ciência pode-se deixar iludir ou enganar. Jean-Baptiste recomeça suas andanças e chega a cidade de Grasse, considerada a metrópole na produção de substâncias aromáticas. Lá Grenouille vai trabalhar numa perfumaria e começa a matar jovens para retirar-lhes o fluído aromático vital. Ao final, Grenouille mata 24 moças e mais uma especial, filha de um homem rico que ocupava o cargo de vice-cônsul, ela é a que tinha o melhor perfume. Assim ele fabrica vidros de um perfume capaz de inebriar as pessoas. A trama é desfeita, ele é descoberto, preso e condenado , mas no dia da execução ele faz uso do perfume e toda a população reunida acaba vendo-o como um Deus e uma orgia sem controle toma conta de toda a cidade. As acusações sobre ele são retiradas e ele vai embora. Grenouille conseguiu o que queria tornar-se uma espécie de Deus graças ao efeitos do perfume que finalmente conseguiu criar. Numa única passagem é possível resumir quem é Jean-Baptiste Grenouille: “Ele realizara o feito de Prometeu” Ele trouxe a chama divina ao homem e mais, ele a colocou no seu interior. Grenouille foi maior que Prometeu. O protagonista vai até Paris e se entrega a um final dramático e fortemente alegórico. Grenouille se encharca do perfume que usou para escapar à execução e é devorado, literalmente, por um bando de mendigos, assaltantes, prostitutas, desertores e jovens desesperados. Ele é despedaçado, consumido por eles, e dele nada resta. Qual o significado desta morte horrível? Pode-se ter a falsa impressão de que o autor queira afirmar que os idealistas são consumidos pelas massas ou pela podridão que o sistema produz. Mas as últimas linhas do texto nos faz pensar em algo diferente. “...seus corações estavam bem leves(...). Pela primeira vez , haviam feito algo por amor” Aqueles que o despedaçaram, na verdade não o mataram simplesmente, mas, sim, se alimentaram dele. Nutriram suas almas com o perfume de Grenouille, se encheram com seus ideais que eclodiriam mais tarde na revolução francesa. Mais leitura