REFLEXÕES SOBRE A APRENDIZAGEM CIENTÍFICA EM
AMBIENTES INFORMAIS DE EDUCAÇÃO
STANZANI, Enio de Lorena – UEL/PR
[email protected]
PASSOS, Marinez Meneghello – UEL/PR
[email protected]
ARRUDA, Sergio de Mello – UEL/PR
[email protected]
Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: Capes/CNPq
Resumo
O presente trabalho busca evidenciar o aprendizado científico dos estagiários do Museu de
Ciência e Tecnologia de Londrina (MCTL) que encontram-se inseridos no Grupo de Estudos
e Iniciação Científica (GEI). Este grupo partilha de algumas características de um ambiente
informal, uma vez que nele os participantes controlam a agenda de seu próprio aprendizado,
portanto teremos como referencial teórico de análise os focos (strands) da aprendizagem
científica em ambientes informais propostos pelo National Research Council (NRC) no
relatório Learning Science in Informal Environments: People, Places, and Pursuits, que
propõe avaliar e organizar a aprendizagem da ciência segundo seis focos: 1.Desenvolvendo o
interesse pela ciência; 2.Compreendendo o conhecimento científico; 3.Engajando-se no
raciocínio científico; 4.Refletindo sobre a natureza da ciência; 5.Engajamento na prática
científica; 6.Identificando-se com o empreendimento científico (NRC, 2009). A pesquisa é
predominantemente de cunho qualitativo e o percurso metodológico recai na análise das
memórias – metodologia de coleta de dados desenvolvida por Passos e colaboradores
(PASSOS et al., 2008; PASSOS et al., 2007) – constituídas no GEI, entre os anos de 2010 e
2011, investigando na fala dos estagiários referências aos focos de aprendizagem citados
acima. As falas apresentadas primeiramente foram selecionadas e contextualizadas e em
seguida analisadas segundo as definições do NRC para cada um dos referidos focos. Esse
procedimento metodológico nos permitiu constatar que a participação no GEI auxiliou os
estagiários em suas atividades de pesquisa e extensão, contribuindo no desenvolvimento do
interesse pela ciência, motivando a participação, a busca pelo conhecimento e colaborando na
construção da identidade do participante.
Palavras-chave: Focos de aprendizagem científica. Ambientes informais. Grupo de estudos e
iniciação científica.
9695
Introdução
A educação, enquanto forma de ensino aprendizagem, possui um significado amplo e
abrangente e por esse motivo alguns autores a dividem em três diferentes formas: educação
formal, informal e não formal (COLLEY et. al., 2002; BIANCONI; CARUSO, 2005).
A educação formal pode ser resumida como aquela que está presente no ensino
escolar institucionalizado, cronologicamente gradual e hierarquicamente estruturado,
e a informal como aquela na qual qualquer pessoa adquire e acumula
conhecimentos, através de experiência diária em casa, no trabalho e no lazer. A
educação não formal, porém, define-se como qualquer tentativa educacional
organizada e sistemática que, normalmente, se realiza fora dos quadros do sistema
formal de ensino. (BIANCONI; CARUSO, 2005, p.20)
Em sua pesquisa, Colley e colaboradores (2002) trazem definições de diversos autores
e anos, acerca dos tipos de aprendizagem, iniciando com uma citação de McGivney (1999)
que destaca a dificuldade de se fazer uma distinção entre as formas de aprendizagem, pois
muitas vezes há uma superposição entre as mesmas. Para Stern e Sommerlad (1999, citado
por COLLEY et. al., 2002) as diferenças entre a educação formal e a informal situam-se em
um contínuo, não havendo, portanto uma fronteira óbvia entre elas.
Após apresentar e discutir as definições dos tipos de aprendizagem dos autores citados
em sua pesquisa, Colley e colaboradores (2002) apresentam algumas conclusões desse estudo,
considerando o contexto no qual e/ou para o qual as definições foram desenvolvidas e a
diversidade de fatores e critérios que diferentes autores destacam importantes em suas
análises.
