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CONTEMPORANEIDADE E PSICANÁLISE1
Patrícia Guedes2
Comemorar 150 anos de Freud nos remete ao exercício de revisão da nossa prática clínica. O
legado deixado por ele norteia a nossa época e, também, nos confronta com algumas questões
pertinentes à nossa condição de analistas: Estamos diante de novos sujeitos e de novos
sintomas? Como desdobramento, podemos, ainda, interrogar sobre o lugar do analista na
contemporaneidade.
Em A Psicanálise na Civilização, encontramos uma observação que diz o seguinte: “(...) não se
vê mais os grandes sintomas dos primeiros pacientes de Freud, mas, que em contrapartida, viase muitas pessoas com problemas narcísicos, quer dizer, segundo ele, dificuldades de sucesso
social, profissional, de inserção no mundo” (SOLER, 1998: 288).
Sem nos apropriarmos desta observação como verdade absoluta, mas, tomando-a como ponto
de partida para uma discussão, podemos dizer que tanto o sujeito quanto os sintomas
demonstram, na clínica, a marca da contemporaneidade. E ao analista, cabe intervir tentando
diminuir o ônus da submissão do sujeito à civilização.
Segundo Freud, o homem tem os seguintes propósitos na vida: “por um lado visa a ausência de
sofrimento e de desprazer; por outro, à experiência de intensos sentimentos de prazer”
(FREUD, 1996: 84). Todo o sentido da vida caminha na direção do princípio do prazer, mas,
neste percurso, algo da realidade se impõe impedindo que a satisfação almejada seja
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Este artigo foi apresentado na Jornada de Psicanálise, realizada pelo Curso de Psicologia do Centro Universitário
Leste de Minas Gerais – Unileste-MG, em 25 de agosto de 2006.
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Psicóloga, Psicanalista, Professora do Curso de Psicologia do Centro Universitário Leste de minas Gerais –
Unileste-MG.
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alcançada. È o princípio da realidade que se coloca diante do princípio do prazer, sendo
conseqüência disso, o desprazer imposto pela realidade.
Ao se confrontar com esta realidade, o sujeito faz uma série de rearranjos para impedir a
manifestação de um sofrimento, que, por sua vez, poderia levá-lo a interrogar sobre as suas
expectativas subjetivas em relação ao mundo externo e a um saber sobre o inconsciente. A
sensação de desprazer, muitas vezes, não faz uma questão para o sujeito, parece não
comportar um efeito de sentido que remeta a uma significação.
As queixas do sujeito, freqüentemente, se relacionam a um mal-estar imposto pelas técnicas
modernas, pelas condições do mercado e pela dificuldade de se fazer laço social.
Sob a vertente da ausência de sentido, o sujeito responde com um modo de gozo, que se
constitui como excesso pulsional, com o qual o sujeito não consegue se a ver pela via
simbólica. Modo de gozo, que também dispensa a fantasia e, por conseguinte, o inconsciente,
demonstrando que o objeto de gozo não é o objeto causa de desejo.
Em “O Mal-Estar na Civilização”, Freud nos diz que “(...) o que chamamos de nossa civilização
é em grande parte responsável por nossa desgraça e que seríamos mais felizes se
abandonássemos às condições primitivas” (FREUD, 1996: 93). Isto posto, devemos considerar
que a civilização nos confronta com uma série de impasses que correspondem, principalmente,
à perda dos ideais e dos valores, sendo o sofrimento do sintoma o preço que se paga por nossa
condição de sujeito.
O sujeito moderno é colocado em um lugar que o impede de se individualizar, fixa-o a um modo
de funcionamento pré-estabelecido, no qual a expressão de sua singularidade torna-se
impossível. Ele responde às exigências da realidade de forma padronizada, em consonância
com aquilo que a civilização espera dele. Sobre isto, nos diz Freud: “... a civilização é algo que
foi imposto a uma maioria resistente por uma minoria que compreendeu como obter a posse
dos meios de poder e coerção” (FREUD, 1996: 16).
O destino deste sujeito que cede de seu desejo, face aos impasses da civilização, é a
impotência diante da satisfação de seu desejo. Para evitar o mal-estar, o sujeito faz um
contorno, ou melhor, um curto circuito diante do real, marcando ai uma posição particular,
porém, não pela via do desejo, mas do gozo – um “gozo estranho” – que o sujeito não
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reconhece como seu. De outra maneira, poderia seguir pela via do inconsciente, que talvez
fosse capaz de conduzi-lo a uma significação que o nomeasse e o introduzisse na ordem de
uma falta.
As saídas encontradas pelo sujeito, não comportam, muitas vezes, um efeito de sentido capaz
de remetê-lo a um saber do inconsciente, pelo contrário, sustenta-o em uma posição de gozo,
da qual ele também não abre mão. Elas presentificam, em ato, a perda real que o sujeito é
incapaz de simbolizar, apresentam-se, portanto, como “mensagem cifrada”, mascarada no
sintoma. O sintoma surge, então, justamente aonde algo fracassa.
A Psicanálise, tanto em Freud quanto nos analistas contemporâneos.
Com isso, não se
pretende negar a existência da consciência, mas não se atribuir a ela a essência do psíquico.
