PARA QUE SERVEM OS SULCOS DOS PNEUS? Provavelmente já se terá interrogado sobre a função dos sulcos dos pneus. E também terá questionado o facto dos pneus usados nos carros de Fórmula 1 não terem sulcos, excepto quando correm à chuva. Pois bem, os sulcos dos pneus podem ter várias funções, embora a principal seja permitir o escoamento da película de água que se forma entre a estrada e o pneu, em piso molhado. Em termos gerais, quanto maior a superfície de borracha a tocar o solo, maior a aderência. Se não houvesse água na estrada poderíamos circular com pneus slick (sem sulcos) como os Fórmula 1 e obter uma aderência só possível de alcançar num pneu com sulcos, de largura superior. Mas os pneus de um veículo que circule diariamente têm que ser polivalentes e permitir obter um bom compromisso entre a aderência em seco e a capacidade de escoar a água, em piso molhado. Por isso, os fabricantes desenvolvem canais de escoamento que permitem a passagem de grandes caudais, ao mesmo tempo que contam com os designers para obter um desenho que agrade ao consumidor. Muitas vezes até é esse o principal factor na escolha de um pneu: o estilo do seu piso. Vários tipos de piso Fonte: www.carbibles.com A profundidade dos sulcos de um pneu novo ronda os 7mm, valor que vai diminuindo com os quilómetros percorridos e cujo desgaste pode variar com o estilo de condução mais ou menos agressiva, com o piso mais ou menos abrasivo ou com a pressão mais ou menos adequada. De qualquer forma, ao atingir os 1,6mm (limite legal em vigor) em mais de ¼ da superfície, terá obrigatoriamente que substituir os seus pneus. Marca de limite legal de profundidade 1,6mm Fonte: www.carbibles.com Mas vamos a dados concretos. Afinal, qual a quantidade de água que é preciso escoar? Os melhores pneus conseguem escoar até 7,5 litros de água por segundo, o equivalente a 5 garrafas de litro e meio em apenas um segundo. São dados impressionantes, mas que podem ser consideravelmente reduzidos por dois factores, senão vejamos: Profundidade dos sulcos Teoricamente, sendo o volume dos sulcos dado pelo produto da sua área pela profundidade e sendo-lhe o caudal escoado directamente proporcional, se os pneus passarem dos 7mm em novos para 3,5mm, o pneu passará a escoar apenas metade do caudal, ou seja 3,75 litros. Se atingirmos os 1,6mm, o caudal escoado passará a ser apenas de 1,7 litros por segundo. Mas continua a ser perfeitamente possível circular à chuva com estes pneus; temos é que adequar a velocidade a que circulamos de forma a reduzir o caudal de água a escoar. A relação é linear (teoricamente), por isso, se com pneus novos pudermos circular até 120kms/h sem risco de aquaplaning (atenção, tudo depende da quantidade de água na estrada), com pneus próximos do limite legal a velocidade terá que ser reduzida cerca de 4 vezes. Isto teoricamente falando, pois na prática existem outros factores como a pressão sobre o piso que podem influenciar estas contas tão ‘limpinhas’. Poderá concerteza circular a uma velocidade superior aos 30kms/h teóricos sem correr riscos, pois a essa velocidade existe tempo para expulsar a água de baixo do pneu. Esquema de formação de uma película de água sob o pneu, provocando aquaplaning Fonte: www.carbibles.com Pressão dos pneus Quanto mais baixa a pressão, maior a deformação do pneu e maior a superfície de contacto com a estrada. Mas uma maior superfície de contacto significa para o mesmo peso, uma pressão sobre a estrada inferior. Vamos relembrar a fórmula da pressão: Pressão = Força/Área Uma pressão baixa não é suficiente para ‘empurrar‘ a água para fora da área de contacto entre o pneu e a estrada. É um fenómeno semelhante ao verificado quando se anda sobre a relva com saltos altos ou com sapatos normais. O salto alto fura a relva, o sapato normal não. Ambos suportam o mesmo