UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL Aluna: Islene Gomes Mateus Silva Orientador: Prof. MSc Heli Gonçalves Nunes BRASÍLIA 2008 ISLENE GOMES MATEUS SILVA OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL Trabalho apresentado ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para o Título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. MSc Heli Gonçalves Nunes Brasília 2008 Trabalho de autoria de Islene Gomes Mateus Silva, intitulado “OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL”, requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, defendida e aprovada em______________________________, pela banca examinadora constituída por: _________________________________________ Prof. MSc Heli Gonçalves Nunes Orientador _________________________________________ Professor Curso de Direito – UCB _________________________________________ Professor Curso de Direito – UCB Brasília 2008 Dedico esta monografia a Pedro Mateus e Solange Gomes, pais maravilhosos, que me auxiliam sempre. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus, autor da vida, que por meio de Seu Filho Jesus Cristo, concedeu-me força, paciência e perseverança, ao exemplo de Santa Maria, ante muitas dificuldades ao longo da graduação. Agradeço também ao professor Heli Gonçalves Nunes pela incomensurável orientação na elaboração deste trabalho e, por fim, ao meu irmão, Israel Gomes Mateus Silva, bacharel em direito, cujo apoio foi essencial. [...] A investigação criminal (ou o inquérito policial, que nada mais é do que o expediente que, em nossa estrutura processual penal, corporifica a investigação) não serve à acusação; serve à VERDADE, único norte eticamente aceitável para esse momento da persecução [...] ROVÉGNO, André. O inquérito policial e os princípios do contraditório e da ampla defesa. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2005. p. 13. RESUMO SILVA, Islene Gomes Mateus. Os princípios do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial. Brasília. 2008. 85 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito)-Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2008. O presente estudo procura definir a amplitude dos dispositivos constitucionais que dão tratamento aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa ante o inquérito policial, procedimento administrativo de estrutura inquisitiva. Para tal, desenvolve-se, inicialmente, um exame analítico acerca da persecução preliminar prévia e dos sistemas de processo penal, mormente o vigente no Brasil. Em seguida, com a mesma dedicação científica, analisa-se o inquérito policial, bem como os princípios do contraditório e da ampla defesa, a fim de compreender, em capítulo finalístico, a posição doutrinária e jurisprudencial acerca do tema alvitrado. Palavras-chave: devido processo legal; contraditório; ampla defesa; inquérito policial; procedimento administrativo; estrutura inquisitiva. RESUMÉN SILVA, Islene Gomes Mateus. Los princípios del contraditório y de la amplia defensa em el inqueruto de comisária. 2008. 85 ojas. Trabajo de conclusion de cursoFaculdad de Derecho-Universidad Católica de Brasília, 2008. El presente estúdio busca definir la amplitud de los dispositivos constitucionales que dan tratamiento a los princípios del proceso legal, del contraditório y amplia defensa delante del inquéruto de comisária, procedimiento admistrativo de la estrutura inquisitivo. Para tanto desarrolla, um examén analítico, acerca de la persecución premilinar previa e de los sistemas de proceso penal, vigente en Brasil. Seguido de la misma dedicacíon científica se analisa el inquéruto de comisária, como en los princípios del contraditório y de la amplia defensa, para al fin comprender en el capitulo final, la posicíon doctrinaria y jurisprudencial acerca del tema elegido. Palabras-Claves: proceso legal, contraditório, amplia defensa, inqueruto de comisária, procedimiento administrativo, estrutura inquisitivo. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 CAPÍTULO 1 – PERSECUÇÃO PENAL PRELIMINAR OU PRÉVIA ....................... 12 1.1 NOÇÕES ELEMENTARES............................................................................. 12 1.2 FUNÇÕES DA PERSECUÇÃO PENAL PRELIMINAR OU PRÉVIA .............. 14 1.3 SISTEMAS DE PROCESSO PENAL .............................................................. 15 1.3.1 Sistema acusatório ................................................................................... 16 1.3.2 Sistema inquisitório .................................................................................. 17 1.3.3 Sistema misto ............................................................................................ 18 1.3.4 O sistema de processo penal brasileiro ................................................. 18 CAPÍTULO 2 – INQUÉRITO POLICIAL.................................................................... 22 2.1 HISTÓRICO DO INQUÉRITO POLICIAL NO BRASIL.................................... 22 2.2 CONCEITO ..................................................................................................... 25 2.3 CARACTERÍSTICAS ...................................................................................... 26 2.3.1 Discricionário ............................................................................................ 27 2.3.2 Escrito ........................................................................................................ 28 2.3.3 Sigiloso ...................................................................................................... 28 2.3.4 Inquisitivo .................................................................................................. 30 2.2.5 Obrigatório ................................................................................................ 31 2.3.6 Dispensável ............................................................................................... 31 2.4 FINALIDADE................................................................................................... 32 2.5 NATUREZA JURÍDICA ................................................................................... 34 2.6 VALOR PROBATÓRIO ................................................................................... 36 2.7 POSIÇÃO DO INDICIADO NO INQUÉRITO POLICIAL ................................. 37 CAPÍTULO 3 – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ................................................. 40 3.1 PRINCÍPIOS: NOÇÕES GERAIS ................................................................... 40 3.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL ........................................................................ 41 3.3 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ................................................................ 43 3.3.1 Contraditório e direito de defesa ............................................................. 46 3.3.2 Contraditório diferido ............................................................................... 48 CAPÍTULO 4 – PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA ................................................... 51 4.1 CONCEITO ..................................................................................................... 51 4.2 COMPOSIÇÃO DA AMPLA DEFESA ............................................................. 52 4.2.1 Autodefesa ................................................................................................ 53 4.2.2 Defesa técnica ........................................................................................... 55 4.3 DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA ............................................................................................ 56 CAPÍTULO 5 – OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL ............................................................................................. 60 5.1 FUNDAMENTOS DA DISCUSSÃO PROPOSTA ........................................... 60 5.2 VERIFICAÇÃO DE COMPATIBILIDADE ENTRE O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E O INQUÉRITO POLICIAL ............................................. 61 5.3 VERIFICAÇÃO DE COMPATIBILIDADE ENTRE O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E O INQUÉRITO POLICIAL ............................................................ 63 5.4 POSIÇÃO DOUTRINÁRIA ACERCA DO TEMA ............................................. 67 5.5 POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL ACERCA DO TEMA .................................... 72 5.6 A RECENTE REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E A MANUTENÇÃO DO INQUISITIVO ................................................................. 74 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 76 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 78 10 INTRODUÇÃO A promulgação da Constituição Federal de 1988 inseriu, no ordenamento jurídico pátrio, diversos dispositivos de cunho garantidor. Dentre eles, destaca-se o princípio do devido processo legal e seus corolários, o contraditório e a ampla defesa, essências à manutenção da justiça nas relações processuais. Considerada a relevância dos preceitos supramencionados, eclodiu o debate acerca da aplicabilidade dos princípios do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial. Nesse aspecto, com o fito de melhor compreender esta problemática e, por conseguinte, obter uma solução que coadune interesses individuais e coletivos, destina-se o presente estudo, embasado na doutrina e na jurisprudência, ao exame do contraditório e da ampla defesa, bem como do inquérito policial, visando verificar a existência de compatibilidade entre eles. Ante a proposta evidenciada, o Capítulo 1 trata das bases essenciais à compreensão do tema alvitrado, que são a persecução preliminar prévia e os sistemas de processo penal. Por vez, no Capítulo 2 é feito um exame detalhado do inquérito policial, a contar de seu histórico no direito brasileiro, com ênfase para aspectos como definição, características, finalidade, natureza jurídica, valor probatório e a posição do indiciado nesse expediente criminal. Já os Capítulos 3 e 4 apresentam uma análise acerca dos princípios do contraditório e da ampla defesa, respectivamente. Finalmente, no Capítulo 5, discute-se, com base nos fundamentos teóricos, a possibilidade de aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, considerando, para tal, as posições doutrinárias e jurisprudenciais, sem desprezar a recente reforma parcial do Código de Processo Penal, que, mesmo isenta de tratamento direcionado a primeira fase da persecução criminal, optou pela manutenção do inquisitivo, influenciando na conclusão do estudo desenvolvido. Em acréscimo, insta ressaltar que no desenvolvimento deste trabalho, será utilizada a técnica de pesquisa bibliográfica, consultas a livros jurídicos, jurisprudências, Constituição Federal, Código de Processo Penal, Estatuto da OAB, 11 leis esparsas e artigos específicos sobre o tema, cuja publicação se deu em revistas jurídicas e na internet. 12 CAPÍTULO 1 – PERSECUÇÃO PENAL PRELIMINAR OU PRÉVIA 1.1 NOÇÕES ELEMENTARES O Estado detém, privativamente, o dever de aplicação da pena na execução do ius puniendi, uma vez que “assumiu a exclusividade de exercitar o direito de punir” 1. Dessa forma, ao ocorrer um ilícito penal, emerge a persecutio criminis, que é “atividade estatal destinada a obter a aplicação da pena” 2, composta por duas fases distintas. Nesse norte, André Rovégno preleciona: [...] cabe ao Estado, por vezes, dupla tarefa, tendente a concretização da justiça penal: verificar preliminarmente se há indicação segura da ocorrência de crime e, na hipótese afirmativa, dar concretude ao processo como meio inafastável da aplicação da pena cabível. Essa tarefa é chamada normalmente de persecutio criminis¸ podendo-se afirmar que o ius 3 persequendi é justamente o poder dever de levar a efeito tal persecução. Posto isso, resta patente que a persecutio criminis ou persecução penal engloba, em primeiro momento, a atividade preliminar voltada à verificação da ocorrência do crime, na qual são definidas a materialidade e a autoria da infração penal e, em segundo momento, a ação penal ou o processo penal propriamente dito, no qual é proferida uma sentença definitiva, com a aplicação da pena cabível ou absolvição do acusado. A respeito, Julio Fabbrini Mirabete discorre: Nos termos do art. 4º do CPP, cabe à polícia judiciária, exercida pelas autoridades policiais, a atividade destinada à apuração das infrações penais e da autoria por meio do inquérito policial, preliminar ou preparatório da ação penal. À soma dessa atividade investigatória com a ação penal promovida pelo Ministério Público ou ofendido se dà o nome de persecução penal (persecutio criminis). Com ela se procura tornar efetivo o jus puniendi resultante da prática do crime a fim de se impor a seu autor a sanção penal cabível. Persecução penal significa, portanto, a ação de perseguir o crime. Assim, além da idéia da ação da justiça para punição ou condenação do responsável por infração penal, em processo regular, inclui _____________ 1 Direito penal: parte geral, de autoria de João Batista Texeira, a ser publicado, 2005. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas-SP: Millenium, 2000. v. 1, p. 138. 3 ROVÉGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. 1. ed. Campinas-SP: Brookseller, 2005. p. 55. 2 13 ela os atos praticados para capturar ou prender o criminoso, a fim de que se 4 veja processar e sofrer a pena que lhe foi imposta. O estudo proposto neste trabalho objetiva esmiuçar o inquérito policial, expediente policial que materializa a primeira fase da persecução penal, atividade estatal cuja justificação se dá “em razão do ônus que significa para o indivíduo ter contra si um processo penal” 5. Acerca do mencionado, Maria Thereza Rocha de Assis Moura expõe: O processo penal, é sabido, constitui sanção negativa em si mesmo. Carregado de simbolismo, produz efeitos indeléveis em quem o sofre, mesmo que a ação penal ao fim termine em sentença penal absolutória. O 6 indivíduo sofre e padece o processo penal. Tendo em vista que a persecutio criminis, envolvendo as duas fases que lhe são inerentes, toma por fim supremo não só o interesse público de aplicação da pena, como também a redução do dano atribuído ao indivíduo que figura no pólo de autor da infração, a persecução penal preliminar ou prévia adquire maior relevância, porquanto persiste, nesse sentido, a necessidade de um procedimento prévio à instauração da ação penal, destinado a colher provas que demonstrem a materialidade e a autoria do fato, ressaltando-se que “não pode haver atuação persecutória do Estado sem tipicidade” 7. Assim, para acusar, deve-se ter prova obtida por meio de uma apuração preparatória ou prévia à ação penal de natureza condenatória que demonstre, com alguma certeza, a materialidade do fato, aparentemente ilícito e típico, e ao menos indícios de autoria, co-autoria ou participação, sem esquecer os elementos de convicção quanto à provável culpabilidade do indiciado. Enfim, a necessidade de formar um conjunto probatório preliminar que dê suporte ao aforamento da ação penal, sedimenta a persecução penal inicial ou prévia. _____________ 4 MIRABETE, Julio Fabrini. Processo penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 78. SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 131. 6 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa causa para ação penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 246. 7 ROVÉGNO, 2005, p. 141. 5 14 1.2 FUNÇÕES DA PERSECUÇÃO PENAL PRELIMINAR OU PRÉVIA A persecução penal preliminar ou prévia, cujos objetivos manifestos são investigar o delito, bem como sua autoria, expõe dupla função, a saber: preservadora e preparatória. 8 No tocante a primeira função, cabe destacar a seguinte citação alocada na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal de 1941: É ele [o inquérito policial] uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas. Por mais perpicaz e circunspecta, a autoridade que dirige a investigação inicial, quando ainda perdura o alarma provocado pelo crime, está sujeita a equívocos ou falsos juízos a priori, ou a sugestões tendenciosas. 9 Analisando a colocação supramencionada, percebe-se que é feita referência à função preservadora da persecução penal prévia, conservando-se a qualidade de inocente, bem como a liberdade do indivíduo que figure como provável autor da infração penal, em face das acusações infundadas que possam eventualmente surgir por meio da investigação. Visto isso, é possível assentar que a função preservadora da persecução penal preliminar ou prévia, instaurada quando o crime não apresenta inteireza de elementos essenciais, concretiza a redução de alegações desprovidas de fundamento, impedindo a manutenção de acusações formais temerárias. A segunda função da persecução preliminar, qual seja, a preparatória, destina-se ao cuidado exigido na proteção dos meios de prova, posto que os vestígios inerentes ao fato delituoso sob investigação tendem a desaparecer, tornando, em alguns casos, inoperante a propositura da ação penal pelo órgão de acusação, devido à deficiência do conjunto probatório obtido em sede da persecutio criminis inicial. Conclui-se, diante do evidenciado, que a função preparatória da persecução penal prévia resguarda “elementos destinados a valer no debate da causa” , 10 _____________ 8 SAAD, 2004, p. 32. BRASIL. Exposição de motivos do Código de Processo Penal. Coordenação por Luiz Flávio Gomes. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 383. 10 ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes. Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p.17. 9 15 capazes de servir ao julgamento decisivo da ação penal, por figurarem como importantes fatores de convicção. Acerca do assunto esboçado neste tópico, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo leciona: Imprescindível, portanto, a existência das duas fases no procedimento da persecução penal, a primeira delas dita persecução, ou instrução, preliminar ou prévia, apresentando dupla função, ou objetivo. O primeiro deles preservador, diminuindo, ou minimizando, acusações infundadas, temerárias e até caluniosas e evitando o custo de acusações inúteis. O 11 segundo, preparatório, acautelando eventuais meios de prova. Em outro verbete, André Rovégno infere, com excelência, o papel da persecução penal preliminar ou prévia no processo penal, ao assentar que: O processo já começa a nascer na investigação criminal, haja vista que são elementos por ela colhidos que embasam o juízo ministerial favorável ao processo, bem como a decisão judicial que aceita a peça inicial de 12 acusação. Sob égide das considerações expostas, próprias a caracterizar as funções concernentes à persecução penal preliminar ou prévia, prossegue-se a fim de delinear as considerações inerentes aos sistemas de processo penal, pois, conforme determina o já citado Sergio Marcos de Moraes Pitombo: Cada sistema processual penal adotou o meio de apuração prévia que lhe aflorou cabente. Tomou em conta aspectos políticos e sociais, visando aos respectivos destinatários, na procura do melhor instrumento, em 13 determinado instante histórico. 