EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 4ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO PARÁ Processo 6351-07.2013.4.01.3900 Recorridos: ROMULO MAIORANA JUNIOR E OUTRA O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, inconformado com o teor da decisão de fls. 73/77, vem interpor RECURSO EM SENTIDO ESTRITO, nos termos do art. 581, I, do Código de Processo Penal, requerendo, desde já, a dispensa de traslado e sua subida nos próprios autos, nos moldes do art. 583, II, CPP. Assim, recebido o recurso, aguarda o recorrente a reconsideração da decisão atacada. Não havendo retratação, requer-se o seu regular processamento, com a remessa dos presentes autos à instância superior, para o devido reexame, tudo nos termos do art. 589 do CPP. Belém, 16 de maio de 2013. UBIRATAN CAZETTA MARIA CLARA BARROS NOLETO Procurador da República Procurador da República BRUNO ARAÚJO SOARES VALENTE JOSÉ AUGUSTO TORRES POTIGUAR Procurador da República Procurador da República FELÍCIO PONTES JR MARCEL BRUGNERA MESQUITA Procurador da República Procurador da República 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 - Belém/PA Processo 6351-07.2013.4.01.3900 Recorridos: ROMULO MAIORANA JUNIOR E OUTRA Colendo Tribunal, Ainda que proposta com base em Representação Fiscal para fins penais, instruída com cópia integral do procedimento administrativo instaurado pela Receita Federal – Alfândega do Aeroporto Internacional de Belém, deixou o juízo recorrido de receber a denúncia, argumentando, em síntese: a) ausência de “mínima prova acerca da materialidade”, eis que, “nos autos da denúncia”, constaria “tão-somente um Parecer sobre Admissão Temporária, amparado em Relatório Inicial de Verificação Fiscal”, cuja conclusão seria “pelo aprofundamento das investigações”; b) quanto ao crime fiscal, ausência de “conclusão definitiva do procedimento administrativo fiscal”, o que atrairia a incidência da Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal, voltando a afirmar a decisão recorrida que “a denúncia junta um Relatório Inicial de Verificação Fiscal, que não esgotou a discussão no âmbito administrativo”; b.1) ainda quanto ao crime tributário, anota a decisão que a questão tributária estaria em discussão perante a 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal; c) quanto ao crime financeiro, mais uma vez a decisão recorrida insiste em afirmar que o “Ministério Público Federal apresentou denúncia baseado tão somente em Relatório Inicial de Verificação Fiscal, DESPROVIDO DE QUALQUER OUTRA PROVA” (negrito e caixa alta no original), já que o inquérito policial não foi concluído; c.1) trouxe, ainda, a decisão recorrida um trecho de decisão proferida na já mencionada ação ordinária em curso na 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, da qual transcreveu que “Não se tem conhecimento do efetivo pagamento dessa entrada, a fonte de recursos e a 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 2 forma em que se deu o pagamento .... E aqui novamente as peças trazidas não dão clareza à movimentações financeiras de fato realizadas …", para, então, concluir que estariam ausentes “indícios de materialidade acerca dos delitos de falsidade para realização de operação de câmbio ou de evasão de divisas”. É desta decisão que se recorre, eis que, ao contrário do que reiteradas vezes afirmado, tem-se um clássico e evidente caso de: 1 – contencioso administrativo fiscal encerrado; 2 – indícios de materialidade e autoria dos crimes tributários e financeiros mais do que suficientes; 3 – desnecessidade do inquérito policial; e 4 – impertinência da discussão judicial cível de um lado e, de outro, ausência de decisão que infirme a certeza administrativa. DO TOTAL DESPREZO ÀS PROVAS TRAZIDAS AOS AUTOS É de todo necessário que se advirta, de início, para a incompreensível situação vivida nestes autos, que, talvez, apenas possa ser explicada pelo uso de uma imagem retórica, que remete a um desavisado leitor que, não passando do segundo parágrafo da primeira página de um romance, se atribua a capacidade de desvendar todos os desdobramentos e detalhes de uma bem urdida trama, sem continuar a leitura da obra. Somente isto pode justificar que uma decisão tão farta em adjetivos contra a ação penal, tão rica no uso de recursos gráficos como o negrito e a caixa alta, seja tão indigente quanto aos argumentos e despreze, com tamanha facilidade, um conjunto de documentos que formam 9 (nove) volumes, com 1621 (mil, seiscentas e vinte e uma) páginas e que acompanharam a denúncia, além de serem intensamente citados na descrição dos fatos. De fato, difícil entender como uma decisão insiste em afirmar, mais de uma vez, que os autos seriam baseados “tão somente em Relatório Inicial de Verificação Fiscal, DESPROVIDO DE QUALQUER OUTRA PROVA”, e nega, omite, esconde do jurisdicionado qualquer referência, singela que fosse, ao fato de que o procedimento administrativo fiscal foi integralmente juntado aos autos. 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 3 Nem mesmo o argumento do eventual desconhecimento de tais apensos socorre a decisão recorrida, já que eram do conhecimento do juízo recorrido, desde 20 de fevereiro de 2013, ao menos dois fatos: 1 – a Alfândega do Aeroporto Internacional de Belém já havia lavrado auto de infração, do qual a empresa já havia sido intimada, não havendo mais que se falar em aprofundamento de apuração administrativa; 2 – a aplicação da pena de perdimento sobre o bem ilicitamente introduzido em território nacional. O juízo recorrido não apenas tinha acesso a tais documentos, como tinha o expresso dever de analisá-los e deles já havia sido comunicado muito antes da propositura da ação penal, pois foram estes os motivos que levaram o MPF a pedir a desistência de cautelar de busca e apreensão (processo 23673-74.2012.4.01.3900), que corria na mesma 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará, homologado em 25 de fevereiro de 2013. Não há, portanto, como deixar de consignar, de forma clara, transparente e leal, que os autos não se resumem a 78 páginas de um caderno principal, tão mencionadas na decisão recorrida, sendo compostos por outros 9 (nove) volumes, com 1621 (mil, seiscentos e vinte e uma) páginas, solenemente desprezados, omitidos e subvertidos. DO ESGOTAMENTO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Não é desconhecida do recorrente toda a discussão travada no âmbito do Supremo Tribunal Federal quanto à necessidade de encerramento da atividade administrativa fiscal como elemento essencial para o início da ação penal. Tal posição se assenta na necessidade de garantir ao contribuinte o exercício da ampla defesa na via administrativa, e, mais do que isto, em garantir-lhe conhecer a extensão da obrigação tributária e os seus reflexos. Tem-se, então, que o esgotamento da via administrativa fiscal é tida como necessária para que haja certeza quanto à existência do ilícito fiscal, permitindo, então, o início da atividade persecutória penal. 