Esta parte de nossa análise levantou sérias dúvidas sobre a possibilidade de se
estabelecer uma forma objetiva de definir aprendizagem formal, não formal e
informal, que seria relevante na maioria, se não em todas as situações, posições de
valor e propósitos.1 (COLLEY, et. al., 2002, p.17, tradução nossa)
1
This part of our analysis raised serious doubts about the possibility of establishing an objective way of defining formal,
non-formal and informal learning, that would be relevant in most if not all situations, from most, if not all, value positions,
and for most, if not all, purposes. (COLLEY, et. al., 2002, p.17)
9696
Corroborando com a conclusão de Colley e colaboradores e considerando, portanto o
contexto o qual o presente trabalho se propõe a investigar, buscou-se em Dierking (2005) a
definição do que se acredita caracterizar a aprendizagem no ambiente do estudo em questão.
Dierking (2005) apresenta o termo free-choice learning – aprendizado por livre
escolha – para classificar um tipo de aprendizagem onde o indivíduo é guiado pelas suas
necessidades e interesses, apontando a importância de considerarmos essa vertente no
processo de aprendizagem científica ao longo da vida.
No século XXI, instituições de ensino por livre escolha, tais como museus, internet e
a mídia, estão assumindo um papel cada vez mais proeminente, possibilitando ao
público oportunidades de aprendizagem de ciências. Todos esses representam
importantes – na verdade eu gostaria de sugerir essenciais – maneiras de
aprendermos e, mais importante, contextualizarmos nosso conhecimento científico
ao longo de nossas vidas. Se como educadores da ciência no século XXI nós
realmente queremos ir além da retórica de apóio à aprendizagem da ciência ao longo
da vida é fundamental reconhecermos a aprendizagem por livre escolha como um
veículo poderoso para a aprendizagem ao longo da vida.2 (DIERKING, 2005, p.146,
tradução nossa)
Segundo o National Research Council3 (NRC, 2009) o potencial dos ambientes não
escolares para aprendizagem é frequentemente subestimado, considerando que as pessoas
passam a maior parte do seu tempo nesses locais. Ainda segundo o relatório, espaços prédeterminados podem também dar suporte à aprendizagem científica:
Estes são locais onde podemos observar muitos fenômenos do mundo real e onde as
pessoas podem perseguir e desenvolver interesses científicos, engajar-se na
indagação, na pesquisa científica e refletir acerca de suas experiências, procurando
um sentido para as mesmas através das interações. (NRC, 2009, p.2, tradução nossa)
Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo investigar o desenvolvimento do
aprendizado científico pelos estagiários do Grupo de Estudo e Iniciação à Pesquisa (GEI), do
2
In the twenty-first century, free-choice learning institutions such as museums, the Internet, and broadcast media are
assuming an ever more prominent role in providing the public with science learning opportunities. All of these represent
important – in fact I would suggest essential – ways that we learn and, most importantly, contextualize our science
knowledge and understanding throughout our lifetimes. If as science educators in the twenty-first century we truly want to
move beyond the rhetoric of supporting lifelong science learning, it is critical that we recognize, understand, and learn how to
facilitate free-choice learning as a powerful vehicle for lifelong learning.(DIERKING, 2005, p.146)
3
O relatório Learning Science in Informal Environments: People, Places, and Pursuits desenvolvido pelo National Research
Council (2009) não possui versão traduzida para o português, portanto todas as citações foram traduzidas pelos autores deste
trabalho. A versão original encontra-se disponível em: http://www.upf.edu/pcstacademy/_docs/InformalLearningReport.pdf
9697
Museu de Ciência e Tecnologia de Londrina (MCTL). O GEI é um grupo constituído
basicamente por estudantes das licenciaturas em Física e Química que atuam no MCTL, tendo
sido criado com o objetivo de contribuir para a formação acadêmica dos estagiários, buscando
articular as atividades de extensão, de ensino e de pesquisa, com as quais os membros do
grupo se envolvem. No GEI, de um modo geral, os participantes controlam a agenda de seu
próprio aprendizado, o que é uma característica central das experiências de aprendizagem
informal (NRC, 2009, p.128).
