entrevista - helena nader
Governo ignora cientistas em debates importantes
PRESIDENTE DA SBPC, PRINCIPAL ÓRGÃO CIENTÍFICO DO PAÍS, DIZ QUE
AVANÇO DA PESQUISA NACIONAL NÃO A TORNOU INFLUENTE
Eduardo Knapp/Folhapress
A biomédica Helena Nader na SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência)
SABINE RIGHETTI
DE SÃO PAULO
Justamente agora que o Brasil atingiu a 13ª posição na produção científica mundial,
aumentou a quantidade de universidades federais e o número de pesquisadores, o
país deu um "tiro no pé" reduzindo em 22% os recursos federais para ciência, diz a
biomédica Helena Nader.
Para a presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), o
governo erra ao ignorar o que a ciência nacional tem a dizer nos debates públicos
sobre temas importantes, como o novo Código Florestal ou a conferência Rio+20.
Folha - Na semana passada a presidente Dilma afirmou que os cientistas
deveriam ser avaliados também por patentes, além de produção científica. O
que a sra. pensa disso?
Helena Nader - A universidade até pode fazer patente, mas esse não é o seu papel.
O grande produtor de patentes deve ser a iniciativa privada. A Capes [Coordenação
de Pessoal de Nível Superior] hoje pontua programas de pós-graduação com
patentes. Mas querer que a universidade se responsabilize por patentes é um erro,
mesmo que sejam feitas em parcerias com empresas. Essas parcerias ainda são
muito frágeis.
Por que são frágeis?
As leis são problemáticas e deixam o cientista em uma posição vulnerável. Há
problemas na interpretação das leis, como a Lei do Bem [de 2005, que trata
prioritariamente de pesquisa em empresas]. Hoje, um professor com dedicação
exclusiva em uma universidade pode, pela legislação, dedicar um dia por semana
para um projeto em parceria com uma empresa. Mas isso pode causar problemas no
Ministério Público, que entende que ele está deixando de fazer pesquisa e ensino. O
professor concursado pode colocar em risco a carreira dele. Precisamos de uma
legislação mais clara.
O Código Nacional de Ciência e Tecnologia, que tramita no congresso desde
setembro do ano passado, resolveria isso?
Essa proposta é fantástica. Mas o texto ainda está sendo aprimorado [o texto compila
leis atuais ligadas à pesquisa, relacionadas por exemplo à importação e compra de
equipamentos]. A questão é que no Brasil as empresas multinacionais quase não
fazem ciência, diferentemente do que acontece na Índia e na China. O Brasil precisa
ter mais pesquisa e desenvolvimento nas empresas.
Mas as empresas costumam alegar que falta mão de obra para fazer
pesquisa no Brasil.
Houve um aumento grande no número de cientistas nos últimos 20 anos, mas ainda
não foi suficiente. No entanto, aqui temos cientistas de primeira. Nós não existíamos
como ciência pesada há 20 anos! Isso aconteceu nas universidades e nos institutos de
pesquisa. E não adianta dizer que os cientistas das universidades são voltados à
ciência básica [produção do conhecimento] e não à ciência aplicada [que gera
produtos e inovações] porque essa polarização é fictícia. As duas formas de pesquisa
se complementam.
A SBPC tem se manifestado recorrentemente em relação ao corte de 22% de
recursos federais à ciência. Houve algum retorno do governo?
Por enquanto, nada. Só se essa resposta estiver sendo formulada agora, enquanto
estamos conversando (risos). E os números dos cortes ainda serão piores. Se o PIB
(Produto Interno Bruto) crescer, a porcentagem destinada à ciência ficará menor
ainda. O "PAC da Ciência" previa 1,8% para ciência em 2015. Isso não vai acontecer.
Nós tiramos o chapéu quando o presidente Lula criou universidades federais. Essas
instituições têm professores com, no mínimo, doutorado. Agora que a ciência tem
força, nós cortamos o dinheiro?
A SBPC também tem brigado para alterar o texto do Código Florestal, que
deve ser votado na semana que vem. Os cientistas estão sendo ouvidos?
Os cientistas não são ouvidos pelo governo porque não temos uma "bancada de
cientistas" no Congresso, como têm os ruralistas. A ciência nacional cresceu e se
fortaleceu, temos pesquisadores sendo disputados por instituições de pesquisa
respeitadas em todo o mundo. Agora os cientistas deveriam ser ouvidos. Nós temos
uma proposta para o Código Florestal, assim como temos um material que levaremos
para discussão na Rio+20. Deveríamos ser mais ouvidos.
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