Caderno de Resumos - Comunicações Coordenadas Sessão Coordenada - 14 TRANSNACIONALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO EM PERSPECTIVA: DESENVOLVIMENTISMO, MODERNIZAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS NOS DEBATES EDUCACIONAIS NAS DÉCADAS DE 1950 E 1960 Coordenadora: MARIA DAS DORES DAROS Eixo Temático: 1 - Estado e Políticas Educacionais na História da Educação Brasileira A Comunicação Coordenada busca apresentar e discutir a presença das lógicas transnacionais no debate educacional brasileiro dos anos de 1950 e 1960. Embora as leis e a organização do sistema educativo brasileiro resultem da ação do governo do país, elas seguem na esteira de um pensamento mais global e de uma estratégia de desenvolvimento definida em função de conveniências de uma sociedade capitalista. São, sobretudo, importantes, em relação à modernização, às pressões para o desenvolvimento da escola de massas. Esse desenvolvimento era sentido como necessário à expansão das relações que deveriam promover a consolidação e a expansão das sociedades que valorizavam a iniciativa privada, os valores burgueses, a circulação do capital e dos produtos, o aumento do consumo. Fortes pressões externas mais ou menos explícitas pela influência do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e de outros organismos internacionais, estiveram presentes em vários países, na segunda metade do século XX, sobre diversas formas: missões técnicas para a orientação do planejamento educacional, realização de conferências educacionais, assistência na produção do conhecimento para a implementação das políticas públicas pela valorização do papel das ciências sociais, como também a realização de empréstimos, entre outras ações. A criação de organizações internacionais de natureza supranacional, como a Unesco, proporcionou um forte impulso à internacionalização das problemáticas educacionais. As várias ações realizadas faziam parte do “esforço para estabelecer uma racionalidade científica que permitisse formular leis gerais capazes de guiar, em cada país, a acção reformadora no campo da educação permitindo criar vastas redes de conctatos, de financiamentos e de permuta de informações e conhecimentos entre autoridades político-administrativas de âmbito nacional, actores sociais experts e investigadores universitários” (TEODORO, 2001, p. 127). O tema predominante no meio intelectual brasileiro nos anos de 1950 e 1960 era o tema da mudança social, ancorada na percepção dualista da realidade brasileira. Esses foram os anos do desenvolvimentismo, forma de teorizar a industrialização elaborada pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e divulgada no Brasil, visando colocar o Estado a serviço de um acelerado crescimento econômico, reunindo intelectuais e educadores em torno do projeto de democratização da sociedade brasileira, ancorado também no debate transnacional sobre a educação. DESENVOLVIMENTISMO E TRANSNACIONALIZAÇÃO NA DISCUSSÃO EDUCACIONAL NO BRASIL DOS ANOS 1950 E 1960 Maria das Dores Daros A educação que se discute e que se organiza no Brasil participa de um sistema civilizacional fortemente relacionado com a ordem econômica capitalista. Assim, e reconhecendo que todo o país tem sistemas educativos com particularidades decorrentes das dinâmicas econômicas e culturais de cada um e de processos e protagonismos políticos singulares, devemos ter em consideração que a educação no Brasil está sujeita a lógicas transnacionais que a condicionam fortemente. Embora as leis e a organização do sistema educativo brasileiro resultem da ação do governo do país, elas seguem na esteira de um pensamento mais global e de uma estratégia de desenvolvimento definida em função de conveniências de uma sociedade capitalista. Exploraremos a hipótese de um processo de globalização cultural de longa duração, que inclui a expansão da forma política do EstadoNação (DALE, 1999), para compreender a relação entre educação e desenvolvimento no Brasil, tendo como principais atores, nas décadas de 1950/1960 organizações internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), entre outras. A criação de organizações internacionais de natureza supranacional, como a Unesco, proporcionou um forte impulso à internacionalização das problemáticas educacionais. As conferências, missões e assistência técnica e financeira foram oferecidas a inúmeros países, entre os quais o Brasil. Nas recomendações das Conferências Internacionais de Instrução Pública da Unesco (12 Conferências realizadas entre os anos de 1946 e 1962), a maior ênfase está na preocupação com a universalização da educação primária, obrigatória e gratuita, 64 VIII Congresso Brasileiro de História da Educação com a diversificação da educação secundária e sua progressiva gratuidade, bem como a articulação deste grau de ensino com o antecedente e com o acesso ao ensino superior. Essas recomendações estão centradas na equação