Desenvolvimento
Buscando evidenciar o desenvolvimento do aprendizado científico dos estagiários
participantes do GEI utilizaremos como referencial teórico o relatório Learning Science in
Informal Environments: People, Places, and Pursuits desenvolvido pelo National Research
Council (NRC, 2009).
O relatório apresenta os focos (strands4) da aprendizagem da ciência como “um
sistema que articule capacidades específicas das ciências sustentadas pelos ambientes
informais” (p.3).
Foco 1: A emoção da experiência, o interesse e a motivação para aprender acerca
dos fenômenos no mundo físico e natural.
Foco 2: Chegar a gerar, compreender, lembrar e utilizar conceitos, explicações,
argumentos, modelos e fatos relacionados com a ciência.
Foco 3: Manipular, testar, explorar, predizer, questionar, observar, e encontar
sentido no mundo natural e físico.
Foco 4: Refletir acerca da ciência como um modo de conhecimento; dos processos,
conceitos e instituições de ciência e acerca de seu próprio processo de aprendizagem
dos fenômenos.
Foco 5: Participar de atividades científicas e de práticas de aprendizagem com
outros, utilizando linguagem e ferramentas científicas.
Foco 6: Pensar acerca deles mesmos como aprendizes de ciência e desenvolver uma
identidade como alguém que sabe sobre, utiliza e algumas vezes contribui para a
ciência. (NRC, 2009, p.4, tradução nossa)
Os seis focos apresentados serão utilizados em nosso contexto de investigação como
uma “ferramenta conceitual para organizar e avaliar a aprendizagem da ciência” (NRC, 2009,
4
O NRC (2009) define a palavra strand pela expressão “strands of a rope”, ou seja, os strands são como fios entrelaçados
que compõem uma totalidade. Em nosso grupo de estudos adotamos substituir strand por foco, propondo, durante as análises
dos dados, uma separação entre eles.
9698
p.4). Nesse sentido discutiremos de maneira mais aprofundada cada um dos focos de
aprendizagem citados.
Foco 1 – Desenvolvendo o interesse pela ciência
Ambientes informais são caracterizados por atividades que promovem a aprendizagem
sobre o mundo natural e físico, despertando emoções, o interesse e a motivação nos
participantes, criando a oportunidade de experimentar diversos sentimentos e encontrar
significados em relação ao que estão aprendendo. Nesse sentido,
[...] a participação é muitas vezes discutida em termos de interesse, conceituada
tanto pelo ‘gostar de ciências’ como pelo ‘reaproximar-se da ciência’. O interesse
inclui a emoção, a admiração, e a surpresa de experimentar novos conhecimentos e
valores que tornam a experiência relevante e significativa. Pesquisas recentes sobre
a relação entre o afeto e a aprendizagem mostram que as emoções associadas com o
interesse são um fator importante para a aprendizagem (NRC, 2009, p. 58, tradução
nossa)
Nesses ambientes os participantes têm a opção de determinar o que aprendem, quando
aprendem e de que forma aprendem, corroborando com a ideia de aprendizado por livre
escolha exposta por Dierking (2005) e Falk e Storksdieck (2005).
Foco 2 – Compreendendo o conhecimento científico
O foco 2 refere-se ao aprendizado dos principais conceitos, explicações, argumentos,
modelos, teorias e fatos científicos criados pela civilização ocidental para a compreensão do
mundo natural (NRC,2009, p.44). Aprender sobre os fenômenos naturais envolve as
experiências cotidianas do indivíduo desde os primeiros anos de vida (NRC, 2007). Esse tipo
de experiência em ambientes informais, mais do que proporcionar diversão, fornece bases
coerentes para o entendimento conceitual da ciência.
Dierking e Falk (2005, p.764) concluem em um artigo a respeito da aprendizagem em
ambientes informais, que os visitantes cujo o interesse é provocado (Foco 1) estão dispostos a
se envolver em outras experiências de aprendizagem informal, levando-os a engajar-se na
busca pela compreensão do conhecimento.