1.3 SISTEMAS DE PROCESSO PENAL Na lição de Jacinto Nelson Miranda Coutinho, sistema é “conjunto de temas, colocados em relação, por um princípio unificador, que formam um todo pretensamente orgânico, destinado a uma determinada finalidade” 14. _____________ 11 PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Inquérito Policial: novas tendências. Belém: CEJUP, 1987. p. 21. 12 ROVÉGNO, 2005, p. 59. 13 PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Breves notas sobre o Anteprojeto de Lei, que objetiva modificar Código de Processo Penal, no atinente à investigação policial. São Paulo: Método, 2001. p. 344. 14 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. São Paulo: Editora Renovar, 2001. p.22. 16 Na seara processual penal, o sistema indica o caminho a ser seguido, com o fito de alcançar um fim colimado, que é a verificação de fatos supostamente ilícitos. Assim, o entendimento do processo penal exige a análise dos sistemas processuais existentes, que são o acusatório, o inquisitório e o misto. 1.3.1 Sistema acusatório Reside, na doutrina, dificuldade de se estabelecer características inerentes a cada sistema, uma vez que atualmente não existe consagrado, em nenhum ordenamento jurídico, uma estrutura processual pura. Todavia, o traço distintivo essencial do juízo acusatório consiste na separação dos poderes exercidos no processo; por um lado, o acusador persegue o crime e pratica as faculdades de requerente, enquanto o acusado, resistindo à acusação, exerce plenamente o seu direito de defesa, restando, ao tribunal, o poder de decidir. Portanto, no sistema acusatório, o tribunal aparece como um árbitro entre as partes – acusador e acusado – que se enfrentam na defesa de seus interesses, sob observância do princípio da igualdade e da imparcialidade do julgador. Nesse sentido, Salo de Carvalho destaca que: A característica principal do modelo acusatório é a concepção do juiz como sujeito passivo tanto no que concerne à iniciativa da ação quanto à gestão da prova, estando rigidamente separado das partes, principalmente do órgão acusador. [...] A radical separação entre juiz e acusação é o mais 15 importante de todos os elementos do modelo acusatório. Acrescente-se que a aplicação do princípio do contraditório, bem como a manutenção da prisão do acusado, somente em casos de extrema excepcionalidade, identifica outros traços constituintes da sistemática acusatória. Em síntese, consoante exposição do autor Guilherme de Souza Nucci, são características do sistema acusatório: A nítida separação entre o órgão acusador e o julgador; há liberdade de acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão; predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo; vigora a publicidade do procedimento; o contraditório está presente; existe a _____________ 15 CARVALHO, Salo de. Pena e Garantia: uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2001. p.27-28. 17 possibilidade de recusa do julgador; há livre sistema de produção de provas; predomina maior participação popular na justiça penal e a liberdade do réu 16 é a regra. 1.3.2 Sistema inquisitório O processo inquisitivo surgiu para evitar as injustiças cometidas na sistemática acusatória. No entanto, tornou-se um instrumento de tortura e opressão, por isso a confissão, considerada rainha das provas, era obtida mediante atos que atentavam contra a integridade física e psicológica dos indivíduos, ao tempo, desprovidos de direitos e garantias fundamentais. Outro aspecto significante do sistema inquisitivo encontra-se fundado na concentração de todos os poderes inerentes ao processo em uma única mão, a do inquisitor ou juiz. A respeito, André Rovégno assevera: No sistema inquisitivo, temos apenas um sujeito atuante: o juiz. Reúne sob a sua batuta, a função de decidir e aquela de perquirir. [...] Existe apenas um sujeito e um objeto. O juiz é o sujeito; o acusado, o objeto. [...] Na ação do juiz entendem-se enfeixadas as funções de acusar e defender, além, 17 logicamente, daquela de julgar. Desse modo, pode-se afirmar que o método inquisitivo está baseado no valor do fim a ser atingido, ou seja, a verdade real, independente dos meios necessários (investigação secreta, ausência de contraditório) para alcançá-la. É, sem objeção, um sistema no qual a segurança social e a liberdade individual entram em choque, devendo prevalecer o interesse coletivo. Em resumo, Fernando da Costa Tourinho Filho assinala como traços identificadores do sistema inquisitório: A concentração das três funções: acusadora, defensora e julgadora, em mãos de uma só pessoa; a sigilação; a ausência de contraditório; o procedimento escrito; os juízes permanentes e irrecusáveis; as provas _____________ 16 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 64. 17 ROVÉGNO, 2005, p.231-232. 18 apreciadas de acordo com regras mais aritméticas que processuais; a 18 confissão era elemento suficiente para a condenação. 1.3.3 Sistema misto O que caracteriza o sistema misto é a existência de dois formatos, o inquisitivo e o acusatório, dentro do mesmo processo. Nesse sentido, Gilson Bonato leciona: No sistema misto, o procedimento é uma das suas principais facetas, fazendo jus ao nome que o sistema recebe. Há um jogo alternado do interesse público em sancionar os delitos e em conservar a liberdade do cidadão. O procedimento tem início através de uma investigação preliminar que dê suporte para uma acusação ou determine, caso contrário, o encerramento da persecução penal. Esse procedimento preliminar mantém as principais características do sistema inquisitório, limitando a defesa, mas, por outro lado, não pode também servir para um juízo de condenação, que 19 somente poderá ser decretado após uma instrução contraditória. Considerando o tratamento predecessor dado aos sistemas acusatório e inquisitório, cabe trazer à baila a conclusão sintética do autor Guilherme de Souza Nucci, acerca da sistemática em apreço: O sistema misto uniu as virtudes dos dois anteriores, caracterizando-se pela divisão do processo em duas grandes fases: a instrução preliminar, com os elementos do sistema inquisitivo, e a fase de julgamento, com a predominância do sistema acusatório. Num primeiro estágio, há procedimento secreto, escrito e sem contraditório, enquanto, no segundo, presentes se fazem a oralidade, a publicidade, o contraditório, a concentração dos atos processuais, a intervenção de juízes populares e a 20 livre apreciação das provas. 1.3.4 O sistema de processo penal brasileiro _____________ 18 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 1, p.73. 19 BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais penais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p.97. 20 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 64. 19 Após examinar as principais características inerentes aos sistemas processuais penais, busca-se delimitar qual é o sistema processual vigente no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse aspecto, encontra-se presente na doutrina, divergência de posicionamento. Para determinados autores, o sistema de processo penal brasileiro é acusatório, no entanto, os partidários da investigação policial inquisitiva sustentam que o processo penal brasileiro adota o sistema misto. A primeira corrente doutrinária, em razão dos princípios constitucionais vigentes, mormente o contraditório e a ampla defesa, objetos centrais deste trabalho, ensina que o sistema processual admitido no Brasil é o acusatório. Tal corrente assinala, inclusive, que o Código de Processo Penal, datado de 1941, apresenta profundo descompasso com o sistema implantado pela Constituição de 1988, a qual trouxe uma nova perspectiva para o direito processual penal, demonstrando a adoção de um modelo acusatório. Dessa forma, segundo a posição doutrinária em consideração, mostra-se necessário adequar o Código de Processo Penal e as demais legislações infraconstituicionais aos ditames do modelo acusatório instituído pela Carta Magna. Entretanto, o cerne da questão em delimitação encontra-se alocado na existência do inquérito policial, fase marcadamente inquisitiva que, devido a sua natureza jurídica de procedimento administrativo, não possui força para afetar a estrutura acusatória do processo penal pátrio. Assim, para os adeptos do sistema acusatório, o inquérito policial não apresenta mais do que uma inquisitividade substancial, incapaz de macular a feição exclusivamente acusatória da fase propriamente judicial do processo penal brasileiro. Nesse sentido, Rogério Lauria Tucci conclui: Verifica-se, destarte, que o processo penal moderno delineia-se inquisitório, substancialmente, na sua essencialidade; ao mesmo tempo em que é, 21 formalmente, no tocante ao procedimento, acusatório. Diversamente do já aventado, a segunda corrente doutrinária patrocina que o sistema pátrio é misto, visto que, por determinação do Código de Processo Penal, as provas são coligidas no inquérito policial, com todos os elementos do sistema _____________ 21 TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 38. 20 inquisitivo e, somente em sede de ação penal, passam a vigorar as garantias previstas no sistema acusatório constitucional. Em postura favorável ao sistema misto, Marco Antonio de Barros manifesta: Pese todo o respeito que se devota aos nobres doutrinadores, entendo que o nosso sistema da persecução penal continua sendo misto. Inquisitivo na sua fase primária, depositando no inquérito policial seu principal instrumento de perquirição do fato ilícito [...]. Acusatório, na segunda fase, porque a ação penal depende fundamentalmente da iniciativa do órgão de acusação, seja ele representante do Ministério Público [...] ou o próprio ofendido ou 22 seu representante legal. Outro aspecto salientado pelos partidários do sistema misto é o peso das provas produzidas durante a investigação, mormente as irrepetíveis, que são consideradas pelos magistrados, embasando, inclusive, sentenças condenatórias, nas quais são feitas expressas referências ao conjunto de elementos probatórios coligidos no inquérito policial. Isso, na visão de Antonio Magalhães, remanesce em virtude da “cultura processual penal ainda predominantemente inquisitória, que valoriza tudo aquilo que possa ser útil ao esclarecimento da chamada verdade real” 23 , finalidade precípua do processo penal. Sob forte argumentação, Guilherme de Souza Nucci assegura que o sistema processual misto predomina no ordenamento jurídico brasileiro: Nosso sistema é “inquisitivo garantista”, enfim misto. Defender o contrário, classificando-o como acusatório é omitir que o juiz brasileiro produz prova de ofício, decreta a prisão do acusado de ofício, sem que nenhuma das partes tenha solicitado, bem como se vale, sem a menor preocupação, de elementos produzidos longe do contraditório, para formar a sua convicção. Fosse o inquérito, como teoricamente se afirma, destinado unicamente para o órgão acusatório, visando a formação da opinio delicti e não haveria de ser parte integrante dos autos do processo, permitindo-se ao magistrado 24 que possa valer-se dele para a condenação de alguém. A par das razões que norteiam a doutrina no tocante ao sistema processual penal brasileiro, em que pese o objeto deste trabalho, qual seja delinear se existe, de fato, possibilidade de aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, mostra-se pertinente entender que a sistemática processual penal pátria adotou o modelo misto, consoante asserção de Hélio Tornaghi: _____________ 22 BARROS, Marco Antonio de. A busca da verdade no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 132. 23 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 234. 24 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 65. 21 O procedimento Inquisitório é mais eficiente para a apuração dos fatos, enquanto o acusatório oferece maiores garantias ao acusado. No primeiro, o suspeito, o indiciado, o processado, enfim, é objeto de investigações; no outro é sujeito de uma relação jurídica. Mas o sistema que deveria prevalecer seria o misto, que reúne as vantagens e elimina os 25 inconvenientes dos outros dois. Feitas as devidas anotações introdutórias, dá-se seguimento ao estudo proposto, a fim de delinear os aspectos relevantes do inquérito policial. _____________ 25 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1989. v. 1, p. 17-18. 22 CAPÍTULO 2 – INQUÉRITO POLICIAL 2.1 HISTÓRICO DO INQUÉRITO POLICIAL NO BRASIL No direito pátrio, sempre existiu alguma forma de apuração preliminar ou prévia, constituindo a primeira fase da persecução penal. Todavia, somente em 1871, com a promulgação da Lei nº. 2.033, regulada, posteriormente, pelo Decreto nº. 4.824, ambos do mesmo ano, é que surgiu, na ordem jurídica brasileira, a denominação inquérito policial com a seguinte definição legal: “O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito” 26. Ressalta-se que os textos legais supramencionados não criaram o inquérito policial, mas acabaram por consagrá-lo, nos moldes e com a denominação consolidada hodiernamente, porquanto “suas funções, que são de natureza do processo criminal, existem de longa data” 27. Em acréscimo, admitia-se a defesa do acusado durante o inquérito policial em face dos atos de natureza documental. Contudo, os atos de investigação não comportavam atuação defensiva do indiciado. Após a reforma de 1871, o processo penal restou estruturado sobre uma proposta de acusação, a denúncia ou queixa, baseada no inquérito policial e legalizada com a pronúncia, conforme ocorre para os crimes dolosos contra a vida, de competência do Tribunal do Júri, ainda hoje. Com o advento da República, nova ordem constitucional foi instaurada em 24 de fevereiro de 1891, trazendo, em seu bojo, duas alterações cruciais: a primeira relativa à quebra de unidade legislativa, permitindo aos Estados-membros legislar em matéria de processo civil e penal, e a segunda a respeito da plenitude de defesa, na persecução penal preliminar ou prévia, que recebeu o status de garantia constitucional. _____________ 26 NUCCI,Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 187. 27 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 61. 23 Em alusão à quebra de unidade legislativa instituída pela Constituição da República de 1891, José Frederico Marques dispõe: O golpe dado na unidade processual não trouxe vantagem alguma para nossas instituições jurídicas; ao contrário, essa fragmentação contribuiu para que se estabelecesse acentuada diversidade de sistema, o que, sem 28 dúvida alguma, prejudicou a aplicação da lei penal [...]. Infere-se da citação precedente que a autonomia dada aos Estados para legislar em matéria processual resultou em disparidades entre as legislações estaduais, bem como na inobservância das disposições processuais constitucionais, rendendo críticas à descentralização do processo penal brasileiro que passou a enfrentar problemas em sua aplicabilidade. Exemplo disso é o fato de que, em alguns Estados, o inquérito policial, apesar de não ter sofrido grandes mudanças em sua estrutura, perdeu a sua denominação para o uso da expressão “investigação” 29. Promulgada em 16 de julho de 1934, a nova Constituição brasileira extinguiu o sistema pluralista instalado em 1891, restabelecendo a unidade legislativa processual. Dessa forma, a competência para legislar em matéria de direito processual cabia privativamente à União. Em atenção ao artigo 11 das Disposições Transitórias da Constituição de 1934, foi apresentado ao Presidente da República, em 15 de agosto de 1935, o Projeto de Código de Processo Penal, com Exposição de Motivos assinada pelo então Ministro da Justiça, Vicente Ráo, razão pela qual o referido texto ficou conhecido como Anteprojeto Vicente Ráo. Dentre as principais inovações elencadas no projeto, destaca-se a proposta de supressão do inquérito policial e a criação de um juizado de instrução, destinado à produção de provas, em contraditório regular, ante o juiz processante, conferindo as mais seguras garantias de defesa e a simplificação da ação penal. Acrescenta-se que o juizado de instrução explorado no projeto, trata-se de um órgão intermediário, pois sua atuação não excluía a ação da polícia, que seria instrumento auxiliar de função investigatória, não atuando no interrogatório do acusado e, tão pouco, no depoimento das testemunhas. _____________ 28 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito processual penal. 19. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2000. v. 1, p. 121-122. 29 QUEIROZ FILHO, Dilermando. Manual de Inquérito Policial. São Paulo: Editora Adcoas, 2000. p. 65. 24 Outrossim, faz-se necessário ressaltar que do modo como foi concebido pelo Anteprojeto Vicente Ráo, o juizado de instrução, na verdade, não suprimia o inquérito policial, mas, apenas, modificava sua nomenclatura para diligências processuais, reservando à polícia os atos de preservação dos vestígios do crime, que são irrepetíveis e definitivos. Contudo, o Projeto Vicente Ráo não chegou a se converter em lei, uma vez que o Golpe de Estado ocorrido em 10 de novembro de 1937 e a Constituição que lhe seguiu bloquearam a aprovação e discussão do intento. Na vigência do Novo Estado, instituiu-se uma comissão com a missão de elaborar outro projeto de Código de Processo Penal, do qual adveio o Decreto–lei 3.689, de 03 de outubro de 1941, que é o Códex Processual Penal aplicado hodiernamente. Ao tratar da primeira fase da persecução penal, o Código de Processo Penal de 1941, reformado pela Lei 11.690/2008, conservou o inquérito policial na legislação pátria. O Ministro Francisco Campos, na Exposição de Motivos do Decreto-lei 3.689, de 03.10.1941, justificou a manutenção desse expediente, com fulcro nas seguintes alegações: Foi mantido o inquérito policial como processo preliminar ou preparatório da ação penal, guardadas as suas características atuais. O ponderado exame da realidade brasileira que não é apenas a dos centros urbanos, senão também a dos remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio ao sistema vigente.[...]O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. Para atuar proficuamente em comarcas extensas, e posto que deva ser excluída a hipótese de criação de juizados de instrução em cada sede do distrito, seria preciso que o juiz instrutor possuísse o dom da ubiqüidade.[...]Pode ser mais expedito o sistema da unidade de instrução, mas o nosso sistema tradicional, com o inquérito preparatório, assegura uma justiça menos aleatória, mas prudente e serena. 30 Em consideração aos dispositivos constitucionais da época, o Código deslocou para o inquérito policial as funções do suprimido sumário de culpa, atribuindo a esse procedimento administrativo o caráter de instrução preliminar que perdura até os dias atuais. _____________ 30 BRASIL. Exposição de motivos do Código de Processo Penal. Coordenação por Luiz Flávio Gomes. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 383. 