peso, mas o salto alto exerce uma pressão muito maior sobre o solo devido à sua superfície mais reduzida. Transpondo este princípio para os automóveis e deixando agora de fora a pressão de enchimento, quanto mais estreito o pneu, mais pressão exerce e mais facilmente escoa a água por baixo de si. É esta a razão porque normalmente encontra carros de gama alta ou desportivos mais leves com pneus largos despistados por aquaplaning em dias de chuva, especialmente nas auto-estradas, onde a velocidade é maior e o pneu não tem tempo para escoar a água toda. Nas figuras seguintes podemos observar o contacto de um pneu parado, e a rolar a 96kms/h sobre uma placa de vidro com água, com pressões cada vez mais baixas. Assim se vê a importância da pressão de enchimento correcta na aderência em piso molhado. Pneu estático. Pressão 35psi A correcta pressão e o facto de estar parado permite um contacto óptimo da superfície do pneu com a placa de vidro, sem água entre os dois. Pneu a rolar a 96kms/h. Pressão 35psi A pressão correcta permite que o pneu exerça uma pressão aceitável sobre o piso de forma a escoar correctamente a água. Pneu a rolar a 96kms/h. Pressão 30psi. A pressão mais baixa que o aconselhado faz com que a superfície de contacto aumente, diminuindo a pressão do pneu sobre o piso e permitindo que se crie uma película de água numa boa parte da superfície. A aderência fica assim comprometida. Pneu a rolar a 96kms/h. Pressão 25psi. A pressão bastante mais baixa que o aconselhado faz com que a superfície de contacto aumente ainda mais, diminuindo drasticamente a pressão do pneu sobre o piso e permitindo que se crie uma película de água em praticamente toda a superfície. Só as zonas laterais do pneu é que se encontram em contacto com a placa de vidro. A aderência fica assim fortemente comprometida e o veículo entra facilmente em aquaplaning. Fonte: www.tirerack.com Outra questão importante é a distância de travagem em piso molhado, que aumenta consideravelmente quando a profundidade dos sulcos desce abaixo dos 3 mm. Distâncias de travagem em piso molhado a 80kms/h em função da profundidade dos sulcos Linha vermelha: asfalto Linha verde: cimento liso Fonte: RoSPA Resta mais uma curiosidade antes de terminar este artigo. Se observar os gomos laterais do piso dos seus pneus, vai reparar que têm larguras diferentes entre si. Este é um truque utilizado para reduzir o ruído de rolamento do pneu. O ruído não passa de uma onda sonora com uma determinada amplitude (mais ou menos forte) e com uma determinada frequência (mais grave ou mais agudo). Na figura de baixo podemos observar vários tipos de ondas, cada uma com um ruído característico. As linhas de baixo representam frequências mais altas (sons mais agudos) que as de cima Fonte: Wikipedia Cada gomo gera uma onda característica ao rolar e ao contactar com o solo. Se forem geradas várias ondas de diferentes amplitudes e frequências, o seu somatório poderá ser um ruído bastante inferior ao ruído isolado de cada um, uma vez que as ondas se podem anular (parcialmente) umas às outras. Difícil de crer, mas extremamente eficaz: ruído anula ruído. É este o princípio de funcionamento dos headphones supressores de ruído para andar de avião e é este o princípio utilizado pela marca Lotus num dos seus modelos para reduzir o ruído produzido no habitáculo. Mas nestes casos, em vez de gomos, são utilizados microfones e colunas de som para gerar ondas em oposição de fase. Mais uma maravilha do mundo da ciência! E assim terminamos mais um artigo técnico. Não esqueça, troque os pneus ao aproximar-se do piso legal mínimo e no Inverno não arrisque: utilize pneus com boa profundidade de piso, pressão correcta e modere a velocidade com o piso molhado, tanto mais quanto mais leve for o seu carro e quanto mais largos os pneus que o equipam.