9699
Foco 3 – Engajando-se no raciocínio científico
Um importante foco de pesquisa na educação informal diz respeito a como as pessoas
empregam o raciocínio científico. Ambientes informais oferecem oportunidades para que as
pessoas se envolvam na investigação científica, utilizando uma grande variedade de recursos
que os apoiam em suas investigações e descobertas (NRC, 2009, p.66).
As abordagens do ensino de ciências baseadas nessa perspectiva concentram-se em
fornecer às crianças experiências físicas que induzam ao conflito cognitivo e, assim,
encorajam os aprendizes a desenvolver novos esquemas de conhecimento que são
mais bem adaptados à experiência. [...] a interação social em grupos é vista como
algo que fornece o estímulo de perspectivas diferentes sobre as quais os indivíduos
possam refletir. (DRIVER, et. al., traduzido por MORTIMER, 1999, p.33)
Este tipo de ação se baseia no desenvolvimento de habilidades de investigação, tais
como levantar questões, explorar, experimentar, aplicar ideias, buscando, através do
raciocínio, levantar evidências e conclusões, articulando as ideias entre o grupo.
Foco 4 – Refletindo sobre a natureza da ciência
De acordo com o NRC (2009, p.68) “o objetivo fundamental da educação científica é
melhorar a compreensão dos alunos sobre o que é ciência, ou seja, aumentar a compreensão
sobre a natureza do empreendimento científico”. Esse foco destaca questões relacionadas a
como o conhecimento científico é construído, incluindo também a percepção dos aprendizes
de como seu próprio pensamento evolui.
Ainda segundo o relatório, as formas de conhecimento científico associadas ao foco 4
são consideradas determinantes para se ter cidadãos informados, pois:
[...] embora os leigos sempre possam contar com o trabalho de cientistas
profissionais, uma visão fundamentalmente construída do conhecimento científico,
ao invés de meramente baseada em fatos e outras fontes, podem fornecer uma
postura crítica a partir da qual o indivíduo pode avaliar as afirmações com base nas
evidências. (NRC, 2009, p.68, tradução nossa)
Nesse sentido, no processo de construção do conhecimento, ambientes informais
podem proporcionar situações que levem os aprendizes a formar uma atitude crítica,
9700
estruturada a partir de evidências, pois esses ambientes propiciam oportunidades adequadas
para uma melhor compreensão da natureza da ciência.
Foco 5 – Envolvimento na prática científica
A interação do aprendiz em ambientes que propiciem um contato com a ciência faz
com que ele mesmo se aproprie de métodos científicos de argumentação, logo, o foco 5
destaca a participação do aprendiz em atividades que proporcionem esse vínculo.
Existe uma preocupação nos ambientes informais de educação para que as atividades
desenvolvidas motivem e superem as expectativas dos participantes, dialogando e
questionando posteriormente, pois a participação pode ser utilizada como medida de
aprendizagem. (NRC, 2009, p.70). O objetivo é que os participantes conversem, explorem e
divirtam-se com a ciência, já que para assumir algum grau de aprendizado, a participação
deve estar ocorrendo. (NRC, 2009, p.71)
Foco 6 – Identificando-se com o empreendimento científico
Este foco evidencia o despertar do sujeito em relação ao seu potencial nas atividades
que dizem respeito à aprendizagem científica e ao fazer ciência. O NRC (2009, p. 74) define a
identidade como uma “sensação subjetiva” de envolvimento ao ambiente e as atividades
relacionadas à ciência. Refere-se ao processo pelo qual os indivíduos chegam a sentir-se
confortáveis e interessados no conhecimento técnico.
Ambientes informais de aprendizagem criam oportunidades para que os alunos
desenvolvam suas ideias, fazendo uso dos recursos disponíveis que podem levar ao
envolvimento cada vez mais intenso nas práticas científicas. (NRC 2009, p.75)
Os focos de aprendizagem 1 e 6 são particularmente relevantes para os ambientes de
aprendizagem informal; estes estimulam a construção do interesse inicial do saber científico,
estruturando às identidades ao longo do tempo.