25 Após explanação analítica do histórico referente ao inquérito policial no Brasil, prossegue-se no exame desse instrumento de investigação criminal, tendo como foco seus aspectos didáticos, que constituem as bases elementares do estudo desenvolvido neste trabalho. 2.2 CONCEITO Não obstante à quase uniformidade de conceitos atribuídos ao inquérito policial, uma vez que a doutrina e a jurisprudência não têm amparado grandes discrepâncias ao defini-lo, é válido expor, a seguir, o entendimento de alguns doutrinadores a respeito deste instrumento de persecução penal. Destarte, o autor Vicente de Paula Vicente Azevedo, apropriando-se da etimologia inerente ao vocabulário inquérito, assinala: [...] inquirir é o verbo que dá origem ao substantivo inquérito, equivale a perguntar, indagar, procurar, numa palavra, averiguar o fato, ou os fatos que ocorreram e qual o seu autor, ou quais os seus autores. Para realizar esse objetivo, a autoridade, além de inquirir, isto é, interrogar as testemunhas, o ofendido, o indiciado, -promoverá diligencias, inclusive, sempre que possível-, a reconstituição dos fatos, a que o código chama reprodução 31 simulada. Nessa linha de pensamento, Ismar Estulano Garcia define inquérito policial como: “[...] peça informativa, compreendendo o conjunto de diligências realizadas pela autoridade para apuração do fato e descoberta da autoria. Relaciona-se com o verbo inquirir [...]” 32. Por sua vez, José Frederico Marques sintetiza: “inquérito policial é um procedimento administrativo-persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal” 33. Para Tourinho Filho, inquérito policial é: [...] o procedimento administrativo, preparatório e inquisitivo, presidido pela autoridade policial, e constituído por um complexo de diligências realizadas _____________ 31 AZEVEDO, Vicente de Paulo Vicente. Curso de direito judiciário penal. São Paulo: Saraiva, 1958. v. 1, p.140. 32 GARCIA, Ismar Estulano. Inquérito - Procedimento Policial. 8. ed. Goiânia: AB Editora, 1999. p. 17. 33 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas/SP: Editora Millenium, 2000. v. 1, p. 153. 26 pela polícia judiciária com, vistas à apuração de uma infração penal e à 34 identificação de seus autores. Da mesma maneira, Augusto Mondin, ao conceituar inquérito policial, faz menção à atuação da polícia judiciária: [...] é, pois, o instrumento clássico e legal de que dispõe a autoridade para o desempenho de uma das suas mais importantes funções. A sua elaboração constitui, principalmente, ato de polícia judiciária, e tem por escopo apurar 35 não só os chamados crimes comuns [...]. Finalmente, Guilherme de Souza Nucci, manifestando posição hodierna, depreende que o inquérito policial: [...] trata-se de um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua 36 autoria. Portanto, com alicerce nas definições retromencionadas, infere-se que o inquérito policial é procedimento preliminar ou prévio, de natureza administrativa, realizado por ação da polícia judiciária, a fim de apurar o fato, supostamente ilícito e típico, bem como sua autoria, co-autoria e participação, fornecendo, assim, elementos para atuação do Ministério Público, do Poder Judiciário, ou do particular (na ocorrência de crimes destinados à ação penal privada). Além disso, em que pese o tratamento instituído pela Lei nº. 9.099/95, convém mencionar o conceito conclusivo do mestre e professor Arnaldo Siqueira, para quem o “inquérito policial é procedimento legal destinado á apuração dos fatos apresentados como infrações penais, quando a pena privativa for superior a dois anos” 37. 2.3 CARACTERÍSTICAS _____________ 34 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 1, p. 192. 35 MONDIN, Augusto. Manual de Inquérito Policial. 6. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1995. p. 5. 36 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 62. 37 LIMA, Arnaldo Siqueira de. Inovações no Inquérito Policial. 7. ed. Brasília-DF: Editora Universa, 2008. p. 19. 27 Ao conceituar inquérito policial, vislumbra-se que a ínfima variação presente nas definições elaboradas pelos doutrinadores resulta da ênfase que é dada a uma ou outra característica atribuída a esse procedimento administrativo. Dessa feita, faz-se pertinente tecer alguns comentários acerca das principais características inerentes ao inquérito policial. 2.3.1 Discricionário Nos termos do art. 14 do Código de Processo Penal: “O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade” 38. Essa norma legal evidencia a discricionariedade atribuída ao delegado de polícia, autoridade que, em razão de sua independência funcional, possui a faculdade de nortear as investigações criminais conforme o seu entendimento, estando ausente a necessidade de requerer, para isso, autorização judiciária. Devido à discricionariedade, os atos realizados pela autoridade policial estão imbuídos de auto-executoriedade, visando alcançar o fim colimado no inquérito policial, que é a elucidação do fato, verificada, por conseguinte, a sua autoria, sob observação das disposições constantes nos artigos 6º e 7º, ambos do Código de Processo Penal, restando irrelevante a ordem estipulada. Destarte, não há ilicitude no poder discricionário conferido aos delegados de polícia, porquanto, conforme leciona José Frederico Marques “têm a faculdade de operar, dentro, porém, de um campo cujos limites são fixados estritamente pelo direito” 39. Assim, embora a discricionariedade atribuída à autoridade policial, por força do artigo 107 do Código de Processo Penal, não esteja exposta à suspeição, essa característica não corrobora com arbitrariedades, podendo, inclusive, ser objeto de controle jurisdicional, mediante a impetração de habeas corpus, mandado de segurança ou outros remédios legais específicos. _____________ 38 BRASIL. Código de Processo penal. Coordenação por Anne Joyce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 510. 39 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas/SP: Editora Millenium, 2000. v. 1, p. 154-155. 28 2.3.2 Escrito Os autos do inquérito policial concretizam a investigação criminal e instruem, oportunamente, a ação penal, devendo, por imperativo da lei, apresentar forma escrita. Determina o art. 9º do Código de Processo Penal: “Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade” 40. Nesse sentido, Julio Fabbrini Mirabete prescreve: [...] o inquérito policial é um procedimento escrito, já que destinado a fornecer elementos ao titular da ação penal. [...] Embora não esteja sujeito a formas indeclináveis, como pode servir de base para a comprovação da materialidade do delito, [...] exigi-se algum rigor formal da peça 41 investigatória. Depreende-se, portanto, que a forma escrita do inquérito policial aliada á exigência da lei processual penal vigente, estipulando que a autoridade presidente do inquérito policial rubrique todas as peças do respectivo instrumento persecutório, confere segurança jurídica ao procedimento realizado no decurso da investigação, uma vez que essa restaria eminentemente contestável caso fosse embasada na oralidade. 2.3.3 Sigiloso É notório que, na busca pela verdade real, o sigilo se mostre imprescindível em alguns casos, sendo necessário que a autoridade policial, em fase de investigação, mantenha certa reserva quanto aos detalhes probatórios, os quais, conhecidos pelas partes, poderão trazer grandes prejuízos à elucidação do fato, bem como sua autoria. _____________ 40 BRASIL. Código de Processo penal. Vade Mecum. Coordenação por Anne Joyce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 510. 41 MIRABETE, 2005, p. 83. 29 Preceitua o art. 20 do Código de Processo Penal: “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade” 42. Contudo, hodiernamente, o caráter sigiloso do inquérito policial resta exacerbadamente mitigado, havendo doutrinas e entendimentos jurisprudenciais (STF tem precedentes para elaboração de Súmula Vinculante nesse sentido) que já prelecionam a sua revogabilidade, mormente em virtude da atuação do advogado no decurso das investigações, por determinação do inciso XIV, art. 7º da Lei nº. 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia): São direitos do advogado:[...] XIV - examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e 43 tomar apontamentos. A revogação supramencionada é, sem objeção, uma inovação contestável, porquanto a manutenção do sigilo pela autoridade policial, em alguns casos, mostrase necessária para completa elucidação do fato sem que se lhe oponham, no caminho, empecilho para impedir ou dificultar a colheita de informações com ocultação ou destruição de provas e influências sobre testemunhas, “pois caso venha ocorrer a divulgação das atividades policiais investigatórias, poderia tal divulgação criar sérios embaraços ao esclarecimento do delito e sua autoria” 44. Além disso, “o sigilo no inquérito policial, necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade, tem ação benéfica, profilática e preventiva, tudo em benefício do Estado e do cidadão” . Desse modo, embora os partidários do 45 exercício do direito de defesa em sede de inquérito policial visualizem na ausência de sigilo uma medida benéfica para o indiciado, esse remanesce exposto à insegurança jurídica que a ampla divulgação da fase de investigação tende a oferecer, considerando que dificilmente é possível para a sociedade dissociar o indiciado de acusado, ou pior, de autor do delito. Encerrando o presente aspecto, salienta-se que no tocante ao sigilo do inquérito policial, os tribunais superiores apresentam, atualmente, entendimentos _____________ 42 BRASIL. Código de Processo penal. Vade Mecum. Coordenação por Anne Joyce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 510. 43 BRASIL. Estatuto da advocacia e a OAB. Vade Mecum. Coordenação por Anne Joyce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 1036. 44 SILVA, José Geraldo da. O Inquérito Policial e a Polícia Judiciária. 4. ed. Campinas/SP: Editora Millenium, 2002. p. 174. 45 MIRABETE, 2005, p.83. 30 divergentes. Enquanto o STJ sustenta o sigilo em fase de investigação, estendendoo ao advogado, o STF, em postura contrária, defende ser impossível a manutenção do sigilo, devido aos direitos inerentes à defesa, embora tal entendimento provoque ruptura com o art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal. 46 2.3.4 Inquisitivo Apesar da revogação supramencionada, o inquérito policial permanece inquisitivo, uma vez que a discricionariedade atribuída ao delegado de polícia continua prevista no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, cumpre anotar o ensinamento de Edgard Magalhães Noronha: [...] o inquérito, entre nós, tem caráter inquisitivo, gozando por isso a autoridade policial de descrição. Certo é que não se trata de arbítrio [...]. Mas suas atribuições são discricionárias; é ela que conduzirá a investigação preparatória e, consequentemente, lhe é facultado agir dentro dos limites 47 legais. Embora vigente o caráter inquisitivo do inquérito policial, atribui-se ao advogado a prerrogativa de acompanhar o seu cliente e tomar conhecimento das provas colhidas para possível medida judicial, inclusive habeas corpus, se for o caso, pois na fase de inquérito o investigado não está isento de constrangimentos. Acrescente-se, com cunho conclusivo, a visão de Romeu de Almeida Salles Júnior a respeito do caráter inquisitivo em questão: O inquérito policial é inquisitivo porque a autoridade comanda as investigações como melhor aprouver. Não existe um rito preestabelecido para a elaboração do inquérito ou andamento das investigações. [...] É inquisitivo pelo fato de a autoridade comandar as investigações com certa discricionariedade. [...] Para que se entenda o caráter inquisitivo do inquérito basta atentar para o que dispõe o art. 107 do Código de Processo Penal: “Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo 48 legal”. _____________ 46 Lima, Arnaldo Siqueira de. Inovações no Inquérito Policial. 7. ed. Brasília-DF: Editora Universa, 2008. p. 30-34. 47 NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 21. 48 SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. Inquérito policial e ação penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 17-18. 31 2.2.5 Obrigatório A obrigatoriedade inerente ao inquérito policial se encontra esculpida no art. 5º, inciso I, do Código de Processo Penal: “Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I - de ofício” 49. Por isso, ao receber a notitia criminis, a autoridade policial não pode furtar-se do dever de investigação, atividade ulteriormente materializa no inquérito policial. Cumpre ressaltar que a obrigatoriedade dá origem à indisponibilidade, outra característica aplicada ao inquérito policial, cujo fundamento legal está previsto no art. 17 do Código de Processo Penal, seguinte a redação: “A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito” 50. Desse modo, uma vez realizada a obrigação de instaurar o inquérito policial, por parte da autoridade policial, essa não possui discricionariedade para arquivá-lo. Nesse aspecto, Julio Fabbrini Mirabete disserta: Na hipótese de crime que se apura mediante ação penal pública, a abertura de inquérito policial é obrigatória pois a autoridade policial deverá instaurálo, de ofício, assim que tenha a notícia da prática da infração (art. 5º, I). É também indisponível, pois, uma vez instaurado regularmente, em qualquer 51 hipótese, não poderá a autoridade arquivar os autos (art. 17). 2.3.6 Dispensável Não obstante a Constituição Federal de 1988 tenha reconhecido a importância do inquérito policial ao inserir no texto constitucional as funções de investigação e judiciária da Polícia Civil e da Polícia Federal 52, expressiva parcela da doutrina pátria tem sustentado a dispensabilidade do inquérito policial, com supedâneo no art. 27 do Código de Processo Penal: Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, _____________ 49 BRASIL. Código de Processo penal. Vade Mecum. Coordenação por Anne Joyce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 509. 50 BRASIL. Código de Processo penal. Vade Mecum. Coordenação por Anne Joyce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 510. 51 MIRABETE, 2005, p. 83. 52 Lima, Arnaldo Siqueira de. Inovações no Inquérito Policial. 7. ed. Brasília-DF: 2008. p. 12. 32 informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os 53 elementos de convicção. Contudo, a Constituição Federal guarda supremacia, devendo seu imperativo legal prevalecer. Dessa forma, faz-se coerente reconhecer a imprescindibilidade do inquérito policial que, na prática, “quase sempre é base de que se serve o órgão acusador para o oferecimento da denúncia” 54. Sob essa orientação, o douto professor Arnaldo Siqueira assinala: “o argumento de que o inquérito policial é prescindível falece diante da realidade. É meramente de cunho filosófico e doutrinário, sem respaldo na vida prática” 55. Logo, não se mostra adequado asseverar que o inquérito policial é dispensável ou prescindível, tendo em vista a sua importância como atividade da polícia judiciária e instrumento de pacificação social, devido ao aparato investigatório que concretiza. 2.4 FINALIDADE Doutrina e jurisprudência pacificam o entendimento de que o inquérito policial tem por finalidade “servir à ação penal, sendo assim, instrumento de coleta de dados que serão utilizados pela acusação” 56. Todavia, além do fim secundário mencionado, o inquérito policial suporta outras finalidades acessórias, pois é a única base para que o julgador avalie, tanto a possibilidade de concessão de esporádicas medidas cautelares, em sede de investigação, quanto para que se decida acerca da instauração do processo sobre o fato então apurado, manifestando, assim, o juízo de admissibilidade da ação penal, denominado justa causa. 57 _____________ 53 BRASIL. Código de Processo penal. Vade Mecum. Coordenação por Anne Joyce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 511. 54 SILVA, José Geraldo da. O Inquérito Policial e a Polícia Judiciária. 4. ed. Campinas/SP: Editora Millenium, 2002. p. 85. 55 Lima, Arnaldo Siqueira. Inovações no Inquérito Policial. 7. ed. Brasília-DF: Editora Universa, 2008. p. 20. 56 ROVÉGNO, 2005, p. 135. 57 ROVÉGNO, 2005, p. 137-138. 33 Salienta-se que, em algumas hipóteses, o inquérito policial produz um conjunto de dados que não autoriza a deflagração da ação penal, no entanto, nessas situações, não se pode afirmar que inquérito deixou de atingir a sua finalidade, uma vez que se presta, precipuamente, à verdade real. 58 Em outras palavras, a autoridade policial, ao presidir o inquérito policial, firma compromisso com a verdade e não com a acusação, podendo, assim, no exercício de suas atribuições, evidenciar a culpabilidade do averiguado ou eximi-lo de uma acusação infundada, como divulga Cleunice Bastos Pitombo: Não se procura, apenas, prova ou elemento de convicção, destinados a embasar a acusação. Busca-se, também, para o encontro de provas, que interessem à defesa. Não é, e não pode ser concebido como medida posta 59 a serviço da incriminação [...]. Desse modo, resta patente a necessidade de superar a posição costumeira que confere ao inquérito policial a finalidade única e exclusiva de servir à acusação. Mais do que isso, como preceitua o Código de Processo Penal, a autoridade policial, imbuída do dever de esclarecer as circunstâncias do fato, assume a concepção de que o inquérito policial ultrapassa o fato típico e a autoria, averiguando, inclusive, elementos que indiquem ausência de culpabilidade ou de antijuridicidade na conduta do suspeito, evitando, com isso, uma demanda judicial inútil. Acerca do mencionado, é válido trazer à baila o posicionamento de Rogério Lauria Tucci: Assim como no processo penal, também o inquérito policial visa à reconstrução, o mais fiel possível, da hipótese fática. [...] do necessário contraste das averiguações, exsurgirá, com a intensidade exigível, a 60 verdade material. Portanto, o compromisso ético e jurídico do inquérito policial é com a reprodução legítima dos fatos: a busca da verdade. Sempre que o faz atinge sua finalidade. Assim, dizer que o inquérito policial tem por fim precípuo fornecer elementos à acusação, é reduzir sua função, pois não guarda compromisso com a _____________ 58 BARROS, Marco Antonio de. A Busca da Verdade no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 211. 59 PITOMBO, Cleunice Bastos. Da Busca e Apreensão no Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 2, p. 105. 60 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 185. 34 acusação ou com a defesa, mas com a verdade, sobre a qual está alicerçada a Justiça. 2.5 61 NATUREZA JURÍDICA Na lição de Dilermando Queiroz Filho: “o inquérito é elaborado por [...] autoridade policial, que pertence ao poder executivo, e por isso o procedimento possui natureza administrativa” 62. Destarte, considerando que o inquérito policial é originado por um órgão do Estado (Polícia Federal ou Polícias Civis, nas infrações penais não militares) e não se caracteriza a atuação nele contida por ser legislativa, judiciária ou mesmo política, ausente a resolução de litígio concreto, pode-se afirmar que apresenta, indiscutivelmente, índole administrativa. E essa feição administrativa inerente ao inquérito policial retoma o debate voltado para a delimitação do campo de incidência do art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal, onde se encontram consubstanciados os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. A Carta Magna impõe a observância desses preceitos nos processos administrativos. Assim, na hipótese do inquérito policial ser entendido como processo administrativo, a aceitação dos princípios evidenciados seria prontamente admitida. No entanto, prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que esse instrumento de persecução criminal é procedimento administrativo. 