Câmara Municipal de Redondo
Prémio Literário Hernâni Cidade 2007
“A VIDA DEPOIS DO BLOGUE”
- Isso é uma enorme bloguerdade! - Alguém me dirá um dia, usando uma palavra nova
de conceito antigo que certamente terá um significado tão universal como “verdade
livre” ou “liberdade verdadeira”. Algo puro e genuíno, seja espontâneo ou pensado,
mas sem tabus ou preconceitos, completamente alheio a pressões ou opressões, solto
de mordaças invisíveis, sem que o emissor de opinião incomodativa se veja no espelho
com uma caçadeira apontada à mais honesta das suas têmporas.
Bem-vindos sejam os blogues à vida do pequeno mundo de Portugal, este imenso
deserto salpicado de sumptuoso oásis protegidos por redomas aparentemente
indestrutíveis.
Porventura, será a força dos blogues, alimentada pela eterna crença no triunfo da
verdade sobre a mentira, da justiça sobre a desigualdade e da liberdade plena sobre a
opressão mascarada, será a perseverança na defesa destes escudos da condição
humana que minará os alicerces das fachadas erguidas a saque em nome de um
interesse aclamado público, mas que tem apenas como objectivo proteger o poder dos
grandes bolsos privados.
Entra aqui a comunicação social, antes a grande condutora da liberdade de expressão
individual. Porém, a comunicação social não é totalmente livre. A verdade não é
totalmente revelada, é filtrada e imposta através da exploração exaustiva dos pontos
de vista julgados mais convenientes. No que à liberdade de expressão diz respeito, é
notório que o método assente na tortura e na perseguição opressiva do tempo político
salazarista foi reformado.
A mordaça é agora invisível, a perseguição não tem rosto, qualquer um pode falar,
criticar, opinar, comentar, mas sem que a sua voz seja levada a sério. E quando ela se
faz ouvir, é rapidamente abafada por algum problema técnico ou habilmente
silenciada pelos controladores de conteúdo dos programas ou espaços de opinião
destinados à massificação do pensamento único e convergente com o sentido que
alguém quis dar à análise do tema em discussão. Ou seja: há liberdade de opinião, mas
apenas se esta for favorável ao sentido do programa. Se não for, corta. A censura
prévia deu lugar à censura póstuma. A opinião incómoda pode não ser impedida, mas
é passível de castigo. Então a palavra é cortada, a voz apagada. Bendito seja o inventor
dos blogues!
Menção honrosa
José Manuel Pereira Soares
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O poder económico está representado no topo de todas as áreas de influência, do
poder legislativo ao judicial, do executivo à comunicação social, essa arma poderosa
que tão depressa determina perfis e escolhe figuras como logo as abate do seu poleiro.
Este domínio dos grandes bolsos é consequência do assalto burguês ao poder em Abril
de 1974, camuflado de revolução popular e militar, que ao longo dos anos
transformou o totalitarismo de Estado em totalitarismo privado. A instauração efectiva
da liberdade de expressão, da verdade informativa e da divulgação total de correntes
de pensamento não foi fruto da revolução burguesa de Abril de 1974. O surgimento
dos blogues é a verdadeira revolução, a abolição total de barreiras, a máxima
afirmação da expressão individual. Para os donos do poder, os blogues são um
indesejável efeito secundário da globalização. Será esse efeito capaz de ferir de morte
a manipulação da verdade das coisas? A resposta dependerá da dimensão da fé
humana, da perseverança dos humanos na defesa da sua dignidade. Acima de tudo, da
sua capacidade de união em torno destes valores.
Ao contrário do 25 de Abril de 1974, a blogosfera não se esconde sob qualquer tipo de
camuflagem. O acto de blogar é um acto verdadeiramente livre, num espaço também
ele livre onde se pode debater toda a espécie de assuntos, da política ao desporto, dos
tabus da sociedade aos mais banais temas do quotidiano. É a grande oportunidade de
se manifestar a existência, de revelar ao mundo os sonhos e pesadelos, as ideias,
vontades, opiniões, memórias, um conto, um poema, um comentário, um livro, uma
declaração de amor ou ódio, de amizade ou repulsa, de solidariedade ou confrontação,
até de apenas escrever: eu estou aqui!
Os blogues alteraram o conteúdo e a forma da comunicação social. Obrigaram os seus
dirigentes a enveredar pela imparcialidade, situando-os numa posição tão incómoda
como perigosa: muitas vezes suportados e até dependentes dos grandes grupos de
pressão e de opressão, deparam-se agora com o controlo exercido pelo crescendo da
consciência de cidadania provocado pela expansão da blogosfera, que funciona
simultaneamente como controlo e garantia da autenticidade da informação.
O espaço de debate saiu do âmbito exclusivo das assembleias, das universidades, dos
colóquios e seminários especializados, está agora ao alcance de quase todos. Para bem
da Democracia, os blogues permitem saber quais são os pensamentos dos
portugueses, os seus medos, as suas vontades. E, se o bonito significado dessa velha
palavra grega for cumprido, se o poder estiver efectivamente no povo, este terá uma
intervenção mais activa nas decisões do país e do mundo, não se resignando nem
Menção honrosa
José Manuel Pereira Soares
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resumindo apenas a escolher, através do voto, a opção que considera menos má para
o representar.
Vivemos numa época histórica em que cada vez há menos espaço para a valorização
do factor humano. É um tempo difícil em que o mundo humano gira em volta do
dinheiro em vez de girar em volta de si próprio, da própria Humanidade. Aqui o blogue
surge como um agente libertador. Um local de confissões, de desabafos, substituindo
um dos maiores símbolos da liberdade, o grito. Quem nunca sentiu a necessidade de
gritar bem alto um sentimento de revolta? E como sabe bem escrever um grito!
Seja pela aparente solidão dos dedos que teclam furiosamente como se em cada gesto
premissem gatilhos em direcção ao desespero que os consome, seja pela alegria de
teclar o seu amor ao mundo como quem toca uma delicada melodia no mais belo
piano, o blogue é o meio perfeito para a afirmação e subsequente globalização de cada
existência individual.
Mais do que convidar à simples reflexão, o blogue inspira a participação activa no
debate sobre tudo o que nos rodeia. Um espaço ideal para divulgar, conhecer e
debater em consciência, sem medo de perseguições nem represálias, onde largamos
os disfarces impostos pela acção da nossa estranha mentalidade colectiva e impomos a
inigualável beleza presente em qualquer momento de criatividade, em qualquer
movimento de cidadania, em qualquer grito.
Vamos blogar?
Menção honrosa
José Manuel Pereira Soares
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