Contextualizando o Referencial Teórico
Os focos de aprendizagem definidos pelo NRC dizem respeito ao aprendizado
científico, por exemplo, como o indivíduo constrói sua identidade enquanto cientista, ou
como ele se relaciona com o conhecimento científico, entre outros. Considerando nosso
9701
contexto de investigação, o GEI, no qual os estagiários desenvolvem atividades relacionadas
aos mais diversos temas, ligados ou não a sua respectiva área de formação, buscamos realizar
uma transposição dos conceitos propostos pelo NRC para cada um dos focos.
Nesse sentido faremos uma interpretação e análise das memórias constituídas no GEI,
entre os anos de 2010/2011, buscando encontrar na fala dos estagiários, referências aos focos
de aprendizagem mencionados acima.
As memórias são uma metodologia de coleta de dados (PASSOS et al., 2008;
PASSOS et al., 2007) inspirada nos jornais de pesquisa, utilizados por diversos pesquisadores
como forma de obtenção de dados. O jornal de pesquisa “Deve ser visto como um diário pelo
fato de nele registrar-se o cotidiano de modo livre, espontâneo, o pesquisador anota suas
observações e reflexões com liberdade quanto às regras e as exigências ortográficas”.
(BARBOSA, 2000, p.20)
Em nossa prática as memórias são utilizadas nas reuniões de grupos e outras situações
de pesquisa, sendo que em todas elas a sua elaboração passa pelo registro escrito do evento,
realizado simultaneamente por vários ‘memoristas’. Um deles fica encarregado de fazer a
primeira redação da memória, enquanto os demais vão fazendo as leituras, correções e
acréscimos subsequentes, até a memória atingir sua versão final. Quando utilizada com
grupos, depois de elaborada, a memória é disponibilizada como instrumento de feedback para
conhecimento e eventuais correções.
Resultados e Considerações Finais
Apresentadas as definições do NRC para os focos de aprendizagem em ambientes
informais, iremos analisar os dados encontrados nas memórias na intenção de classificá-los
segundo os focos.
Nos tópicos a seguir apresentaremos as falas dos estagiários5, referentes a cada um dos
seis focos, analisando e contextualizando os exemplos.
Foco 1 – Desenvolvendo o Interesse pela Ciência
Durante a primeira reunião do GEI no ano de 2010, os estagiários comentaram sobre
suas expectativas quanto às reuniões. Dentre os comentários analisados, destacamos a fala do
5
EQ: estagiário de Química / EF: estagiário de física / EM: estagiário de matemática.
9702
estagiário EM “Vim para conhecer o projeto, tive aula com a coordenadora do grupo no terceiro ano,
gosto muito de pesquisa.[...] Quero ver como funciona o sistema aqui, e contribuir com vocês”. (EM1)
O ambiente proporcionado pelo GEI colabora para que o participante se interesse pela
pesquisa, isso fica evidente na fala do estagiário EQ1, quando comenta porque decidiu
participar das reuniões do grupo “Eu vim para o museu querendo escrever um artigo, mas não
sabia nem por onde começar”. (EQ1)
Nos trechos abaixo o estagiário EF1 comenta sobre como o GEI influenciou o grupo
como um todo, fazendo com que os participantes buscassem estudar e discutir sobre assuntos
diversos, independente da área de formação. Já EQ2 comenta sobre como a participação no
GEI o levou a se interessar pela pesquisa “Acho que muda o interesse em tudo, não só na física na
química, mas em tudo. Na leitura, por exemplo, aqui ninguém lia, passamos a ler mais sobre outros
assuntos. Todos estão procurando outros assuntos, outras atividades”. (EF1)
Falei com a coordenadora que eu também queria participar de pesquisa como todos
estão fazendo e ela deu a ideia de fazer um levantamento da revista “Química nova
na escola” e trabalhar com o que ela traz sobre ensino de química, formação de
professores [...] (EQ2)
Todas as falas apresentadas acima exemplificam o papel que o GEI exerce na
constituição do interesse nas diversas atividades desenvolvidas pelos estagiários e
colaboradores que participam das reuniões.
