ID: 61297795 07-10-2015 Richard de Neufville E se os bombeiros tivessem melhores meios mas para serem partilhados? Tiragem: 33895 Pág: 12 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 25,70 x 30,19 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 2 É investigador no projecto Fire-Engine, do programa MIT Portugal, e professor. Fala de fogos. Defende um equilíbrio entre prevenção e combate e aposta na partilha de mais e melhores meios. Também falou sobre ensino superior. Optimista, acredita num regresso dos que saíram do país. Por Mariana Oliveira Entrevista R ichard de Neufville, de 76 anos, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT) há 49 anos, é um dos investigadores do projecto FireEngine, integrado no programa MIT Portugal. O engenheiro participou no 1.º Fórum de Sustentabilidade dedicado à defesa da floresta contra incêndios, organizado pelo grupo Portucel Soporcel. Na conversa com o PÚBLICO propõe uma nova organização baseada num investimento em melhor equipamento mas que pressupõe a partilha desses meios por várias corporações. Fala também, com optimismo, sobre o ensino e sobre o futuro de Portugal. O que é que um engenheiro especializado na análise de sistemas traz à investigação do problema dos fogos florestais em Portugal? A minha especialidade é a análise de como processos complicados funcionam. Não sou um especialista nos fogos florestais. Estou associado essencialmente a três contributos: um é a dinâmica da interacção entre o desenvolvimento dos fogos e a resposta social. Isto é: se houver muitos incêndios, há muita pressão para acabar com eles e mais dinheiro gasto no combate e não o suficiente na prevenção. Outro é uma questão mais táctica: como distribuímos geograficamente o equipamento para o combate ampliado dos fogos, como camiões e autotanques. Trabalhando com colegas que conhecem os dados e os detalhes técnicos dos equipamentos, pudemos demonstrar que há uma forma muito mais eficaz de distribuir e colocar os meios. E assim usá-los melhor. Mas a maior parte das organizações que combatem os fogos, as corporações de bombeiros, são associações de direito privado, o que torna difícil dividir equipamento que é propriedade de uma única corporação... Percebo. A questão é se eles se conseguem organizar de forma colectiva para fazer um melhor trabalho. E a resposta é sim. Compreendo que há tradições e outros aspectos que fazem com que não seja fácil fazer essa alteração imediatamente. Mas isso não significa que não devemos tentar, que não tentemos fazer melhor. Os incêndios florestais são um problema nacional e há financiamentos do Governo e da comunidade para ajudar. Deixeme pôr o assunto desta maneira: quando vamos à igreja, dizem-nos para não pecar, para sermos bons. E todos sabemos que isso é difícil de concretizar. Mas, mesmo assim, precisamos de saber para onde ir e como fazê-lo. Compreendo que não é fácil fazer o que está certo, mas é bom saber como fazer melhor e trabalhar para isso. Talvez devido a uma questão cultural, cada corporação quer ter o seu equipamento, mesmo quando este é caro e não muito usado... Na região do Porto, que estudamos, o equipamento não era assim tão bom. Era velho, não era usado muitas vezes, por isso não se justificava a sua substituição e também não havia dinheiro para o fazer. Havia muitas corporações com muito equipamento, mas que não era o mais moderno nem o mais adequado. Uma das possibilidades é que com o correcto apoio do Governo possam ter melhor equipamento, mas terão que o partilhar às vezes. Podia haver três ou quatro brigadas que partilhavam esse equipamento, colocado num espaço comum. Isto precisa de tempo, não vai ser feito de um ano para o outro. Mas é a direcção correcta. No projecto Fire-Engine perceberam que a política de um maior investimento no combate em detrimento da prevenção pode trazer fogos mais intensos no futuro. Como? Se não se fizer a prevenção, o material combustível vai-se acumulando na floresta e se não o retirarmos de lá, quando um fogo começar, por uma qualquer razão, tem mais combustível e será mais difícil de conter. Isto é um problema recorrente de gestão: tendemos a olhar para as coisas que estão a correr mal e esquecemos de como as prevenir. Se fizermos um bom trabalho na prevenção dos fogos, ninguém nos dá valor. Porque não aconteceu nada. As pessoas têm que perceber que é importante prevenir. Mas são políticas pouco visíveis e que só dão resultados a longo prazo... É pela mesma razão que damos vacinas às crianças. Preferimos prevenir as doenças, a esperar que as crianças adoeçam e então tratarmos delas. Os políticos têm que ser sensibilizados para apostar na prevenção? Não é investir tudo na prevenção, mas equilibrar os gastos entre o combate e a prevenção. O importante é que o país perceba que a prevenção é uma forma importante de lidar com o problema. É nossa responsabilidade, como comunidade, garantir que coisas más não acontecem. Na mesma ID: 61297795 07-10-2015 Tiragem: 33895 Pág: 13 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 25,70 x 30,46 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 2 de 2 RUI GAUDÊNCIO “Temos que começar a ensinar as pessoas para um futuro que vai mudar” C lógica da vacinação das crianças. Percebo que é excitante comprar novos equipamentos, como helicópteros, mas tem que haver uma abordagem equilibrada. Como se consegue esse equilíbrio? Não é possível alguém dizer que o equilíbrio correcto é 48% ou 33%. Não é um cálculo que se possa fazer com precisão. Devido à mediatização do problema dos fogos, há uma pressão para colocar dinheiro no combate, mas é necessário um equilíbrio. Os meios aéreos representam uma grande fatia do que gastamos. Nos grandes fogos há frequentemente uma pressão da população para que este meios sejam activados, mesmo quando não são