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 4 Dentre as várias tentativas de resumir tal requisito, tem-se, em decisão relatada pelo Ministro Celso de Mello, excerto que bem expressa a posição jurisprudencial, assentando que “... enquanto o crédito tributário não se constituir, definitivamente, em sede administrativa, não se terá por caracterizado, no plano da tipicidade penal, o crime contra a ordem tributária, tal como previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90. É que, até então, não havendo sido ainda reconhecida a exigibilidade do crédito tributário ("an debeatur") e determinado o respectivo valor ("quantum debeatur"), estarse-á diante de conduta absolutamente desvestida de tipicidade penal...” (HC 90957, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 11/09/2007, DJe-126 DIVULG 1810-2007 PUBLIC 19-10-2007 DJ 19-10-2007 PP-00087 EMENT VOL-02294-02 PP-00335) Possível, portanto, afirmar que, nos crimes materiais de sonegação fiscal, apenas o encerramento do contencioso administrativo fiscal abre as portas da ação penal. Esta posição é reiteradas vezes adotada pelo Supremo Tribunal Federal, como se vê: HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (INCISOS I, II E IV DO ART. 1º DA LEI 8.137/1990). DENÚNCIA OFERECIDA ANTES DA CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO DÉBITO TRIBUTÁRIO. PEDIDO DE TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE CONFIGURADA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O pano de fundo ou a razão de ser da impetração não passou pelo crivo do Superior Tribunal de Justiça. Casa Superior de Justiça que se limitou a confirmar a intempestividade da apelação manejada pela defesa técnica do acusado. O que impede o conhecimento da ação constitucional por parte do Supremo Tribunal Federal. 2. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à necessidade do exaurimento da via administrativa para a validade da ação penal, instaurada para apurar as infrações penais dos incisos I a IV do art. 1º da Lei 8.137/1990. Precedentes: HC 81.611, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence (Plenário); HC 84.423, da minha relatoria (Primeira Turma). Jurisprudência que, de tão pacífica, deu origem à 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 5 Súmula Vinculante 24: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. 2. A denúncia ministerial encerramento do pública foi procedimento ajuizada antes administrativo do fiscal. A configurar ausência de justa causa para a ação penal. Vício processual que não é passível de convalidação. 3. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para trancar a ação penal. (HC 105197, Relator(a): Segunda Turma, julgado em Min. AYRES BRITTO, 08/11/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-118 DIVULG 15-06-2012 PUBLIC 18-06-2012) Aplicar a jurisprudência, todavia, não é ato que se faça mecanicamente, sem um uso mínimo dos critérios de adequação do precedente ao caso concreto ou mesmo da possibilidade de distinção entre o caso e o precedente, tudo a tornar necessária uma análise específica de cada feito, o que é alertado pelo próprio Supremo Tribunal Federal ao aplicar a Súmula Vinculante 24: CRIME TRIBUTÁRIO – PROCESSO ADMINISTRATIVO – PERSECUÇÃO CRIMINAL – NECESSIDADE. Caso a caso, é preciso perquirir a necessidade de esgotamento do processo administrativo-fiscal para iniciar-se a persecução criminal. Vale notar que, no tocante aos crimes tributários, a ordem jurídica constitucional não prevê a fase administrativa para ter-se a judicialização. CRIME TRIBUTÁRIO – JUSTA CAUSA. Surge a configurar a existência de justa causa situação concreta em que o Ministério Público haja atuado a partir de provocação da Receita Federal tendo em conta auto de infração relativa à sonegação de informações tributárias a desaguarem em débito do contribuinte. (HC 108037, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 29/11/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 31-01-2012 PUBLIC 01-02-2012 RDDT n. 200, 2012, p. 146-149) g.n. No caso dos autos, dois fatores foram solenemente desprezados pela decisão recorrida, que não aplicou corretamente a Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal. De um lado, tem-se demonstrado, desde o início da ação penal, que houve o encerramento do contencioso fiscal, o que gerou a Representação Fiscal para fins penais. 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 6 De outro lado, a constatação de que se trata de procedimento fiscal aduaneiro, apurando descaminho, o que atrai norma fiscal própria. Não é demais transcrever trechos específicos da denúncia, que, logo em seu primeiro parágrafo, consigna: O presente inquérito policial, bem como os anexos consistentes em inteiro teor de procedimento instaurado pela Receita Federal – Alfândega do Aeroporto Internacional de Belém, que culminou com Representação Fiscal para Fins Penais contra os ora denunciados, foram instaurados para apurar a prática de atos criminosos no procedimento de importação, pela empresa ORM AIR TAXI AEREO LTDA (CNPJ nº 04.216.876/0001-20), da mercadoria estrangeira Aeronave Gulfstream G-200, número de série 250 e prefixo estrangeiro N221AE, vinculada à Declaração de Importação nº 12/11829946. Mais adiante, após referir as páginas em que presentes os elementos documentais que embasam a imputação, mais uma vez consigna a denúncia: No ponto, extrai-se dos anexos que o processo fiscal está definitivamente concluído, tanto que a Receita Federal formalizou Representação Fiscal para Fins Penais, inclusive