63 Confirmando o alegado, André Rovégno, ao interpretar a posição de Canuto afasta a caracterização do inquérito policial como processo administrativo, uma vez que esse instrumento persecutório não ampara um conflito de partes em posições contrárias, como persiste na relação processual: O autor sempre deixou bem claro que litigo há, somente, quando temos pretensão e resistência. [...] Mas há lide, sim, quando os titulares desse conflito encontram resistência mútua no tocante à submissão das _____________ 61 QUEIROZ FILHO, Dilermano. Manual de Inquérito Policial. São Paulo: Editora Adcoas, 2000. p. 199. 62 QUEIROZ FILHO, 2000, p. 46. 63 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 30. 35 pretensões legais em conflito [...] a lide pode gerar delito, já, o simples conflito de interesses qualificado, não. Por isso, ‘o poder público não litiga com o indiciado’, pelo simples fato de que não há pretensão punitiva no inquérito. [...] Afinal, no inquérito policial, em nenhum sentido, se pode perceber a existência de qualquer pretensão; [...]. Na investigação policial o Estado, por meio de seus agentes, simplesmente esclarece a verdade sobre 64 o que ocorreu, reconstrói o fato. Prosseguindo, sob uma perspectiva do direito administrativo, Hely Lopes Meirelles conceitua procedimento como “a sucessão ordenada de operações que propiciam a formação de um ato final objetivado pela Administração. É o iter legal a ser percorrido pelos agentes públicos” 65. Para o referido autor, o procedimento administrativo volta-se para um ato final isento de carga decisória, pois não há, nesse momento, a litigiosidade característica do processo administrativo. Acrescente-se que a posição de Heli Lopes Meirelles diverge daquela apregoada por Maria Sylvia Di Pietro 66 , para quem o uso do termo processo administrativo equivale à noção de procedimento administrativo. Nesse panorama, resta superada a argumentação de que o inquérito policial apresenta natureza jurídica de processo administrativo, porquanto não se reveste a preparar um ato final de cunho decisório, estando, no seu desenvolvimento, desvinculado de ação seqüencial, posto que o ato anterior não é validade do subseqüente, dada a discricionariedade conferida ao delegado de polícia. O entendimento supramencionado encontra abrigo na lição de Odete Medauar: O encadeamento sucessivo dos atos ocorre não como algo eventual ou meramente lícito, mas como algo juridicamente necessário e obrigatório, ou seja, é requisito da idéia de processo, a existência de um caminho a ser seguido que se encontre previamente estabelecido em documento juridicamente imperativo. Isso [...] não existe no inquérito policial. [...] A lei confere ampla margem de discricionariedade para que a autoridade policial 67 aprecie os múltiplos caminhos a seguir. Afora os ensinamentos do direito administrativo, estudos ligados ao direito processual penal afirmam que o inquérito policial guarda natureza jurídica de procedimento. Essa idéia ganha força, inclusive, dentre aqueles que, ampliando o _____________ 64 ROVÉGNO, 2005, p. 53-54. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1993. p. 138. 66 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 544 67 MEDAUAR, Odete. A processualidade no Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 25. 65 36 alcance do devido processo legal previsto na Constituição Federal, aceitam a incidência dos princípios do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial. A título de exemplificação, Rogério Lauria Tucci assegura que o inquérito policial é “uma das modalidades de procedimento administrativo”. 68 2.6 VALOR PROBATÓRIO “O inquérito, como instrução provisória, tem apenas valor informativo.” 69 A respeito, Vicente Greco Filho assinala: No sistema brasileiro, o inquérito policial simplesmente investiga, colhe elementos probatórios, cabendo ao acusador apreciá-los no momento de dar início à ação penal, e ao juiz, no momento do recebimento da denúncia 70 ou queixa. A par das colocações já expostas, pode-se afirmar que a doutrina e, no mesmo sentido, a jurisprudência, asseveram ser o inquérito policial peça meramente informativa, por limitar-se a fornecer elementos para a acusação, ou mesmo embasar o próprio arquivamento, podendo, ainda, servir de subsídio para a decretação de medidas e provimentos cautelares, garantindo o indivíduo em face de acusações infundadas, não devendo, portanto, ser utilizado como meio precípuo para obtenção de provas, devido à ausência do contraditório. Contudo, alguns doutrinadores têm sustentado que o valor informativo do inquérito policial não é absoluto, tendo em vista que esse possui atos irrepetíveis, como descreve José Frederico Marques: No inquérito, realizam-se certas provas periciais que, embora praticadas sem a participação do réu, contêm em si maior dose de veracidade, visto que nelas preponderam fatores de ordem técnica que, além de mais difíceis de serem deturpados, oferecem campo para uma apreciação objetiva e segura de suas conclusões. Ressalvada a hipótese de terem os peritos falseado os dados em que se baseiam o seu laudo, essas provas periciais, _____________ 68 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 115. 69 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas/SP: Editora Millenium, 2000. v. 1, p. 171. 70 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 92. 37 notadamente quando realizadas por funcionários do Estado, devem ter valor 71 idêntico ao das provas colhidas em juízo. Note-se que as provas irrepetíveis não têm o condão de superar o valor informativo do inquérito policial, principalmente em razão da ausência de contrariedade nesse expediente criminal. Em suma, Julio Fabbrini Mirabete, ao lecionar acerca do valor informativo do inquérito policial, com maestria, finaliza: [...] de caráter inquisitivo, o inquérito policial tem valor informativo [...]. Entretanto, nele se realizam certas provas periciais, [...] têm elas valor idêntico ao das provas colhidas em juízo. O conteúdo do Inquérito, tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público os elementos necessários para a propositura da ação penal, não poderá deixar de fluir no espírito do juiz na formação de seu livre convencimento para o julgamento da causa, mesmo porque integra os autos do processo, podendo o juiz apoiar-se em elementos coligidos na fase extrajudicial [...] de acordo com o princípio do livre convencimento que informa o sistema processual penal [...]. Certamente, o inquérito serve para colheita de dados circunstanciais que podem ser comprovados ou corroborados pela prova judicial e de elemento subsidiário para reforçar o que for apurado em juízo. Não se pode, porém, fundamentar uma decisão condenatória apoiada exclusivamente no 72 inquérito policial, o que contraria o princípio do contraditório. 2.7 POSIÇÃO DO INDICIADO NO INQUÉRITO POLICIAL Preliminarmente, nem todo envolvido em inquérito policial é indiciado, visto que esse é “a pessoa eleita pelo Estado-investigação, dentro da sua convicção, como autora da infração penal” 73. “O indiciamento [...] deve ocorrer tão logo se reúnam os indícios, ou outros elementos de convicção, que incriminem o suspeito como praticante do ato ilícito e típico.” . “Assim, [...] não é um ato discricionário da autoridade policial, devendo 74 basear-se em provas suficientes para isso” 75. _____________ 71 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas/SP: Editora Millenium, 2000. v. 1, p. 172. 72 MIRABETE, 2005, p. 85. 73 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 80. 74 SAAD, 2004, p. 254. 75 NUCCI, 2007, p. 80-81. 38 Na lição de Sergio Marcos Moraes Pitombo, o indiciamento traz sérias implicações: [...] o indiciado afiançado, por exemplo, não se ausenta, nem muda de residência, sem aviso e permissão, tendo-lhe, pois, restrita a liberdade de ir e vir [...]. Pode, ainda, sofrer apreensão e seqüestro de bens, providências cautelares, coarctantes dos direitos de posse e propriedade [...]. No plano 76 fático, padece limitações econômicas, como o cerceamento do crédito. “Portanto, desde quando reunida prova que aponte o suspeito como provável autor do delito, o indiciamento deve ser visto como um marco, a partir do qual uma série de deveres e direitos pode, e deve, ser exercida.” 77 Contudo, verifica-se, na doutrina e na jurisprudência, divergência de entendimento com relação à posição do indiciado no curso do inquérito policial. Para determinada corrente, ele é considerado objeto de investigação ou fonte de provas, em contrapartida, é tomado pelos demais como sujeito de direitos. Aqueles que militam a favor do contraditório e da ampla defesa em sede de inquérito policial, asseveram que, indubitavelmente, o indiciado não pode mais ser considerado mero objeto da investigação, tendo em vista que a Constituição Federal confere direitos e garantias a serem observados pelas autoridade policial no curso da persecução preliminar prévia. Em posição adversa, expressiva parcela da doutrina, que refuta a incidência do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, permanece no entendimento de que o indiciado é objeto da investigação. A respeito, Guilherme de Souza Nucci assinala: Não é ele, como no processo, sujeito de direitos, a ponto de poder requerer provas e, havendo indeferimento injustificado, apresentar recurso ao órgão jurisdicional superior. Não pode, no decorrer da investigação, exercitar o contraditório, nem a ampla defesa, portanto. [...] Por isso, é considerado 78 como objeto da investigação. No mesmo sentido, Hélio Tornaghi discorre: [...] acertadamente evitou o Código a palavra acusado na fase do inquérito policial. Como é óbvio, somente pode haver acusado depois da acusação, isto é, da queixa ou da denúncia. É certo que, excepcionalmente, a lei defere a possibilidade de defesa ao simples indiciado, colocando-o na situação de quase imputatus. [...]. Nem por isso, entretanto, deve considerar-se acusado [...] a defesa se exerce aqui contra a restrição, não _____________ 76 PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Inquérito Policial: Novas Tendências. São Paulo: CEJUP, 1987. p. 42-43. 77 SAAD, 2004, p. 254. 78 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 82-83. 39 contra a acusação. Tem pressuposto de direito processual, não de direito 79 penal. Em vista disso, o debate acerca da posição ocupada pelo indiciado em sede de inquérito policial produz, na realidade fática, efeitos limitados, pois, seja na qualidade de sujeito de direitos ou na condição de objeto da investigação, goza das benesses legais inerentes ao que é, de fato, ou seja, investigado. Sob essa orientação, Guilherme de Souza Nucci arremata: Ao afirmar-se ser o indiciado objeto da investigação não significa dizer que ele é sujeito desprovido de direitos, isto é, uma coisa qualquer, no sentido inanimado que o termo pode representar, mas tão-somente representa o valor de ser o suspeito, o alvo da investigação produzida, sem que possa 80 nesta interferir, como faz, regularmente, no processo penal instaurado. Ante as noções basilares sobre o inquérito policial, os próximos capítulos se destinam à análise acurada dos princípios do contraditório e da ampla defesa, a fim de ser verificada, posteriormente, a compatibilidade entre esses cânones e aquele procedimento administrativo de caráter inquisitório e informativo. _____________ 79 TORNAGHI, Hélio. Instituições de processo penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1987. v. 2, p.253. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 83. 80 40 CAPÍTULO 3 – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO 3.1 PRINCÍPIOS: NOÇÕES GERAIS “Princípio, etimologicamente, significa causa primária, momento em que algo tem origem, elemento predominante na constituição de um corpo orgânico, preceito, regra, fonte de uma ação”. 81 Noutros termos, “os princípios traduzem os valores fundamentais da sociedade sobre determinada matéria e têm valor superior àquele dado às regras” 82. Em Direito, princípio jurídico: [...] é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a 83 aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. A partir das colocações explanadas, depreende-se que o termo princípio enuncia começo, origem, exercendo a função de vetor destinado a adequar, interpretar e materializar as normas que compõem o sistema jurídico. Acerca do mencionado, é válido trazer à baila o entendimento de Guilherme de Souza Nucci, para quem: Cada ramo do direito possui princípios próprios, que informam todo o sistema [...]. O processo penal não foge à regra, sendo regido, primordialmente, por princípios, que, por vezes, suplantam a própria literalidade da lei. Na Constituição Federal encontramos a maioria dos 84 princípios que governam o processo penal brasileiro. Nesse sentido, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco conceituam princípios constitucionais aplicados ao processo como “preceitos fundamentais que dão forma e caráter aos sistemas processuais” 85. _____________ 81 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 33. 82 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 26. 83 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 11. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998. p. 31. 84 NUCCI, 2007, p. 33. 85 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 20. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 50. 41 Frente a essas noções básicas, o capítulo em comento destina-se ao estudo do princípio constitucional do contraditório, espécie do gênero devido processo legal, cujo tratamento indispensável é feito a seguir. 3.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL O devido processo legal, importante princípio da ordem constitucional brasileira, encontra-se previsto no art. 5º, LIV, da CF/88: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” 86. A respeito, André Rovégno leciona: Por devido processo legal, numa primeira aproximação, deve-se entender a idéia de que toda ação estatal, que possa vir a repercutir negativamente no patrimônio jurídico do indivíduo, deve vir estruturada sob a estrita observação de todas as garantias de defesa do cidadão perante o Estado, inscritas tanto na Constituição Federal, como nos textos que especificam o 87 seu conteúdo essencial. Verifica-se que o constituinte, ao inserir no direito pátrio a regra do due processo f law ou devido processo legal, englobou, em uma só cláusula legal, todos os princípios e normas destinados à defesa do indivíduo inserido numa relação processual. Sob essa orientação, Fernando da Costa Tourinho Filho afirma: “nesta expressão – due processo f law – estão todas as garantias processuais” 88. Em outro verbete, José Joaquim Gomes Canotilho, ao conceituar o princípio do devido processo legal, assinala: [...] é um conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, de outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Garantias que não servem apenas aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos [...] destas, mas que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do 89 próprio processo [...]. _____________ 86 BRASIL. Constituição Federal. Vade Mecum. Coordenação por Anne Joyce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 45. 87 ROVÉGNO, 2005, p. 242-243. 88 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 1, p.243. 89 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Editora Almedina, 1997. p. 406. 42 Considerando a citação supramencionada, é notável que o princípio do devido processo legal emana finalidade integrativa, pois , de um lado, assegura às partes o exercício de suas faculdades e poderes de natureza processual e, de outro, legitima a própria função jurisdicional. Indubitavelmente, a regra do due process of law possui excessiva abrangência. Nesse sentido, Alexandre de Moraes sustenta: [...] configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade e propriedade quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e 90 plenitude de defesa. Assim, o princípio do devido processo legal, caracterizado por sua extensa amplitude, tutela tanto o direito material, quanto o direito processual. De todo o exposto, infere-se a cláusula do due processo f law “como a garantia das garantias do indivíduo, em face do poder do Estado, com destacado papel, obviamente, em toda a persecução criminal” 91. A doutrina elaborou um núcleo fundamental de garantias inseridas no devido processo legal, que seria formado pela plenitude de defesa, publicidade, motivação de decisões, juiz natural, duplo grau de jurisdição, direito à revisão criminal, imutabilidade das decisões favoráveis transitadas em julgada e, principalmente, pelo contraditório e pela ampla defesa, considerados princípios especificadores do devido processo legal. Aliás, Alexandre de Morais, acertadamente, preleciona: “o devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório” 92. Feitas as ponderações necessárias acerca do devido processo legal, é importante ressaltar a existência do devido processo penal, um substrato elaborado pela doutrina, que se refere ao liame persistente entre o processo penal e a Constituição Federal, conforme assinala Luiz Antonio Câmara: [...] a ligação estreita com a matriz constitucional é facilmente explicável: não há outro momento da vida coletiva em que o indivíduo se coloque tão à mercê do Estado como quando é criminalmente acusado. A desproporção de forças, em tal momento, é avassaladora. Com o fito de atenuar a vulnerabilidade do acusado ganham corpo as normas que ostentam _____________ 90 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 153. 91 ROVÉGNO, 2005, p. 244. 92 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.p. 93. 43 garantias de seus direitos, a serem opostas à atuação estatal de molde a 93 torná-la não abusiva. Com bases nas considerações acerca do devido processo legal, mormente no tocante a sua amplitude, vislumbra-se que o processo, como instrumento que é, não encontra fim em si, devendo, portanto, amparar as garantias inerentes à cláusula do due processo of law, com destaque para o princípio do contraditório, tratado adiante. 3.3 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO O princípio do contraditório, garantia constitucional esculpida no art. 5º, LVI, da CF/88: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” 94, carece de conceitos precisos, uma vez que reside certa dificuldade em delimitá-lo, por caminhar ao lado do devido processo legal e da ampla defesa. Não obstante, Marco Antonio Marques da Silva, na tentativa de conceituar o princípio do contraditório, dispõe: O princípio do contraditório consiste na regra segundo a qual, sendo formulado o pedido ou oposto um argumento a ser culpada certa pessoa, deve-se dar a esta a oportunidade de se pronunciar, não se decidindo antes de tal oportunidade. O contraditório impõe a conduta dialética do processo. 