Conversa de Botequim
Caro leitor
Seu garçom faça o favor de me trazer
depressa. Há algo que sempre fez avivar a
minha conhecida curiosidade: conversa de botequim. Mas não no sentido lato da palavra.
Muito mais interessante que isso é a conversa jogada fora, aquele bate-papo
descompromissado que, aparentemente, não
leva a nada, mas faz um bem danado à alma.
Uma boa média que não seja requentada. Isso independe da classe social, seja no aspecto econômico ou no cultural dos circunstantes. Há algo melhor do que uma conversa em
tomo de uma garrafa de cerveja no bar de uma
esquina da periferia? Ou em tomo de um copo
de uísque em um elegante bar de hotel? As mulheres que não se lamentem: elas também têm
suas conversas de botequim, seja em volta de
um bule de café (pode ser chá) na casa da vizinha; seja à frente de um espelho no sanitário de
um clube; ou seja na fila do gargarejo daquelas
casas noturnas onde homens quase nus se oferecem às suas fantasias.
U m pão bem quente com manteiga à
beca. As primeiras conversas de botequim
de que me lembro eu as ouvi, sorrateiramente, em volta da mesa de pife-pafe promovidas por minha avó Nenê no casarão da Rua
José Bonifácio. Eu deveria ter 3 ou 4 anos de
idade; não entendia bem o que diziam, mas
fica-me a lembrança dos sorrisos abertos e
olhos escancarados pela surpresa das novidades lançadas.
U m guardanapo e um copo d'água bem
gelada. Novas conversas de botequim, então já com 7 ou 8 anos de idade, eu escutei
nas mesas da Padaria Central, no Largo da
Matriz. Era para ali que eu corria, junto com
alguns primos, atrás do meu avô Leôncio e
de uns trocados para o quebra-queixo que nos
ofereciam no Largo. Muitas outras escutei
também nos escritórios do I Tabelionato,
então exercido por meu avô. Entrava e ia direto aos Pires (Chiquinho, Silvio, João e
Roberto) que ali trabalhavam perguntando pelo
"pofe" do meu avô. Era como eu chamava o
cofre do cartório.
Feche a porta da direita com muito
cuidado. E as conversas de botequim foram
se sucedendo na minha vida. Com 12 ou 14
anos de idade ia à Cantina Mogiana, na Rua
Dr. Deodato Wertheimer ou à Pizzaria
Maracanã, na Praça Oswaldo Cruz, sempre
acompanhado de meu primo Eduardo. Buscávamos o tio Tico e seus trocados, para uma
Coca-Cola. E o encontrávamos em companhia de amigos como o Armando Maritan,
jogando fora novas conversas de botequim.
Que eu não estou disposto aficarexposto sol. Só com 15 ou 16 anos passei a ter as
minhas próprias conversas de botequim, quase
sempre no Bar do Lanche da Rua Dr. Deodato
Wertheimer. Era para ali que todos rumávamos
no final de cada tarde, para fazer hora à espera
da namorada ou simplesmente ouvir novidades.
Vá perguntar ao seu freguês do lado.
Aos 18 anos, o ponto mudou, o Bar do Lanche fechou e abriu o Palhaço Lanches, do
Paulo Passos, na esquina das ruas Deodato
Wertheimer e Coronel Souza Franco. Era uma
festa, tanto mais quando tinha por vizinhos a
Sorveteria Santa Helena, do Dauro e o Salão
Elegante, de barbeiros do Roberto, ambos na
Coronel. Talvez tenha sido nessa época, entre os anos 65 e 67, que Mogi das Cruzes
tenha tido algo o mais parecido possível com
a 'Boca Maldita', instituição de Curitiba onde
tudo acontece - e se fica sabendo.
Qual foi o resultado do futebol. A partir de 67, minhas conversas de botequim foram se alterando entre as casas dos professores da faculdade, que nos convidavam para
umfimde noite, no que José Carlos Martins
de Souza era insuperável, ou no próprio Bar
do Michej, na Praça Firmina Santana. Também nos bares próximos à Praça Dom José
Gaspar, em São Paulo, onde ficava a sede do
jornal O Estado de S. Paulo. Era ali no
Mutamba, onde aprendi a comer strogonoff,
que a gente discutia o mundo. Ou no Pari Bar,
onde víamos a cidade passar.
Se você ficar limpando a mesa. Então
casei. E as conversas de botequim foram para
o
Divulgação
mais interessantes que os dele. O paraibano ficou
curioso em saber como eu descobrira que ele comprou apartamento no mesmo prédio de Ana Maria
Braga. Disse-lhe que eu era jornalista, assim como
sua esposa e o seu filho Juliano.