educação e desenvolvimento, ou seja, na crença que a expansão e a melhoria dos sistemas educativos assegurariam o desenvolvimento socioeconômico e cultural. O tema predominante no meio intelectual brasileiro nos anos de 1950/1960 era o tema da mudança social, ancorada na percepção dualista da realidade brasileira. Esses foram os anos do desenvolvimentismo, forma de teorizar a industrialização, elaborada pela Cepal e divulgada no Brasil, visando colocar o Estado a serviço de um acelerado crescimento econômico. No Brasil as bases do projeto nacional desenvolvimentista são reforçadas pelo processo de redemocratização do país após a queda do Estado Novo em 1945, sendo esse um momento de confluência entre o projeto do Estado Nacional e as ambições dos educadores e intelectuais reunidos em torno do projeto de democratização da sociedade brasileira, reforçado também pela transnacionalização da discussão educacional. “EDUCADOR BRASILEIRO COM INTERESSES COMPARATIVOS”: ARTICULAÇÕES ENTRE AS CIÊNCIAS SOCIAIS E A EDUCAÇÃO COMPARADA NO PENSAMENTO E ATUAÇÃO DO INTELECTUAL JOÃO ROBERTO MOREIRA (DÉCADAS DE 1950/1960) Leziany Silveira Daniel Nas décadas de 1950 e 1960, o Brasil vivia um período de redemocratização e reconstrução nacional e o mundo enfrentava o pós-guerra, reorganizando-se o sistema capitalista, tanto nos países mais desenvolvidos como nos países menos desenvolvidos. Os organismos internacionais passaram a prestar assessoria aos países latinos na produção de conhecimento e implementação de políticas públicas para a organização da sociedade. Em especial, valorizou-se o papel das ciências sociais no direcionamento do planejamento econômico e desenvolvimento social dos países latino-americanos. A educação passou a ser pensada como fator determinante para a democracia e desenvolvimento do país, a partir de uma “modernização planejada” (XAVIER, 1999). Dessa forma, “a mobilização no interior do campo intelectual foi marcada pelo empenho em criar instituições e abrir mercado próprio para o assessoramento na condução das políticas públicas, tendo como princípio norteador o planejamento racional e científico” (XAVIER, 1999, p. 82). Foi neste contexto de mudanças sociais, políticas e econômicas, que o intelectual brasileiro João Roberto Moreira (1912-1967) iniciou sua atuação em órgãos e centros de pesquisa da educação nacional e internacional, entre eles o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e o Centro Latino Americano de Pesquisas em Ciências Sociais (CLAPCS). Moreira participou de um momento em que se iniciava o processo de institucionalização das ciências sociais, na mesma medida em que se intensificava o processo de profissionalização e racionalização da esfera educacional. Nos seus estudos publicados, bem como nas atuações que marcaram sua trajetória, Moreira passou a participar de um projeto que, a partir da fundamentação científica nas ciências sociais, refletiu sobre a educação e a organização dos sistemas de ensino, bem como pretendeu colaborar no direcionamento de políticas de Estado para essa área, subsidiando o encaminhamento dado por este e pelos organismos internacionais à educação no Brasil e dos países latino-americanos, em especial a partir de sua especialização na área da Educação Comparada. Para George Bereday, especialista da Educação Comparada, no seu livro Método Comparativo em Educação, de 1968, Moreira pode ser considerado um estudioso da Educação Comparada, na América Latina. Considera-se, assim, que Moreira participou desse projeto implementado na América Latina por estes organismos e coadunou com muitos dos intelectuais que acreditavam no papel central das ciências sociais para o encaminhamento das políticas nacionais, bem como na sua função como intelectual que buscava compreender o sistema históricosocial e fornecia subsídios para intervenção. Moreira integrou, neste sentido, um “projeto de modernização da sociedade e de edificação de uma ciência do desenvolvimento e de mudança planificada” (BLANCO, 2007, p. 105). MISSÃO TÉCNICA INTERNACIONAL PARA A ORIENTAÇÃO DO PLANEJAMENTO EDUCACIONAL NO BRASIL NAS DÉCADAS DE 1950/60 Marilândes Mól Ribeiro de Melo No Brasil dos anos 1950 e 1960 a cooperação técnica internacional não era uma raridade. Sua difusão no século XX pode ser observada nas décadas anteriores, quando a Universidade de São Paulo (USP) recebeu missões de professores franceses nos anos 1930, e também foi criada a Comissão Mista Brasil Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico em 1951 e encerrada em 1953, durante a segunda gestão do governo de Getúlio Vargas (RIBEIRO, 2013). Essas missões encontraram no País uma ambiência privilegiada e receptiva, e após a 2ª Guerra Mundial a intervenção de organizações internacionais nas políticas educativas nacionais, como novos 65 Caderno de Resumos - Comunicações Coordenadas modos de regulação da problemática educacional, possuem uma intensa movimentação. As