95 Para Guilherme de Souza Nucci, princípio do contraditório: [...] quer dizer que a toda alegação fática ou apresentação de prova, feita no processo por uma das partes, tem a outra, adversária, o direito de se manifestar, havendo um perfeito equilíbrio na relação estabelecida pela 96 pretensão punitiva do Estado [...]. Por sua vez, Nelson Nery Júnior, enfatizando o liame existente entre o contraditório e a ampla defesa, preleciona: [...] o princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do Estado de Direito, tem íntima ligação com o da _____________ 93 CÂMARA, Luiz Antonio. Prisão e Liberdade Provisória: Lineamentos e Princípios do Processo Penal Cautelar. Curitiba: Juruá, 1997. p. 27. 94 BRASIL. Constituição Federal. Vade Mecum. Coordenação por Anne Joyce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 43. 95 SILVA, Marco Antonio Marques da. Juizados especiais criminais. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 46. 96 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 35. 44 igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional [...] quer significar que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são 97 manifestações do princípio do contraditório. A par dos conceitos formulados por alguns dos principais doutrinadores brasileiros, verifica-se assentada influência exercida por Joaquim Canuto Mendes de Almeida, para quem “o contraditório é, pois, em resumo, ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los” 98. Vislumbra-se, portanto, que o contraditório tem sua definição sedimentada na comunhão dos fatores ciência e participação. O primeiro traduz a imprescindibilidade de comunicação da realização de um determinado ato processual às partes, facultando às mesmas, já na participação, a possibilidade de manifestação tendente a influenciar no convencimento do julgador, dentro de um período razoável e préestabelecido (equilíbrio entre ação e reação). Sob essa orientação, Aury Lopes Junior explica que os pólos da garantia do contraditório são informação e reação, porquanto a participação se realiza por intermédio da reação, vista como resistência a pretensão acusatória. 99 Logo, resta patente que o contraditório pressupõe a existência de partes (bilateralidade), pelo quê, em princípio, só tem sentido lógico num processo acusatório, conforme assinala Fernando Capez: “contraditório é um princípio típico do processo acusatório, inexistindo no inquisitivo" 100. Incontestavelmente, a bilateralidade promove o princípio do contraditório como instrumento de resolução justa no processo, visto que o julgador, ao receber a participação de cada uma das partes envolvidas, aperfeiçoa a sua decisão. Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco afirma: [...] existe toda uma trama de incertezas, probabilidades e riscos no direito processual. Para aumentar a segurança e, com isso, a austeridade da Justiça, possibilitando decisões e soluções mais justas e adequadas ao 101 direito material é que está aí a garantia do contraditório [...]. _____________ 97 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 122. 98 ALMEIDA, 1973, p. 214. 99 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 225. 100 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 28. 101 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. v. 1, p. 100. 45 Esse movimento bilateral caracteriza a natureza dialética do processo acusatório que, sob o crivo do contraditório, fornece subsídios para a justa prestação jurisdicional. Vicente Greco Filho, ao discorrer sobre o princípio do contraditório, enuncia as seguintes realidades práticas: [...] poder contrariar a acusação; poder requerer a produção de provas que devem, se pertinentes, obrigatoriamente ser produzidas; acompanhar a produção das provas, fazendo, no caso das testemunhas, as perguntas pertinentes [...]; falar sempre depois da acusação; manifestar-se sempre em todos os atos e termos do processo aos quais deve estar presente; recorrer 102 quando inconformado”. Oportunamente, Edgard Magalhães Noronha, também dedicado ao estudo do princípio em comento, salienta: Além da participação na elaboração da prova [...], tem o contraditório como característicos: que a partes sejam avisadas, com a necessária antecedência, da data e lugar da prova ou diligência; sejam reveladas a natureza e a finalidade da prova; admitida a presença do acusador e do acusado; que se lhes faculte, provocar a atenção do juiz para certos aspectos ou particularidades da prova. É que não há, no crime, provas de defesa ou provas de acusação. Devem ser eles, sempre, provas da 103 verdade. Nesse contexto, aplica-se o princípio do contraditório a toda atividade desenvolvida no curso do processo penal, tendo em vista que “todo o resultado do processo (em especial do processo penal) se assenta na verdade reconstruída em juízo” 104. Por fim, destaca-se o liame existente entre o contraditório e a isonomia processual, que “se relacionam, pois ao se garantir a ambos contentores o contraditório também se assegura tratamento igualitário” 105. Sob essa orientação, Fernando da Costa Tourinho Filho assinala: [...] vigora no processo penal tipo acusatório, a regra da igualdade processual, segundo a qual as partes – acusadora e acusada – se 106 encontram no mesmo plano, com iguais direitos. _____________ 102 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 58. NORONHA, 1998, p. 236. 104 ROVÉGNO, 2005, p. 255. 105 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 63. 106 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 1, p. 78. 103 46 Assim, é inegável a concomitância existente entre as idéias de contraditório e isonomia, ressaltando-se que não são noções análogas. Depreendido o princípio do contraditório, dá-se seguimento ao exame alvitrado, a fim de distinguir o preceito em apreço do direito de defesa. 3.3.1 Contraditório e direito de defesa Defesa é “ato ou efeito de defender, que é proteger-se, resguardar-se, agir para evitar dano, prevenir, evitar ou repelir um ataque, responder a uma acusação” . 107 A respeito, José Frederico Marques doutrina: [...] o direito de defesa, em sua significação mais ampla, está latente em todos os preceitos emanados do Estado, como substractum da ordem legal, por ser fundamento primário de segurança jurídica na vida social organizada 108 [...]. Assim como o direito de ação, a defesa é um direito público (prestação da tutela jurisdicional), subjetivo (o direito em tela é mera faculdade do acusado), autônomo (independe o seu exercício de possuir o imputado efetivo direito que o socorra) e abstrato (não depende da existência de direito concreto em prol do réu). 109 No processo penal, a defesa tem como escopo preservar os direitos do acusado e, por isso, consiste em um momento infalível no processo, funcionando como instrumento indispensável à realização da justiça. Por sua vez, o contraditório, conforme as exposições anteriores, é: [...] o contraste dialético entre posições assertivas opostas, dirigidas a se elidirem reciprocamente, no esquema processual essa contraposição só adquire sentido quando destinada à persecução de um terceiro imparcial, 110 [...] assim [...] o contraditório processual implica uma relação triádica. _____________ 107 CUNHA, Sérgio Sérvulo. Dicionário Compacto de Direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 82. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed.Campinas-SP: Millenium, 2000. v.1, p. 61. 109 PEDROSO, Fernando Almeida. Processo Penal. O Direito de Defesa: repercussão, amplitude e limites. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 31. 110 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 39. 108 47 Note-se que o contraditório e o direito de defesa devem ser vistos separadamente, por não apresentarem unidade conceitual. É certo que para o exercício da defesa exigi-se prévia ciência dos fatos e imputação, tal como ocorre para a efetivação do contraditório, mas, nem por isso, eles se confundem. O contraditório exige partes, em sentidos opostos. No entanto, se essas não existem e não se instaura o contraditório, não se pode afirmar a inexistência de defesa. 111 Sob essa orientação, Aury Lopes Júnior disserta: [...] quando falamos em “contraditório” na fase pré-processual, estamos fazendo alusão ao seu primeiro momento, da informação. Isto porque, em sentido estrito, não pode existir contraditório no inquérito porque não existe uma relação jurídico-processual, não está presente a estrutura dialética que caracteriza o processo. Não havendo o exercício de uma pretensão acusatória, não pode existir a resistência. [...] esse direito à informação – importante faceta do contraditório – adquire relevância na medida em que 112 será através dele exercida a defesa. Indubitavelmente, o princípio do contraditório resta apartado do direito de defesa. Este começa antes de se iniciar aquele, persistindo no decurso da marcha processual. O direito de defesa é visível no contraditório, mas pode ser exercido de modo autônomo, inclusive na primeira fase da persecução penal, em que não se pode cogitar contraditoriedade. 113 Com efeito, no inquérito policial não se pode estabelecer contraditório, na acepção técnica do termo, pois ainda não há parte acusadora, em sentido formal, ou seja, “não há parte e contraparte” 114, nem tampouco há sujeito imparcial destinatário do resultado. Todavia, a autoridade policial concentra em si poderes e funções que, posteriormente, serão bipartidos entre o acusador – público ou privado – e o juiz. Portanto, embora inadequado falar em contraditório no inquérito policial, não se mostra pertinente asseverar como inadmissível, nessa fase, o direito de defesa. Assim, Antonio Scarance Fernandes prescreve: Há, sem dúvida, necessidade de se admitir a atuação da defesa na investigação, ainda que não se exija o contraditório, ou seja, não se 115 imponha a necessidade de previa intimação dos atos a serem realizados. _____________ 111 SAAD, 2004, p. 218-219. LOPES JUNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. p. 303. 113 BARBOSA, Marcelo Fontes. Garantias constitucionais de direito penal e de processo penal na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 81. 114 SOUZA, José Barcelos de. A defesa na polícia e em juízo: teoria e prática no processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 29. 115 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 59. 112 48 Além disso, consoante ensinamento de Aury Lopes Júnior, diversos atos do inquérito policial, em interpretação extensiva, estão imbuídos de coerção, justificando garantir, ao investigado, o direito de defesa, como oposição de forças, sob a assistência de um advogado, verificada a possibilidade de manter-se silente ou de requerer provas que demonstrem sua inocência ou reduzam a sua culpabilidade. 116 Infere-se das colocações explicitadas que o exercício da defesa no inquérito policial independe do contraditório, pois comungando realidades diversas, o afastamento de um não implica na inexistência do outro. 3.3.2 Contraditório diferido Ao tratar do princípio do contraditório, emerge a possibilidade de sua realização sob a forma diferida, posto que: “a Constituição não exige, nem jamais exigiu, que o contraditório fosse prévio ou concomitante ao ato” 117. Existem situações na persecução penal preliminar que não guardam compatibilidade com o contraditório prévio, a saber: interceptação telefônica, busca e apreensão, dentre outras hipóteses. Nesse sentido, o processo penal, destinado à aferição da verdade real, tem admitido a realização do contraditório postergado, ou seja, contrariedade adiada no tempo (diferido). A idéia do contraditório diferido ganha força ante as provas periciais, que são realizadas, imediatamente, ao longo da investigação criminal. Essas, dotadas do que a doutrina denomina periculum in mora, são produzidas de maneira antecipada, na ausência do contraditório prévio. A respeito, vale a pena citar a lição de André Rovégno: Não nos esqueçamos ainda que, muitas vezes, ao se realizar um exame pericial (por exemplo, num local de encontro de cadáver), não se tem a mais remota idéia de quem seja o autor de eventual homicídio, de tal forma que o acusado, num eventual e futuro processo criminal é absolutamente desconhecido. Pelas circunstâncias já mencionadas, sabe-se que os _____________ 116 LOPES JÚNIOR, Aury Celso Lima. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. p. 34-35. 117 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 47. 49 vestígios não subsistirão até o desfecho da investigação e eventual instauração de processo. Assim, os exames têm de ser feitos 118 imediatamente. Logo, conhecida a realidade da investigação criminal consubstanciada no procedimento administrativo denominado inquérito policial, resta patente a aplicação do contraditório diferido no tempo, a fim de resguardar os direitos e garantias pertinentes ao indiciado, que em juízo, figura como acusado. Nesse diapasão, opera-se o contraditório diferido naquelas situações em que seria inconcebível a realização da modalidade preliminar, por impossibilidade de efetivação (desconhecimento da identidade do autor da conduta supostamente ilícita ou inconveniência para o resultado das diligências). Portanto, nas hipóteses de afastamento do contraditório, este seria realizado ulteriormente, como precedente do provimento definitivo, coadunando os interesses relativos à segurança social e à liberdade individual. Incontestavelmente, a previsão constitucional da cláusula do due processo of law, bem como de seus corolários, os princípios do contraditório e da ampla defesa, fez erigir, na sistemática processual hodierna, a nulidade dos atos que não zelem pela observância desses preceitos primários. Sendo assim, a efetivação do contraditório diferido, atende ao imperativo constitucional supramencionado, uma vez que as provas coligidas no curso da instrução criminal é que fornecerão subsídios para a prolação da sentença, sendo, quase sempre, as mesmas provas do inquérito policial, renovadas e esmiuçadas em juízo. Em vista disso, remanesce evidenciado o valor atribuído à observância do princípio do contraditório, que implica no reconhecimento da dignidade do acusado, auxiliando na promoção da Justiça, quando do provimento final proferido pelo julgador, no processo. Acrescente-se que o contraditório diferido atende ao clamor da doutrina e da jurisprudência, que têm exigido a aplicação desse princípio nos termos e limites legais, para a apregoada democratização do processo 119, por intermédio da absoluta _____________ 118 ROVÉGNO, 2005, p. 264-265. DELGADO, José Augusto. Princípio da instrumentalidade, do contraditório, da ampla defesa e modernização do processo civil. Revista Jurídica, ano 49, n. 285, 2007, p. 31-60. 119 50 transparência e efetiva participação das partes, influenciado no encontro da verdade real a ser fixada no julgamento final. Importante salientar que o contraditório postergado no tempo tem sido reconhecido devido à natureza jurídica do inquérito policial, procedimento administrativo, caracterizado pela inquisitoriedade, cujas provas nele produzidas somente serão submetidas a essa garantia constitucional na segunda fase da persecução penal. Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco, ao lecionarem sobre o tema em questão, prescrevem: O inquérito policial é mero procedimento administrativo que visa à colheita de provas para informações sobre o fato infringente da norma e sua autoria. Não existe acusação nessa fase, onde se fala em indiciado (e não acusado, ou réu), mas não se pode negar que após o indiciamento surja o conflito de interesses, [...]. Por isso, se não houver contraditório, os elementos probatórios do inquérito não poderão ser aproveitados no processo, salvo quando se tratar de provas antecipadas, de natureza cautelar (como o 120 exame de corpo de delito), em que o contraditório é diferido. De todo o exposto, resta inegável o relevante papel exercido pelo princípio do contraditório, mormente nos expedientes realizados na seara penal, onde o investigado encontra exposição extrema. Por isso, a previsão constitucional deste preceito tem movimentado a doutrina e a jurisprudência no sentido de delinear, com maior precisão, seu campo de aplicação, que engloba, para alguns estudiosos, como melhor será explanado em capítulo próprio, o inquérito policial. Contudo, antes de ingressar no debate principal alvitrado neste trabalho, fazse necessário explorar o princípio da ampla defesa com a mesma acuidade empregada no estudo do contraditório, a fim de fornecer guarita para os argumentos expostos no último capítulo. _____________ 120 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 20. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 57. 51 CAPÍTULO 4 – PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA 4.1 CONCEITO Tal como o contraditório, cujos aspectos relevantes para o estudo proposto foram abordados preteritamente, o princípio da ampla defesa está inserido no rol de garantias que compõem o devido processo legal. A existência da cláusula do due processo of law na Constituição Federal é pressuposto para a imposição da ampla defesa, que se encontra ligada ao princípio do contraditório, em razão do que prescreve o art. 5º, LV, da Constituição Federal. Por força do que foi enunciado, infere-se que a ampla defesa possui um liame estrito com o devido processo legal, base legislativa para a aplicação de todos os demais princípios, dos quais erige o contraditório, outro elemento indissociável da ampla defesa. Devido a esse entrelaçamento principiológico, a doutrina demonstra dificuldades para fornecer um conceito individualizado ao princípio da ampla defesa. Contudo, superando a colocação retromencionada, Alexandre de Moraes compreende: Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se 121 entender necessário. Nessa direção, Celso Ribeiro Bastos define ampla defesa como: O asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade. É por isso que ela assume múltiplas direções [...]. Não é só em juízo que se impõe a observância de procedimento que possibilite a defesa. 122 Por sua vez, Vicente Grego Filho afirma que a ampla defesa é a: [...] oportunidade de o réu contraditar a acusação através da previsão legal de termos processuais que possibilitem a eficiência da defesa [...] constituída a partir dos seguintes fundamentos: "a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica _____________ 121 122 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 93. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. Saraiva, 2001. p. 234-235. 