com aplicação da pena de perdimento da mercadoria. Para que não paire dúvida quanto ao erro em que incidiu a decisão recorrida, vejamos na própria fonte administrativa fiscal a prova do encerramento do contencioso administrativo fiscal. Assim, no anexo I destes autos, em folhas não numeradas pela Justiça Federal, mas que receberiam o número 25 (e que, na numeração do procedimento fiscal, aponta o número de fl. 1502), tem-se o DESPACHO DECISÓRIO lavrado no Processo 18496.720.004/2013-71, que, ao analisar a impugnação do contribuinte ao auto de infração que lhe havia sido lavrado, é expresso ao afirmar: “Tendo em vista os fundamentos legais expostos no Parecer SORAC/ALF/AIB nº 01/2013, que aprovo, e no uso da competência prevista no artigo 302, inciso IV do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, aprovado 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 7 pela Portaria JF nº 203, de 14 de maio de 2012, julgo procedente o Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal nº 0217700/SAANA00003/2013, nos termos do subitem 14.1, “b” da Portaria MF nº 271, de 1976, na redação dada pela Portaria MF nº 249, de 1981, e aplico a pena de perdimento na mercadoria objeto deste processo, com fundamento no art. 23, inciso IV, c parágrafo 1º do Decreto-Lei nº 1455, de 07 de abril de 1976, combinado com o art. 105, inciso VI, do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, c/c o art. 689, inciso VI, do Decreto nª 6.759, de 5 de fevereiro de 2009. Em virtude do que determina a Portaria RFB nº 2.439/2010, encaminhe-se o processo administrativo 18492.000002/2013-1, ao Ministério Público Federal, com cópia do presente despacho e do Parecer SORAC/ALF/AIB nº01/2013. Retorne-se ao SORAC/ALF/AIB para ciência à impugnante, com posterior envio à Alfândega da Receita Federal do Brasil do Porto de Belém (PA), para as providências de destinação da mercadoria, conforme determina o art. 803 do Decreto nº 6.759/2009 c/c a Portaria SRRF02 nº 18, de 14 de janeiro de 2002.” Três páginas depois, mesmo o leitor mais apressado, encontraria, no próprio Anexo I, a Representação Fiscal para fins Penais, cujo introito não deixa margem a dúvidas: “Tendo em vista a conclusão do procedimento especial de fiscalização sobre o despacho de importação da mercadoria estrangeira Aeronave Gulfstream G-200, número de série 250 e prefixo estrangeiro N221AE, vinculado a Declaração de Importação nr. 12/1182994-6 e ao processo administrativo nr. 18492.720077/2012-12, tendo como interessada a empresa ORM Air Táxi Aéreo Ltda – CNPJ 04.216.876/0001-20; Considerando que ao final desse procedimento especial foram constatadas infração administrativa com previsão de penalidade de perdimento e indícios de crimes em tese que levaram à lavratura do auto de infração de Perdimento da Mercadoria Estrangeira nr. 0217700/SAANA 003/2013 e o registro do Processo Administrativo de Perdimento nr. 18496.720004/201371 e; Levando-se em conta o estabelecido na Seção VII - “da Representação Fiscal para Fins Penais, art. 47 do Decreto 7.574, 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 8 de 29/09/2011, vem o Auditor Fiscal Iranilson Luiz Brasil Dias, matrícula 1171321-6, respeitosamente formular, junto ao Ministério Público Federal, a presente Representação Fiscal para Fins Penais, informando a ocorrência de fatos que, em tese, figuram os crimes descritos no tópico II a seguir.” g.n. Demonstrado, então, que a denúncia veio acompanhada não apenas de farta documentação, mas, especialmente, da prova de que o contencioso administrativo fiscal se encerrara. Curioso notar que nem mesmo o contribuinte incorreu no erro crasso praticado pela decisão recorrida, já que, na ação ordinária que tramita na 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, logo na delimitação do objeto da demanda, afirma, com todas as letras: “Cuida-se de ação pelo rito ordinário com o intuito de obter a declaração de regularidade da operação de importação de mercadoria e a consequente nulidade do ato administrativo consubstanciado na decisão final (doc. 11) do Processo Administrativo nº 18496.720004/2013-71 (doc. 12) instaurado pela Alfândega da Receita Federal do Brasil do Aeroporto Internacional de Belém/PA, do qual resultou o Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal nº 021770/SAANA0003/2013, que foi julgado procedente com a aplicação da pena de perdimento da aeronave usada da marca Gulfstream, modelo G200, número de série 250.” g.n. Mais uma vez, é o contribuinte, ao formular o pedido na mencionada ação ordinária, quem reconhece o que a decisão criminal, sozinha, sem base alguma, se negou a ver: “julgar totalmente procedente a ação para desconstituir a decisão final proferida no Processo Administrativo nº 18946.720004/2013-71...” g.n. Indubitável, portanto, que o procedimento fiscal aduaneiro se encerrou, se esgotou, não havendo mais ato que esteja pendente no âmbito da Receita Federal, que até mesmo já determinara o perdimento do bem. Apressada mostra-se a decisão judicial, ainda, ao não 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 9 atentar para o fato de que, sendo hipótese de atuação aduaneira, o procedimento, ao constatar a fraude, se encerra com o auto de infração e a aplicação da pena de perdimento, garantida a análise do recurso pelo Inspetor da Alfândega, em fatos que já se demostrou terem ocorrido. O Supremo Tribunal Federal não demonstra qualquer dificuldade em compreender a espécie: HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS DE INFORMÁTICA E DE TELECOMUNICAÇÕES. SIMULAÇÃO DE OPERAÇÕES FORMA COMERCIAIS. IRREGULAR. MERCADORIAS DESNECESSIDADE IMPORTADAS DE DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO DÉBITO TRIBUTÁRIO. ORDEM DENEGADA. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme em considerar excepcional o trancamento da ação penal pela via processualmente acanhada do habeas corpus (HC 86.786, da minha relatoria; HC 84.841, da relatoria do ministro Marco Aurélio). Habeas corpus que se revela como trilha de verdadeiro atalho, somente admitida quando de logo avulta o desatendimento das coordenadas objetivas dos arts. 41 e 395 do CPP. 2. Quanto aos delitos tributários materiais, esta nossa Corte dá pela necessidade do lançamento definitivo do tributo devido, como condição de caracterização do crime. Tal direção interpretativa está assentada na idéia-força de que, para a consumação dos crimes tributários descritos nos cinco incisos do art. 1º da Lei 8.137/1990, é imprescindível a ocorrência do resultado supressão ou redução de tributo. Resultado aferido, tão-somente, após a constituição definitiva do crédito tributário. (Súmula Vinculante 24) 3. Por outra volta, a consumação do delito de descaminho e a posterior abertura de processo-crime não estão a depender da constituição administrativa do débito fiscal. Primeiro, porque o delito de descaminho é rigorosamente formal, de modo a prescindir da ocorrência do resultado naturalístico. Segundo, porque a conduta materializadora desse crime é “iludir” o Estado quanto ao pagamento do imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. E iludir não significa outra Condutas, coisa essas, senão fraudar, minuciosamente burlar, narradas escamotear. na inicial acusatória. 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 10 4. Acresce que, na concreta situação dos autos, o paciente se acha denunciado pelo descaminho, na forma da alínea “c” do § 1º do art. 334 do Código Penal. Delito que tem como elementos nucleares as seguintes condutas: vender, expor à venda, manter em introduzida depósito e utilizar clandestinamente no mercadoria País ou estrangeira importada fraudulentamente. Pelo que não há necessidade de uma definitiva constituição administrativa do imposto devido para, e só então, ter-se por consumado o delito. 5. Ordem denegada. (HC 99740, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 23/11/2010, DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-02 PP-00474 RDDT n. 187, 2011, p. 169-174) Não é demais lembrar, dada a especificidade da legislação aduaneira, que apenas hipóteses bastante excepcionais (mercadoria não localizada, consumida ou revendida) implicarão, ao final do procedimento administrativo fiscal, em lançamento, eis que a pena aplicada será a de perdimento do bem. Demonstrado, então, que incidiu em erro a decisão recorrida, que, não atentando para os documentos juntados aos autos, entendeu por não esgotado o contencioso administrativo fiscal. DA INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS CÍVEL E CRIMINAL E DA IRRELEVÂNCIA PENAL DA DECISÃO PROFERIDA NA 16ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL Dentre os incorretos argumentos da decisão recorrida, encontra-se a inferência de que a discussão judicial em ação ordinária que tramita na 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal teria atingido a essência do ato administrativo fiscal já concluído. Para ser fiel, transcreve-se a decisão recorrida, no trecho que importa: “Deve ser ressaltado que o desembaraço aduaneiro está sob discussão judicial, que está bem longe de um desfecho definitivo, tendo o Juiz Federal Társis Augusto de Santana Lima, em 05/04/13, proferido decisão em que comenta: " Não se tem conhecimento do efetivo pagamento dessa entrada, a fonte de recursos e a forma em que se deu o pagamento .... E aqui novamente as peças trazidas não dão clareza à movimentações 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 11 financeiras de fato realizadas ..." Mais uma vez, sem razão a decisão recorrida e isto por duas ordens distintas de motivos. O primeiro erro cometido pela decisão recorrida é o de atribuir um efeito automático à simples existência de uma ação ordinária questionando a atuação da Receita Federal, como se tal fato tivesse o condão de suspender o ato administrativo fiscal. Não é isto, todavia, o que ocorre. A conhecida independência entre a instância criminal e cível faz com que apenas em caso de efetiva desconstituição do ato administrativo a ação penal venha a ser atingida. Em outros termos, somente se o ato final da Alfândega do Aeroporto Internacional de Belém tivesse sido desfeito tal decisão poderia impactar o curso da ação penal. A simples existência do questionamento judicial não tem o efeito pretendido e isto já foi reiteradas vezes decidido pelo Supremo Tribunal Federal, como se vê no seguinte precedente: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º DA LEI 8.137/90. INTIMAÇÃO DO CONTRIBUINTE POR EDITAL NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. ART. 23 DO DEC. 70.235/72. VALIDADE. A IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA APÓS A CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NÃO IMPEDE O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL. SUSPENSÃO DO CURSO DA AÇÃO PENAL DURANTE O TRÂMITE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DA RECEITA FEDERAL A PEDIDO DO PRÓPRIO RÉU. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE DA DENÚNCIA POR FALTA DE JUSTA CAUSA ALEGADA SOMENTE APÓS A SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRECEDENTES DO STF. ART. 565 DO CPP. RECURSO DESPROVIDO. 1. O recorrente pretende ver reconhecida nulidade de denúncia oferecida pela prática de crime de sonegação fiscal (art. 1º da Lei 8.137/90), antes do encerramento do processo administrativo-fiscal. 2. Não há nulidade na intimação do contribuinte por edital, quando infrutíferas as tentativas de intimação pessoal, no endereço constante de seu cadastro junto ao Fisco, nos termos 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 12 do disposto no art. 23 do Dec. 70.235/72. 3. Consoante já decidiu esta Suprema Corte, "a impetração de mandado de segurança, após o lançamento definitivo do crédito tributário, não tem o condão de impedir o início da ação penal" (HC 95.578/PB, Rel. Min. Menezes Direito, DJ 17.04.2009). 4. No caso em tela, não obstante a denúncia ter sido recebida antes do encerramento definitivo do procedimento fiscal, a ação penal ficou suspensa durante toda a tramitação do processo administrativo na Receita Federal e somente retomou seu curso após o julgamento definitivo do feito pelo Conselho de Contribuintes. 5. Ressalte-se que a suspensão do andamento da ação penal até o lançamento definitivo do crédito tributário foi requerida ao Magistrado de primeiro grau pelo próprio recorrente. 6. De outro giro, a nulidade da denúncia por falta de justa causa, em razão de ter sido oferecida antes do encerramento do procedimento administrativo-fiscal, somente foi alegada pelo recorrente após a sentença condenatória. 7. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que "os vícios da denúncia devem ser argüidos antes da prolação da sentença" (RHC 84.849/PR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 12.08.2005). No mesmo sentido: HC 82.000, Rel. Min. Nelson Jobim; HC 81.790, Rel. Min. Carlos Velloso; HC 74.265, Rel. Min. Ilmar Galvão; RHC 75.975, Rel. Min. Néri da Silveira). 8. Além disso, na presente hipótese, não houve prejuízo para o recorrente, já que a ação penal ficou suspensa, a pedido de sua própria defesa, durante todo o trâmite do procedimento administrativo-fiscal, somente retomando seu curso após a constituição definitiva do crédito tributário. 9. Não se pode admitir que agora o recorrente pretenda anular todo o processo, quando foi a pedido de sua própria defesa que a ação penal foi suspensa até o encerramento do procedimento administrativo-fiscal. 10. De fato, segundo o art. 565 do Código de Processo Penal, "nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido". 11. Recurso desprovido. (RHC 95108, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 24/11/2009, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-04 PP-00599 RTFP v. 18, n. 90, 2010, p. 309-315 RDDT n. 176, 2010, p. 156-159) g.n. 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 13 Assim, não se pode, como o fez a decisão recorrida, criar nova hipótese impeditiva do início da ação penal, pois a simples existência de discussão judicial nenhum efeito acarreta. Mas não fosse tal argumento suficiente (e é), um outro detalhe parece ter sido desconsiderado pela decisão recorrida. A decisão recorrida, que não viu as 1621 páginas do processo administrativo fiscal, foi buscar referência a uma decisão proferida na 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, mesmo que tal decisão nunca tenha sido trasladada para estes autos. O Ministério Público Federal, entretanto, faz, neste momento, a correção de tal erro, juntando cópia do ato judicial praticado na ação ordinária 15839-31.2013.4.01.3400. Tal juntada é imprescindível pois demonstrará que, ao contrário do que pode ter parecido à decisão recorrida, o Juízo Federal da 16ª Vara da SJ/DF não desfez o ato da Receita Federal. Aliás, muito ao revés disto, pois negou a antecipação da tutela, demonstrando a fragilidade dos argumentos do contribuinte. O argumento central da decisão proferida na 16ª Vara Federal, ao deferir parcialmente o pedido do contribuinte, restringe-se a entender desproporcional apenas a aplicação da pena de perdimento. Vejamos, no que interessa, a decisão mencionada, o que demonstrará que o trecho transcrito na decisão recorrida foi retirado do seu contexto, prejudicando sua compreensão: “Analisando detidamente toda a documentação anexada à inicial, bem como os arquivos em mídia digital contendo as peças do processo de desembaraço aduaneiro, algumas questões afastam, por ora, a alegada prova inequívoca da efetiva natureza do negócio jurídica realizado pela autora. Se o trust é uma forma jurídica na qual o agente fiduciário atua única e exclusivamente em nome de terceiro interessado na celebração de determinados negócios, é razoável que lhe deva prestar contas de todos os atos praticados. Dentre esses atos, os mais importantes são aqueles que implicam movimentação de 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA ativos e transferências 14 patrimoniais. Pois bem, apesar da existência de inúmeros instrumentos contratuais trazidos aos autos, não há qualquer prova da efetiva transferência de recursos entre o 1st Source Bank e Wells Fargo Bank Northwest National Association, tampouco entre este último e a companhia International Jet Traders In., que originariamente negociou o bem com a autora. Em suma, nada há nos autos que comprove a movimentação de recursos correspondentes ao valor integral da aeronave, na seguinte e necessária direção: 1st Source Bank – Wells Fargo Bank Northwest National Association – International Jet Traders Inc. Considerando-se que o agente fiduciário (trustee) eleito pela autora foi um banco, é razoável imaginar que todos os recursos com os quais opere transitem dentro do sistema normal de contabilidade bancária, gerando comprovantes de entrada e saída. Essa é a presunção do que ordinariamente ocorre. O extraordinário demandaria prova, ainda não existente nos autos. E neste ponto não se nota, em princípio, conduta abusiva na fiscalização, pois, diante da existência de contrato de compra e venda firmada entre a autora e International Jet Traders Inc., recibo de entrega do bem à primeira, e registro do bem em nome do agente fiduciária representente desta (fl. 226) não se afigura abusivo cogitar a falta de correspondência entre o negócio jurídico efetivamente praticado e aquele descrito nos instrumentos contratuais. Os comprovantes das movimentações financeiras deveriam ser repassados à autora, a quem o referido banco prestava os serviços, nos termos do contrato de fls. 168/177, do qual consta previsão de remuneração pelos serviços prestados (cláusula 3.08). O contrato de mútuo firmado para o pagamento da aeronave à International Jet Traders Inc. (fls. 191/195) dá a entender que haveria uma entrada de US$4.890.000,00 (quatro milhões, oitocentos e noventa mil dólares). Não se tem conhecimento do efetivo pagamento dessa entrada, a fonte dos recursos e a forma em que se deu o pagamento. Além disso, como já acentuado pela fiscalização, o valor 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 15 mensal do arrendamento previsto no contrato firmado com a SFG Aircraft Inc. (fl. 248) é igual ao valor do financiamento obtido pelo Wells Fargo Bank National Association junto ao 1st Source Bank (fls. 191/195): US$125.834,00 (cento e vinte e cinco mil, oitocentos e trinta e quatro dólares norte- americanos). E esse contrato de financiamento, pelas suas cláusulas, difere do arrendamento operacional, pois prevê uma entrada de 30% (trinta por cento) do valor do bem, incompatível com o contrato de locação simples. Não está plenamente elucidada a movimentação desses valores, pois as cláusulas contratuais e os montantes nelas previstos não correspondem àqueles que a autora afirmou haver efetivamente constituído a base do negócio jurídico. Ainda sobre a disparidade de informações, consta