missões não focaram somente o campo educacional, mas também outros campos como, por exemplo, o da arte e da cultura, uma vez que podemos destacar a presença dos peritos Michel Parent (1966/1967), Frédéric Limburg Stirum (1967 projeto Parati); Graeme Shankland (1968/1969 - Projeto Salvador) e Alfredo Viana de Lima (1968/1970 - Projeto Ouro Preto), dentre outros que se fizeram presentes depois dos anos 1970 (RIBEIRO, 2013). António Teodoro (2001), inspirado em B. Fuller e R. Rubinson (1992) transcreve em uma epígrafe: “Deus se encarnava sempre na figura de um ministro da educação”, o que demonstra que o sistema escolar se constituía “um dos lugares centrais no processo de construção da modernidade” (TEODORO, 2001, p. 125). Assim, o objetivo das missões, tanto culturais quanto educacionais, foi a integração desses campos ao planejamento e ao desenvolvimento do país. No que diz respeito ao campo educacional, as missões internacionais procuraram imprimir soluções aos problemas educacionais. Deste modo, negociações e intensas trocas foram possibilitadas pela cooperação técnica da agência internacional Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), no Brasil. As missões técnicas foram oferecidas por meio de convênios realizados entre o Ministério de Educação a vários estados brasileiros, entre os quais Santa Catarina, no intuito de reforçar a ideia de promoção do desenvolvimento por meio da elaboração do planejamento da educação. O planejamento e a pesquisa eram prescritos como “remédios” capazes de curar os males da educação (elevada taxa de repetência e evasão) e de tornar hígidos os recursos humanos e materiais para acelerar o progresso social, econômico e cultural. Assim, os países da periferia e da semiperiferia. ocidental começam a depender cada vez mais, na formulação de suas políticas educativas, “da legitimação e da assistência técnica das organizações internacionais” (TEODORO, 2001, p. 127). PESQUISA E PLANEJAMENTO EDUCACIONAL NO BRASIL DOS ANOS 1950/1960: TRANSNACIONALIZAÇÃO E MODERNIZAÇÃO Elaine Aparecida Teixeira Pereira O período de democratização do Brasil iniciado em 1945 foi marcado pelo clima de modernização via desenvolvimento da indústria e da infraestrutura nacional. Tal contexto contribuiu para a crença de que o país, além de fabricar seus bens e produtos, deveria gestar conhecimentos, uma vez que estes subsidiariam propostas ajustadas à modernização preconizada (FREITAS, 2002). A prática do planejamento com fins à modernização, no tocante à educação, esteve relacionada à criação de instituições voltadas para o desenvolvimento de pesquisas ancoradas nas ciências sociais. Conceitos e métodos dessas ciências aplicadas à educação embasaram campanhas e inquéritos acerca da realidade educacional brasileira, como é o caso das iniciativas do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) e do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). A partir de 1952, quando assumiu a direção do INEP, uma das primeiras ações de Anísio Teixeira foi a implementação da Campanha de Inquéritos e Levantamentos do Ensino Médio e Elementar (Cileme), que atendia ao objetivo de conhecer a realidade educacional dos estados brasileiros a fim de planejar racionalmente as ações a serem efetivadas, numa vinculação entre pesquisa, planejamento, elaboração de políticas educacionais e aplicação de recursos no setor. A partir do ano de 1956, as atribuições da Cileme passaram ao CBPE que, criado com a colaboração da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), encontrava-se afinado às ideias que circulavam transnacionalmente acerca das relações entre educação, modernização e desenvolvimento. Intersecções entre o local, o nacional e o transnacional podem ser identificadas como uma das características do projeto, pois, ao mesmo tempo em que eram realizados estudos sobre a realidade nacional (“encomendados” ou não pela Unesco), com atenção às características regionais, também se colocava a perspectiva transnacional, uma vez que os intelectuais ligados ao CBPE circulavam em instâncias que extrapolavam os limites do país. Lógicas transnacionais representadas por organismos como a Unesco estiveram presentes em vários países no período em questão, o que se deu tanto na forma de missões técnicas para a orientação do planejamento educacional, quanto pela realização de conferências educacionais, ou ainda na assistência à produção de conhecimentos ancorados nas ciências sociais visando à implementação de políticas públicas. Uma das preocupações que emerge nos discursos assinados por esses organismos é a universalização da educação primária, obrigatória e gratuita, o que encontrou ressonância no Brasil e no estado de Santa Catarina, quando, por exemplo, há uma série de projetos voltados para as escolas primárias rurais e a formação de seus professores, em iniciativas que pareciam atender ao objetivo de uma espécie de modernização do arcaico. 66