52 por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial à Administração da 123 Justiça [...]; e e) poder recorrer da decisão desfavorável. Oportunamente, Guilherme de Souza Nucci, em acepção voltada para o processo penal, assinala: Princípio da ampla defesa: significa que ao réu é concedido o direito de se valer de amplos e extensos métodos para se defender da imputação feita pela acusação. Encontra fundamento constitucional no art. 5º, LV. [...] Assim, no processo criminal, perante o juiz togado, tem o acusado assegurada a ampla defesa, isto é, vasta possibilidade de se defender [...] oferecendo os dados técnicos suficientes para que o magistrado possa considerar equilibrada a demanda, estando de um lado o órgão acusador e 124 de outro uma defesa eficiente. Mediante as ponderações expostas, conclui-se que o princípio constitucional da ampla defesa é garantia destinada, precipuamente, ao réu, que detém, em razão dessa previsão legal, “o direito de ser ouvido, de apresentar suas razões e de contra-argumentar as alegações do demandante, a fim de elidir a pretensão deduzida em juízo” 125. Embora as definições apregoadas tratem da ampla defesa destinada ao réu, é importante ressaltar que essa visão resta equívoca, porquanto, devido ao princípio da igualdade, a garantia em comento se volta a todas as partes envolvidas no processo. 4.2 COMPOSIÇÃO DA AMPLA DEFESA A ampla defesa compõe-se de defesa técnica e de autodefesa. Sinteticamente, o defensor exerce a defesa técnica, específica, profissional ou processual, que exige a capacidade postulatória e o entendimento teórico. O acusado, por sua vez, exercita ao longo do processo (por exemplo, quando é _____________ 123 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 6. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999. p. 179. 124 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 33-34. 125 ALMEIDA, José Eulálio Figueiredo de. Breves anotações sobre o princípio da ampla defesa. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3166>. Acesso em: 05 ago. 2008. 53 interrogado) a intitulada autodefesa ou defesa material ou genérica. Ambas compõem a ampla defesa e serão abordadas, com maior clareza, a seguir. 4.2.1 Autodefesa Na lição de Marta Saad: A defesa comporta algumas classificações, podendo ser apartada em defesa em sentido amplo e em sentido restrito, defesa em sentido subjetivo e defesa em sentido objetivo e, por fim, defesa privada ou autodefesa e 126 defesa pública ou técnica. A defesa em sentido amplo confunde-se com a defesa subjetiva, configurando-se no direito individual ou na expressão de liberdade jurídica. É, noutros termos, o “ato pelo qual o acusado, pessoalmente, ou por defensor, contraria, ou repele a acusação, que lhe é feita” 127. Em sentido restrito, defesa pode ser tomada como defesa objetiva, exprimindo o direito de alguém “opor-se ao intento, a fim de garantir um direito, que afirma existir e de que entende ser o titular” 128. A defesa, subjetivamente considerada, toma-se como a faculdade, em abstrato, de contrariar a ação penal e o que nela se deduz. Já a sua feição objetiva remonta a defesa efetivada em um processo, consubstanciando o conjunto de matérias, provas e argumentos de fato ou de direito que o acusado argüir em seu favor. Contudo, a mais relevante das classificações aparta a defesa segundo o sujeito que a exerce. Assim, quando praticada pelo próprio indivíduo acusado no processo penal, tem-se autodefesa. Se praticada por profissional habilitado, ocorre a defesa técnica ou defesa pública. Ressalta-se que ambas compõem o princípio da ampla defesa. No entendimento de Antonio Scarance Fernandes: _____________ 126 SAAD, 2004, p. 225. MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; BASTOS, Cleunice A. Valentim . Defesa penal: direito ou garantia? Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 13, n. 144, 2005, p. 114. 128 MOURA, 2005, p. 114. 127 54 [...] autodefesa [...] é aquela exercida pelo próprio réu, em momentos fundamentais do processo, não a que é patrocinada por advogado em seu próprio benefício, quando acusado em processo criminal [...] Ela se manifesta no processo de várias formas: direito de audiência, direito de 129 presença, direito a postular pessoalmente. Diversamente, Fernando de Almeida Pedroso depreende que não se confundem defesa pessoal e autodefesa, porquanto “esta é patrocínio próprio, vale dizer, tem vislumbre quando o acusado, possuindo habilitação técnico-jurídica, postula e debate em causa própria” 130. Todavia, a posição supramencionada não é majoritária, razão pela qual Aury Lopes Júnior, em vertente discrepante, afirma que: [...] junto à defesa técnica, existem também atuações do sujeito passivo no sentido de resistir pessoalmente à pretensão estatal. [...] o sujeito atua pessoalmente, defendendo-se a si mesmo como indivíduo singular, fazendo 131 valer seu critério individual e seu interesse privado. Sob essa orientação, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho lecionam: Com relação à autodefesa [...] se compõe ela de dois aspectos, a serem escrupulosamente observados: o direito de audiência e o direito de presença. O primeiro traduz-se na possibilidade de o acusado influir sobre a formação do convencimento do juiz [...]. O segundo manifesta-se pela oportunidade de tomar ele posição, a todo momento, perante as alegações 132 e as provas produzidas [...]. Em suma, a autodefesa, também denominada defesa material ou genérica, é exercida por meio de atuação pessoal do acusado, especialmente no ato do interrogatório, momento em que este oferece sua versão acerca dos fatos ou invoca o direito ao silêncio, ou ainda, quando, por si próprio, solicita a realização de provas, traz à colação meios de convicção, requer a sua participação em diligências, acompanha os atos de instrução. Assim, a autodefesa se torna efetiva no direito de audiência ou na presença e participação, podendo ser exercida ou não, tendo em vista que é um direito renunciável. _____________ 129 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 263. 130 PEDROSO, 1994, p. 27. 131 LOPES JUNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. p. 313. 132 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio. As nulidades no processo penal. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 79. 55 4.2.2 Defesa técnica A defesa técnica, segundo componente da ampla defesa, é exercida por meio de profissional habilitado, dotado de capacidade postulatória. Essa espécie de defesa é indisponível, porquanto o Código de Processo Penal, em seu art. 261, determina: “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”133. Tem-se, portanto, que a defesa técnica deve ser sempre exercida privativamente por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, em todos os atos processuais, desde a instauração do processo, Marta Saad, ao dissertar sobre a defesa técnica, destaca os fundamentos que justificam a necessidade de assistência por profissional habilitado: Fundamento político, segundo o qual o direito de defesa é garantia contra as agressões e despotismo; o fundamento lógico, pelo qual a toda acusação deve corresponder uma defesa, [...]; o fundamento natural ou psicológico, segundo o qual o acusado carece de tranqüilidade para se defender; o fundamento deontológico, pelo qual o acusado necessita de conhecimento, experiência e serenidade para se defender; e, por fim, o fundamento processual, segundo o qual a defesa trabalha a serviço do descobrimento 134 da verdade [...]. A respeito, Aury Lopes Junior acrescenta: [...] a justificação da defesa técnica está na presunção de hipossuficiência do sujeito passivo, de que ele não tem conhecimentos necessários e suficientes como o acusador. Essa hipossuficiência leva o imputado a uma 135 situação de inferioridade ante o poder da autoridade estatal [...]. A efetivação do princípio da ampla defesa, no âmbito do processo, sujeita-se à atuação conjunta da autodefesa e da defesa técnica, em que é estabelecida uma relação de complementariedade e diversidade, por meio da defesa negativa ou indireta, limitada à negativa dos fatos, ou da defesa positiva ou direta, sedimentada em alguma prova da inocência. Diversamente, Fernando Almeida Pedroso leciona que a defesa indireta tem seu exercício em face do processo, enquanto a defesa direita combate o mérito. 136 _____________ 133 BRASIL. Código de Processo penal. Coordenação por Anne Joyce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 524. 134 SAAD, 2004, p. 205. 135 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. p. 306. 136 PEDROSO, 1994, p. 29. 56 Em suma, não desprezando algumas classificações esboçadas, basta, para a realização da ampla defesa, que haja atuação conjunta da autodefesa e da defesa técnica. Conhecidos os aspectos basilares inerentes ao princípio da ampla defesa, prossegue-se no estudo alvitrado, com o fito de estabelecer as diferenças existentes entre esse preceito e seu corolário, o princípio do contraditório. 4.3 DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA Com espeque nas disposições doutrinárias acerca dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, infere-se que distingui-los não é uma tarefa fácil, porquanto, embora Constituição Federal (art. 5º, LV) insira os dois princípios em uma relação de complementariedade, grande parte da doutrina não oferece um diferenciação segura para tais preceitos. Nessa perspectiva, Gil Ferreira de Mesquita assinala: [...] há uma certa confusão da doutrina ao tratar dos dois princípios ora em análise. Talvez porque venham tratados no mesmo dispositivo constitucional, são comentados em conjunto, restando dúvidas ao leitor a 137 respeito da sua distinção. Marta Saad, ao discorrer sobre o assunto em tela, preleciona: Embora a doutrina afirme que ampla defesa e contraditório não se confundem, sustenta a maior parte, todavia, que ambos são indissociáveis, variando apenas o entendimento acerca da relação que se estabelece entre 138 eles. Contudo, tal posição não é pacífica. Feitos os comentários introdutórios, verifica-se a carência da doutrina em fornecer critérios distintivos incontestáveis, quando se volta ao estudo do contraditório e da ampla defesa. A respeito, André Rovégno, fazendo alusão ao pensamento de exímios doutrinadores brasileiros, disserta: _____________ 137 MESQUITA, Gil Ferreira de. Princípios do Contraditório e da Ampla defesa no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 177. 138 SAAD, 2004, p. 217. 57 Araújo Cintra, Ada Pellegrini e Candido Dinamarco sustentam que o direito de defesa se estriba no princípio do contraditório, o que faria supor que a idéia forte, geradores da outra, seria a do contraditório. Também nesse sentido é a lição de Evandro Fernandes de Pontes e Flávio Boechat Albernaz, para quem a defesa é um elemento do contraditório, mas que 139 guarda com eles pontos de intersecção. Contudo, o entendimento predominante na doutrina, depreende que o contraditório estaria imbuído na ampla defesa, pois esta seria mais abrangente, amparando a noção daquele. Em vista disso, Marco Antonio Marques da Silva afirma estar “o contraditório inserido no princípio maior que é a ampla defesa, com ele não se confundindo e a ele não se restringindo” 140. Sob essa orientação, Vicente Greco Filho assinala que “o contraditório pode ser definido como o meio ou instrumento técnico para a efetivação da ampla defesa” 141 . E Alexandre de Moraes arremata: “o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio)” 142. De fato, parcela da doutrina vislumbra na ampla defesa o princípio maior, alegando que a idéia de defesa supera a noção de contraditoriedade. Nessa seara, interessa trazer a colação o estudo desenvolvido por Gil Ferreira de Mesquita, que na tentativa de apartar os princípios do contraditório e da ampla defesa, utiliza os seguintes critérios: 1) distinção quanto aos destinatários; e 2) diferenciação quanto ao grau de dependência. 143 Com relação aos destinatários, o doutrinador supramencionado defende que as garantias do contraditório e da ampla defesa devem ter seus efeitos estendidos tanto ao autor quanto ao réu, ou seja, os corolários do due process of law são destinados a todos os envolvidos na relação jurídica processual, respeitando-se, com isso, outro mandamento constitucional, que é o da isonomia. Ressalta-se que o conteúdo do contraditório tem por fundamento a expressão audiatur et altera pars, garantidora da ciência bilateral dos atos e termos processuais que é realizada por meio de atos de comunicação (citação, intimação, notificação), alcançando tanto o autor, quanto o réu. Em contrapartida, a ampla defesa tem por _____________ 139 ROVÉGNO, 2005, p. 274. SILVA, Marco Antonio Marques da. Tratado Temático de Processo Penal. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 132. 141 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1, p. 58. 142 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006, p. 93. 143 MESQUITA, 2003, p. 177. 140 58 fundamento o direito de alegar fatos relevantes juridicamente e a possibilidade de comprová-los por quaisquer provas lícitas. Assim, “ao contrário do que ocorre com o contraditório, a ampla defesa é garantia que atinge somente o réu. O autor [...] produz provas [...] mas isso decorre do direito de ação” 144. Em vista disso, embora a doutrina estenda a ampla defesa a ambos os litigantes, seus efeitos são inerentes e exclusivos à figura do réu, cabendo ao autor promover a defesa de seus interesses com base no direito de ação. Além disso, o direito de ação e o direito de defesa devem ser considerados como conseqüentes diretos um do outro. Por isso, ambos devem ser entendidos como direito público subjetivo abstrato (tese já defendida no capítulo 2) de acionar o Estado para que este tutele seus interesses. Nesse sentido, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, manifestam: ”tanto o direito de ação como o de defesa compreendem uma série de poderes, faculdades e ônus, que visam à preparação da prestação jurisdicional” 145. Logo, o autor, quando se defende, permanece no exercício de seu direito de ação, que lhe garante os mesmo direitos de defesa conferidos ao réu pelo princípio da ampla defesa. No tocante às partes, Gil Ferreira de Mesquita conclui que a bilateralidade, envolvendo ação e atuação defensiva, torna o exercício da defesa dos interesses das partes distinto em base principiológica: o autor o exerce em razão do princípio da ação; o réu, em face do princípio da ampla defesa. 146 Outro aspecto desenhado por pequena parcela da doutrina, refere-se à dependência existente entre os princípios do contraditório e da ampla defesa, fazendo erigir um conceito inovador denominado “ampla defesa através do contraditório”, ou ainda, “contraditório adequado à ampla defesa” 147. Todavia, a visão retromencionada não tem maior sustentáculo na doutrina brasileira, permanecendo a idéia de que a Carta Magna trouxe, no mesmo dispositivo legal, dois princípios apartados, que são o contraditório e ampla defesa. _____________ 144 SAAD, 2004, p. 179. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 20. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 228-229. 146 MESQUITA, 2003, p. 184. 147 MENDONÇA JÚNIOR, Delosmar Domingos de. Princípios da ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 112. 145 59 Gil Ferreira de Mesquita infere que o contraditório é que possibilita a ampla defesa. O réu somente poderá contestar aquilo que tem conhecimento. “O contraditório funcionará como um gatilho para a ampla defesa, é o plus necessário para o desencadeamento de todas as suas conseqüências” 148. Comunga da mesma opinião Rui Portanova, para quem: O princípio da ampla defesa é uma conseqüência do contraditório, mas tem características próprias. Além do direito de tomar conhecimento de todos os termos do processo (princípio do contraditório), a parte também tem o 149 direito de alegar e provar o que alega [...]. Portanto, a relação de dependência entre o contraditório e a ampla defesa, remanesce a partir do binômio informação-reação, em que a ampla defesa demarca os limites desta. Caso o entendimento fosse diverso, o conteúdo inerente ao contraditório seria ampliado perante a ampla defesa, o que é incabível. Outrossim, o contraditório e a ampla defesa têm seus limites diferenciadores firmados na idéia de sofisticação e de rusticidade, já que o contraditório manifesta-se mecanicamente através da fórmula informação-reação, utilizando-se de instrumentos de comunicação processual, mas a qualidade da reação, sua amplitude, sua forma e teor são regulados pela ampla defesa, capaz de dar complexidade à ação. 150 Embora o tratamento dado à matéria pelo doutrinador Gil Ferreira de Mesquita se destine ao processo civil, os fundamentos por ele elaborados são claramente aproveitados na sistemática processual penal, conferindo subsídios para, no próximo capítulo, examinar a efetivação ou o afastamento dos princípios do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial. _____________ 148 MESQUITA, 2003, p. 184. PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 125. 150 MESQUITA, 2003, p. 184. 149 60 CAPÍTULO 5 – OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL 5.1 FUNDAMENTOS DA DISCUSSÃO PROPOSTA Em breve síntese, uma vez que as bases para o estudo proposto já foram esmiuçadas alhures, a análise dos princípios do contraditório e da ampla defesa em sede de inquérito policial funda-se no art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal, seguinte a redação: LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, 151 com os meios e recursos a ela inerentes; O princípio do devido processo legal, esculpido no primeiro inciso supracitado, é depreendido, segundo os ensinamentos explorados no capítulo 03, como a égide de todas as garantias, não se limitando à seara processual, posto que o legislador constituinte estipulou a observação desse princípio sempre que haja possibilidade de privação da liberdade ou do patrimônio, ou seja, é aplicável em toda e qualquer forma de atuação do Estado que resulte na restrição de direitos inerentes ao indivíduo. Por inteligência jurídica, uma vez que normas destinadas à proteção dos direitos e garantias fundamentais são submetidas à interpretação extensiva, o segundo inciso mencionado ampara os princípios do contraditório e da ampla defesa, os quais, assim como todas as demais garantias, encontram-se imbuídos no alcance e na efetivação do devido processo legal. A respeito dessas duas garantias evidenciadas e sua aplicabilidade em sede de inquérito policial, a análise se volta para a redação do art. 5º, inciso LV, da Carta Magna, mormente no tocante à expressão acusados em geral, tendo em vista que a primeira parte desse dispositivo resta afastada, pois, como fora demonstrado no capítulo 02, o inquérito policial não é processo administrativo ou judicial, mas sim procedimento. _____________ 151 BRASIL. Constituição Federal. Vade Mecum. Coordenação por Anne Joyce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 44. 