Em cada um das falas é possível avaliar que a constituição do interesse se dá por
diferentes razões, seja apenas pela curiosidade, pela motivação em aprender ou mesmo por
uma adaptação ao grupo onde está inserido, porém é importante destacar que o interesse não
diz respeito apenas à demonstração mais sim a mobilização que esse interesse causa nos
participantes.
Foco 2 – Compreendendo o Conhecimento Científico
Durante uma discussão sobre o papel do professor, direcionada por um dos estagiários,
EQ3 comenta sobre a ação do professor em sala de aula, fundamentada em uma teoria
estudada em uma disciplina do seu curso de licenciatura.
9703
É como eu aprendi em psicologia, você tem que aprender a contextualizar e fazer
analogias, de acordo com o contexto que a pessoa vive. [...] Como passar o seu
conhecimento para um cara que mora na favela, você tem que usar as analogias
certas. (EQ3)
No exemplo abaixo o estagiário EF2, durante uma apresentação de um seminário
sobre sustentabilidade, faz uma relação entre os conceitos abordados na discussão.
Aqui em Londrina há uma grande concentração de construções no centro, com isso
podemos observar a diferença de temperatura entre o centro e a UEL. Como aqui é
mais arborizada, a temperatura é mais baixa, e esse fenômeno é denominado de
ondas de calor. (EF2)
Observamos que o GEI proporciona um ambiente de aprendizagem onde os estagiários
têm contato com as mais diversas áreas do conhecimento. Nos exemplos acima é possível
evidenciar o foco em questão, pois mostram como os estagiários envolvidos no GEI
compreendem, utilizam e interpretam teorias e explicações.
Nas falas apresentadas os estagiários, articulando seu conhecimento em exemplos
sobre formação de professores ou sobre um conteúdo específico, demonstram seu aprendizado
contextualizando-o durante as discussões do grupo.
Foco 3 – Engajando-se o Raciocínio Científico
Em uma das reuniões do grupo um dos estagiários, aluno de licenciatura em Química,
lançou um desafio matemático para os participantes, nos exemplos abaixo o estagiário EF3
descreve o processo que o levou a resposta do problema: “Eu fiz, desenvolvi de trás para frente.
Eu li ele de baixo para cima”. (EF3)
E em seguida EQ4 conclui: “É bem no final se for fazer as contas nunca sobra um real e
tem várias soluções”. (EQ4)
Os exemplos acima corroboram com o foco 3 no sentido que os estagiários
reconhecem “que a maioria dos problemas apresentam várias soluções possíveis” (NRC,
2009, p.45). Analisando as falas dos estagiários para este foco pudemos observar a presença
de um processo, envolvido por argumentos, hipóteses e questões, levando à construção do
raciocínio lógico.
9704
Foco 4 – Refletindo sobre a Natureza da Ciência
Ainda falando sobre o desenvolvimento do seu artigo, dando sequência a sua fala
citada como exemplo no foco 1, EQ1 incentiva os participantes do GEI a se envolveram na
pesquisa, refletindo sobre sua própria experiência “Mas é legal pessoal, a gente desenvolve bem a
escrita, porque em química a gente não escreve muito durante o curso. A gente tem mania de colocar
tudo muito resumido, mas a gente aprende bastante”. (EQ1)
O diálogo entre EF3 e EQ4, durante um seminário sobre a criatividade, mostra a
reflexão de EQ4 sobre seu próprio conhecimento “A ideia é não se fechar a uma coisa só?” (EF3)
Isso mesmo, no meu ponto de vista ser criativo é olhar para uma coisa e não
necessariamente ver aquela coisa, é imaginar. Aqui tem uma frase dita por um
ganhador do prêmio Nobel de Medicina, que é “ver nas coisas comuns o que
ninguém imagina”. (EQ4)
As falas citadas como exemplos para esse foco de aprendizagem mostram uma
reflexão do estagiário sobre o seu próprio conhecimento e como o GEI propicia situações para
que os participantes, a partir da reflexão e baseados em evidências, estruturem um
pensamento organizado.