úteis. Como vê isso? Tal como disse, este assunto não é só táctico, envolve também uma dinâmica social. As pessoas reagem, é uma reacção muito natural, que compreendo. Mas muitas vezes as pessoas não percebem que prevenir o problema é muito melhor do que lidar com as suas consequências. Se fizermos um bom trabalho na prevenção dos fogos, ninguém nos dá valor. Porque não aconteceu nada Eu prefiro verificar o estado dos meus pneus e ter a certeza de que eles não me causam um acidente, a ter um óptimo veículo para me desencarcerar, porque os pneus rebentaram e fui contra uma árvore. Se tiver um acidente, claro que quero uma ambulância, mas prefiro não ter o acidente. O país precisa de uma parte de prevenção, nos locais indicados. A prevenção nos locais indicados pode substituir helicópteros. Também estudaram o problema dos reacendimentos. O que concluíram? Como há muitos fogos em simultâneo, há uma tendência para abandonar os fogos já controlados. As equipas pegam em todo o seu equipamento e vão combater outro fogo e o primeiro fogo começa outra vez. Os números são bastantes impressionantes. Na região do Porto, a que estudamos, houve um fogo que se reacendeu 28 vezes. Isto é muito esforço desperdiçado. Entendo a pressão de dizer “há um fogo novo, vamos abandonar este”, mas se quisermos mesmo pôr fim ao incêndio temos que ter a certeza de que terminou. Há demasiados reacendimentos e os comandantes locais devem ser incentivados a olhar para isso. Para não serem forçados a abandonar um fogo, quando acham que a situação ainda não está resolvida. É preciso perceber que se eles tiverem de regressar, isso significa um desperdício grande de meios humanos e materiais, além de tempo. Só porque não há grandes chamas, não quer dizer que o fogo tenha terminado. omo é que um professor do MIT olha para o ensino superior em Portugal? É excelente. Houve um legado do Estado Novo, que não foi a melhor coisa. E também uma tradição de as universidades trabalharem de forma muito separada. Uma das coisas que têm vindo a acontecer, em grande parte durante o tempo do ministro [Mariano] Gago, foi aumentar a colaboração entre universidades na área das Engenharias e em áreas técnicas. E o MIT foi parte desse esforço. Ajudámos a criar programas conjuntos. E isso resultou numa considerável quantidade de inovação e educação em tecnologia nos últimos sete ou oito anos. Numa altura de crise, faz sentido falar em fusão de universidades e acabar com cursos com poucos alunos, adequando mais a oferta à procura? Esse é um problema comum a muitos países. O interesse sobre algumas áreas sobe e desce, o ponto importante é que tem que haver flexibilidade no ensino. Eu, por exemplo, tirei o curso de Engenharia Civil. Faz parte dessa formação matemática, computadores, análise, mecânica. E essas habilitações podem ser utilizadas noutra área de conhecimento tecnológico. Se eu for para Engenharia Civil, não tenho que construir pontes o resto da vida. Isto deve ter um efeito na forma como os próprios cursos são construídos? Em áreas técnicas como as Engenharias, mas também na Medicina ou outras, o que aprendemos hoje e o que vamos fazer daqui a 20 ou a 30 anos vai mudar de forma profunda. Temos que começar a ensinar as pessoas para um futuro que vai mudar. Temos de enfatizar o pensamento básico e as ideias. Perceber que, devido à tecnologia, à procura ou à sociedade, as pessoas daqui a 10, 15 ou 20 anos não estarão a fazer o que pensaram, na universidade, que iriam estar a fazer. Quais foram as principais maisvalias do programa MIT para as universidades portuguesas? Se olharmos para sete ou oito anos atrás, as universidades portuguesas tinham excelentes professores e materiais, mas não trabalhavam em conjunto e estavam voltadas muito para dentro. Eram uma comunidade muito pequena que não chegava lá fora. Hoje é verdadeiramente impressionante que as pessoas venham de todos os lugares para as universidades portuguesas, porque elas têm programas de colaboração importantes a uma escala global. Por exemplo, na área dos transportes, um sector que conheço aqui, a maior parte das aulas são dadas em vídeo para que os alunos possam ouvir a partir do Técnico, de Coimbra. São mais visíveis internacionalmente e mais capazes colectivamente. Muitos jovens altamente qualificados foram obrigados a emigrar por causa da crise. Que efeito acha que isto pode ter no nosso futuro como país? Tenho seguido os meus próprios estudantes e uma das minhas primeiras alunas do pósdoutoramento está a trabalhar em Londres. Ela é portuguesa e irá voltar. Não será uma perda definitiva para Portugal. Por outro lado, ela agora faz parte de um grupo internacional de consultoria na sua área, o tipo de companhia que não existe em Portugal, onde ela será uma mais-valia numa escala maior. Vai correr tudo bem. Então, acha que estes jovens vão voltar e como mais-valia? Sem dúvida. Claro que haverá alguns que, porque são tão bons — e isto é uma coisa positiva — serão recrutados a nível internacional. É também o reconhecimento das suas qualidades. Claro que todos desejaríamos que houvesse actualmente mais oportunidades em Portugal. A crise não é uma coisa boa. Mas Portugal é um país notável. Há muitas coisas que precisam de ser feitas e serão feitas. Sou um optimista no longo prazo. Qualquer comunidade tem que investir na qualidade das suas crianças e das gerações futuras. E, se o fizer, alguns sairão por causa das grandes oportunidades. Acontece em qualquer sítio. É preciso ver que muita da indústria existente aqui era do Estado e talvez não fosse tão inovadora e atractiva para a próxima geração. Parte do que estamos a testemunhar é uma evolução nacional em muitos aspectos que provocam mudanças na indústria. As coisas estão a melhorar. Como outsider, olho para Portugal com muito entusiasmo quanto ao seu futuro.