61 Aliás, com relação à citação acusados em geral, André Rovégno preleciona: [...] ao garantir a incidência dos princípios do contraditório e da ampla defesa, aos acusados em geral, alcançou, indiscutivelmente, o inquérito policial. Essa conclusão fica evidenciada pela utilização da expressão “em geral”, a qualificar o termo “acusados”. Se o legislador estivesse pretendendo se referir apenas ao acusado, existente no processo penal, não teria acrescido o qualificativo “em geral” ao termo “acusados”. [...] E se o fez, falando em “acusados em geral”, por certo aí incluiu aquele que, no 152 inquérito policial, é tratado como suspeito, averiguado ou indiciado. Note-se, sem adentrar profundamente na discussão alvitrada, que permanece latente o debate acerca da aplicabilidade do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, em razão da expressão acusados em geral, conforme o esboçado preteritamente. Portanto, destacadas as bases normativas nas quais se assenta a proposta de estudo aventada neste trabalho, faz-se, a seguir, uma análise do contraditório e, posteriormente, da ampla defesa perante o inquérito policial, a fim de verificar a compatibilidade jurídica entre eles. 5.2 VERIFICAÇÃO DE COMPATIBILIDADE CONTRADITÓRIO E O INQUÉRITO POLICIAL ENTRE O PRINCÍPIO DO Consoante o tratamento dado ao contraditório no capítulo 03, esse princípio guarda estrita ligação com o processo acusatório, o qual se estrutura na posição inerte do julgador, autoridade destinatária do conjunto probatório desenvolvido pelas partes. Nesse aspecto, salienta-se que a inatividade do julgador preceitua o acusatório puro, sistema processual inexistente no ordenamento jurídico pátrio, porquanto o processo judicial penal brasileiro assume apenas estrutura acusatória, sob a manutenção do inquisitivo, em que a autoridade julgadora deve atuar ativamente, na busca pela verdade real. 153 _____________ 152 ROVÉGNO, 2005, p. 323-324. TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 38. 153 62 Ante o mencionado, infere-se que o contraditório é instrumento abalizador do processo acusatório, permitindo às partes igual participação no convencimento do julgador. Diversamente, o inquérito policial é orientado pela atuação de uma autoridade imparcial, que busca, exaustivamente, a autoria e a materialidade dos fatos, remanescendo, às partes, em sede de investigação, inércia de participação, podendo, inclusive, permanecerem alheios a ela. A postura do delegado de polícia dentro do inquérito policial aduz o caráter inquisitivo da persecução preliminar e afasta a incidência do princípio do contraditório, pois não há mínima intervenção das partes nessa fase. Importante ressaltar que o exercício do direito de defesa no inquérito policial não é maculado pela não atuação do contraditório, afirmação que será analisada com maior precisão no exame da ampla defesa. Além disso, o contraditório objetiva uma decisão definitiva, inexistente no inquérito policial, uma vez que esse, em razão de seu valor informativo, volta-se unicamente para a coleta de dados, sem cunho decisório de índole definitiva. Corrobora com o afastamento do contraditório em sede de inquérito policial, o fato desse instrumento persecutório não possuir atos sujeitos à preclusão. Sob outra perspectiva, a bilateralidade inerente ao contraditório tende a repercutir na celeridade e na eficácia dos atos realizados pela Administração Pública, uma vez que permitir a aplicabilidade desse princípio em inquérito policial resultaria em exacerbada burocratização dos procedimentos, além de exigir a elaboração de dispositivos legais que determinassem a notificação das partes no decurso da investigação, posto que a contrariedade implica em ciência dos atos. Por fim, destacam-se os incidentes jurisdicionalizados e cautelares existentes no inquérito policial, nos quais ocorrendo medidas assecuratórias pleiteadas pelo ofendido ou pelo Ministério Público, haverá relação processual e, portanto, plena incidência do contraditório. Em suma, são argumentos para justificar a incompatibilidade entre o inquérito policial e o principio do contraditório: a estrita ligação persistente entre o princípio do contraditório e o processo acusatório; a bilateralidade do contraditório e a ausência de intervenção das partes em sede de inquérito policial, uma vez que nesse procedimento vige a discricionariedade da autoridade policial; a manutenção da sistemática processual inquisitória, conferindo ao processo judicial penal pátrio 63 apenas uma estrutura acusatória; a razão de ser do inquérito policial, consignada na obtenção de informes capazes de precisar a autoria e a materialidade dos fatos ilícitos na construção da verdade material; o objetivo do contraditório, que é de obter uma decisão definitiva; e a inexistência de preclusão para os atos realizados no decurso do inquérito policial. 154 Por todo o exposto, infere-se a impossibilidade de aplicação do contraditório em sede de inquérito policial, excetuadas as medidas assecuratórias requeridas pelo Ministério Público ou pelo ofendido, nas quais existe relação processual, adequando-se essa realidade à exigência do legislador constituinte esculpida no art. 5º, LV, da Carta Magna. Além disso, insta ressaltar que afastar a incidência do contraditório no inquérito policial não implica em afetação aos direitos do indivíduo, uma vez que o exercício da defesa está reconhecido nesse expediente. 5.3 VERIFICAÇÃO DE COMPATIBILIDADE ENTRE O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E O INQUÉRITO POLICIAL Analisar o princípio da ampla defesa em sede de inquérito policial exige a delimitação do direito à atuação defensiva dentro desse expediente criminal. Sabe-se que o inquérito policial possui caráter inquisitivo, no entanto, tal característica limita-se à estrutura das atividades desenvolvidas no curso da investigação criminal, não funcionando como óbice às garantias e direitos destinados aos indivíduos que figurem na qualidade de supostos autores de um ilícito. Dentre essas garantias, encontra-se o exercício da defesa. Nesse diapasão, faz-se importante salientar o pensamento de Joaquim Canuto Mendes de Almeida, que ao lecionar acerca do tema em apreço, assevera “a inquisitoriedade não é incompatível com o exercício do direito de defesa pelo indiciado durante o inquérito policial” 155. _____________ 154 SILVA, André Ricardo Dias. O princípio do contraditório no Inquérito Policial. Boletim Jurídico¸ São Paulo, 10 ago. 2006. Disponível em: < http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1476>. Acesso em: 06 maio 2008. 155 ALMEIDA, 1973, p. 214. 64 Assim, depreende-se não haver incompatibilidade entre o exercício do direito de defesa e o inquérito policial, ainda que este tenha alicerces oriundos do sistema inquisitivo. Além disso, conforme fora trabalhado no capítulo destinado ao princípio do contraditório, o inquérito policial é imbuído de significado e importância, por isso a Constituição Federal garantiu o direito de defesa e a assistência de advogado nesse procedimento administrativo. Sob essa orientação, Marta Saad, com maestria, conclui: [...] por ser o inquérito [...] etapa importante para a obtenção de meios de provas, [...] o acusado deve contar com a assistência de defensor já nessa 156 fase preliminar, preparando adequada e tempestivamente sua defesa. Expostos os argumentos que justificam o exercício do direito de defesa no inquérito policial, passa-se ao exame de seu princípio garantidor, qual seja a ampla defesa. Segundo o capítulo 03 deste trabalho, a ampla defesa pode ser compreendida como a possibilidade mais abrangente de reação do indivíduo a toda atuação estatal que implique em ameaça a sua liberdade e ao seu patrimônio. Indubitavelmente, o indivíduo incurso na investigação encontra-se sujeito a riscos, porquanto, a título de exemplificação, poderá sofrer busca e apreensão, seqüestro de bens, prisão provisória, agressão à honra e à imagem, etc. Em razão disso, mostra-se necessário efetivar o direito de defesa no decurso do inquérito policial, consoante os ditames estabelecidos pelo princípio da ampla defesa. Anote-se que não deve ser temerária a atuação defensiva do indivíduo em sede de inquérito policial, embora seu exercício se dê da forma mais ampla possível, observados, logicamente, os limites próprios da investigação. Disso deriva a compatibilidade da ampla defesa perante o inquérito policial. Em outras palavras, a defesa que se desenvolve na fase extrajudicial, preparatória ou administrativa da ação penal, exige, inicialmente, âmbito menor do que aquele disponível na fase judicial. O reconhecimento da ampla defesa no inquérito policial está assentado na imprecisão do art. 5º, LV, da Constituição Federal, mormente em razão da expressão acusados em geral, cujo alcance é pontuado por uma interpretação extensiva. Portanto, toda vez que alguém figurar em inquérito policial como suposto _____________ 156 SAAD, 2004, p. 203-204. 65 autor do ilícito penal lhe será assegurado o exercício da ampla defesa. Nesse sentido, Hélio Tornaghi afirma que: [...]acertadamente evitou o Código a palavra acusado na fase do inquérito policial. Como é óbvio, somente pode haver acusado depois da acusação, isto é, da queixa ou denuncia. É certo que, excepcionalmente, a lei defere a possibilidade de defesa ao simples indiciado, colocando-o na situação de quasi imputatus. [...] Nem por isso, entretanto, deve considerar-se acusado, embora possa parecer paradoxal que alguém se defenda sem ter sido acusado. É que a defesa se exerce aqui contra a restrição, não contra a 157 acusação. Tem pressuposto de direito processual, não de direito penal. Superada a questão da compatibilidade existente entre o princípio da ampla defesa e o inquérito policial, emerge a dificuldade de se precisar o momento em que é dado início ao exercício da atividade defensiva nesse procedimento administrativo, devido à subjetividade da autoridade policial que conduz a investigação e define, com bases nos elementos coligidos, quem seria o eventual autor do ilícito, por meio do indiciamento. Assim, erigi a necessidade de previsão legal a fixar o momento do indiciamento, inserindo, no ordenamento jurídico brasileiro, bases objetivas, a fim de corroborar com a eliminação de margens ao arbítrio. Todavia, apesar da omissão supramencionada, é possível concluir que a pessoa, quando suspeita do cometimento da infração penal, passa a figurar como indiciada, ainda que essa condição não tenha sido formalizada, exercendo, daí, o direito de defesa. Voltado para a solução, ainda que parcial, dessa questão, tramita o Projeto de Lei 4.209/01, exigindo fundamentação para o indiciamento, momento em que, sem objeção, inicia-se o exercício da defesa. Com base nessa proposta legislativa, postergado esse direito, todas as provas produzidas sem a participação do sujeito acusado devem ser tomadas como ilícitas. Importante salientar que a compatibilidade existente entre o princípio da ampla defesa e o inquérito policial não revoga o caráter dispositivo ou facultativo do direito de defesa pertinente ao suposto autor do ilícito. Além disso, sob outro enfoque, o fato de o inquérito policial ser escrito corrobora com o exercício do direito de defesa, pois a documentação dos dados coligidos no decurso da investigação fornece os elementos em face dos quais o investigado deverá dirigir a sua atuação defensiva. _____________ 157 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1989. v. 1, p. 171. 66 Por fim, insta trazer à baila os argumentos desenvolvidos por André Rovégno, um dos raros doutrinadores dedicados ao estudo individualizado da ampla defesa em sede de inquérito policial. O autor supramencionado estabelece o conteúdo da ampla defesa durante a investigação criminal, consoante os argumentos reproduzidos a seguir: - A possibilidade de se constituir defesa técnica, uma decorrência do próprio princípio da ampla defesa, cujos fundamentos legais são: art. 5º, inciso LXIII e art. 133, ambos da Constituição Federal e art. 6º, III, VI, “b”, XI, XIV, Estatuto da OAB; - A efetivação do direito previsto no art. 14 do CPP, dispositivo que embasa a possibilidade de requerimento de diligências no inquérito policial, faculdade conferida ao ofendido, ao indiciado e, logicamente, ao advogado representante de seus interesses; - Assegurar que as medidas defensivas alcancem não apenas o indivíduo formalmente indiciado, mas todo aquele sobre o qual recaia atividade estatal que possibilite a responsabilização, por meio de processo penal; - A motivação das decisões, especialmente daquelas que maculem interesses do indivíduo investigado. Esse dever é decorrência do direito de defesa, posto que as razões da autoridade policial consubstanciam os objetos de direção da atividade defensiva. Ressalta-se que este aspecto possui controvérsias devido à discussão doutrinária acerca da motivação dos atos da Administração Pública, na qual prevalece a ausência de obrigatoriedade em motivar; - O direito inerente àquele que se encontre envolvido com a investigação criminal de ser ouvido pessoalmente pela autoridade policial que preside o inquérito policial, com fulcro no art. 6º, inciso V, do Código de Processo Penal; - A faculdade conferida ao indivíduo envolvido com a persecução penal extraprocessual de indicar quesitos para as perícias realizadas no decurso do inquérito policial; - Ser facultada à defesa a possibilidade plena de participação, por escrito, comentando, criticando ou apreciando o resultado ou o conteúdo dos atos produzidos no decurso do inquérito policial. Assim, para o autor, devem ser aceitas as manifestações da defesa, ainda que nada requeiram; - As possibilidades de o defensor, no interesse de seu constituinte, requerer providências, a saber: 67 [...] relaxamento de prisão em flagrante; liberdade provisória com ou sem fiança; habeas corpus, visando sanar ilegalidades em prisões provisórias, ou pleiteando trancamento de inquérito policiais que não se fundem em dados fáticos ou razões jurídicas aceitáveis (o que a doutrina e a jurisprudência costumam chamar de falta de justa causa); mandado de 158 segurança para liberação de bens apreendidos de forma abusiva. - No tocante à possibilidade de recursos, o autor sustenta não ser cabível tal interposição perante o delegado de polícia que preside o inquérito policial, devido à autonomia funcional que rege a ação das autoridades policiais, cuja natureza é exclusivamente administrativa. Em contrapartida, há ampla recorribilidade quanto às medidas assecuratórias originadas de pedido do Ministério Público ou do ofendido, haja vista que nessas situações, perpetua-se relação processual; - Sempre que obstado o exercício de qualquer faculdade inerente à ampla defesa, haverá ato ilícito, passível de correção judicial, por meio dos remédios constitucionais pertinentes ao inquérito policial, que são o Habeas Corpus e o Mandado de Segurança. Assim, toda vez que a autoridade policial afrontar o direito à ampla defesa, impossibilitando a inclusão de dado relevante aos autos, caberá Habeas Corpus. Diversamente, quando o direito instrumental, como o acesso aos autos ou a presença física do defensor nos atos do inquérito policial não for observado, cabível será a impetração de Mandado de Segurança. Note-se que o rol apresentado não é exaustivo, sendo, portanto, pertinente a utilização dos remédios constitucionais mencionados em outras hipóteses em que a privação se demonstre ilícita. Anotadas as correlações e as diferenças existentes entre o inquérito policial e os princípios do contraditório e da ampla defesa, conclui-se, de forma prematura, que há incompatibilidade do primeiro princípio mencionado perante o instrumento de persecução penal em apreço. No entanto, a fim de fomentar essa simplória colocação, analisa-se, a seguir, o posicionamento da doutrina e, posteriormente, da jurisprudência acerca do tema suscitado. 5.4 POSIÇÃO DOUTRINÁRIA ACERCA DO TEMA _____________ 158 ROVÉGNO, 2005, p. 362. 68 Como fora exaustivamente demonstrado, a questão envolvendo o contraditório e a ampla defesa no inquérito policial encontra fundamento na insuficiência conceitual que padece a matéria. Nesse contexto, a doutrina pátria tem manifestado três posições discrepantes a respeito do assunto suscitado neste trabalho. A primeira corrente, contrária à aplicabilidade dos princípios do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, predomina na doutrina brasileira e tem como fundamentos a ausência de acusado na investigação criminal e a natureza administrativa e inquisitiva do inquérito policial. Sob essa orientação, há um rol extenso de doutrinadores que afastam a adoção dos princípios do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial. Nesse sentido, Pedro Lenza assinala: Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Corolário a este princípio, asseguram-se aos litigantes, em processo judicial e administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. E em relação ao inquérito policial, devem tais princípios ser assegurados? Não, pois não há ainda acusação. Fala-se em indiciado¸ já que o inquérito policial é mero procedimento administrativo que busca colher provas sobre o fato 159 infringente da norma e sua autoria. E Alexandre de Morais, dando ênfase ao princípio do contraditório, leciona: O contraditório nos procedimentos penais não se aplica aos inquéritos policiais, pois a fase investigatória é preparatória da acusação, inexistindo, ainda, acusado, constituindo, pois, mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado a subsidiar a atuação do titular da ação 160 penal, o Ministério Público. Na mesma direção, Manoel Messias Barbosa, refutando a ação defensiva no transcorrer da investigação criminal, afirma que ”o inquérito policial, por sua natureza, é inquisitório, sigiloso e não permite defesa” 161. Dentre os autores que apartam o contraditório e a ampla defesa do inquérito policial, destaca-se José Frederico Marques, cujas palavras incisivas determinam: O vigente Código de Processo Penal distingue perfeitamente a “instrução criminal” (arts. 394 a 405) do “inquérito policial” (arts. 4º a 23), como o fazem as legislações da atualidade. Só a primeira é contraditória, de acordo, aliás, com o que impões o mandamento constitucional. Não se pode, pois, interpretar com simplismo o texto constitucional sobre a instrução contraditória, para estendê-lo ao inquérito policial. [...] A investigação _____________ 159 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 628. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 93. 161 BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito Policial. 5. ed. São Paulo: Editora Método, 2006. p. 64-65. 160 69 policial, ou inquérito policial, tem mesmo de plasmar-se por um procedimento não contraditório, porque ali ainda não existe acusado, mas apenas indiciado. O individualismo exagerado de alguns é que pretende o 162 absurdo de adotar sistema diverso [...]. Nota-se que o autor repudia a aplicação do contraditório no inquérito policial por depreender que a possibilidade de adoção desse princípio implica em perda da eficiência da investigação, comprometendo o interesse público e a propositura de ações penais pertinentes. Em outro enfoque, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco reconhecem que no inquérito policial “os direitos fundamentais do indiciado hão de ser plenamento tutelados” 163, independentemente da inaplicabilidade do princípio do contraditório, pois isso não afeta o exercício do direito de defesa, conferido a todo indivíduo considerado suspeito no decurso da investigação policial. Por sua vez, ao tratar da ampla defesa, mormente no tocante à possibilidade de atuação defensiva no inquérito policial, Fernando de Almeida Pedroso assinala: [...] o direito de defesa dirige-se ao Juiz da causa, não à autoridade policial, atinando, consequentemente, com a instrução do feito “na fase processual”. Isso porque a instrução policial do fato não tem como destinatário principal o 164 Juiz, mas o representante do Ministério Público [...]