Nem tão pouco, deixar de reconhecer nas manifestações do sujeito as transformações da
cultura. Segundo Freud:
(...) a divisão do psíquico em o que é consciente e o que é inconsciente
constitui a premissa fundamental da psicanálise, e somente ela torna possível a
esta compreender os processos patológicos da vida mental, que são tão
comuns quanto importantes, e encontrar lugar para eles na estrutura da ciência.
(FREUD, 1996: 27).
O sintoma, na modernidade, se apresenta sob novas formas. Freud o identificava em um sujeito
dividido entre seus ideais e suas pulsões, atualmente nos deparamos com o sintoma em um
sujeito dividido pela falta e atrelado a um gozo, ao qual não se remete um saber do
inconsciente.
A toxicomania, a anorexia, a bulimia, os ataques de pânico, a depressão, dentre outros, são
sintomas da contemporaneidade, mas, estes, com certeza, não são freudianos. Eles não se
apresentam como uma formação de compromisso, mas, como forma de gozo. Citando Freud
(1996: 95)
Um sintoma é um sinal e um substituto de uma satisfação pulsional que
permaneceu em estado jacente; é uma conseqüência do processo de recalque.
O recalque se processa a partir do ego quando este – pode ser por ordem do
superego – se recusa a associar-se com uma catexia pulsional que foi
provocada no Id.
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De forma diferente, os sintomas contemporâneos, se posicionam na vertente da repetição,
fazem uma recusa ao inconsciente e um apelo ao gozo. Contudo, isto não quer dizer que a
neurose e psicose não existam, só não fazem mais parte da modernidade, da maneira que se
apresentavam na clínica freudiana.
Retomando a observação que deu origem a esta breve discussão, arriscamos dizer que os
“pacientes de Freud”, também apresentavam questões relativas a seu tempo, embora diferentes
das atuais, mas, historicamente contextualizadas. Os sintomas, por sua vez, têm um sentido e
se relacionam com as experiências do sujeito. Neste sentido, nota-se que os sintomas
contemporâneos são utilizados como meio para manejo do mal-estar colocado pela civilização.
Freud como observador e pesquisador da condição humana antecipou alguns traços do malestar em nossa civilização aos quais estamos expostos freqüentemente. Mas, os analistas
contemporâneos, a partir do ensino freudiano, também trouxeram algo de novo à psicanálise,
mas:
A psicanálise continua freudiana porque Freud inventou o procedimento
analisante e dele colheu os primeiros resultados. Desde que um sujeito entra
em tarefa analisante, a sombra de Freud, tal como um anjo da guarda, lá está.
O analisante como tal é sempre freudiano. Esta é a condição primeira. (SOLER,
1998: 282).
O analista deve intervir nas questões de seu tempo, ao ser convocado, o sujeito lhe endereça
algo para além de suas queixas; parece buscar nele o reconhecimento de seu desejo, mesmo
que, ainda, não lhe confira algum sentido. O analista é colocado pelo sujeito no lugar daquele
que tem um saber sobre ele, e que pode responder desse lugar dando-lhe uma significação que
o determine. O saber que ele supõe ao analista concerne à sua própria questão enquanto
sujeito, estando, portanto, para além de seu sintoma. Cabe ao analista dar uma significação à
fala advinda do inconsciente, a algo que está para além da demanda.
Estamos, portanto, diante de sujeitos e de sintomas que fazem um laço social de nova forma, e
de analistas atentos às questões da contemporaneidade para intervir de forma a permitir que a
subjetividade seja capaz de emergir neste contexto.
Para finalizar, utilizaremos o significado dado por Freud à expressão civilização humana:
“Por um lado inclui todo o conhecimento e capacidade que o homem adquiriu
com o fim de controlar as forças da natureza e extrair a riqueza desta para
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satisfação das necessidades humanas; por outro, inclui todos os regulamentos
necessários para ajustar as relações dos homens uns com os outros e,
especialmente, a distribuição da riqueza disponível” (FREUD, 1996: 16-17).
Diante deste conceito, podemos concluir que estamos todos, velhos e novos sujeitos
submetidos à ordem da civilização. Ela, a civilização, é um processo dinâmico, está em
constante movimento. Cabe-nos, então, acompanhar este processo e inserir nele da forma que
nos é possível, sem perder de vista a tentativa de subjetivar nossas questões.
REFERÊNCIAS
FREUD, S. O Mal-Estar na Civilização (1930 [1929]). In: O Futuro de uma Ilusão, O MalEstar na Civilização e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996. pp. 67-148.
(Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XXI).
_________. O Futuro de uma Ilusão. In: O Futuro de uma Ilusão, O Mal-Estar na Civilização
e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996. pp. 13-63. (Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XXI).
FREUD, S. Inibições, Sintomas e Angústia (1926 [1925]). In: Um Estudo Autobiográfico,
Inibições, Sintomas e Angústia, A Questão da Análise Leiga e Outros Trabalhos. Rio de
Janeiro: Imago Editora, 1996. pp. 81-167. (Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XX).
SOLER, C. Os direitos do sujeito. In: A psicanálise na civilização. Rio de Janeiro: Contra
Capa, 1998. pp. 283 – 290.
________. A identidade freudiana da psicanálise. In: A psicanálise na civilização. Rio de
Janeiro: Contra Capa, 1998. pp. 277– 282.
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