que a companhia Aero-space Reports foi contratada para intermediar a operação, e, segundo afirmou a própria autora, seria a agente fiduciária dos depósitos necessários a conclusão da compra e venda. Inclusive, figurou a esse título no contrato de compra e venda de fls. 93/110. Ocorre que, pelo documento de fl. 154 (traduzido à fl. 156), os valores depositados em garantia (fls. 142/158) foram utilizados como parte do pagamento, o que lança dúvida sobre o teor do documento de fl. 165. Pergunta-se: a que título tais valores ainda permaneciam depositados em 28 de março de 2013 à disposição da Aerospace Reports se o negócio jurídico já havia sido realizado, e, a princípio, tais depósitos constituiriam parte do pagamento? Argumenta-se que tais depósitos foram mera garantia, já que a intenção da autora não era de adquirir o bem da International Jet Traders Inc., mas apenas de assegurar a sua retirada do mercado até formalizar o contrato de arrendamento com instituição especializada. E aqui novamente as peças trazidas não dão clareza às movimentações financeiras de fato realizadas, a partir das quais será possível aferir a natureza do negócio jurídico. Isso porque, não havendo sido finalizada a venda desde abril de 2012, não se elucidou o motivo para a permanência de tão vultosa quantia (equivalente a 30% do valor do bem) à disposição de uma agência especializada na intermediação de compra e venda de aeronaves (e que, pelo contrato de fls. 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 16 93/110 – mais especificamente às fls, 104 verso), quando a própria autora afirmou haver optado pelo arrendamento justamente para não sofrer a descapitalização exigida para aquisição da aeronave. Também não há definição precisa do estado da aeronave perante a FAA. Inexiste documentação nos autos demonstrando que já houve a transferência do bem à SFG Aircraft Inc. Os documentos de fls. 231 e 235 noticiam os requerimentos, não os respectivos registros no órgão de aviação (diferentemente do que ocorrera quanto do registro de fls. 226). A parte autora ponderou que a SFG Aircraft Inc. não conclui o registro do arrendamento na FAA até que seja concluído o desembaraço no país de destino da aeronave (consoante exigência contida à fl. 219). Não obstante, os documentos de fls. 231 e 235 indicam que a SFG Aircraft Inc teria requerido tal registro, antes mesmo do desembaraço no Brasil, contradizendo a exigência contratual de fl. 249. Frise-se que tais documentos, diferentemente do de fl. 226, não foram emitidos pela FAA, e também não se tem notícia do estágio do pedido registro neles referido. A tese do arrendamento operacional, portanto, ainda não se encontra devidamente elucidada, não se podendo imputar à fiscalização falta de compreensão da natureza da operação, formalismo excessivo ou parcialidade na apreciação do pedido de licença de importação. No entanto, tenho que a providência imediata de decretação do perdimento do bem não se afigura a solução mais adequada 1.” 1 Anota o MPF, neste ponto, que a decisão proferida na 16ª Vara Federal parece não responder a dois óbices: 1 – ao aplicar a proporcionalidade, entendeu a decisão que a pena de perdimento seria excessiva, bastando o recolhimento dos tributos. Ocorre que, ao assim agir, a decisão tornou-se ela própria desproporcional, pois substitui a sanção estabelecida pelo legislador por sanção alguma. Assim, enquanto nos tributos internos, o contribuinte pode vir a ser punido, em hipótese de fraude, com o pagamento do tributo e com multa que pode chegar a 225% do valor do tributo afetado, no caso da importação fraudulenta, o único risco fica contido na necessidade de recolher tributos que havia tentado evitar a incidência. Se o perdimento é excessivo (com o que não concorda o MPF), excessivo também é não aplicar qualquer tipo de punição; 2 – nota-se um erro de premissa na aplicação dos precedentes citados, que exigem reiteração da conduta para que se possa aplicar a pena de perdimento nos veículos transportadores. Tais precedentes em nada aproveitam ao caso concreto, pois o bem objeto do perdimento é exatamente o bem cuja importação irregular se busca e não o veículo que o transportava. Assim, não há que se falar em adequação dos precedentes citados. 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 17 Da leitura da decisão resta claro que o recorte feito pela decisão recorrida não é fiel ao que se sustenta na ação ordinária. O juízo federal da 16ª Vara da SJ/DF não deixa margem a dúvida quanto ao seu pensamento quando afirma, textualmente, que “a tese do arrendamento operacional” ..”ainda não se encontra devidamente elucidada, não se podendo imputar à fiscalização falta de compreensão da natureza da operação, formalismo excessivo ou parcialidade na apreciação do pedido de licença de importação”. Assim, mesmo judicializada a questão, nenhum ato judicial desfez a atividade administrativa da Receita Federal. Aliás, é possível afirmar o contrário, pois a 16ª Vara Federal da SJ/DF apenas reforça a qualidade da atividade da Alfândega do Aeroporto Internacional de Belém. Portanto, a simples existência de uma ação ordinária não afeta a ação penal, ainda mais quando tal decisão reafirma as premissas trazidas pelo Fisco. Mais uma vez, andou mal a decisão recorrida, que merece ser reformada. DA DESNECESSIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL Dentre as várias críticas à denúncia, uma merece destaque, por sua incongruência e por revelar um desconhecimento total dos autos. A decisão recorrida, em caixa alta, negrito e tom forte, questiona o fato de que, ainda sem encerrar o inquérito policial, tenha o MPF apresentado a denúncia. Diz a decisão recorrida: SEM TER REALIZADO QUALQUER ATO DE INVESTIGAÇÃO ACERCA DA PRÁTICA DOS CRIMES RELACIONADOS NA PORTARIA, a DPF Milena Ramos, em 28/02/13, à fl. 66, justificou a demora da investigação nos seguintes termos: "considerando acúmulo involuntário de serviço, face extensa carga de IPLs e expedientes sob minha presidência, em sua maioria afetos a crimes financeiros, lavagem de dinheiro, e desvio de verba pública, de alta complexidade e extensa carga de apensos" e requereu ao Juízo da 4.D Vara Federal a dilação do prazo para o prosseguimento das investigações. 