. Assim, ante a manifestação doutrinária esboçada, não desprezando o advento da Constituição Federal de 1988, infere-se que a inaplicabilidade dos princípios do contraditório e da ampla defesa na primeira fase da persecução penal, funda-se na ausência de acusação em sede de inquérito policial, na ameaça que a atuação defensiva poderia conferir à atividade investigatória, na inexistência de acusação nessa etapa, e, por fim, na natureza jurídica do instrumento persecutório que é procedimental, inquisitiva e administrativa. A segunda corrente doutrinária evidencia um posicionamento intermediário, por isso afasta o princípio do contraditório devido à incompatibilidade demonstrada em um dos itens anteriores, mas defende a incidência da ampla defesa em razão da atuação defensiva que é conferida ao investigado. _____________ 162 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas-SP: Millenium, 2000. v. 1, p. 89. 163 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 20. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 54. 164 PEDROSO, 1994, p. 56. 70 Nesse contexto, Marta Saad, em alusão à Carta Magna, preleciona: A defesa se insere no devido processo legal. A Constituição Federal assegura, no art. 5º, LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Com essa redação [...] aparta não só litigantes de acusados, mas também contraditório de ampla defesa, [...]. Assim, [...] no inquérito policial, procedimento administrativo com fins judiciais, não há possibilidade de se estabelecer 165 contraditório, mas sim exercício do direito de defesa. Outrossim, Antonio Scarance Fernandes 166 assinala que o contraditório é incompatível com o inquérito policial, contudo, determinados atos que nele ocorrem devem estar amparados pelo exercício do direito de defesa em prol do suspeito. Os atos mencionados seriam de duas espécies distintas, conforme assevera André Rovégno: [...] atos próprios da investigação, nos quais seria inviável – por incompatível com a finalidade do ato – a cientificação prévia do suspeito, e atos em que tal notificação não se mostra prejudicial à atividade investigatória, sendo possível a participação do suspeito e aceitável seu 167 prévio chamamento. A título de exemplificação, prisão, quebra de sigilo, autorização para busca e apreensão em domicílio, ainda que não tenha havido efetivo indiciamento, são atos não definidos como próprios de investigação e, portanto, consoante a posição doutrinaria intermediária, passíveis de incidência da ampla defesa. Evandro Fernandes de Pontes e Flávio Boechat Albernaz 168 , também partidários da corrente intermediária, apresentam um pensamento inovador, ao entenderem que, por razões políticas, é necessário restringir o princípio do contraditório à fase acusatória, uma vez que a adoção desse princípio, durante o inquérito policial, culminaria na ineficácia do controle da criminalidade. Em acréscimo, os autores supramencionados destacam não serem contrários ao exercício do contraditório em determinados atos ocorridos no curso da investigação, firmando, assim, uma postura intermediária diversa. _____________ 165 SAAD, 2004, p. 216. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 64. 167 ROVÉGNO, 2005, p. 292. 168 ALBENAZ, Flávio Boechat; PONTES, Evandro Fernandes de. Estudos de Processo Penal - O Mundo à Revelia. Coordenação por Fauzi Hassan Choukr. Campinas/SP: Agá-Juris, 2000. p. 181196. 166 71 Portanto, expedientes probatórios irrepetíveis ou de difícil repetição, perícias, direito de ter ciência da imputação e de ser ouvido sobre ela, conhecer o rumo da investigação e trazer para os autos dados favoráveis à defesa, são hipóteses, nas quais, segundo os referidos autores, é possível aceitar a adoção do princípio do contraditório. A terceira e última corrente doutrinária, favorável à aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, não é o posicionamento predominante, no entanto, muitos doutrinadores, influenciados pelo garantismo, têm militado nesse sentido. São argumentos que justificam esse posicionamento: a) ser esta etapa um verdadeiro “processo administrativo” preparatório ao exercício da ação penal; b) haver neste processo um conflito de interesses, portanto existindo litígio e, por conseqüência, litigantes. O contraditório surge, então, exatamente dentro do quadro garantidor do novo direito 169 processual administrativo. Note-se que a favor do contraditório no inquérito policial, essa corrente refuta o caráter administrativo do procedimento em comento, atendendo ao princípio do due processo f law, conforme preceitua uma tendência denominada “processualização” 170. Com efeito, o entendimento de que o inquérito policial é processo gera a superação inerente ao vocabulário acusados, constante no texto constitucional, uma vez que essa nomenclatura é própria da relação processual. Indubitavelmente, a presente corrente adapta a lei fundamental a uma interpretação garantista, sugerindo, com o fito da contrariedade, inúmeras inovações no inquérito policial brasileiro, a saber: [...] a criação de um mecanismo de filtragem de plausibilidade da ação, isto com um momento jurisdicional entre o oferecimento da inicial acusatória e o seu recebimento, onde haja a plena possibilidade de atuação da defesa. Ainda que localizada sistematicamente fora do procedimento investigatório, a construção de tal fase possui reflexos na política de condução das investigações, servindo como obstáculo a futuros inquéritos cerebrinos, onde nada alem de especulação infundada e gratuita exista. Além dessa nova fase, a remodelação do ato de indiciamento ganha em importância [...]. O suspeito, numa estrutura coerente como a preconizada, não fica sem armas para lutar contra eventuais arbítrios do Estado na investigação, ao _____________ 169 CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na investigação criminal. 3. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 126. 170 JORGE, Higor Vinicius Nogueira. A processualização do inquérito policial. É possível o contraditório no inquérito?Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 471, 21 out. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5840>. Acesso em: 25 ago. 2008. 72 mesmo tempo em que é permitido o funcionamento eficaz da máquina 171 repressiva. Por todo o exposto, infere-se que a posição favorável à adoção do contraditório e da ampla defesa em sede de inquérito policial tem como razões a inclusão do investigado no rol extensivo da expressão acusados em geral, bem como o entendimento de que o inquérito policial é processo administrativo e não procedimento, discordando, assim, do que fora pacificado pela doutrina pátria predominante. Traçado o perfil da doutrina nacional a respeito do assunto alvitrado neste trabalho, em que pese a predominância da primeira corrente, para qual os princípios do contraditório e da ampla defesa não são aplicáveis no inquérito policial, verificase, a seguir, a postura adotada pela jurisprudência brasileira, com relação ao tema suscitado. 5.5 POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL ACERCA DO TEMA Verificando a jurisprudência dos tribunais superiores pátrios, uma vez que estes, de maneira geral, orientam o posicionamento dos demais tribunais nacionais, tem-se que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, pautam-se pelo entendimento de que os princípios do contraditório e da ampla defesa não incidem no inquérito policial, raras as decisões em sentido contrário. Para os tribunais superiores nacionais, a regra esculpida no art. 5º, LV, da Constituição Federal não se aplica ao inquérito policial, pois esse expediente, como procedimento administrativo, não admite acusado. Assim, o Ministro Sepúlveda Pertence assinala: [...] penso que a discussão do problema da oponibilidade ao advogado do indiciado do sigilo do inquérito policial tem sido conturbada pela intromissão indevida do art. 5º, LV, da Constituição [...] A extensão inovadora do alcance 172 do preceito ao processo administrativo não atinge o inquérito policial. _____________ 171 CHOUKR, 2006, p. 132. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 87.827/RJ. Primeira Turma. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Julgamento: 25/04/2006. DOU, 23 jun. 2006. 172 73 No mesmo sentido, o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Hamilton Carvalhido, defeso aos princípios do contraditório e da ampla defesa em sede de inquérito policial, consignou a seguinte ementa: “A natureza inquisitorial do inquérito policial não se ajusta à ampla defesa e ao contraditório, próprios do processo, até porque visa preparar e instruir a ação penal” 173. Além dessas premissas, os tribunais superiores já pacificaram: “ofende a garantia constitucional do contraditório fundar-se a condenação exclusivamente em elementos informativos do inquérito policial não ratificados em juízo” 174. Outrossim, insta salientar que esses tribunais, embora contrários à incidência dos princípios do contraditório e da ampla defesa em inquérito policial, têm reconhecido a possibilidade de exercício das faculdades defensivas nessa fase da persecução penal, mormente em razão da participação do advogado. Sob essa orientação, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, como relator em um habeas corpus, dispõe: Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo, porque não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera administrativa; existência, não obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar e o de 175 manter-se em silêncio. Corrobora com esse entendimento, a ementa elaborada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça, Hélio Guaglia Barbosa: A defesa é de ordem pública primária (Carrara); sua função consiste em ser a voz dos direitos legais – inocente ou criminoso o acusado. De mais a mais, é direito do advogado examinar autos de flagrante e de inquérito, 176 findos ou em andamento (Lei nº 8.906/94, art. 7º, inciso XIV). A par dos apontamentos predecessores, não há motivos para estender este aspecto do estudo, uma vez que os tribunais superiores optaram por afastar o contraditório e a ampla defesa do inquérito policial. _____________ 173 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus 11124/RS. Sexta Turma. Relator: Hamilton Carvalhido. Julgamento: 19/06/2001. DOU, 24 set. 2001. 174 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 84.517/SP. Primeira Turma. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Julgamento: 09/11/2004. DOU¸ 19 nov. 2004. 175 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 90.232-7/AM. Primeira Turma. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Julgamento: 18/12/2006. DOU, 09 fev. 2007. 176 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 45.258/RJ. Sexta Turma. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Julgamento: 02/08/2007. DOU, 05 nov. 2007. 74 Todavia, de maneira rara e adversa, o Ministro Gilmar Mendes, demonstrando uma tendência que pode culminar na mudança de posicionamento dos tribunais acerca do tema em exame, assinala: Com relação à argumentação expendida pelo acórdão ora impugnado, reforço as razões que apresentei na decisão liminar, para rechaçar a premissa de que o inquérito policial corresponderia a procedimento 177 investigatório e inquisitorial imune ao contraditório e à ampla defesa. 5.6 A RECENTE REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E A MANUTENÇÃO DO INQUISITIVO A recente reforma do Código de Processo Penal brasileiro não tratou, diretamente, do inquérito policial. No entanto, ao disciplinar a questão das provas, o legislador optou pela manutenção do sistema inquisitivo, repercutindo, assim, na condução da investigação criminal. 178 A conservação do inquisitório foi refutada pelos garantistas, sob alegação de que o devido processo legal, previsto na Constituição da República, não guarda compatibilidade com o sistema do Código de Processo Penal, parcialmente inquisitorial. Nesse sentido, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, ao elaborar o artigo “As reformas parciais do CPP e a gestão da prova: segue o princípio inquisitivo”, publicado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, disserta extensivamente: O modelo de sistema misto [...] com a primeira fase inquisitória e a segunda fase, processual, amplamente contraditória [...] foi a estrutura dual: investigação preliminar/ processo [...] adotada no Brasil na recente história de sua legislação processual penal, ainda piorada com a adoção do inquérito policial em 1871. Ele nasce (o IP), assim (Lei nº 2.033, de 20.09.1871 e Decreto nº 4.824, de 22.11.1871), com a desvantagem de ser um procedimento administrativo e, de conseqüência, inviabiliza a extensão, para si, do contraditório, até porque a CR de 88 só o impôs como um direito individual quando houvesse processo, conforme art. 5º, LV [...]. A matéria é polêmica, todavia; mas no rigor conceitual não cabe falar de processo em IP. [...] Nesta esteira, o sistema processual penal brasileiro é, indubitavelmente, inquisitório, porque seu princípio unificador é o inquisitivo, já que a gestão da prova está, primordialmente, nas mãos do juiz, senhor do _____________ 177 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 92.599/BA. Segunda Turma. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Julgamento: 18/03/2008. DOU, 25 abr. 2008. 178 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. v. 1, p. 491. 75 processo. A solução parece estar na superação da estrutura inquisitória [...]. O que se há de reafirmar, enfim, é que reformas parciais não mudam o sistema porque não vão no núcleo do problema, ou seja, no princípio inquisitivo. [...] Se a salvaguarda dos direitos e garantias individuais no processo penal é o melhor critério pelo qual se pode medir o grau de civilidade de um povo, mais cuidado se pede ao se reformar aquele que talvez seja, dentre todos os ramos do direito, o que maior impacto exercer sobre a vida humana e especialmente sobre aquela vitimada pela desigualdade no acesso às condições mínimas de vida. [...] Necessário, portanto – e mais que isso, urgente –, é ousar pensar em uma reforma 179 global, o que significa dizer: um novo Código de Processo Penal. A citação supra evidencia um momento em que o autor, fazendo eco às vozes que prenunciam o garantismo, aduz as justificativas relativas à insatisfatória reforma do Código de Processo Penal nacional. Em contrapartida, nota-se que é reconhecido o caráter inquisitivo do inquérito policial, bem como a sua natureza jurídica procedimental administrativa, restando, portanto, afastado o art. 5º, LV, da CF/88, no qual estão alocados o contraditório e a ampla defesa. Assim, ante todo o exposto neste capítulo finalístico, considerando, inclusive, a recente reforma do Código de Processo Penal, pode-se concluir que, devido ao embasamento teórico demonstrado, remanesce a inaplicabilidade dos princípios do contraditório e da ampla defesa em sede de inquérito policial, pois os conceitos esmiuçados, mormente aqueles relativos a este procedimento administrativo e inquisitivo, não coadunem com a redação esculpida no art. 5º, LV, da Carta Magna, conceitualmente dirigida às relações processuais. Contudo, insta ressaltar que o investigado em inquérito policial não se encontra, hodiernamente, desamparado, posto que exerce o direito de defesa, com limitações próprias da investigação, por meio da assistência judiciária de um profissional habilitado, que é o advogado, podendo, inclusive, requerer diligências. _____________ 179 COUTINHO, Nelson Jacinto de Miranda. As reformas parciais do CPP e a gestão da prova: segue o princípio inquisitivo. Boletim do IBCCRIM, ano 16, n. 188, 2008, p. 13. 76 CONCLUSÃO Com espeque nas exposições trabalhadas ao longo deste estudo, depreendese que a questão inerente à incidência do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial exige, em razão da conotação social que envolve a matéria, mais do que uma simplista adequação de conceitos. Nesse diapasão, prevalece o entendimento majoritário de que os princípios do contraditório e da ampla defesa não têm aplicabilidade no inquérito policial, pois este instrumento de persecução penal prévia tem natureza administrativa e alicerces inquisitoriais. Contudo, evadindo-se da literalidade presente na Constituição Federal, cujas expressões “processo administrativo” e “acusados em geral” acabaram por afastar o contraditório e a ampla defesa do inquérito policial, foi admitida a atuação do advogado nesse expediente criminal, com o fito de suprimir o relegado papel do suspeito, frequentemente reduzido a nada. Note-se que a possibilidade de assistência judiciária por meio de um profissional habilitado aliada à faculdade do investigado em requerer diligências expressam ações pontuais do princípio da ampla defesa. Todavia, a exercício dessas prerrogativas defensivas não torna cabível a assertiva levantada por alguns doutrinadores de que, em virtude delas, observadas, logicamente, as restrições inerentes à investigação, haveria plena incidência do princípio da ampla defesa, isso porque é controverso assinalar que o direito de defesa é vasto, quando, na verdade, há limites claros em sua atuação. Assim, afastar o contraditório e a ampla defesa do inquérito policial não implica em tratar de forma desumana o suspeito (entenda-se aqui o investigado, bem como o indiciado), porquanto tem este o direito ao exercício de defesa, por intermédio do advogado. Ademais, o próprio inquérito policial exerce função protetiva, uma vez que as investigações, pautadas pela busca da verdade material, podem culminar na ausência de imputação. Em suma, concretizar a justiça engloba a resolução da complicada equação: direitos coletivos versus direitos individuais, e o debate alvitrado neste estudo não foge a essa realidade. Consequentemente, sedimentar o afastamento do contraditório e da ampla defesa em sede de inquérito policial, mas conceder ao 77 investigado assistência de advogado, requisição de diligências e outras faculdades defensivas limitadas aos ditames da investigação penal, é a solução que se entende melhor coadunar interesses da sociedade e liberdades individuais, em prol da verdade real, objetivo precípuo do inquérito policial. 78 REFERÊNCIAS ALBENAZ, Flávio Boechat; PONTES, Evandro Fernandes de. Estudos de Processo Penal - O Mundo à Revelia. Coordenação por Fauzi Hassan Choukr. Campinas/SP: Agá-Juris, 2000. ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes. Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. AZEVEDO, Vicente de Paulo Vicente. Curso de direito judiciário penal. 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