Foco 5 – Envolvimento com a Prática Científica
No próximo exemplo EQ1 continua falando sobre sua caminhada na pesquisa, quando
é questionado por um dos participantes a respeito da ideia inicial que o motivou a escrever o
artigo “Não, eu já tinha uma ideia, mas foi mudando aos poucos, a ideia vai amadurecendo pouco a
pouco, você vê as coisas que podem funcionar, as que não vão dar certo”. (EQ1)
Na fala do estagiário EQ3 evidenciamos como seu envolvimento no grupo de
memoristas colabora no seu processo de formação. Enquanto EQ5 comenta sobre a coleta e
organização dos dados no desenvolvimento de sua pesquisa “Com a pratica das memórias além
de você conhecer o que está acontecendo no grupo, você começa a entender o que é um trabalho
cientifico, como é um mestrado um doutorado”. (EQ3)
9705
Uma forma de coleta de dados que eu usei também foi a memória, porque às vezes
no final os alunos vinham perguntar as coisas para a gente. No começo eu fazia
esses relatos, mas aí a coordenadora falou para sistematizar isso em forma de
tabelas. No começo foi difícil porque não tinha muita coisa para colocar, mas depois
ficou mais fácil. (EQ5)
As falas selecionadas como exemplo para o foco 5, demonstram como interação entre
os estagiários durante as atividades desenvolvidas no grupo, auxilia o envolvimento dos
mesmos com a prática.
Segundo o NRC (2009) o foco 5 destaca “maneiras como os cientistas se comunicam
no contexto de seu trabalho e constroem seu próprio domínio de linguagem” (p.46).
Incorporando ao contexto do GEI, esse foco demonstra como os estagiários se envolvem nas
diversas vertentes propostas pelo grupo, engajando-se na prática científica.
Foco 6 – Identificando-se com o Empreendimento Científico
O trecho citado abaixo mostra uma discussão onde é questionado aos estagiários sobre
o que é ser professor e qual seria o seu papel “O professor tem que repensar o papel dele, ele
tem que se reformular e ser para o aluno alguém que vai orientar as informações corretas”
(EF4); “Eu acho que é mais um mediador entre o aluno e o conteúdo que eu tenho que
passar”. (EQ5); “Com tudo isso que foi falado, o que é ser um professor reflexivo?” (EF4); “É
aquele que domina o conteúdo, mas que sabe onde ele está envolvido e consegue
contextualizar tudo isso” (EQ3); “É aquele que desperta no aluno a vontade de aprender”.
(EF4)
Eu acho que é na graduação. Lá a gente vê se gosta ou não. [...] Isso tá na formação
inicial dele. O professor tem que gostar. [...] Eu acho que é importante o que você
ensina e a forma como você ensina. Cada turma você tem que dar aula de um jeito.
(EQ3)
É possível evidenciar uma reflexão dos estagiários envolvidos na discussão com
relação a sua identidade profissional, isto é, com sua identidade docente. As falas referidas
foram enquadradas neste foco, pois mostram o envolvimento dos estagiários como membros
de um grupo, nesse caso especificamente, de professores em formação.
9706
Considerando as falas apresentadas no foco 6, concluímos que os estagiários que
participam do GEI a mais tempo apresentam maior autonomia em refletir sobre sua identidade
no grupo, convergindo com o NRC (2009, p.74) quando afirma que o desenvolvimento é
equivalente ao tempo de inserção do participante no programa.
Analisando os dados em sua totalidade é possível constatar que os focos são
interdependentes, ou seja, “os avanços em um estão estreitamente associados com os avanços
nos outros” (NRC, 2009). Destacamos como exemplo as falas do estagiário EQ1 que durante
sua trajetória no GEI constrói uma caminhada como pesquisador iniciante.
Concluímos, portanto que o local exerce um papel importante na interação entre o
aprendiz e a busca pelo conhecimento em diversas áreas. Segundo o NRC (2009, p. 37),
espaços como o proporcionado pelo GEI aos estagiários “influenciam de maneira central os
processos e os resultados da aprendizagem”.
REFERÊNCIAS
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São Carlos: São Bernardo: EdUFSCar, EdUMESP, 124p. 2000.
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reflexões sobre a aprendizagem científica em ambientes informais