Rev Panam Infectol 2008;10(3):70-71 PUNTO DE VISTA/PONTO DE VISTA Daptomicina: finalmente disponível para a América do Sul Daptomycin: finally available in South America Hélio Vasconcellos Lopes* *Coordenador do Programa Municipal DST/ Aids/Hepatites da Secretaria de Saúde de Santos. Professor Titular de Infectologia da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC. Rev Panam Infectol 2008;10(3):70-71 Conflicto de intereses: ninguno Recibido en 27/8/2008. Aceptado para publicación en 2/9/2008. 70 Após vários anos, já que foi aprovada pelo FDA em setembro de 2003, agora a daptomicina torna-se disponível para o Brasil e outros países da América do Sul. Daptomicina é o primeiro agente de uma nova classe de antimicrobianos, a dos lipopeptídeos cíclicos. Obtida a partir do Streptomyces roseosporus, a daptomicina tem ação bactericida, é antibiótico concentração-dependente, tem mecanismo de ação exclusivo e seu espectro inclui as bactérias Gram-positivas. Farmacocinética. De administração unicamente intravenosa (lenta, durante 30 minutos), sua farmacocinética é linear; liga-se fortemente às proteínas do plasma (> 90%), deixando uma fração livre muito pequena. Seu volume de distribuição é muito baixo (VD = 0,1 l/kg), limitando-se ao sangue, fluidos intersticiais e tecidos altamente vascularizados. Por esta razão, a daptomicina está liberada – até o momento – apenas para o tratamento de infecções de pele/partes moles, de bacteriemia e de endocardite de câmara direita. Sua meia-vida tem cerca de 8 h, o que permite sua prescrição em dose única diária. De eliminação predominantemente renal, é excretada sob forma inalterada (maior parcela), sendo pequeno percentual inativado por metabolização. Daptomicina não tem interações significativas com outras drogas (tais como as habituais varfarina, sinvastatina, probenecida e aztreonam) e não sofre a ação (metabolização) do sistema enzimático citocromo P450. Mecanismo de ação. Daptomicina liga-se à membrana celular bacteriana, levando ao efluxo de potássio e à subseqüente despolarização da membrana, com conseqüente morte celular. Os testes de sensibilidade determinados pelo Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI) indicam concentração inibitória mínima para 90% das cepas (CIM90) ≤ 1 µg/ml para estafilococos e estreptococos e CIM90 ≤ 4 µg/ml para enterococos. Para a avaliação da atividade in vitro da daptomicina, os meios dos testes devem ser suplementados com níveis fisiológicos de cálcio livre, já que o mecanismo de ação da droga é cálcio-dependente. Tolerância e toxicidade. Geralmente bem tolerada, seus efeitos adversos mais comuns são os gastrintestinais (náusea, diarréia, vômitos e constipação), além de cefaléia, insônia e dor no local da injeção. Laboratorialmente, ocorrem alterações de pequena monta Lopez HV • Daptomicina: finalmente disponível... com os testes de função hepática e na dosagem de cálcio sérico (hipo ou hipercalcemia). Mais atenção deve ser dada à elevação sérica de creatina fosfoquinase (CPK), presente em 2,8% dos pacientes tratados e cuja intensidade pode resultar em dor (mialgia) e fraqueza muscular; sua monitoração, durante o tratamento, deve ser semanal, podendo, algumas vezes, levar à suspensão do tratamento. Ocasionalmente pode ocorrer alteração da função renal, cuja intensidade pode causar elevação e persistência das concentrações séricas, exigindo ajuste da dose ou elevação do intervalo entre uma dose e outra. Segurança e eficácia não foram estabelecidas para menores de 18 anos. Daptomicina não é indicada para o tratamento de pneumonia adquirida na comunidade (PAC): estudos comparativos mostraram maiores taxas de mortalidade e efeitos adversos cardiorrespiratórios graves; a razão é a inativação da droga no sítio de ação, por surfactantes pulmonares. Indicações clínicas. Daptomicina foi aprovada para o tratamento de pacientes adultos (acima de 18 anos) com infecções de pele/partes moles e bacteriemia – com ou sem endocardite de câmara direita. Nas primeiras, quando causadas por S. aureus, E. faecalis, S. agalactiae e S. pyogenes e, em bacteriemia, quando causada por S. aureus, sensível ou resistente à oxacilina. Emergência de resistência é rara, ocorrendo com enterococo resistente à vancomicina (VRE) e estafilococo coagulase-negativo. Por ser uma classe original, resistência cruzada com outras classes não foi documentada. Doses. Daptomicina é recomendada para uso por via intravenosa, por infusão lenta (30 minutos), em dose única diária de 4 mg/kg para infecções de pele/ partes moles e de 6 mg/kg para bacteriemia. Daptomicina entra no mercado sul-americano para competir com vancomicina, teicoplanina e li- nezolida. São vantagens a dose única diária, efeito pós-antibiótico prolongado para S. aureus e sua não interação com o sistema citocromo P450. Risco é a elevação de CPK, que requer monitoramento clínico e laboratorial. Considerando-se o progressivo aumento das CIMs do estafilococo à vancomicina e a conseqüente redução de sua atividade, a chegada deste antibiótico oferece uma importante alternativa terapêutica para o tratamento de algumas das infecções causadas por esta bactéria. Daptomicina está em fase de comercialização, no Brasil, pelo laboratório Novartis, com o nome fantasia Cubicin®, o mesmo do laboratório de origem, Cubist Pharmaceutical. Referências 1. Hair PI and Keam SJ. Daptomycin – A review of its use in the management of complicated skin and soft-tissue infections and Staphylococcus aureus bacteraemia. Drugs 2007;67(10):1483-1512. 2. Silverman JA et al. Inhibition of daptomycin by pulmonary surfactant: in vitro modeling and clinical impact. J Infec Dis 2005;191:2149-52. 3. Deresinski S. Counterpoint: vancomycin and Staphylococcus aureus – an antibiotic enters obsolescence. Clin Infec Dis 2007;44(15 June):1543. 4. Mohr J, Murray BE. Point vancomycin is not obsolet for the treatment of infection caused by methicillin-resistant Staphylococcus aureus. Clin Infec Dis 2007;44(15 June);1536. Correspondência: Dr. Hélio Vasconcellos Lopes Av. Brigadeiro Luís Antonio, 4.178 CEP 01402-002 - São Paulo - SP - Brasil. e-mail: [email protected] 71