U m cinzeiro e u m isqueiro. Ultimamente,
tenhotidopoucas conversas de botequim. Em parte
pelos compromissos do trabalho, em parte pelo
atraso imperdoável na leitura. Se há coisa chata
•
em conversa de botequim é você não estar atualizado na leitura e não conseguir acompanhar o
bate-papo. Há um mês tirei para passar a limpo
"O Reino e o Podei", escrito primoroso de Gay
Talese (Companhia das Letras) que conta a história do New York Times e "Autópsia do Medo", de
Percival de Souza (Editora Globo), um biografia
do delegado Sérgio Fleury. Juntos, beiram as 1.200
páginas. Para completar, meu filho ainda acaba
de me enviar uma biografia de Ayrton Senna escrita por Ernesto Rodrigues. Outras quase 700 páginas. Acho que não dou conta até este domingo.
Telefone ao menos uma vez para 34-4333.
Outro dia, em conversa de botequim, soube de
amigos ' c o n t e m p o r â n e o s que viraram
Leitería Glória, na Rua Dr. Deodato Wertheimer: um dos mais antológicos
motoqueiros. Não pude conter a lembrança de
locais que a cidade já teve para uma "conversa de botequim". Seu arrozcerto monólogo que ouvi, anos atrás, em uma apredoce ainda hoje é lembrado
sentação de Chico Anísio no Canecão do Rio de
Janeiro. Chico perguntava-se porque o ciclo da
vida não é o inverso. Ou seja, a gente nasceria
o meu apartamento das Perdizes. Era, na épo- de Direito Braz Cubas. Sandra também exerceu o jornalismo no Rio Grande do Sul, até
com a morte e morreria com o nascimento. A s ca, um dos poucos casados de toda a repormorrer há 4 anos. Paulo Pinto continua advosim, nada mais natural que alguém que não tenha
tagem do jornal e os companheiros preferiam
tido moto aos 20 anos, a tenha depois dos 40.
a comodidade de uma sala a ter de procurar gado em sua terra, Pelotas.
Não se esqueça de me d a r palito. A
E ordene ao seu Osório. Também soube,
um canto na cidade. Durou um ou dois anos
partir de 1975 se criou, em Mógi das Cruzes,
dia destes, que um vereador e um empresário, os
até que os outros (Nelson Blecher, Fernando
um dos melhores locais para a conversa de
dois muito conhecidos na Cidade, cochichavam
Leal e Augusto Nunes) também casaram.
tarde qualquer no estacionamento da Prefeitura.
Não me levanto e não pago a despesa. botequim. Foi a Chácara de Santa Fé, sede,
Quem me contou fez unia observação definitiva:
Foi mais ou menos nessa época que conheci a origem e santuário de uma leal confraria, por
onde circula boa parte do melhor da amizade
"Não tenha dúvida, nessa conversa alguém está
Pensão Humaitá. Não, não, é claro que eu não
que esta cidade tem.
perdendo e não é nenhum dos dois confidentes".
vivi o tempo da Pensão Humaitá. Mas foi, com
E um cigarro pra espantar mosquito.
Que me mande u m guarda-chuva. Já que
certeza, um dos melhores lugares para as conMas a Confraria de Santa Fé não é única. Há
estávamos falando em política, alguém lembrou
versas de botequim em São Paulo. Eu estive lá
que a Cidade, embora tenha tido muitos vicé-prequando seus confrades já estavam quase to- muitos outros grupos, como a Confraria da
feitos médicos, poucas vezesteve um médico predos mortos. Fui por £onta da demoüção do so- Panela que se reúne em Sabaúna; uma outra
feito. É curioso: só nos últimos 30 anos foram
lar da Rua Humaitá onde se reuniam intelectu- que se encontra em César de Souza e o pessoal do Shangai. Para não falar dos que se vice-prefeitos de Mógi das Cruzes os médicos
ais de São Paulo, para uma reportagem sobre
Nobolo Mori, Melchíades Portella e Roberto
o leilão que se estava realizando, conduzido por reúnem no Bar do Piauí.
Vá dizer ao charuteiro. Esses grupos
Zanetta. Fora os médicos Chkío Bezerra, Aristides
Fábio Magalhães Gouveia. Valia tudo, do acersempre existiram em Mogi. Eu mesmo tenho
Cunha Filho e Eduardo Gennari, que também se
vo da adega aos copos e alguns exemplares
candidataram ao cargo. E este ano dois - Chico
do livro "Memórias da Pensão Humaitá", es- correspondência de uma certa Liga da Temperança, enviada em 1913 a um dos confrades
Bezerra e Luiz Carlos Gondim - ameaçam-nos
crito por João de Escantimburgo.
fazer o mesmo. Também Zanetta, que parece
Vá pedir ao seu patrão. Tive sorte quan- - Álvaro Arouche de Toledo - comunicangostou do cargo: quer ser vice. De novo.