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 18 Antes do juiz federal despachar acerca do pedido, como de praxe, foram abertas vistas ao MPF, em 15/03/13, acerca do pedido da DPF de dilação de prazo. O Ministério Público Federal, em 12/04/13, de forma açodada e inexplicável, apresentou denúncia, nos termos acima relatados, com assinatura de cinco Procuradores da República lotados no Pará. Digo de forma açodada, apressada, porque não houve conclusão, OU MESMO QUALQUER ATO DE INVESTIGAÇÃO, do inquérito policial, requisitado, insisto, pelo próprio MPF. A DPF Milena Ramos justificou o excesso de trabalho, que efetivamente ocorre, e apenas solicitou prazo para prosseguir as investigações, não tendo realizado qualquer ato investigatório. A Delegada, que presidia o inquérito, não ouviu o auditor responsável pela lavratura do parecer em procedimento inicial de verificação fiscal, não ouviu os denunciados e nenhuma prova foi produzida. Digo de forma inexplicável, porque se o MPF não necessitasse de outros dados para oferecer a denúncia, posto que esta não exige estar amparada em elementos colhidos em inquérito policial, não deveria ter requisitado a abertura de procedimento investigatório pela Polícia Federal. Nos autos da denúncia, consta tão-somente um Parecer sobre Admissão Temporária, amparado em Relatóno lnicial de Verificação Fiscal, assinado pelo Auditor da Receita Federal Iranilson Luiz Brasil Brasil-Dias, de 20/08/12, que o submete à consideração de seu superior. É interessante que, no início do extenso Parecer sobre Admissão Temporária com Utilização Econômica SAANA N.O 001/2012, consta: "Pelo aprofundamento das investigações com (sic) o pleito do contribuinte e retenção qualificada da aeronave como acautelamento dos interesses da fazenda pública", como a indicar a sugestão de intensificar a busca de provas ao registrar "pelo aprofundamento das investigações". (todos os destaques, negrito e caixa alta são do original) adiamento da decisão definitiva sobe Chega a preocupar o argumento trazido pela decisão recorrida, já que, como se demonstrou no início deste recurso, a sua leitura transmite a clara noção de que não foram manuseados, lidos ou considerados 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 19 quer os termos da denúncia, quer, especialmente, os 9 volumes e suas 1621 páginas que acompanharam o inquérito policial. O inquérito policial foi instaurado em setembro de 2012, ocasião em que a atividade administrativa fiscal não havia se encerrado. O contencioso administrativo fiscal foi finalizado em 11 de março de 2013, dando entrada no MPF em 13 de março de 2013 a representação fiscal para fins penais. Em 15 de março de 2013, portanto, dois dias após o MPF receber a representação fiscal para fins penais, os autos do inquérito policial foram remetidos ao MPF para manifestar-se quanto ao pedido de dilação de prazo. Diante da quantidade e qualidade da informação vinda da Receita Federal do Brasil, que já contemplava a defesa apresentada pelo contribuinte, bem como a manifestação de mérito por parte do Auditor Fiscal e da Inspetora da Alfândega, entendeu o MPF, na formação do seu juízo de valor, dispensável a continuidade do inquérito policial. A desnecessidade do inquérito policial somente se perfez quando analisados os 9 (nove) volumes do procedimento administrativo fiscal, que continham toda a documentação referente aos atos de importação e às operações de câmbio. A pergunta reversa que poderia ser feita é: qual a diligência que ainda se mostrava imprescindível? Segundo a decisão recorrida, ouvir o auditor fiscal e os representantes da empresa. Desnecessário, para formar o juízo de valor próprio à acusação, a prática dos dois atos, eis que, quanto ao auditor, sua posição estava claramente demonstrada nos atos que praticara e, quanto ao responsáveis pela empresa, já haviam prestado, por escrito, com auxílio de advogado constituído, todas as informações pertinentes. Qual motivo, então, para fazer prolongar uma investigação? Nenhum. De outro lado, não é verdade que a imputação esteja exclusivamente baseada em um documento precário, emitido ainda em agosto de 2012, mais de sete meses antes da representação fiscal para fins 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 20 penais. A imputação está calcada na vasta documentação que, cabe insistir para que não se perca no espaço tal informação, integra os 9 (nove) volumes de anexo, com 1621 páginas de documentos. DOS INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE A decisão recorrida, que desprezou os documentos que acompanharam a denúncia, diz que não restaram demonstrados indícios de materialidade dos crimes imputados. A simples leitura da denúncia permite extrair, sem ser exaustivo, os seguintes indícios documentais dos fatos descritos: - documento de fls. 403/404 dos Anexos, no dia 26/06/2012, em que os gestores da ORM AIR TAXI AEREO LTDA apresentaram à Alfândega a aeronave para despacho aduaneiro de importação, como ARRENDAMENTO OPERACIONAL SEM OPÇÃO DE COMPRA, através de uma petição inicial requerendo Regime Especial de Admissão Temporária; - requerimento de Concessão do Regime de Admissão Temporária, assinado por ROMULO MAIORANA JUNIOR, vinculado à aeronave em ingresso no país e datada de 21/05/2012, conforme se observa à fl. 405 dos Anexos; - contrato de arrendamento assinalando a existência de um arrendamento operacional celebrado arrendadora, e ORM AIR TAXI AEREO, entre SFG Aircraft INC, como como arrendatária, datado de 16/05/2012, às fls. 406/459 dos Anexos; - fatura nº 154.2/12, de 29/05/2012, entre SFG Aircraft INC, arrendadora, e ORM Air, Arrendatária, às fls. 460/463 dos Anexos; - Declaração de Importação nº 12/1182994-6, de 28/06/2012, às fls. 464/470 dos Anexos. - contrato de compra e venda e fatura comercial de venda juntados às fls. 538/591 (ROMULO MAIORANA assina à fl. 586) e 674/677 dos Apensos, que demonstra a operação entre a empresa INTERNATIONAL JET TRADERS INC, como vendedora, e ORM AIR, como compradora; - às fls. 524/525, no dia 17 de janeiro de 2012, o denunciado ROMULO MAIORANA JUNIOR celebrou contrato com a empresa Birdy Aviation & Consulting, dirigida pela Consultora MARGARETH MONICA MULLER, para 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 21 “obtenção, negociação e operacionalização