do precisei encontrar novos lugares para mi- do-lhe que os integrantes o procurariam a noite
A q u i pro nosso escritório. Tampem surgiu
nhas conversas de botequim. Por sugestão do para comemorar seu aniversário. Assinavam
a correspondência de 91 anos atrás: Adelino
em conversa de botequim a cónstatefcão de que
amigo Zé Corrêa fui bater no DI Whisky, na
Borges Vieira, Aprígio de Oliveira, Avelino
a função de prefeito da cidade é um cargo de
Rua Santo Antônio. Lugar incrível, por onde
alto risco, enquanto que a de vice-pfefeito tem
desfilava o melhor da M P B de São Paulo, de Faria de Souza Franco, Benedicto Corrêa
risco infinitamente menor. Dedução levada pela
Paulo Vanzolin a Geraldo Cunha. Inesquecível Neto, Bernardino de Pinho Bandeira, Brasílio
constatação de que, dos 8 últimos prefeitos eleimesmo o monólogo da "Zefa" entoado por Zé Marques, Deodato Wertheimer, Francisco de
tos de Mogi (exceção do atual), apenas um ainda
Domingos e as serestas de Adauto Santos. Isso Sousa Franco, Francisco de Souza Mello,
Galdino Pinheiro Franco, João Batista dos
vive - taxa de mortalidade próxima dos 90%; enfoi no final dos anos 70. Há alguns anos tentei
quanto dos oito últimos vice-prefeitos eleitos, apevoltar ao DI Whisky. Ele tinha mudado de lu- Santos Cardoso, João Julião, Joaquim de Mello
nas 3 já morreram - taxa de mortalidade de 37%.
gar - na mesma Rua Santo Antônio - e de Freire, José Affonsó de Mello, José de Souza
Franco, Leôncio Arouche de Toledo, Manoel
Alguém se habilita?
cara: virou um bordel. Desisti logo na entrada.
de
Mello
e
Rodolpho
Primo.
Ainda
publico
Uma caneta, u m tinteiro, u m enveloSeu garçom me empresta algum dinheipe e um cartão. Falando em bordel, à parte essa correspondência.
ro. U m dos melhores locais para conversa de
os que funcionaram em Mogi e onde, com
botequim hoje na Cidade é, sem dúvida, o ResQue me empreste uma revista. Na vercerveja quente, corria muita conversa de bo- dade, quando os amigos de São Paulo perguntaurante do Tufy Anderi, na Rua Coronel Souza
tequim, o melhor que conheci foi o La Licome, tam-me os motivos pelos quais eu vivo em Mogi
Franco. Imperdível o papo do próprio Tufy mano tempo em que estava na Praça Roosevelt
drugada adentro. Ele é uma verdadeira enciclodas Cruzes, dispondo me a viajar diariamente
e onde as moças circulavam ao redor de uma a São Paulo, minha resposta é exatamente essa
pédia das histórias desta Cidade, o que em muito
fonte no meio do salão. Uma noite vi alguém
favorece uma memória privilegiada. E pelo hu- as conversas de botequim. Disse isso há altambém circulando em volta da fonte. Nunca
mor acuradíssimo, cáustico na maior das vezes.
guns dias quando reencontrei, após alguns memais esqueci, nunca mais deixei de lembrarses, Maílson da Nóbrega, paraibano arretado
Que eu deixei o meu com o bicheiro. Esta
lhe isto: era B i l a Affonso que, comigo,
a quem perdôo - ninguém é perfeito - o fato
conversa de botequim já está ficando longa deciceroneava, em 1968, um casal gaúcho - de ter sido ministro da Fazenda de José Sarney.
mais, as horas vão se passando e eu já não sei o
Sandra Garcia e Paulo Pinto - que viera para
Maílson provocou-me dizendo que eu morava
que direi em casa. Tentei telefonar mas não deu.
a Semana de Estudos Jurídicos da Faculdade longe; retruquei dizendo-lhe quetinhavizinhos
Devem estar dormindo e eu nunca descobri como
é que todos lá em casa não atendem o telefone,
mas acordam juntos quando se chega entrando
na ponta dos pés e com os sapatos na mão:
OPIOR DEM
0 MELHOR DE MOG!
Vá dizer ao seu gerente. Houve, noite destas, quem me desse uma desculpa para relatar.
0 Casarão do Chá. Exemplo da
0 Casarão do Chá. Exemplo do
Desisti de ouvir. Não vale a pena. Vale mesmo é
arquitetura tradicional japonesa, é o
que uma comunidade não deve
a lembrança do velho samba, uma antologia da
principal e mais valioso monumentofazer com a sua memória. Tombado M
P B que. deu mote a este nosso domingo. Granque os imigrantes nipônicos legaram pelo Patrimônio Estadual, está em
de abraço a todos que, como eu, curtem uma
a Mogi das Cruzes nestes mais de completo abandono, sob ameaça
conversa de botequim e um samba do Noel.
Que pendure esta despesa no cabide ali
60 anos de participação na vida
permanente de desaparecer a
em frente. (Noel Rosa e Vadico).
local.
qualquer momento.
Abs.
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27-06-2004 - Chico Ornellas