de financiamento para aquisição de uma aeronave Guslfstream G200 numero de série 250”; - contratos de câmbio que demonstram o pagamento de uma entrada no valor de US$ 5.040.000,00, realizada mediante dois depósitos: o primeiro de US$ 1.000.000,00, no dia 05/10/2011, através do contrato de câmbio de fl. 514, e um segundo depósito no montante de US$ 4.040.000,00, efetuado no dia 28/03/2012, por meio do contrato de câmbio de fl. 678; - fatura comercial de venda de fls. 674/677, datada de 27 de março de 2012 e emitida pela empresa vendedora INTERNATIONAL JET TRADERS em favor de ORM AIR TAXI AEREO LTDA; - contrato de financiamento entre a ORM AIR e a instituição financeira FIRST SOURCE BANK, no dia 20 de fevereiro de 2012, como se observa na Carta de Comprometimento de Financiamento às fls. 526/537 dos Apensos, com assinatura de ROMULO MAIORANA JUNIOR à fl. 537; - informações prestadas por MONICA MULLER, dirigente da empresa Birdy Aviation & Consulting, contratada pela ORM Air para “obtenção, negociação e operacionalização de financiamento para aquisição da aeronave Gulsfstream G200, numero de serie 250” e indicada pela empresa a prestar esclarecimentos à Aduana brasileira sobre a operação de aquisição dessa aeronave, à fl. 814; Este arrolamento, meramente exemplificativo, dos documentos mencionados na denúncia e trazidos aos autos derrubam, sem qualquer dificuldade, a incorreta afirmação de que a denúncia se baseia exclusivamente em documento não conclusivo da Receita Federal do Brasil ou em inquérito policial sem base. Não há como desprezar a qualidade e importância dos documentos fornecidos pela Receita Federal do Brasil, que dão suporte suficiente para o recebimento da denúncia. DO JUÍZO DE PRELIBAÇÃO E SEU CONTEXTO Ao fim, imperioso ressaltar que a fase de recebimento da denúncia é momento de cognição sumária, que requer, do magistrado, a realização de um juízo de prelibação, através do qual analisará a existência de indícios da prática do crime e de sua autoria, requisitos que, presentes, implicarão o recebimento da inicial acusatória. 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 22 É nesta concepção que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região explica o que é juridicamente correto: o juízo de recebimento da denúncia baseia-se em exame de prelibação, no qual incide o conhecido princípio in dubio pro societate, razão pela qual deverá o julgador rejeitar a denúncia apenas nas restritas hipóteses do art. 395, CPP. Veja-se o didático acórdão, proferido no RSE RSE 200934000312256 (Relator(a) JUÍZA FEDERAL ROSIMAYRE GONÇALVES DE CARVALHO, e-DJF1 03/12/2010): PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PROVIMENTO DO RECURSO. 1. No juízo de prelibação, deve-se aferir, para efeito de recebimento da denúncia, se os fatos nela descritos constituem, em tese, crimes, bem como se há indícios suficientes de autoria, não cabendo ao julgador, nessa fase processual, rejeitar a denúncia fora das hipóteses do art. 395 do Código de Processo Penal. 2. Nesta fase vigora o princípio in dubio pro societate, de forma que, para o recebimento da denúncia, basta que haja indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva. 3. A análise da existência do dolo específico representado pelo animus caluniandi e pelo animus difamandi, necessários à configuração dos delitos dos arts. 138 e 139 do Código Penal, deve ser feito em momento posterior, após instrução probatória, sob pena de cerceamento do direito do Titular da Ação Penal. 4. Recurso em sentido estrito provido. Colha-se outro elucidativo precedente do TRF da 1ª Região: PENAL E PROCESSO PENAL - CRIME DE PECULATO (EM TESE) REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR ATIPICIDADE DA CONDUTA RECURSO PROVIDO. 1- No exame preambular da decisão prelibatória, e diversamente do momento da sentença, o juiz deve ter presente o princípio do in dubio pro societate. 2- A acusatória que narra condutas, em tese, típicas desafia, no mínimo, fase de instrução para uma mais adequada capitulação, se for o caso. 3- A rejeição da denúncia por atipicidade da conduta é medida excepcional somente aconselhável quando demonstrada de plano, o que não se verifica in casu onde para efetuar o pagamento de serviços "terceirizados" (há indícios de falta de licitação e contratação de parentes), utilizou-se de fraude, pagando-os com diárias de viagens inexistentes. 4Presentes os requisitos formais (obrigatórios) do art. 41 do CPP, 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 23 e ausentes as hipóteses do art. 43 do CPP, não se pode rejeitar a denúncia. 5- Recurso provido: denúncia recebida. 6- Autos recebidos em gabinete para lavratura do acórdão em 28/05/2003. Peças liberadas pelo Relator em 28/05/2003 para publicação do acórdão. (RCCR 200001000420722, DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO TOLENTINO AMARAL, TRF1 - TERCEIRA TURMA, DJ DATA:06/06/2003 PAGINA:133.) Nota-se, assim, que a decisão recorrida é precipitada, porque coarcta, no nascedouro e precocemente, o exercício do contraditório e o desenvolvimento da persecução criminal em Juízo, em caso no qual a ação penal descreve devidamente os fatos delituosos, assinala os tipos penais praticados e vem acompanhada de vasta documentação, demonstrativa das condutas criminosas. Presente esse panorama, nota-se que a inicial acusatória descreve, forte em acervo informativo robusto, fatos descritos como crimes, com prova da materialidade e indícios veementes de autoria, razão pela qual está a merecer reforma a decisão recorrida, a fim de que seja recebida a denúncia. Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer o CONHECIMENTO do presente recurso e seu posterior PROVIMENTO, a fim de que seja reformada a decisão recorrida , recebendo-se integralmente a denúncia e seguindo-se o regular curso do processo criminal, até final condenação. Belém, 16 de maio de 2013. UBIRATAN CAZETTA MARIA CLARA BARROS NOLETO Procurador da República Procurador da República BRUNO ARAÚJO SOARES VALENTE JOSÉ AUGUSTO TORRES POTIGUAR Procurador da República Procurador da República FELÍCIO PONTES JR MARCEL BRUGNERA MESQUITA Procurador da República Procurador da República 91 3299 0100 - www.prpa.mpf.gov.br Rua Domingos Marreiros, 690, Umarizal - CEP 66055-210 – Belém/PA 24